sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

ESCRITURA DE DIVÓRCIO QUE PREVÊ PENSÃO TEM FORÇA JURÍDICA

Escritura de divórcio que prevê pensão tem força jurídica

 
O site do Tribunal de Justiça de São Paulo veiculou, no dia 18 de dezembro de 2013, a notícia de que a 3ª Câmara de Direito Privado negou o processamento de uma execução de alimentos em que era pedida a prisão civil do devedor (artigo 733 do Código de Processo Civil). Entendeu-se que o pedido não era possível porque o título executivo era extrajudicial — uma escritura pública de divórcio —, e não uma decisão judicial.
Vejamos a fundamentação do voto:
É que o art. 733 do Código de Processo Civil estabelece que a prisão civil pode decorrer da inércia do devedor em pagar ou se escusar os alimentos fixados em sentença ou decisão (“Na execução de sentença ou decisão, que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê-lo”).
Contudo, a escritura pública de divórcio é título executivo extrajudicial (art. 1.124-A, parágrafo 1º, CPC), cujo grau de certeza é menor do que o do título produzido em juízo após contraditório e cognição exaurientes.
Daí porque não se pode admitir a prisão civil do devedor, medida excepcional e extremamente gravosa, em decorrência de ajuste que constou de escritura pública.
Para a execução desse débito alimentar, a agravada poderia se valer do rito da execução por quantia certa contra devedor solvente (art. 732, CPC), mas não do rito que prevê a prisão civil.
O assunto é de grande alcance prático, ultrapassando os limites do simples interesse das partes, visto que milhares são os casos de separação e divórcio instrumentalizados por escritura pública com a estipulação de pensão alimentícia em favor de um dos cônjuges ou dos filhos maiores.
Por primeiro, deve-se refutar a tese de que a obrigação de prestar alimentos firmada em cartório de notas é desprovida da observância do princípio do contraditório. Entende-se que há, sim, contraditório na formação do acordo de divórcio feito perante o tabelião, pois no ato as duas partes devem estar presentes e assessoradas pelo advogado escolhido por elas, que tanto pode ser um só para as duas ou um para cada. Como se vê, nada é feito sem a presença e a anuência do devedor, que está amparado por profissionais do direito de sua confiança. O tabelião fará as vezes de um juiz, confirmando a vontade das partes e, com o advogado, alertando-as das consequências do ato que está sendo feito. Tudo isso com a participação ativa dos interessados.
Os cartórios são parceiros da justiça e assim devem ser vistos. É o poder Judiciário que seleciona e fiscaliza os tabeliães. Por isso a Resolução 35 do CNJ, no seu art. 52 diz: os cônjuges separados judicialmente podem, mediante escritura pública, converter a separação judicial ou extrajudicial em divórcio, mantendo as mesmas condições ou alterando-as.
Em outras palavras, as partes podem, por escritura, alterar até mesmo o que antes tinham combinado sobre alimentos na presença do juiz! Portanto, não há espaço para entender-se que a escritura tem menos valor que a homologação judicial e por isso é incabível obstar a execução da pensão alimentícia na forma do art. 733 do CPC.
Não podemos nos prender à literalidade do art. 733 do CPC, que fala em execução de sentença ou decisão. Este dispositivo só se refere a esses dois tipos de pronunciamentos judiciais porque foi redigido na época em que só por meio de um magistrado era definido o valor de uma pensão, ainda que por mera homologação.
Porém, os tempos mudaram, o direito não é o mesmo e, com o advento da Lei 11.441/07, em muito boa hora, o divórcio consensual sem filhos menores passou a poder ser feito por escritura pública, na qual os alimentos são convencionados para o casal ou para os filhos maiores. Portanto, desde 2007, a definição do valor dos alimentos não é mais privativa de uma decisão judicial. Há mais liberdade para as próprias pessoas resolverem suas vidas. Portanto, o artigo 733 deve ser interpretado de forma sistemática e atual, não podendo ser apenas lido de forma literal.
O entendimento do julgado que se analisa parece ter considerado que o devedor é a parte mais fraca na relação jurídica da dívida alimentar. Todavia, o que ocorre é exatamente o contrário. Nessa relação alimentar a parte mais forte é quem paga e não quem recebe os alimentos. Quem paga tem para se manter e ainda pode ajudar alguém. Quem recebe não tem nem para o próprio sustento.
A pessoa que recebe a pensão está em situação de vulnerabilidade, pois precisa que outra pessoa contribua para o que é necessário para o seu bem estar: alimentação, vestuário, educação, transporte, saúde e lazer.
A interpretação meramente literal do artigo 733 do CPC, feita pelo acórdão noticiado, criou uma exceção, não prevista na lei e nem na Constituição, em que uma dívida alimentar ficou sem a força da possibilidade de prisão do devedor, enfraquecendo o direito do credor dos alimentos, que deles necessita para ter uma vida humana com dignidade, o que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, da Constituição).
O entendimento do julgado em análise retira das escrituras, indevidamente, eficácia jurídica que lhes é conferida pela Lei 11.441/07 e tem a consequência perniciosa de fazer com que a Justiça tenda a ser cada vez mais sobrecarregada, pois, com menos eficácia nos acordos de divórcio feitos nos cartórios de notas, as pessoas tendem a procurar o Judiciário para fazer o mesmo acordo que poderiam perfeitamente fazer fora dele.
O credor dos alimentos tem direito à proteção que decorre da possibilidade da prisão do devedor inadimplente. Se não for reconhecida essa eficácia no título extrajudicial, produzido no cartório de notas, a tendência é o credor fazer questão de que o acordo seja feito perante o Judiciário, com isso gerando processos e mais processos totalmente desnecessários, para mera homologação, exatamente o que a Lei 11.441/07 quis evitar.
Por sua vez, esse afluxo maior de processos tornará a justiça ainda menos célere e menos eficiente, o que contraria pelo menos dois princípios constitucionais: eficiência (art. 37) e duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII).
Lembre-se que os tabeliães não são os únicos que podem celebrar acordos de alimentos. A defensoria pública e o ministério público também podem lavrar termos de acordos, gerando igualmente títulos extrajudiciais. E o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a possibilidade de prisão civil na execução de tais títulos. Vejamos os precedentes adiante.
RECURSO ESPECIAL - OBRIGAÇÃO ALIMENTAR EM SENTIDO ESTRITO – DEVER DE SUSTENTO DOS PAIS A BEM DOS FILHOS - EXECUÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL FIRMADO PERANTE O MINISTÉRIO PÚBLICO – DESCUMPRIMENTO - COMINAÇÃO DA PENA DE PRISÃO CIVIL - POSSIBILIDADE.
1. Execução de alimentos lastrada em título executivo extrajudicial, consubstanciado em acordo firmado perante órgão do Ministério Público (art. 585, II, do CPC), derivado de obrigação alimentar em sentido estrito - dever de sustento dos pais a bem dos filhos.
