“Brasileiro é refratário à igualdade entre Poder Público e particular”
Por Renata Teodoro
O pavor de se tornar alvo de alguma denúncia ou de algum órgão de controle faz com que agentes públicos evitem inovar nas contratações com o setor privado. Assim, o Brasil continua a evitar as parcerias público-privadas (PPPs), mesmo nos casos em que elas seriam a solução mais óbvia. A opinião é do advogado Marçal Justen Filho, especialista em Direito Administrativo.
Para ele, o Regime Diferenciado de Contratação (RDC) e as licitações são igualmente ruins para os cofres públicos. Isso porque, a disciplina das contratações administrativas se mantém em ambas as formas, obrigando o prestador do serviço a oferecer “facilidades” para o Poder Público — e a cobrar muito mais caro por isso.
“A tradição cultural brasileira é refratária à ideia de igualdade entre Administração Pública e particular. Por isso há uma enorme tendência de que o chamado ‘parceiro público’ (o Estado) atue em relação ao ‘parceiro privado’ como se ele fosse inferior ou subordinado”, critica o advogado.
Nos últimos quatro anos, Justen Filho morou em Fairfield, nos EUA, onde pesquisou o relacionamento entre os modelos brasileiros e norte-americanos de Direito Administrativo na faculdade de Yale. Lá escreveu um livro sobre o RDC — ele, aliás, possui doze livros de sua autoria e dezenas de outros em que atuou como coordenador ou organizador.
De volta ao Brasil, o advogado tem concentrado sua atuação na produção de pareceres. Sua próxima obra será em homenagem aos 10 anos da Lei de PPP (Lei 11.079/2004), prevista para ser lançada em dezembro deste ano, em parceria com outros advogados.
Natural de Curitiba, Marçal formou-se pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Com mestrado e doutorado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Marçal também deu aula na UFPR e, em 1986, decidiu abrir seu próprio escritório.
Hoje, com escritórios em Curitiba, São Paulo e Brasília, conta com mais quatro sócios: Cesar Augusto Guimarães Pereira, Fernão Justen de Oliveira e Eduardo Talamini. Juntos inauguraram o Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, cujas especialidades são na área de infraestrutura, regulação e licitação.
Leia a entrevista:
ConJur — A Lei de Parcerias Público-Privadas (Lei 11.079/2004) é mais moderna que a Lei de Licitações?
Marçal Justen Filho — Talvez seja mais apropriado comparar a Lei de PPP com as leis de concessão de serviço público. Essa é uma questão jurídica interessante. A chamada “Lei de Licitações” (Lei 8.666) dispõe sobre contratos de fornecimento de bens, obras e serviços para a Administração Pública. Outras leis, inclusive a Lei de PPP, disciplinam a exploração privada de atribuições públicas por um particular. Por exemplo: o Estado pode contratar uma empresa privada para construir uma rodovia usando a Lei de Licitações. Mas ele pode optar por uma concessão, inclusive na modalidade de uma PPP. Nesse caso, o particular construirá ou ampliará a rodovia por conta própria e receberá uma remuneração proporcional à utilização da rodovia. Cada situação tem vantagens e desvantagens. Há uma tendência a ampliar o uso da solução da concessão (inclusive PPP) porque isso evita alguns problemas tradicionalmente enfrentados pelo Estado nas licitações comuns. Por exemplo, a questão do chamado “superfaturamento”. Nas concessões, não existe usualmente problema de superfaturamento, porque o particular arcará com as despesas para construir ou ampliar a obra pública. Numa concessão, o Estado não paga um “preço” pela obra executada pelo concessionário. Enfim, as dificuldades tradicionalmente enfrentadas pelo Estado nos contratos de obra, serviço e compras têm conduzido à opção pela concessão de serviço público (inclusive pelas PPPs).
Enfim, a concessão é uma espécie de “investimento”. Um particular dispõe-se a aplicar recursos numa certa atividade de interesse coletivo. Ele recuperará os valores investidos mediante a exploração do objeto da concessão durante um período de tempo determinado.
ConJur — Os problemas de infraestrutura no Brasil estimulam as PPPs?
