sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

FAZER TESTEMUNHA REPETIR RESPOSTA FAVORÁVEL PODE SER ARRISCADO

Fazer testemunha repetir resposta favorável pode ser arriscado

 
 
O Tribunal do Júri não é um ringue do UFC. Não tente “finalizar” o adversário, quando ele já está na lona. Você pode receber um golpe inesperado e perder a luta. O conselho é do advogado e professor de Direito Elliott Wilcox, editor do site TrialTheater. Para exemplificar, o advogado conta a história do julgamento de um traficante, em que a Promotoria era a favorita, até que uma resposta inesperada da testemunha da acusação mudou o rumo das coisas — ou poderia ter mudado, não fosse pela insistência da Defesa na mesma questão.
O objetivo da Promotoria, no julgamento, era provar que o réu teve participação ativa em uma conspiração para traficar 500 gramas de heroína. O objetivo da defesa, diante das circunstâncias, era tentar provar que o réu teve apenas uma pequena participação na transação: tudo o que fez foi negociar com apenas uma pessoa. Por acaso, essa pessoa era um informante da Polícia.
Mas o julgamento se revelou uma história de trapalhadas, explicável pela inexperiência do advogado de defesa e do promotor, ambos praticamente iniciantes no Tribunal do Júri.
O jovem promotor colocou no banco sua testemunha-chave, o informante da Polícia e, cumpridas as formalidades, fez a pergunta que incriminaria o réu:
— Desmond Llewellyn Witherspoon estava presente durante as negociações?
Resposta da testemunha, para a surpresa geral:
— Não que eu saiba.
O promotor, sobrecarregado de trabalho, sem tempo de ir a fundo nos casos e sem saber o que fazer nessa situação, informou ao juiz que não tinha mais perguntas e se sentou, abatido.
Nesse ponto, um advogado de defesa experiente, faria a mesma coisa: diria “sem perguntas” e se calaria. A acusação já estava na lona. 
Mas não foi o que fez o empolgado e inexperiente advogado de defesa. Ele se levantou prontamente, fechou o botão do paletó e começou a interrogar a testemunha para “finalizar” o adversário de uma vez.
— O promotor lhe perguntou se Desmond Llewellyn Witherspoon estava presente nas negociações e você disse “não que eu saiba”. Correto?
— Sim, está correto. Não acho que ele estava.
— Então, Desmond Llewellyn Witherspoon não tem nada a ver com as negociações?
— Ao que eu saiba, não.
— Nesse caso, Desmond Llewellyn Witherspoon não acertou a venda de 500 gramas de heroína, não é? 
— Não. Não que eu saiba.
— OK. Você já disse e repetiu “não que eu saiba”, mas acho que devemos deixar isso bem claro, de uma vez por todas. [Aponta para o réu e continua] Então, o réu não tem nada a ver com as negociações de heroína... Ou tem?
— Oh! O Pookie? Sim, Pookie foi o cara que acertou tudo. Ele me telefonou, me deu os preços, falou sobre a qualidade da heroína, contou que pode fornecer quantidades ilimitadas da droga, já que ele matou alguns traficantes que controlavam os negócios na Colômbia e que, além disso, ele tem patrulheiros da fronteira em sua folha de pagamentos. Ele me garantiu que tem o controle total dos negócios na região. Sim, Pookie é o chefão. Agora, esse tal Desmond, que vocês ficam mencionando, nem sei quem é. Aliás, nesse negócio ninguém sabe o nome verdadeiro de ninguém. Esse aí, todo mundo chama de “Pookie”.
Wilcox conta a história em tom de ficção — mais preocupado, talvez, em dar um exemplo radical para sedimentar facilmente uma ideia. Mas ele assegura que, muitas vezes, advogados e promotores inexperientes convertem uma resposta favorável de uma testemunha em desfavorável, apenas por insistir inadvertidamente na questão e, com isso, “sacramentar” a vitória. Outro exemplo comum:
— Você ouviu alguma coisa?
— Não. Ao que me recordo, não.
— Está seguro disso?
— Sim, estou.
— OK. Então você não ouviu absolutamente nada…
— Bem, a não ser por … — e segue-se o relato de um ponto fundamental que parecia inócuo para a testemunha.
Para Wilcox, não há nada demais se, diante de uma resposta favorável, o advogado (ou promotor) mudar a linha de questionamento ou se calar. Insistir na confirmação do testemunho favorável pode gerar respostas inesperadas, porque abre-se oportunidade para a testemunha se explicar — ou falar o que quiser. A partir daí, ninguém sabe o que pode acontecer.
No Tribunal do Júri, nenhum advogado (ou promotor) pode deixar a testemunha da outra parte falar o que quiser e ficar à mercê de respostas inesperadas, diz Wilcox.
 
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 10 de janeiro de 2014

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

DISCUSSÃO DE PONTOS FRACOS PODE CATIVAR CLIENTES

 