2. Documento hábil a permitir a cominação de prisão civil ao devedor inadimplente, mediante interpretação sistêmica dos arts. 19 da Lei n. 5.478/68 e Art. 733 do Estatuto Processual Civil. A expressão "acordo" contida no art. 19 da Lei n. 5.478/68 compreende não só os acordos firmados perante a autoridade judicial, alcançando também aqueles estabelecidos nos moldes do art. 585, II, do Estatuto Processual Civil, conforme dispõe o art. 733 do Código de Processo Civil. Nesse sentido: REsp 1117639/MG, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 20/05/2010, DJe 21/02/2011.
3. Recurso especial provido, a fim de afastar a impossibilidade apresentada pelo Tribunal de origem e garantir que a execução alimentar seja processada com cominação de prisão civil, devendo ser observada a previsão constante da Súmula 309 desta Corte de Justiça.
RESP 1285254/DF - Relator Ministro Marco Buzzi - T4 - j. 04.12.12
RECURSO ESPECIAL - PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO DE ALIMENTOS – ACORDO REFERENDADO PELA DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL - AUSÊNCIA DE HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL - OBSERVÂNCIA DO RITO DO ARTIGO 733 E SEGUINTES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - POSSIBILIDADE, NA ESPÉCIE – RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Diante da essencialidade do crédito alimentar, a lei processual civil acresce ao procedimento comum algumas peculiaridades tendentes a facilitar o pagamento do débito, dentre as quais destaca-se a possibilidade de a autoridade judicial determinar a prisão do devedor.
2. O acordo referendado pela Defensoria Pública estadual, além de se configurar como título executivo, pode ser executado sob pena de prisão civil.
3. A tensão que se estabelece entre a tutela do credor alimentar versus o direito de liberdade do devedor dos alimentos resolve-se, em um juízo de ponderação de valores, em favor do suprimento de alimentos a quem deles necessita.
4. Recurso especial provido.
REsp 1117639/MG - Relator Ministro Massami Uyeda - T3 - j. 20.05.2010
Com tantas possibilidades de soluções dos problemas por outras vias que não o processo judicial, não me parece correto o entendimento que induz as pessoas a procurar a justiça nos casos em que não há litígio, pois em tais casos elas estão de acordo e podem resolver o seu problema muito mais rapidamente, num cartório extrajudicial ou perante outros órgãos como a defensoria pública ou o ministério público.
Devemos ter em mente que não há possibilidade de prisão civil sem o crivo judicial. Quem decreta a prisão não é o advogado, não é o tabelião e nem são as partes. A prisão só é decretada por um juiz e sempre depois de possibilidade de defesa.
De fato, o devedor é citado para pagar, comprovar que pagou ou se justificar no prazo legal de três dias. A prisão só vem rapidamente quando ocorrem essas três omissões do devedor. Não existe entre nós uma prisão automática, decorrente da pura e simples falta de pagamento. Desde a inadimplência até a ordem de prisão, há uma importante tramitação processual, que assegura uma série de garantias.
Deve ficar bem claro que a escritura não acarreta a prisão de ninguém. Não há o que temer. Todos estão seguros, inclusive os devedores. A prisão é excepcional, pois é a última opção do juiz, reservada apenas para quem não tem motivo justo para deixar de pagar.
Portanto, é um equívoco ser rigoroso demais na exigência formal do título que gera o crédito aos alimentos. Isso fez o julgado em questão. Se a preocupação é não prender alguém desnecessariamente, basta que o juiz só decrete a prisão nos casos em que isso realmente é necessário, mas independentemente de o título ser judicial ou extrajudicial.
As pessoas costumam pagar as pensões não porque são presas, mas pelo temor de ter a sua prisão decretada. Por isso que, para que as coisas funcionem bem, basta que exista a mera possibilidade de a prisão ser decretada. Mas, quando se considera, de antemão, que a prisão é incabível porque o título é extrajudicial, o temor desaparece e com ele um importante estímulo ao pagamento pontual.
Com a impontualidade estimulada, aumenta ainda mais o número dos processos de execução, sobrecarregando-se ainda a justiça, de maneira totalmente desnecessária. Como vemos, um dos efeitos é uma litigiosidade maior.
Finalmente, do ponto de vista de política judiciária e de planejamento estratégico do Poder Judiciário, é um equívoco grave negar a possibilidade de prisão por alimentos convencionados em escritura de divórcio, pois o fundamento de proteger o devedor inadimplente acaba sendo um golpe gravíssimo contra o instituto do divórcio extrajudicial, que muito tem contribuído para melhorar a atuação da justiça e a vida de tantas pessoas.
Negar eficácia parcial aos divórcios extrajudiciais é estimular que eles sejam feitos em juízo, o que contraria o momento em que vivemos. Não devemos fomentar o litígio e nem a desnecessária judicialização, que já é grande. Devemos buscar formas alternativas de resolução dos conflitos, como tem dito o Conselho Nacional de Justiça.
O Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Desembargador José Renato Nalini, em entrevista publicada no jornal Valor Econômico, no dia 02 de janeiro de 2014, quando tomou posse, disse que uma das metas de sua gestão é reduzir o número de demandas. Vejamos um trecho do que foi dito pelo chefe do Poder Judiciário Paulista.
“Gostaria que a sociedade paulista prestasse mais atenção ao Judiciário e ajudasse a definir se esse é o modelo realmente hábil para a solução de conflitos. Há um excesso de demandismo. O Brasil tem 93 milhões de processos para quase 200 milhões de habitantes. Isso é irreal. O Judiciário deve investir cada vez mais nos meios alternativos de solução de conflitos. A população se acostumou a discutir todas as suas questões, desde as mais graves até as menores, em juízo. Nós alargamos a porta de acesso à Justiça. Todos entram, mas agora não encontram a saída, que é um funil. O Judiciário deve mostrar que a solução pacífica, a autocomposição, é muito mais eficaz do que a solução dada pelo Estado-juiz. Quando se faz um acordo, além de economizar tempo e dinheiro, você foi protagonista da sua história. Opinou, discutiu e entendeu. Você não foi excluído. No processo, a parte é excluída. Ela fica ali. É só o advogado que fala”.
Em conclusão, a escritura de divórcio que estipula alimentos entre os cônjuges não é juridicamente frágil e nem potencialmente perigosa para a proteção dos direitos dos envolvidos. Ao contrário, ela é um importante instrumento de realização rápida do direito, bem como da “desjudicialização”, de modo que, a regra procedimental prevista no artigo 733, do CPC deve ser harmonizada com a inovação prevista na Lei 11.441/07, viabilizando, portanto, o método coercitivo do devedor, em consonância ao que dispõe a Constituição Federal, consistente na admissão da excepcional prisão do devedor de alimentos, ainda que estes tenham sido estipulados consensualmente perante um cartório de notas. Com esta ótica não se prega a indiscriminada prisão civil dos devedores de pensões alimentícias. O que se defende é a mera possibilidade do cabimento da prisão civil, sem se fazer a discriminação da natureza do título executivo, seja ele judicial ou uma escritura pública.
 
