sexta-feira, 28 de março de 2014

DEMISSÃO APÓS 30 ANOS DE SERVIÇO NÃO É DISCRIMINATÓRIA

Demissão após 30 anos de serviço não é discriminatória

 
Resolução interna do banco que prevê a demissão de todos os empregados com mais de 30 anos na empresa e que tenham direito de se aposentar não é discriminatória. Assim entendeu a 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, ao dar provimento a recurso do Banco do Estado do Espírito Santo (Banestes). A instituição não deve indenizar a empregada que questionou a legalidade de sua demissão.
A bancária trabalhou como caixa do banco de setembro de 1978 a março de 2009. Nesta data, foi demitida sem justa causa por força da Resolução 696 da empresa, por ter atingido mais de 30 anos de serviço e a condição de elegibilidade à aposentadoria. Ela pediu indenização por danos morais, alegando que sua demissão sumária com base no limite temporal foi discriminatória. Segundo ela, a fixação de idade para a vigência do contrato era ilegal por violar tanto o princípio da isonomia (artigo 5º da Constituição Federal) quanto a Lei 9.029/95, que veda atos discriminatórios para manutenção no emprego por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil ou idade.
Na contestação, o banco afirmou que a empregada não sofreu discriminação e que a norma interna contemplava o exercício regular do direito potestativo do empregador de rescindir unilateralmente contratos de trabalho, nos termos do artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal, e da Orientação Jurisprudencial 247 e da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST. Destacou, ainda, que a política de desligamento se relacionava ao tempo de serviço prestado, não à idade do funcionário, e se justificava em razão da necessidade de renovação do quadro de empregados.
A Vara do Trabalho de São Mateus (ES) indeferiu o pedido de indenização da bancária. Para o juízo de 1° Grau, não é discriminatória a dispensa de natureza impessoal que envolve todos os empregados, em condição idêntica. Após recurso, o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES) considerou que a despedida, embora disfarçada de direito potestativo, se deu de forma discriminatória com os empregados aposentados ou em condições de se aposentar. A indenização por danos morais foi fixada em R$ 100 mil, o que levou banco a recorrer.
A 3ª Turma deu provimento ao recurso por considerar não discriminatória a dispensa de empregado com base em norma de empresa que versa sobre política de desligamento tendo como critérios o tempo de serviço e a elegibilidade para a aposentadoria. O relator, ministro Alberto Bresciani, entendeu que a decisão do TRT violou o artigo 186 do Código Civil (que prevê a indenização em caso de ato ilícito) e determinou a exclusão da condenação por danos morais. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.
RR – 156300-88.2009.5.17.0191
 
Revista Consultor Jurídico, 28 de março de 2014

TRÂNSITO EM JULGADO PODE OCORRER EM MOMENTOS DIFERENTES

Trânsito em julgado pode ocorrer em momentos diferentes

 
 
O trânsito em julgado pode ocorrer em momentos diferentes em decisões autônomas de um mesmo acórdão. “O trânsito em julgado se mostra passível de ocorrer em momentos separados presentes os capítulos autônomos da decisão”, afirmou o ministro Marco Aurélio, relator de um Recurso Extraordinário no Supremo Tribunal Federal.  Segundo ele, não há dúvida de que “os capítulos não impugnados podem ser acionados em termos". Entretanto, explica ele, o mesmo não ocorre em situações de Embargos Infringentes.
Seguindo essa tese, a 1ª Turma do STF, por unanimidade, deu provimento a Recurso Extraordinário interposto por uma corretora de valores a fim de que o Banco Central seja condenado a indenizá-la. Na década de 1980, a corretora investiu em papéis emitidos pelo grupo Coroa Brastel e alegou que o Banco Central foi omisso na fiscalização das empresas.
O relator lembrou entendimento do Supremo firmado na 11ª Questão de Ordem na Ação Penal 470, julgada em 13 novembro de 2013. Na ocasião, a Corte, por unanimidade, concluiu pela imediata execução dos capítulos autônomos do acórdão condenatório, declarando o respectivo trânsito em julgado, excluídos aqueles que foram objetos de embargos infringentes. O ministro Marco Aurélio comentou que tal procedimento ocorreu no campo da liberdade de ir e vir e não simplesmente na área patrimonial.
O ministro observou que o Supremo admite há muitos anos, também no processo civil, a coisa julgada progressiva, tendo em vista a recorribilidade parcial. É o que consta da Súmula 354 do STF, segundo a qual “em caso de embargos infringentes parciais, é definitiva parte da decisão embargada em que não houve divergência na votação”. “Conforme a jurisprudência, a coisa julgada reconhecida na Carta como cláusula pétrea constitui aquela coisa julgada material, que pode ocorrer de forma progressiva quando fragmentada a sentença em partes autônomas”, disse.
Pedido negado No RE, a corretora questionava acórdão do Superior Tribunal de Justiça que negou pedido de indenização. Perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, havia dois pedidos autônomos, um deles referente à condenação por danos emergentes e outro por lucros cessantes. O TRF-1 deferiu a solicitação quanto aos danos emergentes e negou em relação aos lucros cessantes.
Em seguida, uma ação rescisória foi proposta no TRF-1, pelo Banco Central, insistindo na cassação do pedido deferido (danos emergentes). No entanto, aquela corte considerou a decadência do pedido por ter sido feito mais de dois anos depois do trânsito em julgado. Ao recorrer desta decisão ao STJ, o Banco Central teve recurso especial provido, o que levou a interposição do Recurso Extraordinário ao Supremo pela corretora.
A autora alegava no recurso extraordinário que a matéria tratada nos autos é constitucional, portanto o Supremo seria competente para analisá-la. Também sustentava que a decisão do STJ violou a Constituição Federal (artigo 5º, inciso XXXVI) referente à coisa julgada, ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, além de contrariar a jurisprudência do Supremo.
Para o Banco Central, a natureza da matéria é infraconstitucional. O BC argumentava que o recurso deveria ser desprovido, ao fundamento de que as partes de uma decisão – tratadas como “capítulos” no julgamento do RE pela 1ª Turma – não são autônomas e que, portanto, deveria haver necessária interconexão destes.
Ao analisar o caso, o relator do processo, ministro Marco Aurélio, votou pelo provimento do recurso, e foi seguido por unanimidade pela 1ª Turma. Segundo ele, a controvérsia consistia em saber se é possível o trânsito em julgado individual das decisões autônomas e a implicação dessa cisão para a contagem do prazo decadencial da ação rescisória. O caso, conforme o relator, diz respeito a “pressupostos diversos questionados mediante recursos interpostos por partes adversas em razão de fragmentos autônomos do mesmo acórdão”. Para o ministro, essa distinção provoca reflexos no cumprimento do ato que pode ser feito de modo independente.
Após lembrar o entendimento firmado pelo Supremo na AP 470 e a Súmula 354 do STF, o ministro concluiu que “ocorrendo em datas diversas o trânsito em julgado de capítulos autônomos da sentença ou do acórdão, tem-se a viabilidade de rescisórias distintas com fundamentos próprios”. Ele entendeu que o acórdão do STJ, atacado no RE, transgrediu o artigo 5º, inciso XXXVI, da CF, em desfavor da corretora.
Segundo o relator, a ação rescisória confirma a condenação quanto a danos emergentes cujo trânsito em julgado ocorreu em 8 de fevereiro de 1994, “data que corresponde ao termo inicial do prazo decadencial, e não aquela referente à preclusão maior da última decisão – 20 de junho de 1994 – envolvido o recurso especial da recorrente e versados lucros cessantes, matéria que não é objeto da demanda rescisória”.
Portanto, para o ministro Marco Aurélio devem ser reconhecidos, sob pena de afronta à garantia constitucional, dois momentos distintos do trânsito em julgado, “sendo apenas o primeiro relevante para a formulação do presente pedido rescisório”. De acordo com o relator, a ação rescisória foi formalizada no dia 6 junho de 1996, motivo que evidencia a decadência do pedido. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
 