A ideia de que a apresentação do advogado a um possível cliente deve se concentrar nos pontos fortes do escritório é errada. Muitas vezes, um advogado age dentro do melhor figurino de marketing em seu primeiro contato com o cliente. Leva-o a falar sobre sua vida e seus problemas, explica como seus casos podem ser resolvidos, antes de começar a expor as vantagens de contratar o escritório. Mas é surpreendido com o desaparecimento subsequente do provável cliente, que fica impressionado, diz que vai pensar, mas nunca mais dá notícias.
A explicação é muito simples: o cliente percebeu alguma coisa que não gostou. Como a ConJur já publicou, clientes não têm competência para avaliar o desempenho jurídico do escritório. E nem mesmo seus pontos fortes (ou positivos). Mas sabem, obviamente, que, como tudo na vida, existem pontos fracos (ou negativos). Só não sabem quais são. Por isso, se guiam por um sentimento irracional, a percepção.
A ideia certa é discutir com o possível cliente, depois de conhecer seus problemas ou de descrevê-los de antemão, os pontos fortes e os pontos fracos do escritório. A discussão de pontos fracos esvazia o desassossego do cliente, que não consegue descobrir, por ele mesmo, os lados negativos. E evita que ele se entregue a percepções, que nunca serão positivas se o que está na mesa é apenas o lado positivo.
Não há qualquer incoerência nisso: pontos fracos, bem apresentados, podem soar como vantagens. Nas entrevistas de emprego, nos EUA, os entrevistadores pedem aos candidatos para falar sobre algum ponto fraco em seu perfil. Um candidato atento pode dizer, por exemplo, que às vezes demora muito para entregar um trabalho, porque é um perfeccionista. O que fica na mente do entrevistador, muitas vezes, é o “perfeccionista”, um “defeito” que pode vir a calhar para os objetivos da empresa. Ou que é corrigível.
O segredo é não deixar o possível cliente à mercê de possíveis percepções negativas. Por isso, o advogado deve ter consciência de seus pontos fracos (reais ou supostos) e levá-los à mesa de reunião com o cliente. Algumas vezes, um cliente que “nunca mais apareceu”, se perguntado em alguma oportunidade, poderá ser sincero o suficiente para esclarecer sua “percepção negativa” do advogado ou do escritório.
O consultor de marketing para advogados Trey Ryder conversou com seus clientes sobre isso. Coletou informações sobre algumas “percepções negativas” que os clientes dos advogados tiveram sobre eles, em algum momento, e sobre como lidaram com a situação. Veja as mais comuns:
Percepção: o advogado é novo demaisIsso é bom, mas pode atrapalhar, porque o cliente pode ter a percepção de que o profissional não tem a experiência necessária e lhe falta conhecimentos para prestar os serviços jurídicos que precisa. É preciso argumentos que transformem essa “desvantagem” em “vantagem”. Um deles, de um advogado para um empresário: "uma coisa boa é que, como ainda sou muito jovem, poderei ajudar sua empresa por muitos anos; você não precisará voltar ao mercado tão cedo, em busca de um advogado".
A situação é mais complicada para advogados que saem da faculdade diretamente para seu próprio escritório. Advogados que, apesar de muito jovens, passaram por um ou mais empregos em escritórios conceituados, podem facilmente apontar a experiência anterior. Sempre ajuda ter um escritório conceituado como referência.
Para os que abrem escritórios muito cedo, é melhor que tenham um nicho pequeno e bem definido, para poder argumentar: “Só fazemos isso”. Aliás, para todos os advogados novos, a situação se torna mais favorável quando se especializam em uma área que exige conhecimentos tecnológicos.
Percepção: o advogado é velho demaisIsso é bom, considerando, em primeiro lugar, a alternativa mais provável: o profissional está fora de combate. Mas a experiência é um adicional imbatível. Através dos anos, foram muitos os conhecimentos acumulados, a prática adquirida é incomparável, o respeito conquistado no trânsito pelos tribunais e no relacionamento com partes adversárias é valioso. Uma “raposa velha” será sempre respeitada por sua capacidade indiscutível de sobrepujar adversários — e sequer precisam dessas dicas.
Percepção: o valor é muito baratoSe seus honorários estão entre os mais baixos do mercado, prepare-se para explicar ao cliente as razões, antes que ele diga “que bom, hein!” e vá embora para sempre. Já é antiga a percepção de que barato é sinônimo de ruim. Por isso, é melhor deixar claro que o escritório foi propositadamente montado para oferecer os benefícios de uma estrutura simplificada e racionalizada ao cliente. Hoje em dia, ninguém (ou nenhuma empresa inteligente) vê necessidade de pagar por sofisticação não relacionada a serviços jurídicos.
Explique como o escritório usa a tecnologia para reduzir custos e outras medidas que foram tomadas para repassar os benefícios da contensão de despesas aos clientes. Isso é o que a maioria das empresas faz atualmente, não é? E esse é um dos pontos fortes do escritório, para concorrer com os grandes.
Percepção: o valor é muito caroSe os honorários são maiores do que os de outros advogados, o valor também tem de estar acima do que se vê no mercado, na avaliação do cliente. Por isso, tem de ser bem explicado a ele, logo na primeira reunião, antes que ele chegue à conclusão que os serviços jurídicos são tão caros porque terá de pagar pelo “luxo” do escritório. Hoje em dia, as empresas estão mais “conscientes” de custos.
Pode ser necessário explicar, por exemplo, que a estrutura do escritório deve ser grande o suficiente, para dar atendimento adequado a clientes de grande porte. Também pesam a qualificação da equipe, a experiência, a capacidade de fogo, o histórico do escritório. Definitivamente, não é acessível a todos. Muitos clientes apreciam essas justificativas.
A forma de apresentar os custos também contribui para mudar a percepção do cliente: “Nossos honorários serão de 15 mil” é diferente de “podemos economizar a sua empresa (ou a sua família) cerca de 300 mil, por um custo de 15 mil”, diz o consultor.
Percepção: o advogado é ocupado demaisMuitos clientes pensam que, se o profissional tem clientes demais e está ocupado demais, terá tempo e disposição de menos para cuidar de seu caso apropriadamente. Isso ficará ainda mais claro se o advogado pular a parte do interesse pela vida do cliente, sugerir que se vá diretamente ao assunto e mostrar alguma ansiedade para encerrar a reunião, porque tem outros compromissos.
Se tiver pouco tempo, realmente, precisa manejar melhor a situação. E, sobretudo, explicar ao cliente as medidas que o escritório toma para dedicar todo o tempo necessário a cada caso e para cumprir prazos, não perder reuniões etc. Uma demonstração de organização pode ajudar a eliminar a má percepção.
Percepção: o advogado é quase um desocupadoA impressão de que o escritório está entregue às moscas e de que o advogado não tem mais nada o que fazer do que bater um papo interminável com o possível cliente pode ser pior do que a percepção de que está ocupado demais, ao que se acredita.
Nos EUA, é praticamente impossível marcar uma consulta, com qualquer profissional, para a mesma semana. "Sua a agenda está sempre cheia", diz a secretária. No entanto, se o cliente diz que tem de ser até amanhã ou nunca mais, provavelmente ela encontrará um horário para o mesmo dia.
Nenhum advogado precisa recorrer a esse tipo de recurso. Mas deve arrumar ocupação com seus projetos de marketing, com reuniões de equipes, com serviços pro bono, com encontros comunitários ou o que for. Estar razoavelmente ocupado cria uma percepção de valor.
Percepção: o advogado é especializado demaisSe o cliente precisar de serviços que fogem da especialização, o advogado não deve ameaçá-lo com uma oferta para “quebrar o galho”. Deve explicar que não é um “clínico geral” e, até onde for conveniente, as razões de sua especialização. Mas advirta-o de que não ficará desamparado ou no escuro. Deve dizer que um advogado competente cuidará do caso, porque irá falar pessoalmente com ele.
Se for um grande escritório, basta mandar chamar o colega. Para quem opera um escritório pequeno, é fundamental desenvolver uma rede de relacionamentos com outros advogados, em que todos conhecem bem o trabalho dos outros, e os recomendam. A única coisa que não pode ser feita é sugerir ao cliente que procure, ele mesmo, outro advogado. O advogado deve se manter como fonte principal de informações do cliente para assuntos jurídicos.
Percepção: O advogado é generalista demais“Paus para toda obra” talvez sejam úteis em uma... obra. Em profissões como advocacia, medicina e outras de alta responsabilidade se sobressaem os especialistas. Se há uma percepção de que é generalista demais, é preciso demonstrar ter conhecimentos suficientes para cuidar do caso do cliente ou que, se for necessário, poderá contar com a ajuda de um colega especializado.
Em nenhum caso, em que percepções contraproducentes possam surgir, o advogado precisa recorrer a espertezas ou enganar o cliente. Isso só vai resultar em desastres e mau conceito. Trata-se, apenas, de analisar os pontos fracos do escritório, que serão apresentados junto com os pontos fortes, e apresentá-los de uma maneira positiva. Afinal, tudo na vida, incluindo os pontos fracos, tem polos positivos e negativos. Basta identificar os polos positivos do que parece ser um ponto fraco. Como associar perfeccionismo a uma suposta lentidão.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 9 de janeiro de 2014

E SE FOSSE CRIADO O MINISTÉRIO DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS?

 

