quarta-feira, 27 de agosto de 2014

SEXO COM MENOR DE 14 É CRIME, MESMO COM CONSENTIMENTO, DECIDE STJ


Sexo com menor de 14 anos é crime, mesmo com consentimento, decide STJ


Fazer sexo com pessoa com menos de 14 anos é crime, mesmo que haja consentimento. Por isso, um padrasto que manteve relações sexuais com sua enteada de 13 anos foi condenado pelo Superior Tribunal de Justiça. O homem havia sido absolvido em 1ª e 2ª instâncias.

Ao condenar o réu, a 6ª Turma do STJ entendeu que a presunção de violência nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor contra menores de 14 anos tem caráter absoluto, de acordo com a redação do Código Penal vigente até 2009. De acordo com esse entendimento, o limite de idade é um critério objetivo "para se verificar a ausência de condições de anuir com o ato sexual".

A partir da Lei 12.015/09, que modificou o Código Penal em relação aos crimes sexuais, o estupro (sexo vaginal mediante violência ou ameaça) e o atentado violento ao pudor (outras práticas sexuais) foram fundidos em um só tipo, o crime de estupro. Também desapareceu a figura da violência presumida, e todo ato sexual com pessoas com menos de 14 anos passou a configurar estupro de vulnerável.

Histórico
Denunciado por sua companheira, o réu foi absolvido em 2009 pelo juízo de primeiro grau do Tribunal de Justiça de São Paulo. Para a magistrada, a menor não foi vítima de violência presumida, pois “se mostrou determinada para consumar o coito anal com o padrasto. O que fez foi de livre e espontânea vontade, sem coação, ameaça, violência ou temor. Mais: a moça quis repetir e assim o fez”.

O TJ-SP manteve a absolvição pelos mesmos fundamentos. Conforme o acórdão, a vítima narrou que manteve relacionamento íntimo com o padrasto por diversas vezes, sempre de forma consentida, pois gostava dele. A maioria dos desembargadores considerou que o consentimento da menor, ainda que influenciado pelo desenvolvimento da sociedade e dos costumes, justificava a manutenção da absolvição.

Para o ministro do STJ, Rogério Schietti, é frágil a alusão ao “desenvolvimento da sociedade e dos costumes” como razão para relativizar a presunção legal de violência prevista na antiga redação do Código Penal. O “caminho da modernidade”, disse Schietti, é o oposto do que foi decidido pela Justiça paulista.

“De um estado ausente e de um Direito Penal indiferente à proteção da dignidade sexual de crianças e adolescentes, evoluímos paulatinamente para uma política social e criminal de redobrada preocupação com o saudável crescimento físico, mental e afetivo do componente infanto-juvenil de nossa população”, afirmou o ministro.

Ele também considerou “anacrônico” o discurso que tenta contrapor a evolução dos costumes e a disseminação mais fácil de informações à “natural tendência civilizatória” de proteger crianças e adolescentes, e que acaba por “expor pessoas ainda imaturas, em menor ou maior grau, a todo e qualquer tipo de iniciação sexual precoce”.

A 6ª Turma deu provimento ao recurso para condenar o padrasto pela prática do crime de atentado violento ao pudor, cometido antes da Lei 12.015. O processo foi remetido ao TJ-SP para a fixação da pena. Com informações da Secretaria de Comunicação Social do STJ.

Revista Consultor Jurídico, 26 de agosto de 2014, 21:13

EMPRESA TERÁ QUE INDENIZAR TRABALHADOR QUE TEVE CAPACETE FURTADO NO LOCAL DE TRABALHO




Empresa terá que indenizar trabalhador que teve capacete furtado no local de trabalho



A empregadora deve disponibilizar local próprio nas suas dependências para o trabalhador guardar seus pertences com segurança. Caso contrário, terá de pagar indenização se algum bem do empregado for furtado, pois cabe ao empregador assumir os riscos do empreendimento. Foi esse o entendimento manifestado pela 3ª Turma do TRT-MG ao julgar o caso de um empregado que teve o capacete furtado dentro da empresa.

O reclamante alegou que fazia o percurso casa-trabalho em sua moto e sempre chegava à empresa carregando o seu capacete. Disse que a ré disponibilizava um vestiário para a troca de roupa dos funcionários e os pertences de todos ficavam lá. Mas, como o capacete dele não cabia dentro do armário, acabou sendo furtado. Por isso, pediu indenização.

O juízo sentenciante deu razão ao empregado, entendimento que foi mantido pela relatora do recurso da empresa, desembargadora Taísa Maria Macena de Lima. Isto porque, uma testemunha ouvida no processo confirmou que o armário era pequeno e não cabia o capacete. Disse ainda que estava presente quando o empregado, ao retornar do trabalho para o vestiário, não encontrou o capacete no local em que o havia colocado. A relatora valorizou esse depoimento, considerado convincente pelo julgador de origem, o qual, segundo a desembargadora, tem melhor condição de avaliar a credibilidade das declarações prestadas em audiência.

"Ficou, assim, satisfatoriamente comprovado que o reclamante teve seu capacete furtado dentro do vestiário da empresa e que tal fato não teria ocorrido se a reclamada tivesse disponibilizado recinto próprio nas suas dependências para acomodação dos pertences do trabalhador, principalmente aqueles, como o capacete, de uso necessário para viabilizar a prestação de serviços em benefício da empresa", registrou a relatora, mantendo a condenação da empresa a pagar o valor equivalente ao capacete furtato, no que foi acompanhada pela Turma julgadora.

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Nesta quinta, no projeto LEIS&LETRAS: 

Assista ao filme "Getúlio" e participe do debate com o roteirista George Moura e o jornalista Carlos Marcelo Carvalho (editor-chefe do Estado de Minas) 
Dia 28/08/2014, às 17h, no auditório do TRT-MG (Avenida Getúlio Vargas, 225, 10º andar) 
Evento aberto ao público. Promoção: Escola Judicial TRT-MG e Biblioteca Juiz Cândido Gomes de Freitas. 
Inscrições até 28 de agosto de 2014, às 12h. Preencha o formulário no site da Escola Judicial. 
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Fote: TRT3ª 

terça-feira, 26 de agosto de 2014

JUSTIÇA DO TRABALHO RECONHECE SALÁRIO EXTRAFOLHA POR FALTA DE PROVA




JT não reconhece salário extrafolha por falta de prova 





Se o empregador demandado em juízo apresenta documentos comprovando o valor do salário, cabe ao reclamante produzir provas de que havia pagamento por fora. É que somente uma prova convincente do salário extrafolha é capaz de desconstituir a prova documental apresentada pelo patrão.

