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STJ RELATIVIZA OS EFEITOS DA COISA JULGADA EM AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE
NEGATÓRIA DE PATERNIDADE –
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE ANTERIORMENTE JULGADA PROCEDENTE SEM EXAME DE DNA –
RETRATAÇÃO DE JULGADO ANTERIOR DESTA TURMA, DIANTE DE REPERCUSSÃO GERAL DE
JULGAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - INTELIGÊNCIA DO ART. 543-B, § 2º, DO
CPC – RECURSO ESPECIAL PROVIDO - NEGATÓRIA DE PATERNIDADE PROCEDENTE.
1.- Embora julgamento anterior
desta Turma tenha, segundo o entendimento da época, estabelecido que “se está
afirmada a paternidade com base nas provas então disponíveis, não é possível
pretender a anulação do registro que daí decorre” (REsp 435.102, Rel. Min.
CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ 20.9.2005), deve-se, nos termos do art.
543-B, do CPC, à falta não atribuível a negativa do acionado (Lei Inv. de Pat.,
Lei 8.560, de 29.12.1992, art. 2ª, § único e Súmula 301 STJ) de exame de DNA,
em ação investigatória anterior, diante de dois exames de DNA negativos da
paternidade do ora recorrente realizados na nova ação, negatória da
paternidade, retratar o julgamento que antes declarou a paternidade, conclusão
que se impõe em consequência de orientação, com efeito de repercussão geral,
firmada pelo C. Supremo Tribunal Federal, no sentido de que “deve ser relativizada
a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não
foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as
partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que
pode fornecer segurança quase absoluta
quanto à existência de tal
vínculo”.
2.- Improvido o presente Recurso
Especial, mas, em seguida, sobrestado ante o efeito de Repercussão Geral em
Recurso Extraordinário, pelo C. Supremo Tribunal Federal, é de ser retratado o
julgamento anterior desta Corte, em cumprimento ao art. 543-B, § 3º, parte
final, do Cód. de Proc. Civil, dando-se provimento ao Recurso Especial.
Resenha
Trata-se
de ação negatória de paternidade, ajuizada em 05 de agosto de 2004, requerendo
a realização de exame de DNA, a fim de afastar vínculo biológico declarado nos
autos da ação de investigação de paternidade, ajuizada pelo suposto filho nos
anos de 1990, com sentença transitada em julgado.
Como
fundamento, o autor (recorrente no acórdão em análise) sustenta que à época da
investigação de paternidade não houve oportunidade de realização do exame de
DNA. Sustentou-se, ainda, a total ausência de paternidade socioafetiva.
Em resposta, o réu (recorrido no acórdão em
exame) contestou o pedido e requereu a extinção do processo ante a existência
de coisa julgada.
Na
instrução do processo, foram realizados dois exames de DNA, os quais excluíram a
paternidade, o que, consequentemente, gerou a procedência dos pedidos da
negatória, afastando a paternidade, bem como o obrigação de prestar os
alimentos.
O
réu recorreu ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, alegando, em
resumida síntese, a violação da coisa julgada. O Relator do processo
(acompanhado pelos demais Desembargadores) acolheu a preliminar de coisa
julgada e extinguiu o feito.
O
autor interpôs recurso especial[1]
para o c. Superior Tribunal de Justiça. No juízo de admissibilidade do TJMG o
apelo fora conhecido e admitido, entretanto, ao chegar no STJ, o Ministro
Sidnei Beneti, da 3ª Turma, relator do processo e em decisão monocrática, mesmo
contra parecer do Ministério Público Federal, que opinava pelo provimento do
recurso, negou-lhe seguimento, sustentando que o entendimento daquela Turma era
no sentido de que não cabia relativização da coisa julgada em ação negatória de
paternidade.
O
Ministro, muito embora tenha reconhecido a importância do tema, baseou-se no
entendimento da Turma, no voto do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que
em outro recurso, REsp n. 107.248/GO, DJ 7.5.1998, sustentava que a “existência de um exame de DNA posterior ao
feito já julgado, com decisão transitada em julgado, reconhecendo a
paternidade, não tem o condão de reabrir a questão com uma declaratória para
negar a paternidade, sendo certo que o julgado está coberto pela certeza
jurídica conferida pela coisa julgada.”
Diante disso, houve interposição
de agravo regimental, o qual fora conhecido e, no mérito, sem divergência,
negaram-lhe provimento. Desta decisão, fundado na violação direta da
Constituição da República em face da dignidade da pessoa humana, artigo 1º,
inciso III, o suposto pai interpôs recurso extraordinário ao c. Supremo
Tribunal Federal, o qual teve seguimento negado ao argumento de não haver
preparo, provocando a interposição de agravo de instrumento, o qual foi
conhecido e provido, destrancando o RE e reconhecendo a repercussão geral.
Por força do disposto no artigo 543-B,
do Código de Processo Civil, os autos foram remetidos ao c. STJ até que fosse
julgado outro recurso paradigma no STF.