José Luiz Germano é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e aluno da Especialização em Direito Notarial e Registral na Escola Paulista da Magistratura
Revista Consultor Jurídico, 24 de janeiro de 2014

PEDRINHAS: AS LÁGRIMAS QUE ME DESCEM EM SLOW MOTION

Pedrinhas: as lágrimas que me descem em slow motion

 
Todos conhecem o famoso livro Papillon, que retrata a fuga espetacular da pior prisão do mundo, a Ilha do Diabo, na Guiana Francesa. Há também o livro escrito pelo verdadeiro prisioneiro que fugiu, René Belbenoit, A Ilha do Diabo (Dry Guillotine — nome original), publicado em 1938. Depois desse livro, a França desativou o presídio. O livro retrata o inferno. O filme, com Steve McQueen, provoca fortes emoções, raiva, indignação.
Pois bem. Desafio a qualquer pessoa a assistir ao filme sem se emocionar. Embora o livro retrate um acontecimento real, trata-se de uma ficcionalização. Quanto mais ficcionalizado, mais nos emocionamos. Choramos. Fungamos pelos cantos do cinema. Ficções da realidade...realidade das ficções, como dicotomizava Warat, deixando cair as cinzas do cigarro que não tragava sobre os papéis em cima da mesa, rodeada de xícaras vazias de café de vários dias.
Emocionamo-nos com as ficções e damos uma banana para a realidade. Qualquer folhetim, com boa trilha sonora, arranca-nos algo que, sem sonoplastia, não verteria. Por isso, tenho uma proposta, sobre a qual já escrevi em outro(s) lugar(es): colocar-sonoplastia-no-cotidiano. Flambar a realidade. Assim, quando a gente vai dar um esporro no mendigo, antes disso toca o alto falante do cotidiano... E a gente se torna terno. Imagine a música do filme Ghost... Minha mão começaria a tremer e uma lágrima desceria em slow motion, fazendo tobogã nas rugas que o tempo já me deu. Bingo. E eu abraçaria o meu semelhante... Isso. Tudo pode ser como...no Natal. Tudo pode ser... Como nas propagandas. O mundo estaria salvo. Alvíssaras. Até que levo jeito para a coisa, pois não? E a verdade... bem, a verdade deve estar lá fora.
A verdade está lá fora... em Pedrinhas e por aíA verdade está lá fora... em Pedrinhas, no Maranhão, no Presidio Central de Porto Alegre, em tantos lugares. A Ilha do Diabo é aqui. Não só o Haiti é aqui. Papillon é aqui. Imaginem os leitores se, na hora em que o ministro da Justiça estivesse concedendo uma coletiva, alguém mostrasse em um telão as cenas de Pedrinhas... com sonoplastia feita pela Rede Globo. As cabeças decepadas dos presos rolando pelo chão, com trilha sonora dessas holiudianas. O corpo com mais de 150 facadas mostrado com a música do filme Papillon. Os presos gritando em slow motion e um Vangelis de fundo musical. E quando o ministro ou alguma autoridade dissesse “as prisões brasileiras são masmorras medievais”, um música potente da trilha do filme Laranja Mecânica irrompesse no estúdio em que a entrevista estivesse ocorrendo. E aquela gargalhada do personagem do filme de Kubrick, o Alex (A-Lex) entrondamente constrangesse a todos...
Talvez assim pudéssemos levar a sério a discussão sobre essa vergonha nacional que são essas masmorras medievais. Só com sonoplastia no cotidiano. Só com um grande alto-falante. Só com uma espécie de alto-falante fundamental, se me entendem a ironia. Como é possível que o Brasil não se levante face à ignominiosa situação do presídio de Pedrinhas? Perdemos totalmente a capacidade de indignação. Nosso cotidiano nos esfalfelou.
De tanto vermos o vilipêndio dos presos, “normalizamos o nosso olhar”. Não por menos, durante o mutirão carcerário do CNJ em todo país, descobriu-se que 10,4% dos detentos estavam presos ilegalmente. Quer dizer, quase 50 mil pessoas (aqui)! Isso revela que em boa medida o Judiciário e o Ministério Público também são parte do problema, afinal, como é que não se enxerga um contingente de gente que lotaria qualquer estádio da Copa? E olha que o mutirão ainda não terminou... Uma explicação, talvez, esteja no fato de que as responsabilidades legais e éticas individuais terminam por se diluir no conglomerado, em que cada ser humano — ator jurídico — se funcionaliza, transforma-se em uma espécie engrenagem dentro da grande máquina do sistema punitivo. Assim como Arendt aponta em Eichmann in Jerusalem, é o espaço da burocracia que desumaniza o homem e dessignifica a barbárie.[1] Criamos capas de sentidos que nos imunizam contra o dar-se-conta-da-barbárie. Puzilanimizamos o nosso cotidiano. Sim: pu-si-la-ni-mi-za-mo-NOS!