Marçal Justen Filho — Sim, mas não apenas isso. O que justifica a existência das PPPs não é apenas a existência de deficiências na infraestrutura. Se essa fosse a única questão, bastaria a figura da concessão comum. Há dois pontos fundamentais que permitem compreender a existência das PPPs. O primeiro é a ausência de viabilidade socioeconômica de certos empreendimentos serem objeto de concessão comum. Isso porque o valor da tarifa seria tão elevado que a generalidade dos usuários seria excluída da fruição do serviço. Portanto, é necessário que o poder público contribua com parte ou a totalidade dos encargos. O segundo ponto é a incerteza e a insegurança jurídica. Como dito anteriormente, os contratos administrativos comuns e as concessões comuns não comportam uma garantia em favor do particular. A PPP brasileira prevê esse mecanismo, o que representa um incentivo ao investimento privado.
ConJur — E o que desestimula a PPP?
Marçal Justen Filho — De modo genérico, o preconceito geral da sociedade, que considera injusto ou imoral a obtenção de lucro do particular. Segundo uma longa tradição, reputa-se que os serviços públicos devem ser prestados sem qualquer remuneração para o prestador. É evidente que nenhum particular investirá seus recursos e seus esforços num empreendimento se não houver perspectiva de recuperação dos valores e obtenção de lucro. Outro problema é o esgotamento da capacidade de endividamento do poder público. Porque a PPP produz uma dívida para o parceiro público. Como uma parcela significativa dos entes estatais brasileiros encontra-se em situação de insolvência, é inviável a utilização das PPPs.
ConJur — Na PPP, o governo é sempre o "agente dominante"? Ou a iniciativa de parceria pode vir da empresa privada também?
Marçal Justen Filho — A PPP é um contrato associativo, em que existe uma comunhão de interesses entre poder público e iniciativa privada. Ocorre que a tradição cultural brasileira é refratária à ideia de igualdade entre Administração Pública e particular. Por isso há uma enorme tendência de que o chamado “parceiro público” (o Estado) atue em relação ao “parceiro privado” como se ele fosse inferior ou subordinado. Rigorosamente, essa concepção não encontra respaldo na lei. Há interesses comuns a ambas as partes e há interesses específicos de cada qual. Existem direitos subjetivos protegidos contratualmente, reconhecidos a cada uma delas.
ConJur — Qual a diferença econômicas, sociais e jurídicas entre PPP e a concessão comum?
Marçal Justen Filho — Sob o prisma econômico, a concessão comum pressupõe a viabilidade de fixar tarifas suficientes para compensar o concessionário e que sejam suportáveis pelos usuários, tomando em vista o prazo do contrato. Já a PPP será aplicada especialmente nos casos em que a dimensão dos investimentos tornar inviável atribuir aos usuários o pagamento de tarifas para recuperar o total dos investimentos feitos pelo concessionário.
Sob o prisma social, a concessão comum produz uma dificuldade de as camadas menos favorecidas da população terem acesso ao serviço concedido. Existem mecanismos de tratamento diferenciado entre os usuários, mesmo numa concessão comum. Assim, veja-se o caso da energia elétrica, em que existem valores tarifários diversos conforme a intensidade do consumo. Mas há situações em que é necessário assegurar a fruição do serviço público sem o pagamento de tarifa ou com recursos do poder público.
Sob o prisma político, a concessão comum concentra o encargo de arcar com um serviço público para os usuários. Já as PPPs envolvem uma transferência dos encargos para o conjunto da sociedade. Isso ocorre porque os recursos da PPP provêm, como regra, dos impostos. Para exemplificar, podemos imaginar a necessidade de construir uma rodovia. Se for adotada uma concessão comum, o valor investido na construção será pago pelos usuários, por meio da tarifa pela utilização. Se houve uma PPP, o valor devido ao concessionário será pago total ou parcialmente com o produto de impostos. Isso significa que o custo do empreendimento será arcado pelos contribuintes na proporção de sua capacidade contributiva. Logo, as pessoas que não usam a rodovia estarão contribuindo para a implantação e manutenção dela.