Revista Consultor Jurídico, 28 de março de 2014

quinta-feira, 27 de março de 2014

DICAS PARA A PRIMEIRA ENTREVISTA COM O CLIENTE

Cliente prioriza quem reconhece seus problemas rapidamente

 
Na primeira reunião com um possível cliente que o advogado quer conquistar, os tópicos que devem tomar menos tempo é a apresentação da qualidade dos serviços do escritório e da qualificação de seus profissionais. Isso tem sua importância. Mas a prioridade do cliente é encontrar alguém que entenda seus problemas jurídicos e visualize possíveis soluções. Por isso, o advogado deve empregar pelo menos 70% do tempo da reunião identificando e discutindo os problemas que o cliente tem ou poderá ter mais dia, menos dia. E discutir soluções.
Essa é a recomendação que o consultor de marketing para escritórios de advocacia e escritor Trey Ryder. Muitas vezes, é preciso recorrer a esforços de marketing, a estratégias e táticas para se chegar a essa primeira reunião. Portanto, a oportunidade deve ser bem aproveitada. Para que a reunião seja eficaz em seu propósito de conquista de um novo cliente, o consultor tem mais uma série de recomendações:
1. Garanta ao cliente sua inteira atenção. Isso significa impedir interrupções, de qualquer espécie. Esse é o momento em que cliente vai julgar sua capacidade de dar atenção a ele e a seus casos jurídicos.
2. Estabeleça empatia com o cliente. Tente sentir seu estado de espírito e faça com que se sinta bem. Isso reduz a resistência natural do cliente, quando lida com alguém ainda um tanto desconhecido, e cria um vínculo emocional, do tipo que aproxima as pessoas. Uma maneira de fazer isso é levar o cliente a falar um pouco sobre ele mesmo.
3. Coloque-se no lugar do cliente. A melhor maneira de entender o que o cliente sente é se imaginar “em seus sapatos”. Se conseguir fazer isso, poderá fazer uma apresentação dos serviços do escritório sob o ponto de vista do cliente — o que será muito mais eficaz.
4. Identifique o resultado que o cliente espera obter. Pode ser uma boa técnica simplesmente perguntar a ele que problemas jurídicos ele percebe que tem ou pode ter. E, então, fazer perguntas para determinar que tipo de serviço específico ele pensa que necessita. Saiba claramente o que ele acha mais importante. Siga esse roteiro para apresentar suas próprias ideias. E não fale de “bugalhos”, enquanto a mente do cliente estiver concentrada em “alhos”.
5. Explique bem ao cliente a “seriedade” de seu problema. Quanto melhor o cliente entender a “gravidade” de seu problema e desvendar os mistérios da situação, maior a probabilidade de ele pedir sua ajudar para resolvê-los. Mostre documentos, se possível. Mencione casos. Explique devagar e com clareza. E tente descobrir se ele realmente entendeu. Muitas vezes, o cliente faz de conta que entendeu e isso não é bom. Mas, neste ponto, não ofereça soluções Primeiro ele tem de entender o caso.
6. Antecipe perguntas que o cliente poderá fazer, por sua experiência, antes que ele as faça. Se o cliente for a única parte que faz perguntas e levanta dúvidas, a conversação pode parecer uma discussão entre adversários. Ao responder uma pergunta, pergunte ao cliente se ele entendeu ou se concorda. Assim, ele não voltará a repetir a pergunta.
7. Certifique-se de que o cliente entendeu claramente suas explicações. Fique atento para indícios de que algum ponto não ficou claro para ele. Lembre-se de que clientes não “compram” o que eles não entendem.
8. Pergunte ao cliente se ainda há alguma dúvida ou pergunta. Reconheça que cada pergunta é uma “boa pergunta” ou uma “preocupação válida”. Mesmo que pareçam uma objeção, interprete-as como uma pergunta normal — e não uma objeção. Provavelmente, ele não entendeu bem alguma coisa ou quer mais informações. O cliente quer ter certeza de que vai contratar o advogado certo.
9. Ofereça soluções específicas para problemas específicos. Discuta prós e contras de cada uma. Se houver apenas uma solução, você coloca o cliente em uma posição de responder apenas “sim” ou “não”. Se você lhe apresentar três opções positivas, a tarefa dele será escolher uma delas — e o “não” não é uma opção.
10. Ao oferecer soluções, faça-o do ponto de vista do cliente. Ele ficará mais receptivo à sua orientação, se ela for apresentada da perspectiva dele. Por exemplo, em vez de dizer “isso é o que você deve fazer”, diga “se eu fosse você, eu faria o seguinte” e, então, explique a razão.
11. Enumere os riscos e benefícios envolvidos no caso. Aponte os riscos de permitir que o problema continue sem solução. E os benefícios de resolvê-lo já e qual será o ganho.
12. Finalmente, apresente as razões porque ele deve contratar seu escritório. Explique como seu conhecimento, suas qualificações, experiência e capacidade de julgamento podem fazer com que os resultados esperados pelo cliente sejam conseguidos. Fale sobre casos semelhantes que chegaram a um bom desfecho. Mostre-lhe cópias de notícias ou artigos publicados em sites e jornais.
13. Forneça ao possível cliente razões lógicas e emocionais para contratá-lo. Muitas vezes, clientes contratam seus serviços por razões emocionais: o cliente “sente” que gosta de você, que confia em você e que você está realmente disposto a ajudá-lo. Mais tarde, ele usa a lógica para defender sua decisão para sócios, colegas de trabalho, amigos e familiares. Ou seja, muitas vezes, clientes tomam decisões emocionalmente e as explicam intelectualmente. Forneça-lhe munição para as duas empreitadas.
14. Diga ao cliente que realmente quer ajudá-lo. Use o plural: “nós”, “vamos” etc., para criar um espírito de trabalho de equipe, frente a uma empreitada conjunta.
15. Discuta seus honorários com naturalidade. Isto é, sem receio de que o cliente poderá considerá-los tão altos, se esse não é o caso. Os americanos, segundo o autor, gostam de citar o valor do serviço, normalmente bem mais alto do que ele realmente vai propor. Ou, de uma outra forma, explicar o que o cliente irá, no final das contas, economizar com a contratação de seus serviços.
16. Deixe o cliente tomar sua própria decisão sobre a contratação, sem pressões. Qualquer pressão gera resistência. Deixe claro para o cliente que a decisão é dele e se prontifique a responder qualquer pergunta ou a dar qualquer esclarecimento que quiser. Se for preciso relembrá-lo, faça-o de uma maneira que não pareça uma pressão – como a de informá-lo de que está pronto para ajudá-lo, assim que ele achar que é o momento certo. Ou de que um caso semelhante for resolvido favoravelmente por um tribunal.
17. Dê prosseguimento com uma carta (ou e-mail). Se o cliente o contratou, agradeça e relate alguma providência em curso. Se não o contratou, agradeça pela reunião e manifeste sua prontidão para cuidar de seus problemas a qualquer tempo.
 