Nesse sentido foi a decisão do juiz Henoc Piva, na titularidade da Vara do Trabalho de Três Corações, ao analisar a reclamação ajuizada por um trabalhador que alegou ter recebido salário não contabilizado durante o período em que trabalhou para uma mineradora. Por entender que as provas apresentadas pelo trabalhador foram frágeis, o magistrado julgou improcedentes os pedidos relacionados à alegação.

O juiz sentenciante acatou a versão da reclamada de que não existia pagamento por fora, considerando que ela apresentou os holerites do período trabalhado. Para julgador, a ré cumpriu sua obrigação processual de provar o valor dos salários, nos termos do artigo 464 da CLT. Esse dispositivo prevê que o pagamento do salário deve ser efetuado contra recibo, assinado pelo empregado, o que foi devidamente observado.

Já o reclamante não apresentou provas robustas de sua alegação. Ao confrontar os depoimentos das testemunhas indicadas, o magistrado percebeu divergências, concluindo que alguém estava faltando com a verdade. Por essa razão, considerou imprestáveis os testemunhos como prova do alegado, reconhecendo como verdadeiro o conteúdo dos holerites anexados aos autos.

O juiz também chamou a atenção para o fato de que o próprio reclamante não demonstrou certeza de sua remuneração. Tanto assim que indicou um valor na petição inicial e apontou outro ao ser ouvido em audiência. Os dados reforçaram a conclusão do julgador de que o salário pago era apenas o comprovado pela mineradora nos autos.

"Não havendo comprovação inequívoca de pagamento de salário extrafolha e de irregularidade na quitação das verbas contratuais, indeferem-se os pedidos consectários", foi como decidiu o julgador, diante da ausência de prova convincente do pagamento extrafolha. O entendimento foi mantido pelo TRT de Minas.( 0000512-04.2012.5.03.0147 RO )

Fonte: TRT3ª Região

NOVO CPC NÃO DEVE ADOTAR CONCEITO SOBRE CONDIÇÕES PARA A AÇÃO


Novo CPC não deve adotar conceito sobre condições para a ação




Com a proximidade da aprovação do projeto do novo Código de Processo Civil no Congresso Nacional, passaremos a veicular, nesta coluna, predominantemente textos relacionados à nova lei que se avizinha.

Teremos por foco pontos que consideramos chavedo novo Código (que chamaremos, por comodidade, de NCPC), aspectos que repercutam, de modo mais rente, na vida daqueles que atuam no dia a dia do foro. Procuraremos, também, responder às questões que nos forem enviadas — para saber como enviar suas dúvidas, cliqueaqui. Esperamos, com isso, que os textos por nós publicados nesta coluna continuem a ser úteis a advogados, defensores públicos, juízes, promotores de Justiça, professores, estudantes, enfim, a todos que se interessam por esse tema.

Daremos início a esta série comentando algo sobre aquilo que se convencionou chamar de condições da ação. Valemo-nos da fórmula por comodidade, pois assim o assunto é conhecido entre nós, tendo esse termo, inclusive, sido expressamente referido, no CPC de 1973 (artigo 267, inciso VI).

O NCPC não utiliza tal expressão — há ótimo quadro comparativo, elaborado pelo Serviço de Redação da Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal, disponível para download aqui. No artigo 495, inciso VI, do projeto (na versão Câmara dos Deputados; artigo 472, inciso VI, na versão do Senado) há apenas menção à hipótese em que o juiz se manifesta sobre a ausência de legitimidade ou interesse processual — sobre a possibilidade jurídica, confira o que se diz infra.

Essa opção do projeto, tomada, desde o início, pela comissão que elaborou o anteprojeto do novo CPC, nos parece a mais acertada. A lei, em princípio, não deve adotar um determinado conceito ou concepção doutrinária. O projeto, em outros casos, opta por “definir” institutos jurídico-processuais, aparentemente seguindo determinada concepção doutrinária, algo que não nos parece correto. Restará à doutrina e à jurisprudência definir se, à luz do NCPC, fará, ainda, sentido falar em “condições da ação”, ou se legitimidade e interesse processual seriam matérias que poderiam se inserir entre os pressupostos processuais ou no mérito.

A possibilidade jurídica não é mencionada pelo NCPC. Os casos em que, à luz do CPC de 1973, considera-se a demanda juridicamente impossível, devem se ajustar, à luz do NCPC, à improcedência do pedido ou, eventualmente, à falta de interesse processual — a respeito, confira texto que escrevemos há bom tempo, mas que ainda mostra-se atual, intitulado “Possibilidade jurídica do pedido e mérito”, publicado em 1999 na Revista de Processo, v. 93.

Embora sem adotar um nome para tais figuras (como “condições da ação”), ou inseri-las em determinada categoria processual, parece certo que o NCPC deu a elas tratamento singular. Diz o texto do projeto, como antes se observou, que, no caso, se está diante de hipótese em que o juiz não se pronuncia sobre o mérito. Tal decisão faria coisa julgada? Costuma-se dizer, tradicionalmente, que não. O artigo 268 do CPC de 1973, a propósito, dá a entender que, caso o processo seja extinto sem resolução do mérito por falta de uma das condições da ação, a mesma ação poderia ser reproposta (e extinta pelo mesmo motivo) indefinidamente. Essa não parece ser uma solução adequada — confira a respeito o que escrevemos no texto antes referido, e ampla doutrina ali citada.

O NCPC dá tratamento diverso ao tema, ao dizer que, em caso de extinção do processo por falta de legitimidade e interesse processual, “a propositura da nova ação depende da correção do vício” (artigo 496, parágrafo 1º, versão Câmara dos Deputados; artigo 473, parágrafo 1º, versão Senado). A confirmar essa ordem de ideias, o projeto admite o ajuizamento de ação rescisória contra “decisão transitada em julgado que, embora não seja de mérito, não permita a repropositura da demanda ou impeça o reexame do mérito” (artigo 978, parágrafo 2º, versão Câmara; sem correspondente, na versão do Senado).

Há, aí, algo similar àquilo que se convencionou chamar de efeito negativo da coisa julgada — em estudo dedicado à possibilidade jurídica, antes referido, sustentamos que se deve admitir que há, no caso, coisa julgada.

O tema a que nos referimos no presente texto é, evidentemente, muito complexo, a merecer exame mais demorado e aprofundado. Nós mesmos pretendemos fazer isso em outros estudos. Embora saibamos que muitos não cultivam esse modo de pensar, parece-nos possível tratar de temas complexos sem complicá-los ainda mais. Especialmente nessa “fase” de transição entre o CPC de 1973 e o NCPC, devemos tentar ser precisos, mas com leveza, com a máxima simplicidade possível, embora sem cair em simplismos.

Esse é o nosso propósito. Que os textos já publicados e os que seguirão nesta coluna o alcancem, é o que mais desejamos. 


José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.