Além disso, existe outra enorme diferença sob o prisma jurídico. Nas PPPs, existe a previsão de uma garantia diferenciada em favor do parceiro privado. A satisfação das obrigações assumidas pelo parceiro público em favor do parceiro privado, na PPP, pode ser objeto de uma garantia específica. Desse modo, reduz-se o risco do investidor privado. Se o parceiro público deixar de cumprir espontaneamente as suas obrigações, o particular pode acionar a garantia e obter a satisfação de seus direitos de modo compulsório. Essa solução não existe nem nos contratos administrativos tradicionais nem na concessão comum (na qual o poder concedente não assume obrigação de pagar valores diretamente ao concessionário).
ConJur — Na PPP, qual é a diferença entre concessão patrocinada e a concessão administrativa?
Marçal Justen Filho — A concessão patrocinada é muito semelhante a uma concessão comum. A diferença essencial reside em que, na concessão patrocinada, o poder concedente é responsável por pagar uma espécie de “complementação” da tarifa desembolsada pelos usuários. Já a concessão administrativa envolve um contrato bem diferente. O contrato tem por objeto a execução pelo parceiro privado de uma infraestrutura necessária à prestação de serviços de interesse coletivo. O parceiro privado não receberá tarifa dos usuários, mas um pagamento do parceiro público — proporcional à utilização e aos benefícios decorrentes da atuação do particular.
Os serviços objeto da concessão administrativa podem ser prestados de modo exclusivo ao parceiro público, sem qualquer atuação em face de terceiros. Assim, por exemplo, é possível uma concessão administrativa para construção de escolas, com a previsão de que o parceiro privado arcará com a manutenção e o fornecimento de utilidades. Mas caberá ao parceiro público o desenvolvimento das atividades educacionais propriamente ditas. As exigências no setor de saneamento têm conduzido ao uso cada vez mais frequente de concessões administrativas. Por exemplo, a necessidade de extinção dos “lixões” tem sido enfrentada por meio de concessão administrativa. O particular tem a obrigação de fornecer a área para depósito dos dejetos, de implantar a infraestrutura necessária e de operar o aterro sanitário. Executará tudo isso com recursos próprios. A remuneração será paga à medida da execução a obra e da prestação dos serviços.
ConJur — Antes da Lei de PPP, como era feito esse tipo de parceria?
Marçal Justen Filho — A figura da concessão administrativa era tratada usualmente como dois contratos autônomos: um de obra pública e um de prestação de serviços. Isso propiciava sérios problemas práticos, inclusive em vista do limite temporal de vigência e da complexidade do objeto. Por exemplo, um contrato de prestação de serviços continuados pode ser pactuado por até sessenta meses. Já um contrato de PPP pode ter prazo muito mais amplo. O mais importante era a necessidade de previsão de recursos orçamentários, projeto básico e outros requisitos de contratos comuns. Por outro lado, a figura da concessão patrocinada era objeto de questionamentos e acabava não sendo adotada.
ConJur — As PPPs devem aumentar ou diminuir no segundo semestre ou no ano que vem? Por quê?
Marçal Justen Filho — Esse é um exercício de futurologia muito difícil. Tenho a impressão de que todos os estados e municípios, se pudessem, ampliariam as oportunidades para PPPs, especialmente nas áreas de segurança, saúde, saneamento e educação. Mas há restrições de finanças públicas que não podem ser superadas, especialmente tomando em vista a Lei de Responsabilidade Fiscal. Por outro lado, ainda existem controvérsias políticas. É inquestionável que a adoção da PPP envolve uma redução da participação direta do Estado. Há uma questão ideológica envolvida, relacionada com a chamada “privatização”.
ConJur — O que um escritório precisa para atuar na área? Que tipos de especialidades se unem?
Marçal Justen Filho — Há a questão da consultoria ao setor público e existe a consultoria ao setor privado. No âmbito do setor público, é necessário o domínio de modelos econômicos e o conhecimento jurídico para conformar soluções técnicas em figurino jurídico. A especialização dessas questões conduz à inviabilidade da atuação exclusivamente advocatícia. É costumeiro que escritórios de advocacia contem com o auxílio de auditorias técnicas e econômicas. No tocante ao setor privado, também haverá o recurso ao conhecimento especializado não jurídico. Mas o advogado privado não necessitará uma atuação tão próxima a questões econômicas ou técnicas — porque não lhe incumbirá formatar o modelo de contratação. Em todos os casos, é indispensável um sólido conhecimento de Direito Público. E é muito útil um domínio (mínimo que seja) do enfoque econômico e financeiro.