 
Esclarecimentos necessáriosA ficção faz parte de nossas vidas. Compreendemos melhor a realidade por intermédio de sua ficcionalização ou de sua fabulação. A coluna de hoje está nesse contexto. Trata-se de um exercício absolutamente ficcional. A literatura sempre tratou a mundanidade do mundo a partir de artifícios. Esta coluna é uma homenagem a todos aqueles que labutam no Direito e se debruçam sobre as (im)possibilidades de alteração do atual estado d’arte das práticas jurídicas. Faço-o com todo respeito. Sem exceções. Do mais importante operador-Ministro ao mais humilde advogado de Agudo, minha terra. A coluna deve ser lida assim, com espírito aberto. Porque ela não tem intenção de criticar nenhuma pessoa em particular. Apenas fazer refletir. Nestes tempos de muita flexão e pouca reflexão. Saludos!
A (declaração da) “inconstitucionalidade” do presidencialismo de coalisãoO presidente da República enxugava o suor que lhe empapava o terno que usava por debaixo da toga. Um calor de lascar, como aqueles que se sente no Palácio Jaburu, cujo ar condicionado já não funciona de há muito. O novo Ministério do Mandado de Segurança não deferira liminar para cassar outra liminar para religar a luz do Palácio do Planalto que tinha sido cortada por decisão — liminar — de um juiz-prefeito da cidade da Xapuri (ou Agudo), cuja jurisdição era para todo o território do novo Justerraebrasilis, o novo nome do Brasil depois da queda do governo tradicional eleito a partir da ultrapassada divisão de poderes do serôdio Montesquieu, cujo livro O Espírito das Leis havia sido banido das bibliotecas por decisão de um juiz-governador do Maranhão, porque o seu conteúdo conspurcava o espírito dos jovens concurseiros. No caso da falta de energia elétrica, ocorreu que o Ministério dos Agravo de Instrumento não conseguira fazer com que o Ministério dos Embargos Declaratórios esclarecesse o conteúdo da liminar do juiz-prefeito de Xapuri. Na verdade, o Ministério do Agravo ingressara com novo pedido de esclarecimento junto ao Ministério dos Embargos e...fora multado. Bingo! E contra isso somente caberia um pedido de reconsideração junto ao Ministério dos Recursos Especiais.
Mas, o que aconteceu? Já conto. Embalada e empolgada com o resultado de uma certa ADI na qual se falava que o Judiciário (em especial, o Supremo Tribunal) deveria empurrar a história, além do fato de que nessa ADI prevaleceu a tese-da-relativização-da-exigência-de-parametricidades-constitucionais para declarar a inconstitucionalidade de leis e atos normativos, a OAB deu o passo decisivo e ousado: entrou com um conjunto de ADIs e ADPFs visando a declarar inconstitucionais o malsinado sistema de governo presidencialista-de-coalisão e uma conjunto de dispositivos que diziam respeito aos mandatos dos parlamentares, a estrutura administrativa do governo etc.
Enfim, as ações propunham que o STF, além das inúmeras inconstitucionalidades-sem-parametricidade, decretasse um novo modelo de governo. No caso específico, a OAB invocara uma nova ação, chamada Apelo-ao-Judiciário (ainda sem tradução). E, com isso, fosse determinado um modelo sem voto, sem presidencialismo, sem mandatos, com renomeação de ministérios, enfim, tudo baseado em uma nova concepção. E qual seria esse novo modelo? Com a devida modulação de efeitos, a nova concepção do país está baseada na concursocracia. E tudo sob a batuta do Judiciário. Afinal, com mais de 1200 faculdades, o que fazer com toda essa gente? Assumir o poder, em todos os seus termos, parecia ser o melhor caminho. E, com tantos cursinhos preparatórios para concursos, com tantos blogs, vídeos infestando o YouTube ensinando à malta como passar em concursos e na prova da OAB, nada melhor do que unir o útil ao agradável. “Todo poder aos juristas”: esse é o lema. As ruas amanheceram pichadas de cima a baixo. Fora com os políticos. Fora com a burocracia iletrada. Povo não sabe votar. bacharelocracia e concursocracia: eis a nova era.
Depois do julgamento, no qual inclusive foi declarado nulo o mandato da presidenta por inconstitucionalidade do presidencialismo de coalisão, foi eleito o novo mandatário, chamado de juiz-presidente de Justerraebrasilis. O STF elegeu-o à unanimidade. De imediato, o Parlamento foi extinto, porque, por evidência, também inconstitucional. Como não servia para nada — por exemplo, não conseguiu durante anos resolver o problema da doação de campanhas eleitorais, sem a demarcação de terras indígenas, as uniões homoafetivas etc, etc e etc — sua instituição tornou-se despicienda. Por exemplo, de que adiantou o Parlamento aprovar a alteração no CPP na parte do artigo 212, se ninguém obedeceu, tendo o próprio STF sufragado tal posição? Hein? A revista Veja fazia essa pergunta na capa. Realmente, o Parlamento tornara-se dispensável, segundo alegação na ADI-ADPF (e na AAJ — nova Ação Apelo ao Judiciário). Em seu lugar, assumiu provisoriamente o CNJ, agora com o quádruplo de componentes (claro, sem os representantes do Parlamento, que já não existe). Como o CNJ já legislava (de há muito), ficou mais barato e mais rápido. E poupava trabalho ao próprio Supremo Tribunal, porque, agora, o juiz-presidente da República vetava ou não a matéria. O povo na rua comemorava a economia de milhões de reais (também segundo a capa da Veja).
Os prefeitos serão substituídos por pessoas concursadas. Uma SVP — Súmula Vinculante Provisória (sim, o instituto da medida provisória fora substituído, através de uma interpretação conforme — verfassungskonforme Auslegung, pelo novo instituto: a SVP) baixada pelo presidente da República regulamentou a assunção aos cargos. Cada Estado também passará a ser governado por um concursado (por enquanto, assume um juiz ou desembargador ou, em alguns Estados, o Procurador-Geral de Justiça).
Os parlamentos municipais, estaduais e federal passarão também a ser ocupados por concurso público. Afinal, como o Brasil é o país dos concursos, logo foi criado o Ministério dos Concursos Públicos, com a consequente abertura de 5.332 vagas para vereadores e mais 750 deputados. Senador? Não. O Senado foi extinto, em face do perigo da alopeciocracia,[1] representado pelo número considerável de calvos ou semi-calvos de senadores que poderiam representar um problema se todos fossem requisitar aeronaves da FAJ (Força Aérea de Justerraebrasilis). Neste caso, o Senado foi considerado inconstitucional com base no princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, além do novo princípio: o neoparametricidade, pelo qual o STF mesmo tem o poder de dizer qual é o não-parâmetro violado. Meio complexo, mas é isso mesmo. Na verdade, foi feita uma ponderação. Vários livros que tratam da “ponderação de valores e interesses” foram citados. Só se fala em ponderação na Nova República. Já tem gente querendo trocar o nome da capital para Abwägung (fica chique e é em alemão o nome de “ponderação”). Esse neoprincípio (o da neoparametricidade, que significa “não é necessária a parametricidade) ganhou logo destaque nos cursinhos de preparação para concursos. Autores destacados de livros de Direito Constitucional facilitados, simplificados, plastificados etc, já abriram um capítulo para tratar dessa conquista da neo-hermenêutica constitucional. A bolsa de valores abriu um pregão só para a compra e venda de livros para concursos. As ações do Direito facilitado-simplificado-resumido tiveram alta de 315% só na primeira hora.
Foram criados novos ministérios (por lei emitida pela CNJ, enquanto os concursos para deputados não são concluídos), além daqueles criados por SVP (como os Ministérios do Agravo e dos Embargos). Para cuidar das finanças, o Ministério do Direito Fiscal. Para a segurança pública, o Ministério do Direito Penal, comandado pelo Procurador-Geral da República. As questões ligadas ao Direito Civil foram deixados a cargo do Ministério da Afetividade, comandados pelos adeptos das cláusulas gerais e pamprincipiologistas..
Foi criada também uma Secretaria Especial para Elaboração de Novos Princípios (Sesprin), com status de ministério. O encarregado também poderia usar aviões da FAJ (essa é a importância da equiparação de secretaria com o Ministério). O CNJ estabeleceu metas para criação de princípios: no mínimo 50 novos princípios ao mês. Menos, nem falar.
Os novos deputados, a serem escolhidos por concurso público com perguntas difíceis como “se um gêmeo xifópago ferir o outro, qual será o crime” e “se Paula foi mesmo morta por veneno se, afinal, levou 16 facadas”, não farão leis como era no ancién regime. Leis não serviam para nada mesmo. Agora, os novos deputados farão apenas ementas e enunciados (protossúmulas), além de discutirem, nas várias comissões, os novos princípios que a tal secretaria (Sesprin) enviará a cada mês. E haverá audiências públicas, em que cada participante terá longos três minutos para expor a sua tese.
E assim por diante. A imaginação dos leitores preencherá os demais mi(ni)stérios do nouveau regime. Um problema, voltando ao início: o novo governo tem enormes dificuldades em lidar com as decisões fragmentadas emanadas pelos quatro cantos do país. Como tudo se judiciarizou (ou judicializou), cada juiz-prefeito-administrador, pela falta de uma teoria da decisão e com base no livre convencimento, emite ordens como quer (ou de acordo com a consciência de cada um). E cada ministério também faz o que bem entende, com base na livre apreciação (da prova). Na medida em que não há mais inconstitucionalidades (porque tudo estará concentrado em um só poder), o sistema está a exigir a criação de súmulas vinculantes que tratem de toda a administração. Consequentemente, deverá ser criado o Ministério da Súmula Vinculante, além do Ministério da Repercussão Geral e o Ministério da Reclamação, que agirá contra a desobediência das súmulas vinculantes e/ou das SVP. E já tem gente pensando em criar a Super Súmula Vinculante (SSV), que terá a pretensão de abarcar todas as hipóteses de aplicação (para isso, os estudos estão sendo elaborados por um grupo de positivistas adeptos da velha Begriffjurisprudenz). Ainda: em caso de dúvida sobre a aplicação da SSV, é só ligar para um 0800. Disque Justerraebrasilis. Disque 1, se você é estagiário; 2 concursado; 3 se for concursando do nouveau regime; 4, se quer saber o sentido da SSV; 5, se for caso de embargos; 6, se não era caso de embargos, você acabou de ser multado; 7, se for caso de agravo; 8, de quiser fazer uma ponderação e 9, para falar com um autor de livro resumido, ao vivo... Antes de desligar, atribua uma nota ao nosso atendimento.
O problema, mientras tanto, é a autonomia dos Ministério dos Embargos Declaratórios e do Ministério do Agravo (e do Agravinho). Eles são uma espécie de Banco Central dos Sentidos. Controlam a interpretação. Por exemplo, quem pagará as multas aplicadas em todas as hipóteses em que o Ministério dos Embargos Declaratórios disser que ele não tem nada a esclarecer e que ele não está obrigado a esclarecer nada para além dos fundamentos de sua própria decisão e for feito um novo pedido de embargos (os embargos dos embargos)?
Pois — e volto ao problema do calor e da falta de energia elétrica no Palácio — foi no meio dessa confusão que o juiz-prefeito (ou prefeito-juiz) de Xapuri (ou teria sido de Agudo?) acabou por trancar o ar condicionado do Palácio do Planalto. E parece que vai demorar até que a energia seja religada. O recurso deverá, primeiro, ter juízo de admissibilidade. Mas ainda falta consultar o Ministério dos Embargos Declaratórios, por causa do pré-questionamento... E há que se tomar cuidado com a multa...
Enquanto isso......lá no Brasil profundo, parece que há um pequeno movimento que deseja a volta do Parlamento (claro que sem o problema da alopeciocracia e as constantes viagens com os aviões da antiga FAB e com algumas melhorias, porque o réu tem de se ajudar, pois não?). Sabem como é: como em Totem e Tabu (Freud), mata-se o pai, mas depois vem a culpa...Todos prometem que, na próxima eleição (se for restaurado o sistema de partidos), todos votarão melhor. Assim esperamos. Aleluia.
Ao lado desse movimento, detecta-se também um punhado de pessoas que deseja a volta do tempo em que professor de Direito ensinava e aluno aprendia. Incrível, não? E que os alunos liam livros e não apostilas. Sim, os alunos não eram reféns do Dr. Google. E liam os clássicos e não os plastificados. Ainda estão pouco organizados. Não chegam a formar um movimento stricto sensu. Seu nome, se vingar, será MEP — Movimento Ensina Professor.
E há outro grupo (DVD ou DODO – Doutrina-Doutrina), ainda que bem pequeno, querendo que a Doutrina-Volte-a-Doutrinar (por isso, DVD). São corajosos. Mas, enfim... E há até mesmo um punhado de pessoas que deseja estudar Direito Constitucional, mas que não seja por resumos e resumos de resumos (esse grupo se autodenomina Frelipocref — Frente de Libertação Popular Contra Resumos e Afins). Querem mesmo estudar Konrad Hesse, Canotilho, Hirsch, Tribe e tantos outros (não vamos falar em autores daqui a serem estudados, e há muitos, para não semear sizâneas nas hostes aliadas; poderia esquecer alguns). Pedi inscrição nesses dois grupos.
Na mesma linha, existem professores que querem introduzir a cadeira de Teoria do Direito nas faculdades (de verdade). E ali prometem discutir a fundo coisas como positivismo, Estado, política, filosofia no Direito (e não “do” Direito). E o aluno que tentar levar um resumo plastificado será expulso da sala. Esse grupo quer denunciar aquilo que Umberto Galimberti chama de “comunicação tautológica”, em que o ouvinte-leitor lê (ou ouve) as- mesmas-coisas-que-ele-próprio-poderia-dizer e quem fala diz as-mesmas-coisas-que-podemos-ouvir-de-qualquer-um. Nesse monólogo coletivo, nessa comunicação tautológica em que se transformou o ensino jurídico e uma certa (pseudo) doutrina, a experiência da comunicação rui(u), porque é abolida a diferença especifica entre as experiências pessoais do mundo que estão na base de qualquer experiência comunicativa. Esse grupo, Moccota (Movimento Contra Comunicação Tautológica), promete jogar duro nessa área (embora o grupo caiba em uma Kombi).
Alguns professores estão prometendo que não mais orientarão dissertações de mestrado e teses de doutorado sobre agravo de instrumento, cheque, princípio da afetividade etc ( trata-se da Acrec — Ação Contra Recorta e Cola em aliança com Motete — Movimento Tese tem que ter Tese). Se for com bolsa da Viúva, então, nem falar... Bingo!
E há professores que defendem a tese de que os alunos na sala de aula não usem o celular e o lepitop enquanto o professor está explicando a matéria (MQUBFOEO — Movimento Quando um Burro Fala o Outro Encurta as Orelhas ou, simplesmente MRM — Movimento Respeito ao Mestre).
E nesse Brasil profundo, tem gente querendo que os professores ministrem aula sem a bengala do pauerpoint. Muita gente também defendendo a tese de que novamente sejam discutidas causas nos Tribunais e não somente teses abstratas (é a gente do Frelicacon — Frente de Libertação do Caso Concreto). Os mais ousados, consideram que os Embargos de Declaração são inconstitucionais, porque violam o dever de fundamentação. Para esses corajosos incautos, uma decisão que é omissa, contraditória ou obscura é...simplesmente nula. Estou frequentando as reuniões desse grupo (MSPeA — Movimento Sem Pauerpoint e Afins), que se reúne clandestinamente as quartas-feiras, em local que não posso divulgar, é claro.
Dizem que há uma pequena facção chamada VAR-Copon (Vanguarda Reflexiva Contra a Ponderação). E o Micopid (Milícia Contra a Piriguetização do Direito).
Há outro grupo — veja como já há divisões e subdivisões na resistência — que começou um movimento para que o ex-juiz Rocha Matos tivesse seu recurso julgado (Monaprom — Movimento-Não-à-Prescrição-da-Ação-Penal-do-Rocha-Matos).
Forma-se também um pequeno movimento (Moinfema – Movimento pela Intervenção Federal no Maranhão), em face da barbárie do Presídio de Pedrinhas. Sem chance, pelo visto. Afinal, quem se importa com os presos? E vejam só: eis um bom caso para judicilializar, pois não?
Outra facção da resistência quer recuperar — imaginem os leitores — a autonomia do Direito. Eles sustentam que, nesta quadra da história, o Direito assume um grau de autonomia e, por isso, não pode ser corrigido por argumentos metajurídicos, por argumentos morais ou por argumentos teleológicos (políticos etc). Enfim... Também frequento esse movimento chamado MAD (Movimento pela Autonomia do Direito). Há também um pequeno grupo chamado MLDS (Movimento Levemos o Direito a Sério) Será que tem futuro o MAD e o MLDS?
Claro: todos esses grupos estão na clandestinidade.
Mas, enfim, esses movimentos são todos utópicos. E como diz o poeta: A utopia está lá longe, no horizonte. Achego-me um passo e ela se afasta um passo. Ando mais alguns passos e o horizonte some um tanto de passos à frente. Então, para que serve esse U-topos, esse não-lugar? Simples: para que continuemos a caminhar. Porque, como dizia Antonio Machado, caminante, no hay caminho... el caminho se hace al andar”...
Ou, com Mário Quintana:
"Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
a presença distante das estrelas!"
Ou, ainda, com o autor de Os Miseráveis: “Não há nada como o sonho para criar o futuro. Utopia hoje, carne e osso amanhã.”
Pronto. Eis, pois, a minha crônica de ficção! Os que quiserem se filiar aos diversos movimentos, grupos e frentes, façam contato no Facebook.