Revista Consultor Jurídico, 25 de agosto de 2014, 10:57

METÁFORAS E METONÍMIAS INCONSCIENTES (DES)CONSTROEM SENTIDOS NAS DECISÕES


Metáforas e metonímias inconscientes (des)constroem sentidos nas decisões


Por Marco Aurélio Marrafon


A decisão judicial é, antes de tudo, um ato complexo de produção de sentido de algo. O decidir juridicamente se desenvolve enquanto processo cognitivo que depende de inúmeros condicionantes, muitos dos quais não controláveis racionalmente. No entanto, a exigência de segurança jurídica impõe deveres doutrinários e constrangimentos normativos no intuito de tornar esse ato o menos discricionário possível.

Assim como toda boa receita necessita de um bom diagnóstico prévio, o primeiro grande desafio a ser enfrentado para superar essa problemática é a busca dos vetores de sentido discursivo que são determinantes no resultado final. Ao descrever adequadamente o fenômeno, aumentam-se as chances de uma prescrição adequada.

Nesse contexto, partindo da teoria do signo de Saussure e avançando na análise da linguística e sua importância para o direito, a coluna de hoje busca sintetizar algumas lições do querido mestre Jacinto Coutinho, que tem se dedicado ao estudo aprofundado da relação entre linguagem, psicanálise e decisão judicial em suas aulas no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR, desnudando os processos ocultos de (des)construção dos sentidos, especialmente quando giros metafóricos ou metonímicos subvertem a possibilidade de um julgamento racional.

Eixos de combinação e de seleção na formação do sentido
A linguística sincrônica de Saussure se preocupa com o estudo da língua em estado isolado do tempo (corte transversal) como um sistema. Nele, as palavras ganham sentido em razão da função que desempenham na frase, quando relacionadas com os demais elementos do sistema linguístico.

Isso significa que a produção de significado se dá inicialmente no âmbito interno da oração (analítica). Por exemplo, dizer que “Getúlio Vargas foi um grande homem” não é o mesmo que dizer que “Getúlio Vargas foi um homem grande”, até porque a última frase seria facilmente desmentida em face da notória baixa estatura do ex-presidente.

Nesse caso, a simples troca de lugar da palavra “grande” gera uma alteração significativa do sentido da expressão. Essa relação ocorre em virtude da composição de palavras com funções diferentes — sujeito, verbo, predicado e suas adjetivações. Saussure denomina relações deste tipo de sintagmáticas, as quais se realizam no “eixo da combinação” e decorrem do caráter linear dos significantes, que não podem ser simultâneos e se formam na presença de dois ou mais termos, em que o sentido de um depende da posição do outro, que o precede ou o sucede[1], numa série efetiva[2].

A abordagem lógico-analítica do texto, contudo, é insuficiente para a aferição do sentido. O texto demanda o contexto para fazer sentido. Na linguagem heideggeriana, diríamos que o logos apofântico é sustentado pelologos hermenêutico, base material da compreensão no mundo vivido.

Como ainda não estamos avançando nas propostas da hermenêutica filosófica, por ora retomamos Saussure, que percebe a existência de outro eixo, o da seleção, de grande interesse para o estudo das funções do signo e também para a identificação das figuras de linguagem, sustentadas justamente pelo sentido oculto no contexto em que se fala.

No eixo da seleção se desenvolvem as relações associativas (também denominadas paradigmáticas) que ocorrem entre signos suscetíveis de figurarem no mesmo ponto, podendo variar ou não o sentido. O importante é que haja uma associação mental que pode ser de sinônimo, antônimo ou mesmo mera semelhança sonora ou escrita. Por isso, elas se dão na ausência ou substituição[3].

Essas relações podem ser visualizadas da seguinte maneira:



No eixo da combinação, há a junção de palavras com funções diferentes João+é+culpado (sujeito+verbo+predicado) que produzem sentido quando colocadas em conjunto, na presença simultânea de uma com a outra. No exemplo de Getúlio, citado anteriormente, fica claro como uma mudança nesse eixo também produz mudança no sentido.

Já no eixo da seleção, a troca da palavra “culpado” por “inocente” — que desempenham a mesma função na frase — revela uma operação de substituição que inverte completamente o resultado.

Giros metafóricos e metonímicos
Ao investigar as metáforas e metonímias a partir dos eixos da linguística sincrônica de Saussure e aplicá-las ao estudo das funções da linguagem, o linguista russo Roman Jakobson nota que a função poética promove ao menos duas rupturas na análise da estrutura convencional da língua: i) no plano da expressão, onde, em nome da sonoridade, ritmo e entoação, prefere-se a opacidade em detrimento da transparência e ii) no plano das associações de elementos da língua, uma vez que ela combina, no sintagma, elementos similares, fugindo da normalidade em prol da sonoridade.

Essas rupturas acontecem porque, na função poética, existe a possibilidade de projeção do princípio da equivalência (próprio do eixo da seleção, onde normalmente há a substituição de expressões com mesma função), sobre o eixo da combinação (sintagmático), fazendo com que a equivalência seja promovida a recurso constitutivo da sequência. Ou seja, de maneira mais clara: em casos como este, palavras com a mesma função são combinadas[4].

Um exemplo deixa claro esse recurso: a mensagem “Pesque o peixe” — “Pague o peixe”, torna-se simplesmente “Pesque e pague”, onde os elementos similares (pesque – pague) estão combinados sequencialmente. O mesmo recurso poético aparece na célebre frase atribuída a Júlio César: “Vim, Vi e Venci”. Normalmente, uma frase apenas composta de verbos não faz sentido algum.

Tais análises permitem a Jakobson confirmar que a linguagem possui uma estrutura bipolar onde, no desenvolvimento de um discurso, um tema pode levar a outro por similaridade ou por proximidade (contiguidade)[5]. Nesses casos, pode haver mudança no sentido constituído pelo significante convencionalmente posto por meio das duas principais figuras da linguagem: a metonímia e a metáfora[6].

As relações de contiguidade são marcas do processo metonímico que, segundo Jakobson, se realizam “como projeções da linha de um contexto habitual sobre a linha de substituição e seleção; um signo (garfo, por exemplo), que aparece ordinariamente ao mesmo tempo que outro signo (faca, por exemplo) pode ser utilizado no lugar desse signo”[7]. A metonímia também é chamada de sinédoque quando indica a substituição da parte pelo todo, ou vice-versa.

Na música Luz dos Olhos — de Nando Reis e Andréia Martins — encontramos farta utilização desses recursos. A frase “pus nos olhos vidros para poder melhor te enxergar” indica claramente uma metonímia/sinédoque, uma vez que a palavra “vidros” não está ali colocada em seu sentido comum, mas antes aparece combinada com outros elementos na oração que deixam claro se tratar de um substitutivo para “óculos”. É a combinação que permite essa construção de sentido.