O Ministro
Celso de Mello ao admitir o recurso extraordinário e reconhecer a repercussão
geral sustenta que o tema da “superação da coisa julgada” é passível de se
reproduzir em múltiplos feitos[2].
O Ministro reforça a evolução do
direito e consagra a decisão do Ministro Dias Toffoli nos autos do RE
363.889-RG/DF, que reconheceu existente a repercussão geral da questão
constitucional e deu provimento ao recurso, em caso cujo objeto coincide, em
todos os seus aspectos, com este.
No juízo de retratação previsto no artigo 543, §3º, parte final, do Código de Processo Civil, o Ministro SIDNEI BENETI salienta a existência de entendimento anterior, mas reforça a necessidade de mudança, sobretudo ante a ausência de realização de exame de DNA no primeiro processo. Fundamenta sua decisão no novo posicionamento c. STF e na existência de dois exames de DNA, comprovando que o recorrente não é o pai.
Já a Ministra NANCY ANDRIGHI, seguida pelo Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, divergiu do Relator sustentando que o RE apreciado e julgado pelo c. STF tratava-se de ações diversas, enquanto naquele se analisava uma ação investigatória de paternidade, nos autos em comento, apreciava-se uma ação negatória; ações com um mesmo objeto, porém com princípios e paradigma diversos.[3]
Em resposta, o Relator SIDNEI BENETI rebate dizendo que a questão central não deve passar pela análise acerca da natureza da ação, se investigatória ou negatória de paternidade, pois o c. STF decidiu que não oportunizado o exame de DNA há de se observar a relativização da coisa julgada[4]. Com isso, o Recurso Especial foi provido para julgar procedentes os pedidos na ação negatória de paternidade, afastando a paternidade.
É importante salientar que essa decisão constitui um avanço na jurisprudência brasileira, sobretudo daquela Corte (STJ), que inicialmente fechava-se em um entendimento, com todas as vênias, ultrapassado, no sentido de não permitir a relativização em casos análogos. O processo em si, demonstra a peregrinação do jurisdicionado para ver reconhecido um direito. Neste caso, os recursos processuais (muitos recursos) contribuíram para que a justiça fosse feita!
[2] “DECISÃO: O Plenário do Supremo
Tribunal Federal, ao apreciar o AI 715.423-QO/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE,
firmou entendimento, posteriormente confirmado no julgamento do RE
540.410-QO/RS, Rel. Min. CEZAR PELUSO, no sentido de que também se aplica o
disposto no art. 543-B do Código de Processo Civil aos recursos deduzidos
contra acórdãos publicados antes de 03 de maio de 2007 e que veiculem tema em
relação ao qual já foi reconhecida a existência de repercussão geral. Esta
Suprema Corte, apreciando o RE 363.889-RG/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI,
reconheceu existente a repercussão geral da questão constitucional nele
suscitada, e que coincide, em todos os seus aspectos, com a mesma controvérsia
jurídica ora versada na presente causa. O tema objeto do recurso extraordinário
representativo de mencionada controvérsia jurídica, passível de se reproduzir
em múltiplos feitos, refere-se à “Superação da coisa julgada para possibilitar
nova ação de investigação de paternidade em face de viabilidade de realização
de exame de DNA” (Tema nº 392 – www.stf.jus.br – Jurisprudência – Repercussão
Geral). Sendo assim, e pelas razões expostas, dou provimento ao presente agravo
de instrumento, para admitir o recurso extraordinário a que ele se refere,
impondo-se, nos termos do art. 328 do RISTF, na redação dada pela Emenda
Regimental nº 21/2007, a devolução dos presentes autos ao Tribunal de origem,
para que, neste, seja observado o disposto no art. 543-B e respectivos
parágrafos do CPC (Lei nº 11.418/2006)”.
[3] “Do excerto,
notório que o campo delimitado no julgamento daquele RE não replica a hipótese
do Recurso Especial aqui julgado, porquanto, lá, existia uma investigação de
paternidade, e aqui, negatória de paternidade, ações com o mesmo objeto final –
comprovação da existência de vínculo biológico entre duas pessoas – mas que
transitam sob princípios e paradigma diversos”.
[4]
“O que
importa é o núcleo da questão: firmou-se, no C. Supremo Tribunal Federal, que,
se a ação anterior, reconhecendo a paternidade (seja para a procedência da
investigatória movida pelo filho, seja na improcedência da negatória movida
pelo genitor), e não houve, em aludida ação anterior, exame de DNA (omissão decorrente
de fato não atribuível ao genitor – o que seria questão nova, não constante do
julgamento de repercussão geral, que não enfocou a matéria à luz do art. 2º, §
ún, da Lei de Investigação de paternidade – nem se chegando, também, nem mesmo
a tangenciar a análise da Súmula 301/STJ), essa ausência de exame de DNA
anterior é o que basta para admissão da nova ação, em que se realize tal exame
de DNA”.