[1] Poder da careca ou poder dos calvos.
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 9 de janeiro de 2014

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

LEI QUE PUNE EMPRESAS É GRANDE AVANÇO PARA O BRASIL

 

 
No mês de fevereiro, entrará em vigor a Lei nº 12.846, sancionada em 1º de agosto de 2013, a qual dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração e patrimônio público nacional e estrangeiro e contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
A nova lei representa um grande avanço para o Brasil no que tange ao combate da corrupção, pois atende aos anseios da sociedade que há muito tempo aguarda do legislador uma lei que punisse as empresas, e não somente as pessoas físicas, envolvidas em ato de corrupção.
Ela traz severas sanções às empresas que cometerem atos ilícitos contra a administração pública, sendo certo que referida legislação atende aos reclamos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), órgão que conta com a participação de 40 nações, inclusive o Brasil, e, que assinou no ano de 2000 a Convenção sobre o Combate de Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros e, Transações Comerciais Internacionais.
Observamos, que para a punição das empresas a Lei, em comento, traz penas pecuniárias que podem variar de 0,1% a 20% do faturamento bruto do exercício anterior à instauração do processo administrativo, e, caso, não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, as multas que poderão variar de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais).
Com efeito, para aplicação das sanções serão considerados os seguintes elementos: a gravidade da infração; a vantagem auferida ou pretendida; a consumação ou não da infração; o grau da lesão ou perigo de lesão; o efeito negativo produzido pela infração; a situação econômica do infrator; a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações; a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo a denuncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica; e o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesada.
Além da cominação da multa, poderá ser aplicada a suspensão ou interdição parcial das atividades, bem como a dissolução compulsória da pessoa jurídica.
A decisão condenatória será publicada na forma de extrato de sentença, a expensa da pessoa jurídica condenada em meios de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional.
As pessoas jurídicas, aqui incluídas, as sociedades empresariais, as sociedades personificadas ou não, as fundações, as associações e sociedades estrangeiras que forem punidas, serão inscritas no CNEP (cadastro nacional de empresas punidas), podendo ainda, ser proibidas de participar de licitações.
Nas hipóteses de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária persiste a responsabilidade, mas será restrita à obrigação de reparar o dano causado, até o limite do patrimônio transferido, não sendo aplicáveis as demais sanções decorrentes de atos e fatos, ocorridos antes da data da fusão ou incorporação, exceto no caso de simulação ou evidente intuito de fraude, devidamente comprovados.
Nesse rumo, a lei estabelece que as sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas serão solidariamente responsáveis pelos atos ilícitos, restringindo-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano.
Responsabilidade individualA pena aplicada a empresa não excluirá a responsabilidade judicial, individual dos seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora ou coautora ou partícipe do ato ilícito.
Igualmente, cumpre destacar que a lei estabelece a responsabilidade objetiva das empresas, as quais estarão obrigadas a reparar integralmente o dano causado, independentemente da aplicação das demais sanções, que serão aplicadas de forma fundamentada, isolada ou cumulativamente.
No processo administrativo de responsabilização das pessoas jurídicas deverão ser observados os princípios da ampla defesa e do contraditório, sendo concedido à empresa o prazo de 30 dias para apresentação de defesa.
A instauração e julgamento do processo administrativo para apuração da responsabilidade da pessoa jurídica compete a autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante provocação.
O processo administrativo será conduzido por comissão designada pela autoridade instauradora e composta por no mínimo por dois servidores estáveis, que deverão concluir o processo no prazo de 180 dias.
Tem-se ainda que Lei nº 12.846/2013 traz em seu bojo a possibilidade do acordo de leniência para as pessoas jurídicas que colaborarem efetivamente com as investigações e com o processo administrativo.
Assim, notamos que a partir do próximo mês teremos uma norma relevante e importante, especialmente para aquelas empresas que, habitualmente, mantêm relações de fornecimento de serviços e ou produtos para os entes públicos, haja vista que ilegalidades cometidas em razão dessas relações comerciais poderão gerar reflexos negativos para toda empresa.
 