Já a metáfora é caracterizada pelas relações de similaridade, nas quais um termo metafórico é substituído por outro[8], operação permitida em razão de algum elemento comum e oculto entre eles, que sustenta a possibilidade da troca de significantes. É o que ocorre, por exemplo, quando dizemos: “Parabéns por mais uma primavera!” referindo-se a “aniversário”. Essa troca só é possível porque algo oculto sustenta o sentido, talvez a ideia de recomeçar/ renovar a vida com um senso de juventude, frescor e esperança, próprios da primavera e da entrada em uma nova idade.

Transpondo essas lições para o campo da psicanálise e suas implicações no problema cognitivo da decisão judicial, compreende-se que, uma vez aceita a tese de Lacan de que o inconsciente é estruturado como linguagem[9] — ou seja, o inconsciente entendido como uma cadeia de significantes constituídos em outra lógica a partir de discursos, opiniões e desejos externos internalizados e organizados paralelamente à cadeia pré-compreensiva do Eu-sujeito consciente[10] — conclui-se que, por vezes, ele [inconsciente] faz irromper sentidos antecipados e expressões das quais não se tem controle, que substituem e tomam o lugar de signos pertinentes na cadeia linguística, gerando novas e diversas significações.

Isso é possível através de processos metonímicos e metafóricos que, aparentemente, se realizam nos moldes já percebidos por Jakobson, ou seja, a partir de novas combinações e/ou trocas de signos nos eixos estruturais da linguagem.

A metonímia se revela na incorporação discursiva do conceito freudiano de deslocamento, que leva ao direcionamento da carga emotiva reprimida para algo que lhe aparece numa relação de contiguidade. No exemplo trazido por Rosenfield, a aversão a um tio que usava bengalas pode ser deslocada para a própria bengala, já que ambos apareciam sempre combinados, justapostos[11].

Nessa operação, é o “recalque” (a barra entre significante e o significado), que faz com que “dentro de todas as possibilidades de sentidos das combinações da materialidade do significante, só permite produzir ‘um’ sentido”[12], tornando possível a compreensão de que, a metonímia, ao edificar relações contíguas e contextuais, é o mecanismo que doa o sentido permitido pelo recalque, ou seja, o sentido que conseguiu burlar esse filtro de significação[13].

Já a substituição de significantes na metáfora é possível porque Lacan atribui a ela a incorporação do conceito freudiano de condensação, o qual, nas resumidas palavras de Rosenfield, “é o processo psíquico mediante o qual as similaridades são reunidas e enfatizadas, às custas das diferenças.”[14].

Decisão sem compreensão
A partir dessa constatação, é possível perceber porque é bastante comum a ocorrência desses giros linguísticos movidos pelo inconsciente, fazendo com que a antecipação de sentido nada tenha de racional. O exemplo clássico de substituição inconsciente metafórica é o da troca da expressão “meus pêsames” por “parabéns”, ao cumprimentar a viúva em razão da morte do marido que a maltratava — ou ainda, ao alterar o significante no signo sem alterar o conceito — isto é, a pessoa ouve o som “meus pêsames” mas o significa como “parabéns”.

Esses giros podem ocorrer também através da reorganização das palavras (ou de seu conteúdo) no eixo da contiguidade, através de um processo metonímico que promova novas formas de combinação de significantes.

Quando isso ocorre, pode-se afirmar que surge uma decisão a partir da não-compreensão, justamente porque é movido pelo inconsciente que trabalha com outra lógica, com uma racionalidade que foge das nossas possibilidades de entendimento. Nesses casos, como lembra Jacinto Coutinho, as metáforas e metonímias “esvaziam de sentido (ou conteúdo) preestabelecido qualquer palavra que ganhe um giro marcado pela força pulsional, logo, determinada pelo inconsciente”[15]. Uma vez tomada a decisão, o resto é justificação argumentativa.

No processo judicial, especialmente o penal, essa substituição pode ganhar ares dramáticos quando “João” deixa de ser inocente para ser culpado por meio de uma antecipação inadequada, motivada por uma aversão (à pessoa, à roupa, a seu modo de falar) inconsciente que desloca os sentidos: a defesa não é ouvida, toda a acusação é confirmada pelo filtro do desejo — especialmente quando se está diante de um justiceiro que quer preservar a legalidade violando a legalidade.

Imagine-se quantos giros podem ocorrer durante a narração de um crime pela testemunha, enquanto o juiz a ouve e atribui conteúdo às palavras a todo instante. O mesmo vale para o estudo dos fatos e da legislação aplicável.

Sem a percepção desses fenômenos, ainda é comum na práxis judicial a colocação de palavras com eminente caráter retórico (no lugar daquilo que se deveria compreender), utilizadas para justificar decisões judiciais que revelam, tão somente, as idiossincrasias do órgão judicante.



[1] SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. 25 ed. , trad. Antonio Chelini et all. São Paulo: Cultrix, 2003. p. 142-143.


[2] PIETROFORTE, Antonio Vicente. A língua como objeto da lingüística. In: FIORIN, José Luiz (org). Introdução à lingüística: I. objetos teóricos. São Paulo: Contexto, 2005, p. 88.


[3] Ibid., p. 89.


[4] JAKOBSON, Roman. Lingüística e poética. In: In: JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação. 19 ed. trad. Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 2003. p. 118 e ss.


[5] JAKOBSON, Roman. Dois aspectos da linguagem e dois tipos de afasia. In: JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação..., p. 55 e ss.


[6] SOUZA LEITE, Márcio Peter de. A negação da falta: cinco seminários sobre Lacan para analistas kleinianos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1992, p. 49.


[7] Id.


[8] JAKOBSON, Roman. Dois aspectos da linguagem e dois tipos de afasia..., p. 61.


[9] LACAN, Jacques. O seminário. Livro 20: mais ainda. 2 ed. trad. M.D. Magno. São Paulo: Jorge Zahar Editor, 1990, p. 65-66.


[10] Cf. FINK, Bruce. O sujeito lacaniano: entre a linguagem e o gozo. Trad. Maria de Lourdes Sette Câmara. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, p. 28.


[11] ROSENFIELD, Michel. A identidade do sujeito constitucional. trad. Menelick de Carvalho Netto. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 68.


[12] SOUZA LEITE, Márcio Peter. A negação..., p. 48.


[13] LACAN, Jacques. Escritos. 4. ed. Trad. Inês Oseki-Depré. São Paulo: Perspectiva, 1996, p. 242.


[14] ROSENFIELD, Michel. A identidade...,p. 61.


[15] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Dogmática crítica e limite lingüísticos da lei. In: MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de; LIMA, Martonio Mont’Alverne Barreto (orgs.). Diálogos constitucionais: direito, neoliberalismo e desenvolvimento em países periféricos. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 225.