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 27 de março de 2014

JUSTIÇA ENTRE EXEGETISMO E DECISIONISMO: O QUE FAZER?

Justiça entre exegetismo e decisionismo: o que fazer?

 
O título da coluna é bem provocativo. Mas tem absolutamente sentido. A falta de controles sobre as decisões judiciais e o invencível estado de barbárie interpretativo (no sentido hobbesiano do termo) que subjaz às práticas cotidianas justifica falar em “ativismo ou decisionismo a la Conselheiro Acácio” (cuja máxima era: as consequências vem sempre depois!) e um certo “exegetismo Jeca Tatu” (quem não lembra do personagem de Monteiro Lobato, que representava o atraso e o subdesenvolvimento?).
Os leitores sabem de minhas críticas ao ativismo e coisas desse gênero. Fruto de uma sociedade patrimonialista e de uma burocracia de perfil extrativista (é só ver o imbróglio da compra de uma refinaria em Pasadena, em que, ao que parece, sequer se teve a pachorra de ler uma cláusula no contrato, que qualquer néscio que tenha estudado direito na faculdade do Balão Mágico sabe),[1] parece que o discurso da autoridade em terrae brasilis desnecessita de justificação. “Faço porque faço”. “Eu não preciso lhe convencer”. E isso parece que se aprende na faculdade e até na pós-graduação. Estamos lascados.
No fundo, temos não só uma democracia delegativa, de cariz hobbesianista, como já denunciara há anos Guillermo O’Donnel, como temos também uma burocracia (incluindo judiciário e todo o sistema de justiça) delegativa. Ou seja, aquilo que é “delegativo” torna despicienda a accountability (prestação de contas). Por isso, O’Donnel preferia uma “democracia lockiana” (de Locke), que respeita o que se chama de “representatividade”. Em face da divisão de Poderes, isso se aplica a todas as esferas da administração.
O decisionismo e o ativismo tem direta relação com nossa maldita herança patrimonialista. Há uma dissertação de mestrado na Unisinos, de Danilo Pereira Lima, orientada por mim, que bem demonstra isso. Tem a ver com nossos “estamentos”. E e a delegação-para-que-um-decida-por-nós. E, o pior: o “um” (ou a uma, para não ser multado pela turma do politicamente correto) acredita que é o/a plenipotenciário/a. Por isso autores como Habermas fogem do solipsismo e optam por uma estrutura. E outros como Dworkin tem ojeriza ao discricionarismo. Assim como os hermeneutas. 
Dito isso, vejamos dois exemplosVou relatar dois casos que representam simbolicamente as duas faces (ou duas delas) da justiça brasileira. Nas duas é possível perceber o varejo de um grande atacado. Nos dois exemplos encontramos as camadas encobridoras do direito que acumulam resíduos desde os tempos em que se fazia eleição a bico de pena em Pindorama. De um tempo de baixíssima accountability.
Caso um: o advogado que deveria recolher as custas no domingo.No Paraná um causídico perdeu uma ação nos juizados[2] e ingressou com um recurso, interposto tempestivamente em 14 de março de 2014, uma sexta-feira, precisamente às 18h20min10seg (como é maravilhoso o processo eletrônico! Tem até os segundos!). Como se sabe, por força do artigo 42, parágrafo 1º da Lei 9.099, interposto recurso em face de sentença proferida, que no caso é para o próprio Juizado, o preparo deverá ser realizado nas 48 horas seguintes, sob pena de deserção. Pois o juiz considerou-o deserto, porque o prazo final para o preparo se daria em 16 de março de 2014 (às 18h20min10seg) e o causídico somente fez o preparo no dia 17. Só que 16 era... um domingo. Bingo.
Pouco importou para Sua Excelência o “detalhe” domingueiro. “Desertou” o recurso, claro! Cumprir a lei ao “pé da letra” como se letra tivesse pé. Cumpriu com um exegetismo Jeca Tatu (raquítico), porque não quis cumprir outro dispositivo que também-pode-ser-lido-ao-pé-da-letra, o artigo 132, parágrafo 1º do CC, que determina o seguinte: “Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento”. Também o parágrafo 1º: “Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até o seguinte dia útil”. Do mesmo modo, não importou que o artigo 175 do mesmo CC determina que para efeito forense, os domingos são feriados! E a Bíblia (católica), que fala em guardar domingos e festas.[3] Amém, irmão pecador! Isso além do artigo 184, parágrafo 1º do Código Civil.
Veja-se como o mais primário formalismo foi utilizado pelo juiz, talvez para “firmar sua posição pessoal” ou sei lá o que. Fez uma leitura “literal”, sem Constituição, sem teoria do direito, sem mais nada. O grande problema é que o mesmo juiz, em outros casos, não se mostra tão exegeta. Ou seja, não é porque teoricamente tenha feito uma opção metodológica pelo mais simplista positivismo do século XIX. Não. Longe disso. É porque, naquele caso, uma exegese “tipo Jeca Tatu” resolvia a parada. Pior: misturando dois paradigmas — para atender ao solipsismo, usou o mito do dado.
Assim, comportou-se como o personagem Ângelo da peça Medida por Medida, de Shakespeare, que disse que condenava Cláudio à morte porque ele, Ângelo, era apenas um “escravo da lei”. A interpretação do juiz paranaense foi “literal a fórceps”. Sim, porque nem um exegeta do século XIX faria uma leitura desse jaez. Por certo, buscaria consolidar uma interpretação a partir de outros casos similares...Ou só cumprir a lei! Bingão!
Caso dois: o FGTS e o saque para pagar pensão alimentíciaO artigo 20 da Lei 8.036 enumera as hipóteses de movimentação da conta do trabalhador vinculada ao FGTS. Lá há várias hipóteses, mas nenhuma delas contempla a possibilidade de saque para pagamento de pensão alimentícia.
Mesmo assim, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais[4] foi favorável a pedido de utilização do FGTS para tal fim, sob o fundamento de que o rol da lei seria apenas exemplificativo, reestabelecendo uma sentença de Santa Catarina. De forma “criativa”, um juiz federal mencionou a possibilidade da utilização do FGTS em situações não previstas em lei. O STJ — embora em um caso bem diferente — já havia aberto o caminho para isso, simplesmente “legislando” uma hipótese a mais das constantes no artigo 20.
Explicando: para o juiz — no que foi respaldado pela Turma Nacional —, em razão da aplicação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana (sempre esses dois princípios que servem até para proibir — ou permitir — a caça aos patos), o saque do FGTS para pagamento de pensão alimentícia seria franqueado pelo ordenamento, mesmo que não constando do rol legal. Fez isso alegando coadunar com entendimento do STJ, que já haveria realizado semelhante exercício, de ultrapassar hipóteses legais de liberação do FGTS, dizendo também que a pensão alimentícia seria viabilizadora do direito à vida.
Não importa, no caso, se a decisão foi “justa” ou se, efetivamente, o legislador “falhou” em não incluir os inadimplentes de pensão alimentícia como possíveis sacadores do FGTS. Também não importa que o governo tenha já autorizado utilizar o FGTS para comprar ações da Petrobrás (agora em baixa). Importa mostrar, sim, por princípio, que não é o Judiciário que deve tratar dessa matéria. É preciso que isso fique claro na República.
Por certo há sobejadas razões para que o legislador não tenha elencado essa hipótese de saque do FGTS. Ele não serve para socorrer problemas decorrentes de pensão alimentícia não paga. A questão que se coloca é: posso, amanhã, pedir para sacar meu FGTS se não tiver dinheiro para pagar a pensão que devo? Toda a malta endividada pode? Ou a decisão só vale para aquele caso? Por exemplo: uso o dinheiro do pagamento da pensão e torro em ingressos para a Copa e depois peço para usar o FGTS? Esse é o busílis de uma decisão. Qual é o caráter de generalização abrangente do decisum? Qual é o princípio que se retira da decisão da Turma? Qual é o limite dessa atitude ativista? Podemos, por exemplo, incluir mais uma hipótese do tipo “sacar o FGTS para comprar ingressos para a Copa com base no princípio da felicidade e da realização do lazer”? Sim, porque se cabe para pagar pensão...