Domenico Donnangelo Filho é presidente da Comissão da Sociedade de Advogados da OAB/Pinheiros e sócio do escritório Morais, Donnangelo, Toshiyuki e Gonçalves Advogados Associados.
Revista Consultor Jurídico, 7 de janeiro de 2014

FALTA AOS TRIBUNAIS FORMULAÇÃO ROBUSTA SOBRE PRECEDENTES

Falta aos tribunais formulação robusta sobre precedentes

 
Sempre tivemos dificuldades em entender a afirmação “definitiva”, de grande parcela dos pensadores pátrios, de que os enunciados de súmula seriam pronunciamentos dos Tribunais vocacionados à abstração e à generalidade, tal qual as leis, e de que sua aplicação poderia se dar desligada dos casos (julgados) que deram base à sua criação.[1]
Outra assertiva difícil de digerir é a de que o seu uso poderia ser comparado ao dos precedentes no common law, especialmente pela percepção de que lá é vital a ideia de que os tribunais não podem proferir regras gerais em abstrato.[2] É dizer, em países de common law, os precedentes não “terminam a discussão”, são sim, um principium[3]: um ponto de partida, um dado do passado, para a discussão do presente.
Aqui entre nós, a jurisprudência defensiva esforça-se para, logo, formatar um enunciado de Súmula (ou similar) a fim de se encerrar o debate sobre o tema, já que, no futuro, o caso terá pinçado um tema que seja similar ao enunciado de Súmula e, então, a questão estará resolvida quase que automaticamente. No “common law”, ao invés, para que um precedente seja aplicado há que se fazer exaustiva análise comparativa entre os casos (presente e passado, isto é, o precedente), para se saber se, em havendo similitude, em que medida a solução do anterior poderá servir ao atual.
Aqui não pretendemos negar que o uso de enunciados de súmula (e de ementas) se dê no Brasil, equivocadamente, como se lei fossem. Seguindo o mesmo raciocínio de generalidade e de aplicação das normas editadas pelo Parlamento. É como se esses enunciados jurisprudenciais se desgarrassem dos fundamentos determinantes (ratione decidendi ou holding) que os formaram. Não se nega também as razões históricas da criação desses enunciados na década de 1960, com inspiração nos assentos portugueses.
O que se critica é que após todos os avanços da teoria do direito e da ciência jurídica, se aceite a reprodução, mesmo sem se perceber, de uma peculiar aplicação do positivismo normativista da jurisprudência dos conceitos (Begriffsjurisprudenz),[4] que defendia a capacidade do Judiciário criar conceitos universais; um sistema jurídico fechado que parte do geral para o singular e que chega a “esse” geral com a negligência às singularidades. Perceba-se: nos séculos XVIII e XIX acreditava-se que o legislador poderia fazer normas “perfeitas”, gerais e abstratas de tal forma que seriam capazes de prever todas as suas hipóteses de aplicação. Descobrimos no século XX que isso não é possível (que, e.g., por detrás de toda pretensa objetividade da lei estavam os preconceitos daquele que a aplicava). Agora, em fins do século XX e início deste apostamos, mais uma vez, no poder da razão em criar regras perfeitas, apenas que agora seu autor não é mais (só) o legislador mas (também) o juiz.
Em assim sendo, apesar de se tematizar com recorrência nosso peculiar movimento de convergência com o common law, chamado pelo amigo Lenio Streck de ‘commonlização’[5], continuamos insistindo nessa equivocada formação e aplicação do direito jurisprudencial.[6]
Falta aos nossos Tribunais uma formulação mais robusta sobre o papel dos “precedentes”. Se a proposta é que eles sirvam para indicar aos órgãos judiciários qual o entendimento “correto”, deve-se atentar que o uso de um precedente apenas pode se dar fazendo-se comparação entre os casos — entre as hipóteses fáticas —, de forma que se possa aplicar o caso anterior ao novo.
E essa assertiva deve também valer para os enunciados de súmulas, é dizer, o sentido destas apenas pode ser dado quando vinculadas aos casos que lhe deram origem.
Nesses termos é se louvar o texto do artigo 520, parágrafo 2º, do CPC projetado ao determinar que “é vedado ao tribunal editar enunciado de súmula que não se atenha às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.”
Devemos perceber (o quanto antes) que qualquer enunciado jurisprudencial somente pode ser interpretado e aplicado levando-se em consideração os julgados que o formaram. Ele não surge do nada. Não há grau zero de interpretação. Nestes termos, sua aplicação deve se dar de modo discursivo, e não mecânico, levando-se a sério seus fundamentos (julgados que o formaram) e as potenciais identidades com o atual caso concreto. Nenhum país que leve minimante a sério o direito jurisprudencial pode permitir a criação e aplicação de súmulas e ementas mecanicamente.
Enquanto não mudarmos essa práxis, continuaremos a trabalhar com pressupostos e com resultados muito perigosos e equivocados. Estaremos inventando uma nova forma de legislação advinda de um novo poder, a juristocracia, que não apenas viola princípios constitucionais (como a separação de poderes, contraditório, ampla defesa e devido processo legal), mas que também padece dos mesmos problemas que a crença absoluta na lei: o “problema” da interpretação. Sim, porque, por mais que se tente acabar com a discussão a partir de um enunciado de Súmula, o fato é que este é um texto e, como tal, possui o mesmo pathos da lei: como não é possível antecipar todas as hipóteses de aplicação, uma e outra estão sujeitas ao torvelinho da práxis que evocará interpretação.

[1] Em sendo assim, os Tribunais Superiores poderiam possuir um grande (e crescente) número de obstáculos ao seu acesso, uma vez que não estão ali para “corrigir a injustiça da decisão”, mas somente para garantir a autoridade da Constituição/lei federal e a uniformidade da jurisprudência. Frente àqueles casos que conseguem ultrapassar a barreira da admissibilidade, os Tribunais Superiores não estariam preocupados com o caso em si, que seria abstraído de suas características de caso concreto e visto apenas a partir do tema de que se trata, a fim de, se valendo do caso (que é irrelevante), alcançar aqueles objetivos acima elencados.
[2] HUGHES, Graham. Common Law systems. MORRISON, Alan. Fundamentals of american law. New York.: Oxford University Press, 1996. p. 19.
[3] RE, Edward D. Stare Decisis. Revista Forense, v. 327, p. 38.
[4] PUCHTA, Georg Fredrich. Lehrbuch der Padekten. Leipzig: Berlag von Johann Ambrolius Barth, 1838.
[5] STRECK, Lenio. Por que agora dá para apostar no projeto do novo CPC! Acessível em: http://www.conjur.com.br/2013-out-21/lenio-streck-agora-apostar-projeto-cpc.
[6] NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Formação e aplicação do direito jurisprudencial: alguns dilemas. Revista do TST. Brasília. V. 79. Abr.- Jun. / 2013. Acessível em: http://pt.scribd.com/doc/176023132/Dierle-Nunes-e-Alexandre-Bahia-Formacao-e-aplicacao-do-Dir-Jurisprudencial-Revista-do-TST
Alexandre Bahia é advogado, doutor em Direito Constitucional pela UFMG e professor adjunto na UFOP e IBMEC-BH.
Dierle Nunes é advogado, doutor em Direito Processual, professor adjunto na UFMG e PUCMinas e sócio do escritório Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia.
Revista Consultor Jurídico, 7 de janeiro de 2014

ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS NO BRASIL E NO EXTERIOR (PARTE 1)

 