Em 2009, em face de vários processos nos quais oficiei como procurador de Justiça, pelos quais constatei a barbárie no sistema prisional gaúcho, representei ao procurador-geral da República pela intervenção federal no estado. Mostrei filmes, documentos, depoimentos. Números e mais números. Desgraças e mais desgraças. Mostrei que o presídio central está(va) loteado pelas facções criminosas. Parte do presídio foi “vendida” por uma facção a outra. Quando o preso ingressa no sistema, deve optar por umas das facções... Pois bem. O então procurador-geral pediu informações à governadora. Que disse estar tomando providências-que-nunca-foram-implementadas. Como está hoje? Perguntem à Associação dos Juízes do RS que representou à ONU e à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
E Pedrinhas? Muito pior. Dezenas de mortos no ano passado, três só este ano. Cabeças cortadas, corpos picados à faca. Os presídios brasileiros deixam as celas abertas, exatamente para que as facções dominem as galerias. As pedras sabem disso. Pedrinhas sabem disso. Todos sabemos. Mas, sem sonoplastia, sem fundo musical, não nos indigna(re)mos. Os dominadores-chefes dos presídios cobram pela droga distribuída, pelos celulares, pelo “seguro-de-bunda”, pelo lugar para dormir... E furam a mão (ou o pé) do inadimplente. Muitos presos não querem sair no Natal e em datas festivas porque têm de executar tarefas fora do “sistema”. Os familiares dos presos têm que comprovar os depósitos por recibo bancário. Tudo profissionalizado. Pelos menos a ordem é que se use o banco estatal. Parece que não confiam nos bancos privados...
Beccaria morreu e nasceu o canibalismoQuando pensávamos que o sistema carcerário tinha atingido o fundo do poço em Pedrinhas... esta semana a revista Época narrou canibalismo em um presídio do Rio Grande do Norte (aqui). Então? Escrevi esta coluna sem fundo musical. Ainda consigo me indignar. Mas o grosso da comunidade jurídica e parcela considerável da população acha que, se os presos estão lá e sofrem, é “porque alguma coisa devem ter feito para merecer isso”. Como se isso fosse um carma que cada preso tivesse que carregar. Beccaria teria arrepios se visse os castigos corpóreos pelos quais passam os presos de terrae brasilis. Mas, não foi para isso — o fim das penas corporais — que surgiu o iluminismo penal? Beccaria morreu. Nem seu legado teórico é respeitado.
E sabem o que vem pela frente? Em vez de construirmos presídios dignos, como os países civilizados fazem, vamos criar um atalho. Pindorama é pródigo nisso. Vamos atirar a água suja fora...com a criança dentro. Ou seja, em vez de construirmos presídios, já começam a surgir propostas de acabar com tudo. Sim. Para que prender? Se a prisão é tão ruim, acabemos com as penas e as prisões, dizem alguns setores.
Eis o busílis da questão. Criamos o caos, incentivamos o inferno prisional, não fazemos nada para evitá-lo e, depois, apresentamos a solução: prisão só para quem “precisa”. Só que não se sabe o sentido da tal “precisão”. Ah, dizem alguns, prisão é só para crimes violentos. OK. E o que é um crime violento? Sinto um cheiro “estamental” no ar... Voltarei a esse assunto em outra coluna.
De todo modo, ao escrever esta coluna, lembrei-me de Anatole France, poeta e escritor que viveu no século XIX. Com sua ácida crítica, cunhou um “aforisma” genial: “A Lei, em sua magnifica ‘igualdade’, proíbe ao rico e ao pobre dormir debaixo de pontes, assim como mendigar pelas ruas e furtar pão”. A diferença é que, desde logo, sabemos quem não será jamais “pego pelas malhas dessa lei”. Por mais igualdade que exista na lei, alguns não serão apanhados... pela simples razão que a eles não se destina. Há outro dito castellano que ajuda a entender o problema: Las leyes son como las telarañas: los insectos pequeños quedan atrapados en ellas, los grandes las rompen.
Numa palavra finalO que me impressiona, entre tantas coisas — e peço para os meus estagiários ligarem a trilha sonora — é que a OAB e outras entidades precisem fazer queixas para organismos internacionais. Inacreditável. Isso é a confissão de que fracassamos. Cá para nós. Um rotundo fracasso. Se não temos mecanismos internos para preservar os direitos humanos da população carcerária, vamos entregar os pontos. Arriar a bandeira. Não confiamos em nossas instituições para resolver isso? Não, por favor, não respondam...