E mesmo que se diga que o governo gere mal o FGTS e o utiliza de forma equivocada, o Judiciário só pode corrigir um tipo de má gestão em hipóteses restritas e que digam com a legislação em vigor. Neste caso, somente a partir do uso da jurisdição constitucional é que poderia o Judiciário intervir. Mas, com certeza, não para criar uma nova hipótese de uso do FGTS. Não me parece que a não inclusão pelo legislador da hipótese do uso do FGTS para pagamento de pensão alimentícia se constitua em uma omissão inconstitucional...
O que houve, portanto, foi uma nítida substituição do legislador. Dizendo ainda de outro modo, para evitar mal entendidos e comentários apressados: não se trata de fazer como o juiz do Paraná e fazer uma interpretação ao “pé-da-letra” do dispositivo legal que fala das hipóteses de movimentação do FGTS. Parece óbvio isso. Há casos, por exemplo, em que situações de omissões se resolvem com interpretação conforme a Constituição (verfassungskonforme Auslegung). Algo como “esse dispositivo somente será constitucional se entendido no sentido de...”. Ora, não me parece que poderíamos fazer isso no caso do uso do FGTS.
Enfim, se havia algum modo de resolver o caso concreto, antes disso o Judiciário deveria perguntar se a decisão poderia ser estendida para os demais patuleus. Neste caso, entre liberdade e igualdade, teríamos que ficar com a igualdade, ou seja, porque transferir recursos do restante da malta para resolver o problema de um caso (um inadimplente de pensão alimentícia, por mais dramática que pudesse ser a situação do vivente)? De todo modo, remeto o leitor para as seis hipóteses em que o judiciário pode deixar de aplicar uma lei (cf. Verdade e Consenso, capítulo final – Saraiva, 2011, 4ª. Edição).
Numa palavraPeço desculpas por insistir nesse assunto “ativismo-decisionismo-falta-de-democracia”. Tenho sido um chato. Mas, o que fazer? Alguém tem que dizer essas coisas. Dizer que o rei está nu. Dizer, mais uma vez, que decisão não é escolha subjetiva. Bater pé e dizer que não é! Decisão é um ato de responsabilidade política. Meus direitos não podem depender de escolhas subjetivas, pessoais, voluntaristas, políticas... Por melhor que seja o juiz. Por mais bondoso que seja. Mas, bondoso para quem?
Juiz é o garante da democracia e não o que a fragiliza. Deve julgar por princípios e não por políticas. Simples assim. Judiciário não governa o país (por mais que ele possa considerar equivocada a gestão do FGTS). Cada coisa no seu lugar, como diria Voltaire, falando do personagem Pangloss (e compreendamos as suas desventuras): “reparem que o nariz foi feito para sustentar óculos. Por isso usamos óculos. As pernas foram visivelmente instituídas para vestirem calças; por isso usamos calças. As pedras foram feitas para serem talhadas...”.
Judiciário não se substitui aos juízos políticos, éticos, morais do legislador e do governante. Estes não são dele. Claro que — e isso já expliquei à saciedade — juiz não é alface. Não é neutro. Não vou repetir o que tanto já disse acerca do que seja a applicatio de uma lei. Mas ele não substitui o governo ou o parlamento. Deixemos que a malta vote. Se vota mal, pelo menos pode-se substituir o incompetente de quatro em quatro anos (no caso do senador, de oito em oito). Mas não esqueçamos que um juiz ativista, além disso, é vitalício (atenção: tanto é ativista o que se coloca na ponta de uma exegese rasa, negando direitos como no caso do exemplo um, como o juiz ou Turma do exemplo dois). É impossível substituir juízes (e promotores) pelo voto. Peço que compreendam bem essa observação que faço — e a faço de forma absolutamente lhana e respeitosa. Pensando na democracia.
É espantoso o modo como a interpretação do Direito se transformou em um conjunto de posturas e teses utilizadas ad hoc. É possível ver um tribunal ou um órgão fracionário lançar mão de uma “metodologia exegético-subsuntiva” (na verdade, quase sempre uma vulgata) ao mesmo tempo em que ignoram totalmente os limites semânticos de um texto jurídico.[5] Por vezes, em um mesmo julgamento. Assim, em um determinado momento, escravo da lei (e com leituras rasas que passam longe de, porque não, desejadas sinonímias); em um segundo momento, o “proprietário dos sentidos da lei”, tal como acontece com a peça de Shakespeare, na parte em que Ângelo faz a proposta para que Isabela passe uma noite com ele em troca da liberdade de Cláudio. Mixagens... Nada mais do que isso.
Basta ver o ensino jurídico ministrado nas faculdades de Direito, assim como os cursinhos de preparação para concursos públicos. A produção de apostilas, manuais e compêndios recheados de raciocínios pequeno-gnosiológicos é o sustentáculo dessa reprodução standard (sem ar condicionado e direção elétrica e sem bancos de couro) do Direito. Para esse tipo de produção literária (e em sala de aula), o Direito não passa de uma mera racionalidade instrumental. Na verdade, para essa gente o Direito é uma mera técnica, que pode ser manipulada ao bel prazer do utente. Eis o ovo da serpente, agravado por setores da pós-graduação, onde continua-se a ensinar “a ponderação” (essa famosa Katchanga Real que serve para tudo...e para nada), “regras é no tudo ou nada e princípios e na ponderação” (argh)[6], “a vontade das partes como argumentos meta-jurídicos”, “que Kelsen é um representante da Escola da Exegese”, “que a discricionariedade é uma fatalidade”, etc. A filosofia olha para o direito e pergunta: em que século está essa gente? O Nobel é nosso. Vamos para Estocolmo.
Sigo, para perguntar: tem jeito ainda a justiça de terrae brasilis? Ou, irremediavelmente, está entregue ao leviatã hermenêutico, a partir de uma delegação sem accountabillity e sem constrangimentos epistemológicos? Cartas para a coluna. Faço — sei que de forma antipática — a minha parte.
E repito o que disse na coluna passada, a partir de T S Eliot: em terra de fugitivos, andar na contramão é dar a impressão que está fugindo... Pois não me importo que pensem que estou fugindo. Virou moda no Brasil dizer que “decisão é um ato de vontade”, “direito é o que os tribunais dizem que é”, “decidir é um ato solitário”, como disse, orgulhosamente, um jovem juiz federal, primeiro lugar de sua turma, no discurso de posse. Pensei: eis o próprio Selbstsüchtiger (o sujeito solipsista, o que se basta, o que não precisa fazer accountability).
Entre Ângelos e Azdaks e fazendo um círculo de giz caucasiano[7] no solo de terrae brasilis, lembro do que Voltaire mencionou em O Ingênuo e que encaixa como uma luva no que aqui foi dito:
“Mandaram chamar um médico da vizinhança. Era um desses que visitam os doentes correndo, que confundem a doença que acabaram de ver com a que estão examinando, que exercem uma cega rotina em uma ciência à qual nem toda a maturidade de um espírito são e prudente poderá tirar seus perigos e incertezas. Agravou o mal com uma precipitação em prescrever um remédio em moda da época. Há modas até na medicina! Essa mania era bastante comum em Paris. [...] Mandaram chamar outro médico. Este, em lugar de ajudar a natureza e deixá-la agir em uma jovem criatura cujos órgãos a induziam para a vida, só se preocupou em contrariar o seu colega. Em dois dias a doença tornou-se fatal.”
Como nos dois exemplos que apresentei: no primeiro caso (Juizados do Paraná), morreu o direito do utente; no segundo (caso do FGTS), o paciente pode até não ter morrido, mas saiu todo arranhado.