Marco Aurélio Marrafon é presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst, Professor de Direito e Pensamento Político na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e Advogado.



Revista Consultor Jurídico, 25 de agosto de 2014, 18:42

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

MATERIAL DE APOIO - EMPRESARIAL II - MERCADO DE AÇÕES


Mercado de Ações


O mercado de ações é uma das formas mais fascinantes de investimento. As grandes oscilações e a ilusão de enriquecimento rápido o tornam muito perigoso também. No entanto, ele tende a proporcionar as melhores rentabilidades no longo prazo, pois o tempo ajuda a diluir o risco da volatilidade de curto prazo. Em suma, o mercado de ações é um excelente remunerador de capital e não gerador de riqueza.



O que é uma ação?

Ação é um título que representa uma fração do capital social de uma empresa de capital aberto. Uma companhia é considerada de capital aberto quando promove a colocação de valores mobiliários em bolsas de valores ou no mercado de balcão.

Para as empresas, lançar ações no mercado é uma forma de captar recursos de forma mais barata do que através de instituições financeiras e, dessa maneira, conseguir novos sócios.

Tipos de ações

As ações podem ser de dois tipos: ordinárias (ON), que dão direito ao seu titular de votar nas assembléias deliberativas da companhia, mas é válido ressaltar que seu patrimônio particular não será afetado sobre as dívidas da empresa; ou preferenciais (PN), que garantem vantagens na distribuição dos dividendos e também em caso de liquidação da empresa.

Nomenclatura e Lote Padrão

Geralmente, as ações possuem a seguinte nomenclatura: quatro letras que identifiquem a empresa, seguidas pelos números 3, 4, 5 ou 11. O número 3 representa as ações ordinárias; os números 4 e 5 representam as ações preferenciais (as diferenças entre elas dependem do estatuto de cada empresa) e o número 11 representa as units, que são ativos compostos por mais de uma classe de valores mobiliários. Por exemplo: PETR3, PETR4, VALE5 e ALLL11 (composta por 1 ação ON e 4 PN).

O lote padrão costuma ser de 100 ações por operação. No entanto, existe o mercado fracionário, onde pode ser negociada qualquer quantidade entre 1 e 99 ações e nesse caso o nome muda, colocando um “F” no final da ação: PETR4F.

Bolsas de Valores

As bolsas de valores são centros de negociações de ações e outros ativos, como derivativos. É através delas que investidores compram ou vendem valores mobiliários. No Brasil, a principal bolsa se chama BM&FBOVESPA e administra o mercado de Bolsa e Balcão Organizado. A fiscalização das atividades do mercado de valores mobiliários fica a cargo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Segundo o site CVM: “a principal função de uma bolsa de valores é proporcionar um ambiente transparente e líquido, adequado à realização de negócios com valores mobiliários. Somente através das corretoras, os investidores têm acesso aos sistemas de negociação para efetuarem suas transações de compra e venda desses valores.”

O que é o IBOVESPA?

As bolsas de valores criam índices de ações que representam uma parcela dos ativos negociados para facilitar o acompnhamento do mercado. No caso da BM&FBOVESPA, o principal índice é oIBOVESPA, composto pelas ações mais negociadas na bolsa e serve como proxy da rentabilidade e risco do mercado.

Como comprar e vender ações?

Para começar a negociar ações é muito simples, basta abrir conta numa corretora de valores, que é uma instituição financeira que intermedeia a compra e venda de ações. As operações podem ser realizadas através do home broker (ferramenta online, que serve para comprar e vender títulos mobiliários e funciona como um home banking) ou mediante contatos com seu corretor (telefônico, e-mail, pessoal e etc.).

Custos

Os custos são constituídos por taxas de corretagem, de custódia e emolumentos. As duas primeiras remuneram a corretora, cujos valores variam bastante de instituição para instituição e podem ser negociadas de acordo com o volume operado. Já os emolumentos constituem fontes de receitas primordiais da Bolsa.

A corretagem pode ser fixa, paga por operação, independente do volume, ou variável, de acordo com o montante negociado diariamente. Normalmente, a segunda opção é mais cara porque tem um corretor que realiza as operações pelo investidor via e-mail ou telefone. Além disso, ele pode auxiliar nas decisões de investimento. A corretagem variável segue a Tabela Bovespa:



Tabela Bovespa


Volume 


Adicional


Até R$ 135,07 

0,00% 

R$ 2,70


R$ 135,08 até R$ 498,62 

2,00% 

R$ 0,00


R$ 498,63 até R$ 1514,69 

1,50% 

R$ 2,49


R$ 1.514,70 até R$ 3.029,38 

1,00% 

R$ 10,06


R$ 3.029,39 em diante 

0,50% 

R$ 25,21


Mas, é importante salientar que o corretor vive do volume negociado e não da rentabilidade do investidor. Em princípio, é provável que ele incentive o giro, o que nem sempre é a melhor opção, devido aos altos custos. Portanto, muito cuidado na escolha desse profissional.

Imposto de Renda

O IR é calculado com base na alíquota de 15% sobre o lucro auferido e deve ser pago mensalmente via documento de arrecadação instituído pela Secretaria da Receita Federal (DARF código 6015). O pagamento do imposto é dever do investidor, o que requer o acompanhamento mensal de seus resultados. Note-se que esse procedimento é contrário ao dos fundos de investimentos e ativos de renda fixa, cujo imposto é deduzido do resultado pelos respectivos administradores.

Quanto às operações de day trade, o IR é de 20%. Prejuízos em operações de day trade também podem ser compensados, mas apenas para operações onde a abertura e o fechamento da posição ocorreram no mesmo dia.

Vale salientar que, caso tenha prejuízo em algum mês, este pode ser descontado de lucros futuros.

Por exemplo, se o investidor tiver lucro de R$ 100 numa operação que durou mais de um dia e perder R$ 50 em outra de mesma natureza, terá que pagar IR de 15% sobre R$ 50. No entanto, se a segunda operação tiver sido um day trade, então terá que pagar 15% sobre os R$ 100. Além disso, o IR para ações é isento para pessoas físicas cuja soma das vendas mensais não ultrapasse R$ 20.000. Isso é uma grande vantagem para investidores de longo prazo e que giram pouco.

Proventos

A distribuição de proventos é a forma pela qual as empresas repartem, com seus acionistas, parte dos seus lucros. Estes podem ser na forma de dinheiro, através dos dividendos e juros sobre o capital próprio ou na forma de ações, como ocorre com as subscrições e bonificações. As empresas são obrigadas a distribuir pelo menos 25% do lucro gerado em forma de dividendos.

Uma pergunta freqüente é: se o valor recebido pelos proventos é descontado do preço da ação, qual a vantagem?