[1] Está para sair um livro de um orientando meu, Rosivaldo Toscano, que aborda essa dimensão perversa contida na transformação das instituições estatais em grandes corporações, voltadas a uma eficiência numérica e cega, e seus efeitos nefastos ao sistema de Justiça como um todo.
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 23 de janeiro de 2014

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

ENTENDA AS AÇÕES ENVOLVENDO A CORREÇÃO DO FGTS

Correção monetária do FGTS deve ser feita pelo IPCA

 
A Taxa Referencial deixou de refletir as mudanças da moeda brasileira há quase 15 anos, sendo inadequada para a atualização monetária do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Essa é a tese de três decisões da Justiça Federal no Paraná que mandam a Caixa Econômica Federal atualizar o valor do benefício pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E). Em todas elas, o juiz federal Diego Viegas Véras, da 2ª Vara Federal de Foz do Iguaçu, disse que esse índice do IBGE é o “mais abrangente” para medir a “real inflação” do país.
O magistrado determinou que a ré refaça o cálculo dos valores recebidos desde 1999 por três trabalhadores, representados por diferentes advogados. As decisões, proferidas entre os dias 15 e 16 de janeiro, já chamaram a atenção de uma multidão de advogados. Quase 530 pediram vista de ao menos um dos processos até a tarde desta terça-feira (21/1), segundo a vara.
Véras julgou com base em entendimentos do Supremo Tribunal Federal. Nas ações diretas de inconstitucionalidade 4425 e 4357, o STF considerou que a Taxa Referencial (TR) não deveria ser aplicada em precatórios (dívidas públicas reconhecidas pela Justiça).
Mesmo reconhecendo a justificativa da Caixa de que o uso da TR é legal — está na Lei 8.177/91 —, o juiz federal disse que a aplicação é inadequada. A instituição argumentou ainda que a mudança no cálculo deve gerar prejuízo às políticas públicas educacional, habitacional e de infraestrutura urbana, mas Véras disse que o governo federal “busca implementar projetos subsidiados às custas da baixa remuneração e quase nula atualização monetária dos saldos das contas do Fundo de Garantia”.
“Os juros de 3% ao ano [da TR] sequer são suficientes para repor a desvalorização da moeda no período”, afirmou o magistrado. Nas sentenças, ele detalha a diferença dos juros com base na TR e no IPCA-E entre 1999 e 2013, concluindo que há “desigualdade”. Ainda cabe recurso.
O FGTS é constituído por meio de depósitos mensais feitos pelos empregadores em contas da Caixa, com valor correspondente a 8% da remuneração do funcionário. Com informações da Assessoria de Comunicação Social do JF-PR.
Clique aqui; aqui e aqui para ler as sentenças.
Processos:500.9032-81.2013.404.7002500.9537-72.2013.4.04.7002500.9533-35.2013.404.7002
 