ConJur — É um mercado ainda com espaço? Ou ele está saturado?
Marçal Justen Filho — Ainda correndo o risco de um lugar comum, sempre há espaço no mercado para profissionais competentes e qualificados. Mas é inegável que existe uma tendência à especialização. Por exemplo, PPPs na área de saneamento são muito diferentes daquelas na área de educação. Portanto, a tendência é a abertura contínua de novas oportunidades em setores especializados. O mercado está saturado relativamente aos profissionais que detêm conhecimento genérico de contratos administrativos. Para ter sucesso nesse segmento mais tradicional, é necessária uma qualificação extraordinariamente elevada e uma experiência intensa. O cenário é menos angustiante em setores mais especializados. Não é grande o número de especialistas em PPP. Mas é ainda menor a quantidade de profissionais em condições de atuar no setor de PPPs de saneamento, por exemplo.
ConJur — Que estado se destaca no uso dessa modalidade de contratação?
Marçal Justen Filho — Houve uma certa hesitação na utilização de PPPs. Somente depois de decorridos alguns anos da edição da lei é que começaram a ocorrer contratações no plano federal. Mesmo assim, a figura da PPP não é tão utilizada quanto a concessão comum. Ainda hoje, muitos estados e a generalidade dos municípios não adotam a figura da PPP, embora já possuam leis próprias que a regulamentem. Minas Gerais foi um dos entes federados pioneiros na instituição das PPPs e que as tem instituído com grande intensidade, o que foi viabilizado especialmente pela elevada qualificação de seu corpo de servidores. Mas há outros estados que podem ser referidos, como a Bahia, São Paulo, Ceará, Distrito Federal, Pernambuco e Rio Grande do Norte .
ConJur — Quais os principais casos de PPP que o senhor tem acompanhado?
Marçal Justen Filho — Há uma grande quantidade de exemplos: rodovias, sistema prisional, hospitais, linha de metrô, conjunto habitacional, estádios de futebol. Em Minas Gerais, podem ser lembrados os exemplos da MG-50 e o Novo Mineirão. Na Bahia, o Emissário Submarino da Boca do Rio e o Estádio da Fonte Nova. Em São Paulo, a Linha 4 do Metrô e o Sistema Produtor Auto-Tietê. No Ceará, o Estádio Castelão. Em Pernambuco, a Ponte e Acesso Rodoviário à Praia do Paiva. No DF, o Centro Administrativo e o Conjunto Habitacional Mangueiral. No Rio Grande do Norte, o Estádio Areia das Dunas. Lembre-se, no entanto, que a maioria dessas contratações ainda se encontra na fase de investimentos. Os maiores desafios se localizam em médio prazo, à medida que for necessário assegurar ao parceiro privado o recebimento da remuneração prevista.
ConJur — Segundo o Conselho Nacional de Justiça, as PPPs não podem ser usadas pelo Poder Judiciário. Isso faz sentido para o senhor?
Marçal Justen Filho — É evidente que não cabe ao Poder Judiciário delegar a prestação de serviço público. Portanto, não dispõe de competências para concessões comuns e patrocinadas. Mas a concessão administrativa é uma figura que não envolve necessariamente a delegação de serviço público. Nesse ponto e com o maior respeito ao CNJ, há um relevante equívoco no posicionamento. Todos os poderes exercitam função administrativa. A pactuação de PPP envolve o desempenho de função administrativa. O fundamento jurídico utilizado para opor-se à pactuação de PPP pelo Poder Judiciário conduziria a negar-lhe o exercício de qualquer competência administrativa. Ou seja, como justificar que o Poder Judiciário promova a licitação e a contratação de obra pública (para construir fóruns, por exemplo) e lhe seja interditado pactuar concessão administrativa?
ConJur — O que pode ter levado a essa proibição?