[1] Devem ter sido juristas e técnicos (conselheiros lato sensu) que estudaram na Faculdade do Balão Mágico (ou do Reco Reco, Bolão e Azeitona) os experts que deram parecer favorável à compra da Refinaria de Passaperna (em-brasileiro) comprada pela Petrobrasilis. Sim, porque isso não é obra de um conselheiro só. É uma operação que, se-não-for-desonesta, precisa de muita expertise. Foi um recorde histórico. Até a famosa compra da tal refinaria, consta que o pior negócio da história da humanidade tinha ocorrido 3.500 A.C, quando a empresa Primitivobrás (que explorava óleo de bisão) trocou um bisão bem gordinho por uma galinha de angola, com base em um parecer exarado por um conselheiro da estatal do reino. Devido ao sucesso do negócio, o tal conselheiro foi elogiado e promovido, tendo atuado durante os 8 anos seguidos no ramo da compra e venda de bisões, que, por alguma razão, achava que valiam menos que galinhas de angola. Em antanho e agora, a dúvida é: incompetência ou corrupção? Por exemplo, qual é a razão de o conselheiro do reino trocar o bisão por uma galinha de angola, se o bisão vale 1000 vezes mais do que a galinha? Hein?
[2] Processo 0001302.18.2012.8.16.0036.
[3] Placa levantada pelo estagiário: sarcasmo!
[4] Proc. 5000194-75.2011.4.04.7211 não disponibilizado.
[5] Sobre o que são limites semânticos nesta quadra da história, ver meu Hermenêutica Jurídica e(m) crise e O que é Isto – decido Conforme Minha Consciência. Mais recentemente, meu novo Lições de Crítica Hermenêutica do Direito (Livraria do Advogado, 2014).
[6] Argh é uma onomatopeia.
[7] Peça de Bertolt Brecht.
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 27 de março de 2014