Revista Consultor Jurídico, 21 de janeiro de 2014

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O TST DECIDE QUE TRANSTORNO DESENVOLVIDO POR ASSÉDIO SEXUAL É CONSIDERADO DOENÇA OCUPACIOAL




Transtorno desenvolvido por assédio sexual é considerado doença ocupacional






A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu como doença profissional o transtorno obsessivo compulsivo (TOC) que acometeu o caixa de um supermercado de Porto Velho (RO), devido ao assédio sexual e moral que sofreu na empresa. A doença foi desencadeada porque um subgerente perseguiu o trabalhador dizendo que ele era homossexual e provocando situações constrangedoras.

"Você não fala fino, não anda rebolando, não parece ser gay, mas você é... fala logo que é e eu não conto para ninguém", era frase que o empregado ouvia com frequência. Por dois anos sofrendo de insônia e sem conseguir dormir sequer algumas horas durante seis meses, ele comunicou a situação à empresa. Demitido sob alegação de baixo rendimento, procurou um psiquiatra que constatou a doença.

Com dor intensa e ininterrupta nos dedos, mãos e braço, tinha paralisias temporárias, esquecimentos e surtos de agressão ao próprio corpo. O médico diagnosticou ainda insônia, visão de vultos, vozes, pesadelos, tremores, dores de cabeça e tiques nervosos, que passaram a ser controlados por remédios de tarja preta. O trabalhador relatou ainda que, devido ao tratamento controlado, seu estado orgânico fica alterado, deixando-o tonto, lerdo e sem condições sequer de falar com facilidade.

O supermercado foi condenado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região (RO) a pagar indenização por danos morais, no valor de 50 salários mínimos (equivalente hoje a R$ 36.200,00), a ser atualizado na época do pagamento. No entanto, considerou que o TOC não é doença profissional, pois não está no rol de doenças constantes nos incisos I e II do artigo 20 da Lei 8.213/91.

TST

Para o relator do recurso no TST, juiz convocado José Maria Quadros de Alencar, não há dúvida de que o transtorno, no caso, "trata-se de doença adquirida em função da atividade exercida em ambiente de trabalho inadequado e hostil". Ele explicou que ficou caracterizada a prática de assédios moral e sexual por um dos subgerentes do supermercado, "que nada mais é que um dos seus prepostos".

Na avaliação do relator, a doença é resultado de condições especiais do ambiente em que o trabalho era executado, equiparando-se a acidente do trabalho, nos termos do parágrafo 2º do artigo 20 da Lei 8.213/91. Acrescentou ainda que, conforme o artigo 932, inciso III, do Código Civil, o empregador responsabiliza-se diretamente pelos atos praticados por seus prepostos.

Com a decisão do TST, o processo retornará ao TRT da 14ª Região (RO) para que analise o pedido feito pelo trabalhador de recebimento de pensão mensal e garantia provisória no emprego, garantidos pela Lei 8.213/91, no caso de doença profissional equiparada a acidente de trabalho.

Assédio constante

Na reclamação trabalhista, o empregado contou que fazia serviços de zeladoria para a empresa, quando, em 2002, lhe solicitaram o currículo. Já durante a entrevista de admissão para a função de caixa, estranhou algumas perguntas realizadas pelo subgerente, inclusive se era homossexual. Foi, segundo ele, o início de um longo período de constrangimentos e humilhações.

Um dos episódios aconteceu enquanto conferia preços no supermercado. Segundo ele, o subgerente aproximou-se e começou a aspirar seu perfume, junto ao pescoço, o que fez com que ele saísse bruscamente de perto, com raiva e constrangimento. Os assédios ocorriam, em sua maioria, durante conversas particulares, em que ele sofria coações morais quanto à sua sexualidade.

O trabalhador afirmou ainda que, sempre que tinha essas atitudes, o chefe dizia para que ele não contasse para ninguém, fazendo pressões psicológicas. Até que um dia, apesar de sentir vergonha, ira, ansiedade e medo de perder o emprego, o caixa falou dos constrangimentos que sofria a alguns colegas, que disseram já saber de desses episódios, pois o próprio subgerente comentava com os demais, com ironia.