Primeiramente, os dividendos são isentos de IR. Então para quem precisa de caixa é como se tivesse vendido uma parcela de suas ações sem o ônus do IR. Depois, o valor que é “retirado” da ação tende a voltar, pois, como a empresa tende a crescer, mais lucro deverá ser gerado.

Os dividendos são a forma mais comum de recebimento e podem ser mensais, trimestrais, semestrais, anuais e etc. São distribuídos proporcionalmente de acordo com o número de ações que a empresa lançou.

A reaplicação dos proventos, principalmente dos dividendos, produz um efeito exponencial na rentabilidade acumulada quando reinvestidos, por isso é uma ótima estratégia para investidores de longo prazo.

Outra forma de divisão dos lucros é através dos juros sobre o capital próprio (JCP). Este é mais vantajoso para a empresa, pois transfere para o acionista o ônus do imposto, que é de 15% e é retido na fonte. Além disso, a empresa ainda coloca a sua distribuição como despesa no balanço, servindo como estratégia fiscal.

A bonificação normalmente se dá sob a forma de ações, representado uma distribuição gratuita de novas ações, geralmente em função de aumento de capital ou incorporação de reservas. A bonificação aumenta a quantidade de ações da empresa, sem alterar o valor do patrimônio.

A subscrição representa o direito dos acionistas para que eles adquiram novas ações em quantidade proporcional às possuídas, em contrapartida à estratégia de aumento de capital da empresa. A vantagem é que normalmente essas ações são compradas com preço menor que o de mercado.

Quando uma empresa divulga o pagamento de algum provento, ela anuncia o valor, a data do pagamento e a última data “com” para o pagamento dos proventos. Você precisa estar com a ação da empresa nesta data para ter direito ao provento. No dia após a última data “com” a ação se torna “ex” e o valor do provento é descontado do seu preço. 

Aluguel de ações

Investidores de longo prazo que não pretendem vender suas ações podem incrementar sua rentabilidade alugando-as. Por outro lado, a principal razão para os tomadores do empréstimo é a possibilidade de vender o papel a descoberto.

O aluguel pode ser de duas maneiras: reversível, onde o tomador pode finalizar a operação quando desejar e não reversível e o empréstimo somente termina ao final do prazo estipulado. As taxas são baixas para ações das maiores empresas, as blue chips. Chegando a menos de 1% a.a.

Essa operação requer margem para os tomadores, como forma de garantia. A margem para alugar ações é de 100% do valor do aluguel mais a requerida pela Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC) e deve estar disponível no ato da operação. A margem requerida varia diariamente com as oscilações do papel e ajustes podem ser necessários. Alguns ativos aceitos como margem são:
Títulos públicos;
Ouro ativo financeiro;
Ações pertencentes à carteira teórica do Índice Bovespa (outras ações admitidas à negociação em bolsa de valores são aceitas somente mediante consulta);
Títulos privados;

Grupamento e Desdobramento

O Grupamento de ações é uma operação na qual a empresa diminui o número de ações sem alterar o valor do seu capital social, mediante o agrupamento de várias ações em uma única ação. Para o investidor, absolutamente nada muda. Já o desdobramento é justamente o oposto do grupamento. No desdobramento cada ação vira x ações e o preço do papel é dividido por x.

IPOs

O Brasil teve um boom entre 2004 e 2006 de initial public offerings (IPO), ou oferta pública inicial de ações, que é a forma pela qual as empresas entram no mercado acionário. Nesse período, praticamente todas as ações lançadas davam lucros no dia de lançamento. O mercado estava eufórico e em tendência de alta.

Depois da crise de 2008, muito desses papéis caíram bastante, alguns não estão nem perto do seu preço de venda inicial, como a Gafisa (GFSA3) que apresenta, hoje, perda de aproximadamente 70% do seu preço de lançamento. Algo similar aconteceu nos EUA com a crise das “ponto com”, onde várias empresas foram lançadas a preço de ouro e quando a euforia baixou, a maioria teve suas cotações pulverizadas.

Governança Corporativa

Governança Corporativa pode ser definida como as regras que conduzem a relação de interesses dos acionistas controladores, minoritários e administradores. Em suma, são os mecanismos que protegem os investidores externos e minoritários dos controladores e gestores da empresa.

No Brasil, as empresas listadas na Bolsa se enquadram em três níveis de governança corporativa:

O novo mercado é o maior nível de governança corporativa, ou seja, as empresas listadas nele são as que oferecem maior proteção para seus acionistas e possuem mais obrigações em relação às informações distribuídas para os investidores. Quanto maior o nível de governança corporativa, mais transparente (meno risco de fraudes) e segura é a empresa (no sentido de proteger o acionista minoritário em caso venda da empresa).

Fonte: Investimentosnapratica.com

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

PERIGO DA CRIMINALIZAÇÃO JUDICIAL E QUEBRA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO


Perigo da criminalização judicial e quebra do Estado Democrático de Direito




O alerta de Alessandro Baratta: afinal, o que queremos?
No final dos anos 1990, o grande criminólogo Alessandro Baratta esteve em Porto Alegre participando de um simpósio sobre criminologia e feminismo. Em pauta a violência contra as mulheres e minorias. As mulheres presentes, a expressiva maioria professando um pensamento progressista, tinham um objetivo: criminalizar duramente os delitos desse jaez. Baratta, homem de militância progressista, no início de sua conferência, fez a seguinte reflexão: neste congresso demonstramos um alto grau de esquizofrenia. Em sentido amplo, todos queremos um direito penal mínimo e o máximo de liberdade; todavia, quando atingidos pela situação, ou seja, em sentido estrito (referindo-se às mulheres e minorias), queremos o mais alto de punição. Assim, ao mesmo tempo manifestamos a nossa descrença no direito penal e entoamos uma ode em seu louvor, pugnando pelo máximo de punição. Afinal, perguntou: “o que queremos”?[1]

Passados tantos anos, durante os quais estamos buscando aperfeiçoar as garantias constitucionais, eis que nos deparamos com um Mandado de Injunção (4.733-STF) — instrumento criado para garantir as liberdades fundamentais e em geral os direitos civis, políticos e sociais — pretendendo (consoante trecho extraído dos autos do processo)


“obter a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia, especialmente (mas não exclusivamente) das ofensas (individuais e coletivas), dos homicídios, das agressões e discriminações motivadas pela orientação sexual e/ou identidade de gênero, real ou suposta, da vítima, por ser isto (a criminalização específica) um pressuposto inerente à cidadania da população LGBT na atualidade”.

O Mandado de Injunção, no seu polo ativo, é assinado pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT); o réu: o Congresso Nacional que estaria em mora por não criminalizar os atos acima referidos. O Procurador-Geral da República, na linha dos pronunciamentos dos presidentes da Câmara e do Senado, exarou parecer pelo não conhecimento do mandamus injuntivo. Já o Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática do ministro Ricardo Lewandowski, fulminou o pedido, aduzindo, entre outras questões, que a criminalização de condutas depende de lei, invocando precedentes da corte.