MARCO CIVIL DA INTERNET É UM VERDADEIRO NONSENSE

Marco Civil da Internet é um verdadeiro nonsense

 
Como o próprio nome já esclarece o Marco Civil da Internet possui precipuamente uma única finalidade: ser o ground zero da internet do Brasil.
Busca-se com esta pedra fundamental da internet normatizar, de modo geral, não apenas a utilização da própria internet em solo brasileiro, como também as situações reflexas à utilização desta. Portanto, sem qualquer dúvida, trata-se de valioso instrumento normativo que, aliás, há muito já vem fazendo falta em solo brasileiro.
Contudo, não obstante a valiosa iniciativa, não podemos deixar de externar nossa crítica ao substitutivo projeto de Lei 2.126/11, aprovado pela Câmara em 25 de março de 2014 e remetido ao Senado, notadamente em relação aos artigos 11 e 13, com a nova redação dada pela Câmara.
Isto porque, os dois dispositivos legais, à luz da atual dinâmica da tecnologia da informação, não possuirão qualquer eficácia no mundo fenomênico; não serão hábeis a coibir a prática de delitos praticados por meio ou contra sistemas informáticos. Vejamos:
Como já cediço, o ordenamento de ritos procedimentais em matéria penal não obriga o titular da ação penal, seja ela pública ou privada, à existência prévia do inquérito policial para poder embasar a peça acusatória inicial.
O legislador, em síntese, entendeu que bastam indícios de autoria e materialidade do crime para que se possibilite a instauração de uma ação penal. No entanto, como se verifica do cotidiano forense o inquérito policial é um valioso instrumento para se elucidar uma prática delitiva.
Contudo, é inegável que a investigação policial não é um procedimento célere o suficiente a atender as exigências investigativas de muitos crimes, como, por exemplo, os crimes eletrônicos.
Muito embora o Código de Processo Penal, em seu artigo 10, estabeleça que o inquérito policial possui prazo de duração de “(...) 10 (dez) dias se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente (...) ou “(...) 30 (trinta) dias, quando estiver solto (...)” prorrogáveis a critério do Magistrado, é certo que a praxis forense nos mostra que a duração média de uma investigação é de pelo menos 214 dias [1].
Trata-se, inequivocamente, de número bastante alto levando-se em consideração outro país, como os Estado Unidos da América que, por meio do Federal Speed Trial Act, propicia que determinados crimes sejam investigados, processados e julgados em no máximo 100 dias.
Pois bem. Esta ponderação parece mais do que óbvia e, portanto, o leitor deve estar se questionando o porquê de tantas palavras a respeito.
Acontece, pesa dizer, que não nos parece que esta obviedade atingiu a mente do legislador quando da redação dos artigos 11 e 13 (com a nova redação dada pela Câmara dos Deputados) do substitutivo ao projeto de Lei n. 2.126/11. Vejamos:
É que, determinará a lei — caso venha ser aprovada nestes termos — que o provedor de acesso à internet (administrador do sistema autônomo[2] ) registre e mantenha a guarda, sob sigilo, de todas as conexões que os endereços de IP que por ele passarem para acessar a internet, bem como que sites como o Google, guardem os históricos de navegação de seus usuários.
Pretende o legislador, assim, preservar os dados que correspondem aos registros de conexão e acesso a sites, informações indispensáveis à investigação, haja vista permitir identificar o computador por meio do Internet Protocol e, logo, o autor de um delito.
Trata-se de meio cujo fim é garantir a preservação de prova hodiernamente indispensável para a apuração e.g. de crimes que cada vez mais são praticados se não contra sistemas informáticos, o são cometidos por meio destes.
Contudo, se questiona: será que do modo como os citados artigos se encontram redigidos, a finalidade será alcançada? Será que se transportarmos a teoria colocada na lei à realidade prática brasileira, esta possuirá efetividade?
A nós, concessa venia, parece que não. E, para assim se concluir, não se mostra necessário muito esforço. Diga-se isso pois, como aqui já mencionado, as investigações de crimes no Brasil não é tarefa das mais fáceis e rápidas de se executar.
De fato, segundo estudo realizado pelo Juiz Federal Vilian Bollmann [3], entre a data da ocorrência de um crime e aquela em que o inquérito policial é instaurado decorrem, em média, nada menos do que 452 (quatrocentos e cinquenta e dois) dias.
Isto é, na média, a Autoridade Policial somente toma conhecimento dos fatos, ou inicia, formalmente a investigação dos fatos, decorridos praticamente 1 ano e 3 meses desde a sua ocorrência.
Significa dizer, assim, que apenas após este imenso prazo é que se poderá cogitar a realização de diligências no sentido de buscar identificar o autor de um crime, vez que neste número não está computado o prazo de duração do próprio inquérito policial que, como aqui citado, gastam outros 214 dias, em média.
Eis, pois, o motivo pelo qual, à luz do quanto dos prazos de guarda dos dados estipulado nos artigos 11 (um ano) e 13 (seis meses) do substitutivo ao projeto de lei 2.126/11, a eficácia da norma e, consequentemente, a própria punibilidade dos autores de crimes que se valem da internet para o seu cometimento estão colocadas em xeque.
Ora, se a instauração de uma investigação demanda mais de 1 ano para ser formalizada, parece mais do que óbvio que obrigar os provedores de internet a guardarem os registros de conexão pelo prazo de 1 ano ou 6 meses, no caso dos sites como o Google é o que basta para que as provas destes crimes se percam.
Como bem assenta o Professor Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos, Presidente da Comissão de Direito Eletrônico e Crimes de Alta Tecnologia da Seccional Paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, “(...) As provas dos crimes cibernéticos possuem um alto grau de volatilidade, ou seja, quando se está analisando um sítio que está no ar, operando na rede mundial de computadores, estes de uma hora para outra se “apagam” (...)”[4].
Resta mais do que claro que, a persistir a estipulação de prazos tão ínfimos para se guardar registros de conexão e acessos a determinados sites, muitos dos delitos praticados contra ou por meio da internet não serão passíveis da devida investigação pelo só fato de que a prova que vista rastrear e identificar seus autores não existirá mais.
Não se nega que o próprio projeto de lei, ora na berlinda, tenta estabelecer meios que possam evitar esse perecimento da prova eletrônica, em especial ao estabelecer nos parágrafos do artigo 11 e 13 a possibilidade de se realizar uma guarda cautelar.
Porém, a nós parece que esta previsão ainda é deveras tímida, haja vista que, como aqui já se demonstrou, o momento de maior risco de perecimento desta prova não é após as autoridades policiais já terem tomado conhecimento do feito, instaurando-se o competente inquérito policial.
O grande problema, e daí a necessidade de se estender este prazo legal, reside no fato de que, no Brasil, o lapso temporal entre a ocorrência de um fato criminoso e a instauração da investigação correlata demora-se mais de um ano.
Em melhores palavras, ainda que a lei preveja a possibilidade de guarda cautelar desta prova, na prática, quando a Autoridade Policial viesse buscá-la, esta certamente seria inócua, posto que a prova pretendida não mais existirá nos sistemas informatizados dos provedores de conexão à internet. Mutatis mutandis, a subsistir este irrisório prazo, a própria Lei estaria afiançando que muitos — para não dizer a maioria — daqueles que praticam crimes contra ou por meio de computador conectados à internet, estariam “imunes” de qualquer ação punitiva do Estado no prazo máximo de 1 ano.
Isto mesmo, porque se transcorrido este prazo, sem que o Estado-Acusador tenha tido ciência da sua ocorrência e consequentemente tenha, por exemplo, determinado aos provedores de conexão de internet a guarda dos registros de conexão, a prova de que ocorreu e.g. um acesso indevido a um banco de dados da Administração Pública, crime previsto no artigo 325, parágrafo 1, I do Código Penal, já terá se perdido.
E, com isso, não será viável estabelecer um nexo de causalidade entre o acesso indevido e o agente criminoso, pelo só fato de que não se terá como saber qual foi o computador que acessou este banco de dados e, por conseguinte, não se poderá buscar sua localidade ou e principalmente, o seu usuário.
Em resumo, diante da ausência desta prova, não se conseguirá obter sequer o indício de autoria, indispensável para se iniciar uma persecutio criminis, quiçá prova concreta para ensejar uma condenação.
Afinal, embora o Direito Penal garanta ao Estado-Acusação prazo sempre pautado pela gravidade do delito (a prescrição), o Marco Civil — se aprovado nos termos atuais — acaba por restringir a apuração de uma prática delitiva em seu nascedouro, salvo se o crime já tiver sido descoberto e medidas cautelares já tiverem sido tomadas a fim de preservar a prova.
Afinal, de que adianta possuir 20 anos para investigar, processar e punir, se a rainha das provas, ou senão a única, muitas das vezes já pereceu? De que adianta garantir ao Estado anos para executar a sua pretensão punitiva se este, na prática, não dispõe de meios sequer para formular uma acusação?
Ao menos para nós, parece que ambas as perguntas só possuem uma única resposta: NADA, não adianta nada.
E eis o porquê de se registrar a ausência de razoabilidade entre os prazos dos artigo 11 e 13 (este último com a nova redação dada pela Câmara) ante aos prazos que o Estado possui para processar — leia-se investigar, processar e julgar — uma pessoa.
Aliás, esta ausência de razoabilidade torna-se mais ululante ao compararmos, por exemplo, o prazo de 1 ano estabelecido pelo artigo 11 do Marco Civil com os prazos que outras legislações de nosso ordenamento jurídico impõem às pessoas físicas e jurídicas brasileiras.
Neste ponto, cite o prazo de 5 anos que o Código Tributário Nacional estipula como sendo o obrigatório para conservação do livros de escrituração comercial e fiscal e os comprovantes dos lançamentos neles efetuados.
Isto é, quando o assunto é arrecadar, o legislador estabelece prazo cinco vezes maior para a guarda de documentos que, em última análise, são provas para a ação da fiscalização, ao passo que, quando se visa garantir o combate a determinada espécie de criminalidade, o prazo se resume a um.
Ora, nada mais se mostra necessário dizer para se concluir que o prazo de 1 ano e 6 meses ora em voga são absolutamente desarrazoado e não se prestam a conferir à norma a sua verdadeira eficácia e, como já diziam os adeptos do realismo jurídico, de nada presta uma lei que não seja eficaz.
Bem por isso, a nosso entender, o mais correto seria o alargamento deste prazo, estipulando um quantum de tempo que se mostre suficiente para que o Estado, com toda a sua infeliz burocracia, consiga, por exemplo, iniciar uma investigação criminal sabendo que os registros de conexão do agente criminoso ainda não foi licitamente inutilizado pelo provedor de conexão.
Em razão da tormentosa tarefa que é a investigação criminal no Brasil, dever-se-ia realizar, primeiramente, um levantamento em âmbito nacional para se aferir o tempo que hodiernamente as Autoridades Policiais vêm gastando até solicitar os registros de conexão quando deparadas com estas espécies de crimes.
Diga-se isso pois, somente de posse destes dados concretos é que se poderá estabelecer um prazo proporcional e razoável para que os provedores de conexão mantenham a guarda dos registros de conexão, máxime à luz das políticas públicas de repressão e combate à criminalidade moderna que se dá por meios informáticos e internet.