(Lourdes Tavares/CF)

Processo: número não divulgado para garantia de preservação da parte envolvida.

O TST possui oito Turmas julgadoras, cada uma composta por três ministros, com a atribuição de analisar recursos de revista, agravos, agravos de instrumento, agravos regimentais e recursos ordinários em ação cautelar. Das decisões das Turmas, a parte ainda pode, em alguns casos, recorrer à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1).

Esta matéria tem caráter informativo, sem cunho oficial.
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Fonte: TST

 

O STJ DECIDE QUE HONORÁRIOS NÃO PODEM SER RECEBIDO EM EXECUÇÃO PROVISÓRIA

Honorários não podem ser recebidos em cumprimento provisório de sentença

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade de votos, pela impossibilidade de advogados receberem honorários de sucumbência relativos a cumprimento provisório de sentença. O tema foi decidido em julgamento de recurso repetitivo, rito previsto no artigo 543-C do Código de Processo Civil (CPC).

O recurso especial representativo de controvérsia trata do rompimento, em 2001, de um duto na Serra do Mar que impossibilitou a pesca na região por seis meses. Milhares de processos de indenização se seguiram ao acidente e a Petrobrás foi condenada a indenizar vários pescadores paranaenses que trabalhavam nas baías de Antonina e Paranaguá. A empresa entrou na Justiça contra a execução dos honorários requerida pelos advogados dos pescadores.

Paradigma

No caso tratado pela Corte Especial, a Petrobrás foi condenada a pagar a indenização a um dos pescadores e a sentença foi mantida pela apelação. O advogado deu início então à execução provisória, solicitando que a Petrobrás depositasse o valor da condenação, um total de R$ 3.150, e os honorários arbitrados entre 10% e 20% do valor da causa. O Tribunal de Justiça do Paraná aceitou o pedido de pagamento dos honorários.

Para o ministro Luis Felipe Salomão, relator do processo, o fato de ainda haver possibilidade de recurso impossibilita o pedido. “É descabido o arbitramento de honorários sucumbenciais, em benefício do exequente, na fase de cumprimento provisório de sentença”, afirmou.

Salomão citou decisões relativas à execução provisória e explicou que é entendimento pacífico no STJ a não incidência da multa do artigo 475-J do CPC, aplicada caso não haja pagamento pelo condenado no prazo de 15 dias.

Contradição

Não se pode, portanto, exigir o pagamento voluntário da condenação na fase de execução provisória, pois isto contrariaria o direito de recorrer, tornando prejudicado o recurso do executado. Por essa razão, segundo o relator, seria uma contradição aceitar o arbitramento dos honorários.

Salomão explicou que, se por um lado afasta-se a incidência da multa pelo fato de o devedor provisório não estar obrigado a efetuar o cumprimento voluntário da sentença sujeita a recurso, não é possível condená-lo ao pagamento de honorários na execução provisória exatamente porque não realizou o cumprimento voluntário da mesma sentença.

“Em suma, somente se transcorrido em branco prazo do art. 457-J – que se inicia com o ‘cumpra-se’ aposto depois do trânsito em julgado – sem pagamento voluntário da condenação é que o devedor ensejará instalação da nova fase executória, mostrando-se de rigor, nessa hipótese, o pagamento de novos honorários – distintos daqueles da fase cognitiva – a serem fixados de acordo com o art. 20, § 4º, do CPC”, afirmou o ministro.

Porém, como a promoção da execução provisória é opção do credor, não cabe, neste momento, arbitramento de honorários. “Posteriormente, convertendo-se a execução provisória em definitiva, nada impede que o magistrado proceda o arbitramento dos honorários advocatícios”, concluiu.
Fonte: STJ