A questão, portanto, parecia encerrada, desembocando na resposta juridicamente apropriada. No entanto, a ABGLT impetrante ingressou com agravo regimental. Até então, nada de anormal. O que surpreendeu, deveras, foi o parecer da Procuradoria-Geral da República (ler aqui) que, contrariando o parecer anterior e a jurisprudência da Suprema Corte, exarou entendimento favorável:

“O Mandado de Injunção, na linha da evolução jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, presta-se a estabelecer profícuo e permanente diálogo institucional nos casos de omissão normativa. Extrai-se do texto constitucional dever de proteção penal adequada aos direitos fundamentais (Constituição da República, art. 5º, XLI e XLII). Em que pese à existência de projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional, sua tramitação por mais de uma década sem deliberação frustra a força normativa da Constituição. A ausência de tutela judicial concernente à criminalização da homofobia e da transfobia mantém o estado atual de proteção insuficiente ao bem jurídico tutelado e de desrespeito ao sistema constitucional. Parecer pelo conhecimento e provimento do agravo regimental. PGR Mandado de Injunção 4.733/DF (agravo regimental). Parecer 4.414/2014-AsJConst/SAJ/PGR).

Ou seja, para a Procuradoria-Geral da República, é possível, via Mandado de Injunção, criminalizar a homofobia e a transfobia, posição que, permissa vênia, vai na contramão da história constitucional, porque admite, a partir da tese da proibição de proteção insuficiente, que o Poder Judiciário pode estabelecer criminalizações. Segundo o parecer, existe uma clara falta de norma regulamentadora que


“inviabiliza o exercício da liberdade constitucional de orientação sexual e de identidade de gênero, bem como da liberdade de expressão, sem as quais fica indelevelmente comprometido o livre desenvolvimento da personalidade, em atentado insuportável à dignidade da pessoa humana (...).

As indagações que cabem são: Qual seria a relação de uma criminalização com o livre desenvolvimento da personalidade? Qual é o papel do direito penal em um Estado Democrático? Cuida-se, aliás, de questionamentos que não dizem respeito apenas ao caso da criminalização da homofobia, mas que tocam a problemática mais ampla do uso (ou abuso?!) do direito penal como resposta adequada aos problemas da sociedade, que aqui não se poderá desenvolver.

Nessa quadra, vale enfatizar que respeitamos o pleito da ABGLT. O que aqui se questiona é o foro adequado para a satisfação de sua pretensão, que não há de ser o Poder Judiciário. A luta pela criminalização, entretanto, em si, embora contrária à melhor filosofia do direito penal, não é evidentemente inconstitucional, como também não seria inconstitucional eventual lei (desde que proporcional, portanto, contemplando as exigências da Constituição Penal) tratando do assunto.

Trata-se, fundamentalmente, da discussão acerca dos limites institucionais na relação de Poderes da República. Nesse sentido, lembramos que há mais de quatro séculos essa questão já estava posta em pleno absolutismo dos Stuart, na Inglaterra seiscentista. Lá, Sir Edward Coke, juiz de um pequeno tribunal da Inglaterra no início do século XVII, já considerava nulos os atos do Rei absolutista pelos quais este pretendia estabelecer penalizações sem lei (o famoso caso das Proclamations). Quer dizer, Coke, sem garantias constitucionais, enfrentava o absolutismo para impedir que se pudesse criminalizar condutas sem previsão específica em lei. Passados tantos séculos, o Brasil corre o risco de colocar-se na contramão do constitucionalismo, rompendo com todo um sistema de garantias fundamentais estabelecido com ênfase na própria Constituição Federal de 1988 (CF).

Por tal razão, há que publicamente e com particular ênfase, questionar uma série de aspectos vinculados à tese da Procuradoria-Geral da República, que deveriam deixar muito preocupados os cidadãos brasileiros e todos os que defendem um Estado Democrático de Direito.

1. O próprio uso do Mandado de Injunção como meio para assegurar, à revelia do legislador infraconstitucional, punições na seara criminal é de ser posto na ordem do dia. Note-se que de acordo com o texto constitucional, dar-se-á Mandado de Injunção sempre que a falta de norma regulamentadora tornar inviável o exercício dos direitos assegurados pela Constituição Federal. Muito embora o artigo 5º, XLI (mas também o inciso XLII no que toca à criminalização do racismo), tenha a feição de um mandado expresso de punição de toda e qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, isso não significa – diferentemente do que se verifica no caso do racismo (assim como da tortura e da ação de grupos armados contra a ordem constitucional) – que tal punição tenha de se dar na esfera criminal, pois aqui as hipóteses concretas e mesmo as sanções para as diversas situações foram deixadas (pelo constituinte originário) ao alvedrio da deliberação legislativa infraconstitucional.

2. Além disso, especialmente para efeitos de criminalização e penalização a própria CF assegura, na condição de direitos-garantia fundamentais, a legalidade estrita (art. 5º, XXXIX, CF). Resulta elementar que o Mandado de Injunção não pode ser manejado para efeitos de por um lado buscar uma “criminalização judicial” onde sequer a CF exige de forma inequívoca a criminalização, pois, reitere-se, punição não é equivalente a criminalização (e nem esta necessariamente implica imposição de pena, como se extrai do exemplo da despenalização, mas não descriminalização da posse de droga para consumo próprio), muito menos, contudo, para com isso violar frontalmente outros direitos e garantias fundamentais.

3. Na medida em que a CF não estabelece a obrigação de criminalizar a homofobia, o deferimento do Mandado de Injunção faria com que o Judiciário legislasse, substituindo os juízos políticos, morais e éticos, próprios do legislador, pelos seus. Como já referido, a CF estabelece a obrigação de criminalizar o racismo, mas a extensão do conceito de racismo para a homofobia ou transfobia é um claro exercício do que se poderia designar depanhermeneutismo, sem considerar aqui a ocorrência da absolutamente vedada analogia in malam partem. Não há abrigo constitucional para tal.

4. Mais ainda, o parecer do Ministério Público Federal não leva em conta que o direito fundamental invocado na impetração impõe ao Estado o dever de combater e punir todas as formas de discriminação e racismo (fim), não se referindo, portanto, “à legislação específica de um tipo especial de conduta (meio)”. 

5. Portanto, não há qualquer comando constitucional que exija tipificação específica para a homofobia e transfobia. Se a opção for pela criminalização e pela punição tal decisão cabe aqui com exclusividade ao legislador infraconstitucional, o que não pode ser superado mesmo por uma exegese extensiva de legislação em vigor. 