1. IntroduçãoO Direito de Família brasileiro tem-se mostrado bastante receptivo a institutos e figuras dos Direitos Comparado e estrangeiro. Em sendo correto dizer que as bases teóricas clássicas do Direito de Família foram arrasadas após destruição de seu antigo fundamento — a legitimidade —, é também bastante nítida a busca por um novo suporte, embora seja cada vez mais referido o princípio da afetividade.[1]
Ao tempo em que o Direito de Família está em busca de um novo fundamento teórico[2], que corresponda aos profundos câmbios normativos decorrentes da Constituição de 1988 e, com menor intensidade, do Código Civil de 2002, esses novos institutos e figuras surgem por meio de contribuições doutrinárias ou das decisões judiciais, ao exemplo dos chamados “alimentos compensatórios”. E tanto mais polêmicas são essas novas questões quanto nelas se imbrica o problema patrimonial. É o que se observa, por exemplo, no ressarcimento por violação de deveres conjugais ou por abandono afetivo. Nos “alimentos compensatórios”, há uma outra conexão: quando há separação convencional de bens, é possível utilizar essa verba para reequilibrar a situação econômico-financeira dos ex-cônjuges?
São esses interessantes problemas que se terá a oportunidade de discutir nesta e nas próximas colunas, tomando-se por base (a) a jurisprudência, (b) a doutrina nacional e (c) o Direito estrangeiro.
2. O reconhecimento aos alimentos compensatórios no Superior Tribunal de Justiça
2.1. O Caso Collor-RosaneUm dos casos mais importantes para o Direito de Família no ano de 2013 foi o julgamento do recurso especial relativo aos alimentos compensatórios. A despeito do segredo de justiça que envolve o processo, que impediu a página eletrônica do Superior Tribunal de Justiça de divulgar o número do recurso, a situação de fato foi amplamente divulgada nos meios de comunicação, sem qualquer restrição ao nome das partes, a saber: Fernando Affonso Collor de Mello, ex-presidente da República e atualmente senador da República pelo estado de Alagoas, e Rosane Brandão Malta, ex-primeira-dama brasileira.[3]
Como não é possível a consulta aos autos eletrônicos, deve-se confiar no resumo divulgado na página eletrônica do tribunal e dele extrair os elementos descritivos do caso, que foi decidido pela 4ª Turma do STJ, na sessão de 12 de novembro de 2013: [4]
 
a) O senador Fernando Collor e sua ex-mulher Rosane Malta casaram-se no ano de 1984, sob o regime de separação convencional de bens. Eram as segundas núpcias de Fernando Collor e as primeiras de Rosane Malta, que ainda não havia completado 20 anos.
b) Durante o matrimônio, Fernando Collor foi governador do estado de Alagoas e depois eleito presidente da República. Seu mandato foi abreviado em razão do impeachment ocorrido em 1992. O casal manteve-se unido, apesar de diversas crises divulgadas na imprensa, até o ano de 2005. A separação foi litigiosa e cumulada por uma oferta de alimentos por Fernando Collor, no valor de R$ 5,2 mil, a qual foi contestada por Rosane Malta, que pretendia receber R$ 40 mil.
c) A sentença do juízo de primeiro grau, da Justiça alagoana, deferiu a Rosane Malta dois automóveis e R$900 mil em imóveis, além de uma pensão de alimentos no valor de 30 salários mínimos mensais, pagáveis enquanto lhes fossem necessários. A matéria foi devolvida ao Tribunal de Justiça de Alagoas, que, ao apreciar a apelação do ex-marido, “reduziu a pensão mensal para 20 salários mínimos pelo período de três anos, mantendo a sentença no restante”. Houve recurso de embargos infringentes, após o que “o tribunal estadual restabeleceu o valor de 30 salários mínimos e afastou a limitação de três anos”.[5]
d) No STJ, a matéria foi apreciada em Recurso Especial, tendo como argumentos da parte do ex-marido, o fato de que não houve pedido expresso de alimentos compensatórios pela ex-mulher e, por essa razão, o julgamento fora extra petita. Rosane Malta argumentou que ela se casou aos 19 anos e permaneceu casada ao lado do marido por 22 anos, sem que o ex-marido houvesse colocado qualquer bem em seu nome, o que implicaria “abuso de confiança” por parte de Fernando Collor.
e) No julgamento do recurso, entendeu-se que: i) é possível a atribuição de alimentos compensatórios, na hipótese de quebra do equilíbrio econômico-financeiro decorrente da separação; ii) os alimentos devem ser fixados em prazo de três anos, a contar do trânsito em julgado da decisão; iii) dever-se-ia admitir a transferência de bens de um cônjuge a outro, nos termos do quanto estabelecido nas instâncias ordinárias.
Quanto ao direito aos alimentos compensatórios, o relator ministro Antonio Carlos Ferreira não foi acompanhado pelo ministro Marco Buzzi, em cujo voto dissidente se salientou que a transferência de bens seria contrária ao pacto antenupcial.
No que se refere ao temporal de três anos resultou das discussões durante a sessão de julgamento, com o voto prevalente dos ministros Antonio Carlos Ferreira (relator), Luís Felipe Salomão e Raul Araújo, sob o fundamento de que esse tempo seria suficiente para a preparação do alimentando para a nova realidade econômica advinda do fim da pensão e sua eventual preparação para o mercado de trabalho. Foram dissidentes os ministros Marco Buzzi e Isabel Gallotti, para quem seria dificultoso para uma mulher na altura dos 50 anos aprender um ofício e ganhar a vida com seu próprio esforço, especialmente após ter-se casado aos 19 anos e haver dedicado grande parte de sua vida no acompanhamento de seu ex-cônjuge em suas atividades políticas.
2.2. Os alimentos compensatórios e a verba decorrente dos frutos dos bens comuns: Dois outros importantes precedentes do STJ
A) RHC 28.853/RSÉ de se registrar que, antes do julgamento do caso relatado pelo ministro Antonio Carlos Ferreira, no STJ houve um acórdão no qual o problema dos alimentos compensatórios surgiu em um dos capítulos decisórios. Trata-se do RHC 28.853/RS, relatora a ministra Nancy Andrighi e redator par o acórdão o ministro Massami Uyeda, julgado em 3º Turma, no dia 1º de dezembro de 2011, com publicação no DJe de 12 de março de 2012. Subjacente ao recurso, havia uma execução de alimentos, que foram decididos em ação de separação judicial litigiosa. Em uma decisão monocrática, nos autos da ação de separação, fixou-se em favor do cônjuge virago uma “verba (...) qualificada não como alimentar (...) por força dos frutos que lhe cabe (sic) do patrimônio do casal, já que o demandado está na posse e administração dos bens”, no equivalente a 10 dez salários mínimos.
Posteriormente, foi decretada a prisão do ex-cônjuge varão, que não pagava os valores estabelecidos. O juízo de primeiro grau, para esse fim, contrariando a decisão anterior, alterou a qualificação da “verba não alimentar” e declarou que essa se constituía em “obrigação alimentar (...) mesmo que de cunho compensatório, já que se destina à mantença da autora”.
O ex-marido impetrou Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. O acórdão foi-lhe desfavorável.
No STJ, por meio de recurso ordinário em habeas corpus, o alimentante sustentou que a prisão civil seria “manifestamente ilegal”, porquanto “os alimentos objeto da referida execução não têm caráter alimentar, conforme expressamente consignado na própria decisão que os fixou”.
Estava em jogo a questão de saber se esses valores, estabelecidos com caráter nitidamente compensatório, seriam dotados de natureza alimentar e, em segundo plano, se fosse reconhecida esse caráter à verba, surgiria o problema de os compensatórios também se sujeitarem ao regime da prisão civil no caso de inadimplemento dessa obrigação.
A ministra relatora Nancy Andrighi, louvada na doutrina de Rolf Madaleno, entendeu que a “pensão compensatória” possuía caráter ressarcitório e compensatório, e, por essa razão, esses alimentos “não se submetem aos meios executórios coercitivos previstos no
art. 733 do CPC”. No caso dos autos, porém, a verba assumiria natureza de alimentos, pois não houve “distorção na partilha”, “(...) notadamente porque inexiste a própria partilha, elemento essencial à concretização do desequilíbrio gerador das hipóteses de cabimento da pensão compensatória, a qual tem como primordial escopo restaurar a simetria socioeconômica dissipada com o rompimento dos laços afetivos”. Com base nessa distinção, a relatora manteve a decisão denegatória do HC e negou provimento ao ordinário.
O ministro Massami Uyeda, em divergência, que terminou por ser vitoriosa, deu provimento ao recurso. Segundo o relator para o acórdão: a) as decisões de primeiro grau deixaram “expressamente assente que a verba correspondente aos frutos do patrimônio comum do casal a que a autora faz jus, enquanto na posse exclusiva do ex-marido, não teria caráter alimentar”; b) no entanto, na execução de alimentos, houve contraditória atribuição dessa natureza, de molde a permitir a aplicação do artigo 733 do Código de Processo Civil, cuja incidência só se justifica quando houver inadimplemento de “alimentos provisionais”, assim fixados em decisão judicial, o que implica a decretação de prisão civil do alimentante.
Ainda segundo o redator para o acórdão, (c) o dever de prestar alimentos, durante a vigência do casamento, funda-se na assistência mútua dos cônjuges. Uma vez extinta a sociedade matrimonial, esse dever substitui seu fundamento para se esforçar na solidariedade conjugal, tendo um sentido estrito: a conservação dos meios de subsistência, o que se explica pelo binômio necessidade-possibilidade. No caso levado ao exame do STJ, “executa-se a verba correspondente aos frutos do patrimônio comum do casal a que a autora faz jus, enquanto aquele se encontra na posse exclusiva do ex-marido”. Essa verba não tem fundamento na solidariedade, muito menos na mútua assistência conjugal, mas no direito de meação. Dito de outro modo: evita-se que, enquanto pendente a partilha, haja enriquecimento sem causa em favor de um dos cônjuges, especificamente aquele que detém a posse dos bens comuns.
O ministro Massami Uyeda, ao enfrentar o tema específico dos “alimentos compensatórios, entendeu que (d) os valores decorrentes da partilha, como se cuida da hipótese do recurso ordinário, não se confundiriam com o conceito de “pensão compensatória” ou “alimentos compensatórios”, “que tem por desiderato específico ressarcir o cônjuge prejudicado pela perda da situação financeira que desfrutava quando da constância do casamento e que o outro continuou a gozar”. A finalidade dos compensatórios é desconectada da oferta de meios indispensáveis à manutenção do alimentando, porquanto “objetivam minorar o desequilíbrio financeiro experimentado por apenas um dos cônjuges em razão da dissolução da sociedade conjugal”. A hipótese de prisão civil, considerados os elementos descritivos do processo oriundo do Rio Grande do Sul, não seria adequada, conforme assinalou o redator para o acórdão.
Neste complexo julgamento, o ministro Sidnei Beneti pediu vista e apresentou um erudito voto acompanhando a divergência e tendo a oportunidade de oferecer algumas considerações sobre a natureza dos alimentos compensatórios:
a) O uso da expressão “alimentos compensatórios” abre margem para equívocos desnecessários quanto à sua natureza pseudoalimentar. Seria mais adequado referir-se a “prestação” (arts. 270-271 do Código Civil francês) ou “pensão” (art. 97 do Código Civil espanhol) e deixar “alimentos” para qualificar o que tradicionalmente se denominou de “verba destinada à subsistência material e social do alimentando (alimentos naturais e civis, ou côngruos)”.
b) Os “alimentos compensatórios” não possuem caráter alimentar ou civil e ostentam, na verdade, “natureza indenizatória”, ao estilo do que ocorre na legislação francesa. Essa distinção essencial impede a incidência do artigo 733 do CPC e, com efeito, a própria noção de custódia civil no caso de inadimplemento é de ser repelida, segundo o ministro Sidnei Beneti.
c) O não encerramento da partilha e o uso astucioso de um terceiro para figurar como recebedor fraudulento de valores em conta-corrente (a mãe do alimentante) não podem, de per si, alterar a natureza jurídica da verba não adimplida, “embora dessas circunstâncias possam-lhe advir consequências adversas no decorrer do processo de execução, desprovido da característica de execução alimentar, quer dizer, ao caso não se aplica o disposto no art. 733, § ún., do Cód. de Proc. Civil”.
O julgamento terminou com o provimento do recurso, por maioria de votos. Acompanharam o voto dissidente do ministro Massami Uyeda os ministros Sidnei Beneti e Villas Bôas Cueva. Vencida a relatora ministra Nancy Andrighi.
B) HC 34.049/RSMuito citado durante o julgamento do RHC 28.853/RS foi o acórdão da 3ª Turma do STJ, prolatado na sessão de 14 de maio de 2004, com publicação na RT 831/219, com relatoria do ministro Carlos Alberto Direito, no qual também se afastou a prisão civil por inadimplemento de verba alimentar.
O essencial desse julgado de 2004 está na interpretação dada ao artigo 4o, parágrafo único, da Lei no 5.478/1968, a conhecida Lei de Alimentos. O caput prevê que o juiz, ao receber a inicial, fixará imediatamente “alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita”. O parágrafo único ressalva que, em se tratando de casamento com regime de comunhão universal, “o juiz determinará igualmente que seja entregue ao credor, mensalmente, parte da renda líquida dos bens comuns, administrados pelo devedor”.
Em situação idêntica a do RHC 28.853/RS, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decretara a prisão do ex-cônjuge, por ele haver-se recusado a pagar, “enquanto não for concretizada a partilha”, o equivalente a 16 salários mínimos, “‘a título de frutos dos bens comuns’”.
Nos termos do voto condutor, o parágrafo único do artigo 4o da Lei de Alimentos “estabelece distinção entre os alimentos provisórios e os frutos dos bens comuns”. Esse quantum não se confundiria “com os alimentos provisórios, daí não ensejar a prisão civil prevista no art. 733, § 1º, do Código de Processo Civil”.
4. Conclusão