ACESSO À JUSTIÇA

Brasil deve apostar em alternativas de resolução de conflito

 
A experiência com a injustiça é dolorosa. Mesmo em doses homeopáticas, a injustiça mata. Mas a experiência com a Justiça também pode doer. Principalmente quando o acúmulo de processos impede o Judiciário de dar a resposta oportuna. Administrar 93 milhões de processos num Brasil de 200 milhões de habitantes é acreditar que se vive no país mais beligerante do planeta. Será que é assim?
Não é verdade que todos os brasileiros sejam hoje clientes do Judiciário. Este é prioritariamente procurado pelo próprio Estado. União, por si e pela administração indireta, por suas agências, organismos, entidades e demais exteriorizações, é uma litigante de bom porte. Por reflexo, o estado-membro e os municípios também usam preferencialmente da Justiça.
Um exemplo claro disso é a execução fiscal. Uma cobrança da dívida estatal pretensamente devida pelo contribuinte. Por força da Lei de Responsabilidade Fiscal, todos os anos milhões de certidões de dívida ativa são arremessadas para o Judiciário, que fica incumbido de receber tais créditos. Sabe-se que o retorno é desproporcional ao número de ações. Os cadastros são deficientes, muitos débitos já estão prescritos ou são de valor muito inferior ao custo da tramitação do processo.
Mas o governo é também bastante demandado em juízo. Gestões estatais podem vulnerar interesses e uma legião de cidadãos entra em juízo para pleitear ressarcimento de seus direitos. Outros clientes preferenciais são os prestadores de serviços essenciais, que nem sempre atendem de forma proficiente os usuários. São lides repetitivas, às vezes sazonais, mas atravancam foros e tribunais.
O brasileiro precisa meditar se vale a pena utilizar-se exclusivamente do processo convencional ou se não é melhor valer-se de alternativas de resolução de conflito que dispensem o ingresso em juízo. Os norte-americanos, ricos e pragmáticos, só recorrem ao Judiciário para as grandes questões. As pequenas são resolvidas por conciliação, negociação, mediação, transação e outras modalidades como o "rent-a-judge", que nós ainda não usamos. Ganha-se tempo e eles sabem que "time is money", motivo por que o ganho é duplo.
O mais importante é que a solução conciliada ou negociada é uma resposta eticamente superior à decisão judicial. Esta faz com que o chamado "sujeito processual" se converta, na verdade, em "objeto da vontade do Estado-juiz". Enquanto que nas alternativas de resolução de conflitos o sujeito é protagonista, discute os seus direitos com a parte adversa, se vier a chegar a um acordo, será fruto de sua vontade, sob a orientação de um profissional do direito. Mas nunca será mero destinatário de uma decisão heterônoma, que prescindiu do exercício de sua autonomia.
É de se pensar se este não seria um caminho redentor da Justiça brasileira e, simultaneamente, construtor de um cidadão apto a implementar a ambicionada Democracia Participativa, que o constituinte prometeu em 1988.
 
José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Revista Consultor Jurídico, 21 de janeiro de 2014

PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS

Entre Pedrinhas e “rolezinhos”, é o caso de ponderar princípios?

 
Difícil tomar decisões jurídicas em relação a temas palpitantes, não apenas porque as opiniões a respeito de assuntos momentosos, não raro, são apaixonadas, mas também porque todos dão seu palpite... Mas é exatamente aí que está o problema: é possível decidir questões jurídicas movido pela paixão?
Vamos ao caso dos “rolezinhos”. É caso de ponderar princípios, citando Alexy e Dworkin — como se ambos pensassem do mesmo modo sobre o tema...—, para “escolher” qual dos direitos prepondera — por exemplo, é possível ponderar entre livre manifestação do pensamento e direito de propriedade?
Parece não ser esse o caso.
A Constituição assegura o direito de reunião pacífica e sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de prévia autorização, e desde que não frustre reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo exigido prévio aviso à autoridade competente (artigo 5.º, XVI). A principal tarefa do jurista, no caso, não está em ponderar princípios ou direitos, mas em definir, por exemplo, “local aberto ao público”, para saber se o shopping center se enquadra no que está escrito na regra constitucional, ou não. Ao se começar a fundamentação da decisão dizendo que o caso exige uma “ponderação de princípios”, praticamente diz-se, nas entrelinhas, que ao final se decidirá de acordo com convicções pessoais, e não com (verdadeiro) argumento de princípio — escrevi a respeito aqui.
O que dizer, então, do sucede no presídio em Pedrinhas — que tornou-se símbolo dos problemas graves que acontecem não apenas naquele local, mas em muitos outras prisões brasileiras? Pode o Judiciário ordenar ao Estado que construa novas prisões, para dar conta da população carcerária — por exemplo, sob pena de multa? Voltamos, aqui, à questão dos limites que devem operar entre a atuação jurisdicional e os outros órgãos do Estado. O problema se coloca porque, não raro, aqueles que ocupam poder de decisão no âmbito do poder Executivo, por exemplo, não atuam em consonância com o que impõe a Constituição. Em casos assim, ordenar ao Estado que cumpra uma decisão judicial sob pena de multa a ser paga pelo próprio Estado parece ser medida inócua. Insta identificar e responsabilizar o agente público que violou a lei. Apenas dizer que o Estado é responsável, pura e simplesmente, nada resolve, não passa de retórica vazia. Volto, aqui, ao que disse antes, em outro texto desta coluna. É preciso tornar de fato o que a Constituição estabelece de direito. O que sucede nas prisões brasileiras é resultado de uma equação perniciosa que começa na própria lei.
O que une os dois temas, para além dos aspectos sociológicos e políticos? Para mim, especialmente dois pontos: o primeiro, de tratar-se de temas que interessam apenas no presente momento, e deles logo nos esqueceremos, até que aconteça mais uma tragédia em algum presídio brasileiro; o segundo, de ambos ligarem-se ao nosso preconceito: em nossos tempos, é fácil ouvir que “bandido bom é bandido morto”, e que há pessoas que, sem saber qual o seu lugar, cometem o atrevimento de ir a um shopping center...
 
José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.
Revista Consultor Jurídico, 20 de janeiro de 2014

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...