6. Outra preocupação guarda relação com o uso descontextualizado de uma figura oriunda do direito alemão, qual seja, o princípio da proibição de proteção insuficiente, o assim chamado Untermassverbot. Se a tese foi utilizada na Alemanha no direito penal, foi-o em outro sentido e contexto. Lá o Tribunal Constitucional declarou ser inconstitucional a descriminalização do aborto. Havia uma lei e o Tribunal entendeu que o Parlamento não tinha liberdade de conformação para proceder a descriminalização, à míngua de alternativa minimamente eficaz para a proteção da vida do nascituro. Mas a decisão do Bundesverfassungsgericht não criminalizava qualquer conduta. A proibição de proteção insuficiente, que opera como um segundo nível de controle das omissões e ações (insuficientes) do poder público, poderá servir de importante critério para o controle dos atos do poder público e mesmo ensejar uma correção de rumos, mas não se presta como fundamento cogente e eficaz, por si só, para justificar a criminalização de uma conduta, ainda mais, como no caso em tela, mediante provimento jurisdicional.

7. Todos sabemos que a jurisprudência do STF tem sido firme com relação à necessidade de se detectar, para o cabimento do Mandado de Injunção, a existência inequívoca de um direito subjetivo, concreta e especificamente consagrado na CF, direito que não esteja sendo fruído por seus destinatários em virtude da ausência de norma regulamentadora exigida por essa mesma Carta (por todos, o MI 624/MA). Aliás, no parecer anterior, acolhido pelo ministro Lewandowski, assim se manifestou o PGR de então:


“Dessa forma, verifica-se que o ordenamento jurídico pátrio protege homossexuais, bissexuais e transgêneros de agressões fundadas pelo preconceito contra suas orientações sexuais. Por mais que a associação impetrante julgue tal proteção deficiente, a insatisfação com o conteúdo normativo em vigor não é motivo suficiente para o cabimento do presente Mandado de Injunção. ”

A questão simbólica
De todo modo, respeitando, à evidência, a posição jurídica explicitada no parecer do Procurador-Geral da República, o que mais nos preocupa é o valor simbólico da questão sub judice. Tudo indica que, por coerência e prestigiando os seus próprios julgados, o Supremo Tribunal Federal fulminará o agravo. Entretanto, o que fica é a ponta do iceberg de um imaginário que cresce dia a dia no Brasil, caracterizado pelo uso de criminalizações para resolver problemas sociais e de relacionamento sociais. Por certo que não foi este o objetivo Ministério Público Federal.

Por evidente que não se nega a importância do direito penal e sequer se questiona a existência, especialmente no caso brasileiro, de mandados constitucionais de criminalização. Neste ponto, deve ser louvada a posição exposta no parecer, porque abre esse horizonte de cumprimento, no futuro, dos mandados constitucionais, embora não seja o caso, na opinião dos subscritores, da homofobia. Mas o que não se pode tolerar é o estabelecimento de uma hipertrofia do direito penal, que, ao fim e ao cabo, resulta paradoxal. De um lado, os movimentos sociais (minorias, etc.) clamam por liberdades e pelo estabelecimento de limites à atividade de controle do Estado; de outro, exigem que o mesmo Estado criminalize condutas, a ponto de colocar a criminalização como condição para o exercício do “desenvolvimento livre da personalidade”.

Não esqueçamos, ainda nessa quadra, que a tentativa de criminalizar as referidas condutas expostas na inicial tem como sustentáculo a sua correlação (analogia) com o racismo. Nesse sentido, há que se ter em conta a relevante circunstância – de índole constitucional – que racismo é crime hediondo; consequentemente, tudo está a indicar que qualquer agressão de cariz homofóbico e identidades de gêneros, a vingar a pretensão da inicial do Mandado de Injunção, será considerada “crime hediondo”. E veja-se a vagueza e a ambiguidade do “tipo penal” pretendido na impetração, o que, por si só, já ofende princípios e regras elementares da Constituição Federal e do direito internacional dos direitos humanos. Como conceituar “todas as formas de homofobia e transfobia”? Ofensas verbais estão incluídas? E isso seria uma forma de racismo? E o crime de homofobia abrangeria atos concretos de discriminação (mediante uma leitura afinada com o que dispõe o art. 5º, XLI, CF) ou já incluiria atos de preconceito?

Mas também a chaga de uma forma sutil de “maquiavelismo jurídico” merece referência, visto que não é a primeira vez que causas que são em si nobres (uma vez que ninguém questiona — e a CF impõe! — a bondade intrínseca do combate a todas as formas de discriminação), tendem a legitimar, do ponto de vista de alguns, praticamente todo e qualquer meio para a sua realização, ainda que o meio implique sérias violações de direitos e garantias fundamentais, profundamente incrustrados na Constituição e no direito internacional dos direitos humanos, todos a contemplar a legalidade estrita em matéria penal.

Assim, sem pretender tirar a legitimidade dos movimentos sociais em buscar a criminalização de condutas que, a seu juízo, violam seus direitos fundamentais, entendemos, a partir de um olhar constitucional, que esse desiderato não pode ser alcançado pela via do Poder Judiciário. Nossa divergência, nesse sentido, quer abrir as portas para um profícuo diálogo no sentido de buscar as melhores e mais eficazes formas de combater discursos de ódio e atos discriminatórios praticados contra os mais variados movimentos sociais — em especial o LGTBT — e mantendo, assim, incólume a Constituição, porque de nada adiante, sob pretexto de uma proteção, desproteger outros direitos.

Numa palavra: pretendemos ser duros na defesa do direito constitucional, mas tolerantes com a divergência e prontos para o diálogo democrático, circunstância que envolve, necessariamente, o fundamental papel desempenhado pelo Ministério Público brasileiro, em especial na sua fala máxima com assento na Suprema Corte, onde tais questões, muitas vezes por carência de diálogos institucionais, deságuam e acabam por resultar, como se pretende no Mandado de Injunção aqui questionado, em provimento que desborda dos limites do Estado Democrático de Direito. O combate eficaz que deve ser travado contra toda e qualquer forma de discriminação atentatória aos direitos humanos e fundamentais, no que se inclui a luta contra a homofobia, há, contudo, de ser travado sem violar princípios sagrados à Democracia e ao constitucionalismo.



[1] Ver, para tanto, STRECK, L. L. ; BARATTA, A. ; ANDRADE, V. R. P. . Criminologia e Feminismo. Porto Alegre: Sulina, 1999. 

Clèmerson Merlin Clève é advogado e professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná e da UniBrasil

Ingo Wolfgang Sarlet é juiz de Direito e professor de Direito Constitucional

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho é advogado e professor doutor titular de Direito Processual Penal da UFPR.

Lenio Luiz Streck é jurista, professor, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.

Flávio Pansieri é advogado e Professor da PUC-PR



Revista Consultor Jurídico, 21 de agosto de 2014, 08:00

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...