[1] BOLLANN. Vilian. Medindo o tempo no processo penal. Disponível em: http://www2.trf4.jus.br/trf4/upload/editor/apg_VilianBollmann.pdf. Acessado em 11.11.12, às 16:08 hrs.
 
[2] Vide Art. 5∘do mencionado dispositivo legal: “Art. 5º Para efeitos desta Lei, considera-se: (…) III – administrador de sistema autônomo: pessoa física ou jurídica que administra blocos de endereço de Internet Protocolo – IP específicos e o respectivo sistema autônomo de roteamento, devidamente cadastrada no ente nacional responsável pelo registro e distribuição de endereços IP geograficamente referentes ao País; (…)
[3] 3BOLLANN. Vilian. Medindo o tempo no processo penal. Disponível em: http://www2.trf4.jus.br/trf4/upload/editor/apg_VilianBollmann.pdf. Acessado em 11.11.12, às 16:08 hrs.
[4] SANTOS, Corliolano Aurélio de Almeida Camargo. As múltiplas faces dos Crimes Eletrônicos e dos Fenômenos Tecnológicos e seus reflexos no universo Jurídico. 2009. Disponível em http://www.oabsp.org.br/comissoes2010/direito-eletronico-crimes-alta-tecnologia/livro-sobre-crimeseletronicos. Acessado em 11.11.12, às 22:10 hrs.
Luiz Augusto Sartori de Castro é advogado, sócio do MCP Advogados — Machado Castro e Peret, formado em Direito pela PUC-SP, pós-graduando em Direito Eletrônico, Especialista em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra, Portugal, professor Assistente de Direito Penal na PUC-SP, professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Penal e Processual Penal da Escola Paulista de Direito (EPD) e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), da Comissão de Direito Eletrônico e Crimes de Alta Tecnologia da OAB-SP e do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).
Revista Consultor Jurídico, 26 de março de 2014

NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL É APROVADO NA CÂMARA

Novo Código de Processo Civil é aprovado na Câmara

 
 
O plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (26/3) o projeto do novo Código de Processo Civil (CPC), que tem o objetivo de atualizar os dispositivos atuais, em vigor desde 1973, e acelerar a tramitação das ações cíveis, incluindo questões de família, do consumidor e tributárias. O texto base já tinha sido aprovado em novembro, mas a redação final só foi votada após a análise de cerca de 40 destaques em diferentes sessões. A proposta segue agora para o Senado.
O texto atual permite que advogados públicos recebam honorários, um dos pontos mais polêmicos do PL 8046/2010. Hoje, o valor pago ao governo nas ações em que é vencedor vai para os cofres públicos, mas o novo CPC permite que ele seja repassado ao profissional que atuou no caso, na forma de uma lei futura. Haverá uma tabela com a quantia devida nas causas que o governo perde e, para todos os advogados, o pagamento de honorários deve ocorrer na fase de recursos.
Uma das principais inovações é a possibilidade de que pedidos que tratem de interesse de um grupo — casos que afetem uma vizinhança ou acionistas de uma empresa, por exemplo — poderão ser convertidos em Ação Coletiva, com decisão aplicada a todos já na primeira instância. O novo CPC também estabelece a contagem de prazos em dias úteis e determina a suspensão dos prazos no final do ano, garantindo descanso para os defensores.
A audiência de conciliação deve se tornar a fase inicial da ação. Se não der certo, o juiz poderá tentar novamente um acordo durante a instrução do processo. “Teremos câmaras de conciliação nos tribunais, com corpos especializados para isso. Só depois da impossibilidade da conciliação é que o conflito irá para o processo judicial”, disse o relator do substitutivo, deputado Paulo Teixeira (PT-SP). A conciliação também será pré-requisito na análise de pedidos de reintegração de posse envolvendo invasões de terras e imóveis que durarem mais de um ano.
Sobre a falta de pagamento de pensão alimentícia, fica alterada a jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça, que só permite a notificação do devedor quando a dívida for superior a três meses. Isso significa que a Justiça poderá ser acionada já depois do primeiro mês de inadimplência. A proposta original tentava ampliar de três para dez dias para o devedor pagar ou justificar a falta de pagamento e estabelecer a prisão em regime semiaberto como regra geral, mas ambas as mudanças foram vetadas após críticas da bancada feminina.
Na execução, a carta de fiança e o seguro de garantia judicial terão o mesmo valor do dinheiro para fins de penhora. Quem responde a processos poderá recorrer a esses títulos para garantir que o seu dinheiro não será confiscado. O confisco de contas e investimentos bancários deve ser limitado, sem que comprometa o negócio e sem ser definido em plantão judicial. O juiz terá 24 horas para devolver o valor penhorado que exceder a causa. Com informações da Agência Câmara Notícias.
Clique aqui para ler o texto aprovado.
 
Revista Consultor Jurídico, 26 de março de 2014

quarta-feira, 26 de março de 2014

ADVOGADO É CONDENADO POR INCLUSÃO INDEVIDA DE SÓCIOS NO POLO PASSIVO DE AÇÃO DE EXECUÇÃO

Inclusão indevida de sócios no polo passivo gera dano moral

 
A desconsideração da personalidade jurídica permite que a ação de execução seja proposta contra os sócios da empresa devedora, mas o credor não tem direito de escolher quem se sujeitará à ação. Com base nesse argumento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça determinou a um advogado o pagamento de danos morais e materiais aos sócios de uma empresa, incluídos em Ação Executiva. Após defender a Agropecuária Alvorada em uma causa, o advogado apresentou a ação para receber seus honorários e colocou os sócios no polo passivo, levando ao bloqueio das contas bancárias deles.
Revertida em segunda instância, a situação levou os cotistas a apresentarem ação de indenização por causa dos transtornos. A sentença negou os danos morais e materiais, pois não seria possível classificar o ajuizamento da execução contra os sócios como absurdo, exatamente com base na desconsideração da personalidade jurídica. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso manteve a sentença, apontando que não há ato irregular ou ilícito quando o advogado, ao exercer seu direito de peticionar e acionar em busca de seus honorários, inclui os sócios no polo passivo. Isso motivou a apresentação de Recurso Especial ao STJ, com os credores apontando responsabilidade objetiva do advogado ao propor execução sabendo que não há dívida, ou que a obrigação não vincula a parte devedora.
Relator do caso, o ministro João Otávio de Noronha ligou a decisão do TJ-MT à desconsideração da personalidade jurídica, mas citou que a lei "não dá livre arbítrio ao exequente para escolher quem se sujeitará à ação". Segundo ele, uma sociedade agropecuária tem responsabilidade limitada e vida própria, sem se confudir com as pessoas físicas dos sócios, e “no caso de as cotas de cada um estarem totalmente integralizadas, o patrimônio pessoal dos sócios não responde por dívidas da sociedade”. Assim, afirmou, deve ser observado o princípio da autonomia coletiva, diferente da pessoa dos cotistas, afastado apenas provisoriamente com base em hipóteses pontuais e concretas.
Uma das hipóteses, apontou o ministro, é a personalidade jurídica dar cobertura para fraude nos negócios e atos jurídicos, permitindo ao juiz projetar os efeitos da decisão sobre os beneficiados, como prevê o artigo 50 do Código Civil. No caso em questão, no entanto, o artigo 50 do Código Civil foi desconsiderado para buscar “facilidades para o recebimento dos créditos”, sem a caracterização da hipótese que tornaria regular o ajuizamento da ação, na visão do ministro. Houve, continuou, uso abusivo da Ação Executiva, pois não foi direcionada ao responsável pelo crédito, e “havendo excesso quanto ao limite imposto pelo fim econômico ou social do direito exercido, pela boa-fé ou pelos bons costumes, está caracterizado o abuso de direito”.
Para Noronha, a indenização por danos morais não se justifica pela inclusão dos sócios no polo passivo, algo que não caracterizaria razão para a responsabilização do credor. No entanto, a “astúcia” do credor levou ao bloqueio patrimonial dos cotistas. Além disso, o advogado é especialista na área e, informou o ministro, “não é razoável concluir que não soubesse que agia ferindo a lei”. Assim, houve nexo causal entre o ato abusivo e os danos aos sócios, justificando a indenização. De acordo com a 3ª Turma, os danos materiais devem ser apurados em primeira instância, e a indenização por danos morais terá como parâmetro o valor bloqueado nas contas de cada sócio. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Clique aqui para ler a decisão.
 
Revista Consultor Jurídico, 26 de março de 2014

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...