O acórdão do STJ, no caso Collor-Rosane, apresenta diversas questões de interesse para o Direito de Família, como (a) os limites à interferência judicial em um regime de separação convencional de bens; (b) a extensão temporal do direito aos alimentos; (c) a existência dos chamados “alimentos compensatórios” como figura jurídica autônoma no ordenamento jurídico e a (d) formulação de um princípio do equilíbrio econômico nas relações conjugais.
Inicia-se, com esta coluna, uma série sobre os “alimentos compensatórios”, sempre considerando o enfoque doutrinário nacional e também o Direito estrangeiro, mas, por limitações de espaço, centrando-se nos itens (c) e (d). Quanto ao item (a), recomenda-se a leitura das colunas Limites da intervenção judicial na separação de bens e Suprema Corte britânica valida pacto antenupcial. Na próxima coluna, será exposta a visão da doutrina nacional sobre o problema dos alimentos compensatórios.

[1] Publicou-se em 2013 uma interessante obra de Ricardo Lucas Calderón, prefaciada por Luiz Edson Fachin, que tenta dar contornos ao princípio da afetividade: Calderón, Ricardo Lucas. Princípio da afetividade no direito de família. Rio de Janeiro: Renovar, 2013.
[2] Busca essa que, para muitos doutrinadores brasileiros, já se encerrou com a adoção do princípio da afetividade como sucedâneo do princípio da legitimidade.
[3] Em uma rápida pesquisa na internet é possível informações sobre o caso e as partes envolvidas: STJ retoma julgamento do pedido de pensão da ex-primeira-dama Rosane Collor e Vida dura, ambos acessados em 24/12/2013.
[4] Disponível neste link . Acesso em 22/12/2013.
[5] Transcrição das informações divulgadas no sítio eletrônico do STJ, neste link. Acesso em 22/12/2013.
Otavio Luiz Rodrigues Junior é advogado da União, professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP), com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo).
Revista Consultor Jurídico, 8 de janeiro de 2014

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Uma lista de pedidos de um jurista para o Papai Noel

 