Marçal Justen Filho — Um dos temas mais examinados pelos teóricos da abordagem econômica é a questão das “unintended consequences” — que poderia ser traduzida por “consequências não previstas nem desejadas”. Na ânsia de reprimir desvios e perseguir meliantes, o Direito brasileiro produziu uma pluralidade de sistemas de controle. Entre eles, avultam de importância os tribunais de contas e a ação de improbidade administrativa. As cobranças da sociedade brasileira conduziram a uma intensificação do uso desses instrumentos jurídicos. Ao lado dos incontáveis e relevantes benefícios obtidos, produziram-se certas consequências nem previstas nem, muito menos, desejadas. Especificamente, difundiu-se o pavor de todos os agentes públicos de se tornar alvo de alguma denúncia ou atuação dos órgãos de controle. Como decorrência, muitos dos agentes preferem ou a inação ou a negação de qualquer pleito. Indeferir ou não despachar é a solução para eliminar o risco da responsabilização. Mas a omissão pode levar à responsabilização também. Como regra geral, a solução para reduzir riscos é aplicar a lei na sua estrita letra. Se uma lei afirmar que a Terra é o centro do Universo, uma parcela de agentes públicos aplicará essa determinação sem hesitação — especificamente pelo justificado temor de ser queimado vivo em praça pública.
ConJur — Já foi afirmado em entrevista publicada na ConJur que a Lei de Licitações está ultrapassada. O senhor concorda?
Marçal Justen Filho — Concordo plenamente com ele sobre a obsolescência da Lei de Licitações, mas com alguns acréscimos. A pior parte da Lei de Licitações é o capítulo dos contratos administrativos, que é repetição quase literal do Decreto Lei 2.300 – editado em 1986. Esse conjunto de disposições reflete as concepções vigorantes 50 anos antes. Eu insisto em que o problema não é a disciplina das licitações, mas as regras sobre as contratações administrativas.
ConJur — O Regime Diferenciado de Contratação é melhor que a Lei 8.666?
Marçal Justen Filho — É igualmente ruim. Traz alguns aperfeiçoamentos na técnica das licitações. Sob esse prisma, é uma evolução. Mas mantém, quase integralmente, a disciplina das contratações administrativas. Esse é o problema a ser enfrentado. E enfrentar esse problema significa o Estado assumir democraticamente a respeitabilidade dos direitos e interesses dos particulares com quem contrata. Dou um exemplo simples: imagine você chegar numa loja de eletrodomésticos e dizer “quero levar aquele televisor, mande entregar na minha casa. Pagarei 30 dias depois, se eu quiser. Pode ser que eu prefira não pagar”. Quem venderia um televisor a você nessa situação? Ninguém. Se alguém vendesse, cobraria um preço muito mais elevado. No Brasil, a Administração Pública é titular de competências extraordinárias, inúteis e desnecessárias na maior parte dos casos. As contratações serão necessariamente mais onerosas. O problema não é a licitação, mas as regras de Direito Contratual.
ConJur — Sobre sua temporada em Nova York, qual sua percepção hoje sobre Direito norte americano de como o Estado lida com licitações e Direito Administrativo?
Marçal Justen Filho — A meu ver, é impossível estabelecer qualquer semelhança entre os dois sistemas jurídicos. Tentar aplicar as concepções norte-americanas no Brasil é inviável. O sistema estadunidense assegura autonomia entre as esferas federativas, a ausência da responsabilidade civil do Estado (tal como nós a praticamos), a entidade local não integra a Federação, cada setor governamental tem regras distintas, o Poder Judiciário não revisa os atos administrativos, as controvérsias se resolvem no âmbito administrativo, inclusive sob a direção de árbitros administrativos não integrantes da estrutura do órgão envolvido. Para se ter uma ideia da diferença, há um precedente em que o particular obedeceu estritamente as orientações de um servidor público e foi condenado por inadimplemento — porque a orientação do servidor foi reputada como errada. Decidiu-se que o particular tinha o dever de conhecer a solução correta.
ConJur — Além do lançamento do livro sobre PPP, quais outros projetos o senhor tem em mente?
Marçal Justen Filho — Eu coordeno a Revista de Direito Administrativo Contemporâneo — ReDAC, da Editora RT. Pretendo levar avante uma série de iniciativas no âmbito dela. Eu penso em aprofundar alguma coisa no setor de regulação, talvez desenvolvendo uma meditação sobre o que pode ser denominado de “modelo regulatório brasileiro”. No entanto, existe a perspectiva da aprovação de uma nova Lei de Licitações. Se tal ocorrer, o exame do novo diploma será a minha prioridade.
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Renata Teodoro é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 03 de agosto de 2014, 07:25h