 
Pendurando a meia na árvoreNesta época ficamos mais sensíveis. Fazem-se festas com “amigo oculto”, mandam-se cartões e também são elaboradas listas de pedidos ao Papai Noel. Quando menino, tinha de me ajoelhar diante do Weihnachtsmann e fazer uma pequena oração, para que, depois, pudesse fazer meus pedidos. Assim era a oração: “Ich bin Klein, mein Herz ist rein, Darf niemand drin wohnen als Jesus allein” (“sou pequeno, meu coração é puro, nele não deve morar ninguém, a não ser Jesus”). Sem pieguice, mas, repetindo isso agora, uma pequena lágrima desceu pelas rugas que já tenho. Embarguei. Mesmo. Lembrei também que, um mês antes do Natal, rezava todas as noites, como num pensamento mágico. Mesmo pobre de marré, achava que, rezando, Papai Noel viria. Mas, vamos lá. Como deveria ser a lista de um jurista para o Papai Noel? Como em um pensamento mágico “daqueles tempos”... Vai que dá certo... afinal, sou pequeno, meu coração é puro... Então:
1. Que voltemos a ter “casos jurídicos” e não meramente “teses” discutidas abstratamente, através de enunciados feitos em reuniões realizadas em finos hotéis litorâneos ou produtos de ementas fabricadas por estagiários. E que os doutrinadores não caiam na armadilha de saírem por aí comentando os tais enunciados... que, como se sabe, Papai Noel, não são lei.
2. Que as provas sejam examinadas pelos juízes e tribunais, e que os casos subjacentes aos processos sejam vistos sob uma ótica normativo-constitucional e não meramente econômico-quantitativa. De que por trás dos processos há pessoas (e na frente deles haja também).
3. Que as partes, querido Papai Noel, não sejam mais tratadas como requerente, requerido ou, para nossa vergonha, suplicante e suplicado, mas como cidadãos que merecem igual respeito e consideração, seja qual for a posição que ocupem nos polos das relações jurídicas. Que às partes se reconheça igual dignidade, independentemente do status ou posição financeira e social que ocupem. Que a igualdade seja a virtude soberana e que essa igualdade transborde do discurso para as práticas judiciais.
4. Que, quando uma lei for aprovada pelo Parlamento e esta não for inconstitucional (e não se enquadrar nas seis hipóteses de que falo no Verdade e Consenso), o Judiciário simplesmente... a aplique. Sim: um faz a lei, o outro... a aplica.
5. Que seja proibido o uso de princípios flambadores no Direito, como o da “confiança no juiz da causa”, da “rotatividade”, do “fato consumado”, da “amorosidade” e similares. Querido Santa Claus: não dá mais para aguentar isso.
6. Que, por favor, não mais se use a frase “na colisão de regras, age-se no tudo ou nada” e colisão de princípios “usa-se a ponderação” e que não mais se escreva ou diga que “princípios são valores”.
7. Que seja proibido dizer que Kelsen era um positivista exegético ou legalista (Papai Noel, não traga presentes para quem disser isso).
8. Que os “ponderadores” não usem mais o exemplo do caso Lüth (e ainda dizendo Lut), sem saber do que se trata.
9. Que os professores parem de querer fazer espetáculo nas salas de aula, cantando, gritando e fazendo charadinhas para decorar “fórmulas” jurídicas; violão e músicas da Xuxa, nem pensar, Papai Noel.
10. Querido Santa Claus: Que os professores que se apresentam na TV falando de prescrição e decadência, função social da propriedade (bem novo isso, não?), erro de tipo, direito do consumidor ou do direito dos portos (ou algo assim) usando exemplos infames e colando de seus tablets sejam submetidos às provas dos concursos públicos para os quais eles mesmos dizem estar “dando dicas”; se não passarem, devem prometer não mais ir à TV.
11. Que os advogados de todo o Brasil não mais sejam humilhados nas audiências, principalmente na justiça do trabalho e que quando o advogado tiver uma pergunta indeferida e pedir para consignar na ata, que o juiz não diga que o advogado o está desrespeitando (Papai Noel, seja duro nisso, tá?).
12. Que os servidores de balcão do Judiciário não tratem a “repartição” como se fosse sua ou se estivessem fazendo favor ao jovem causídico; às vezes, é a sua primeira causa (Papai Noel, zele pelos jovens causídicos; não deixe que os serventuários, porteiros ou juízes os maltratem).
13. Que os desembargadores e ministros, durante a sustentação oral das partes, não fiquem olhando os seus tablets; prestem atenção no esfalfelamento do causídico (ou finjam que estão prestando atenção).
14. Papai Noel – eis um pedido sarcástico: Que os Tribunais de todo o Brasil façam licitações (qualitativas) para comprar obras jurídicas (aquelas que ficam sobre as bancadas e são filmadas). A Lei das Licitações veda “simplificações”, “facilitações”, “resumões” e outros textinhos fofinhos.
15. Queridíssimo Santa (veja a minha intimidade com Santa Claus): Que os embargos declaratórios não sejam “despachados” com decisões padronizadas do tipo “nada há a esclarecer” e que o causídico não necessite fazer uma preliminar ao STJ, em sede de RESP, invocando a negativa de vigência do dispositivo que dá direito ao uso dos embargos declaratórios.
16. E que, quando os tais embargos forem feitos sobre outros embargos (aqueles que tiveram a decisão dizendo “nada há a...”) não sejam “vítimas” de pesadas multas.
17. Grande Santa Claus: incentive a que os doutrinadores façam críticas aos Tribunais quando estes, por exemplo, editam súmulas contra-legem; e, já que estamos falando no assunto, a doutrina poderia voltar a doutrinar e parar de ficar se arrastando para a jurisprudência? Dê de presente um pacote de “lego”, para montagem do significado da palavra dou-tri-na!
18. Que não mais se fundamentem prisões com chavões como “flagrante prende por si só” ou “a gravidade do crime prende por si” (sei, Papai Noel, que a violência está grande, mas o STF de há muito já se pronunciou sobre isso...).
19. Lieber Weihnachtsmann (Papai Noel em alemão), atenda esta prece: Que o juiz ou tribunal não decida conforme sua consciência, e, sim, a partir do direito. Aproveito para deixar aqui nesta preclara meia – pendurada nesta humilde árvore - o conceito de direito, caso o senhor necessite usar para atender este meu pedido: Direito é um conceito interpretativo e é aquilo que é emanado pelas instituições jurídicas, sendo que as questões e ele relativas encontram, necessariamente, respostas nas leis, nos princípios constitucionais, nos regulamentos e nos precedentes que tenham DNA constitucional, e não na vontade individual do aplicador (mesmo que seja o STF).
20. Que o Supremo Tribunal e os demais órgãos do Judiciário (e também o Ministério Público, Santa Claus) não mais usem, em 2014, argumentos metajurídicos. Isso, caro Pai Natal (assim se diz em Portugal), pode ser problemático, porque cada juiz tem os seus argumentos metajurídicos (portanto, morais e moralizantes), que, por acaso, podem não ser os das partes ou da maioria da sociedade ou, ainda, daquele que faz as leis, o legislador.
21. Que o governo de terrae brasilis, Papai Noel, faça indicações para o STF e depois não fique falando contra as (indicações) que “ele-mesmo-fez”, como se estas — as indicações — fossem fruto da cegonha, do coelhinho da páscoa ou até suas, Grande Santa Claus, que nem sei se entende desse riscado.
22. Que em 2014 sejamos poupados do uso de ponderações pelo Brasil afora. Papai Noel: como presente, quero que pergunte às renas ou a quem mais saiba e me responda (a mim e ao restante dos patuleus que colocam suas meias nas árvores natalinas): um importante jurista (bem importante), dia desses, usou o seguinte exemplo para explicar o que é a tal da ponderação. Eis o que ele disse, Santa Claus (está gravado): “um velho Opala desce uma ladeira e o motorista vê um velório passando lá na parte debaixo e se percebe sem freio... então o motorista pensa ‘vou mirar no caixão’”. Isso é ponderar, escolher o menos pior... E digo eu, então: Caro Santa, onde estaria, aí, a regra adstrita de Direito Fundamental? Onde estão os passos da formula? Afinal, quem pondera é quem decide ou quem dirige o automóvel? O motorista é um “ponderador”?
23. Que no próximo ano, querido Santa, a comunidade jurídica não tenha que ler, em livro de Direito Constitucional, que o controle concentrado (sic) poderá ocorrer pela via incidental (sic) nos casos do artigo 102, I, alínea “d”, o qual estabelece a competência originária do STF para julgar HC, MS e HD de determinadas pessoas. É sempre bom lembrar, generoso Papai Noel, que o controle concentrado possui condições estruturais específicas, tais quais o processo objetivo e a “abstração” do pedido, objeto da ação. Não se trata, simplesmente, de ser concentrado porque “concentrado” em um único tribunal...
24. Que todos tribunais tenham uma plataforma de i-process que seja comunicável; se passamos pelo estado moderno — que era um poder unitário — não podemos agora regredir ao medievo, com pequenos reinos, ducados, principados, cada Estado ou Tribunal com suas regras próprias... Ah: se minha defesa tiver mais que 30 mb, seja-me permitido explicar meu direito, que, por vezes, não cabe em um leito de procusto, querido Santa.
25. Que os administradores não se safem de seus malfeitos sob o argumento (do século XIX) de que “ato foi imoral...mas foi legal”. Dear Santa, quem está ensinando Direito Administrativo para o corpo jurídico que protege a Viúva?
26. Que o governo pare de incentivar que o povo compre automóveis em 60 meses. Isso vai dar subprime. Cuidado com suas renas, Papai Noel. Como não mais haverá lugar para andar de automóvel, serão requisitados seus trenós e suas renas. Algo como: Ministro usa as renas da FAB para visitar sua família... no Natal (compreende a ironia, Lieber Weihnachtsmann?)
27. Pai Natal, agora um pedido relacionado à academia jurídica: que não mais sejam feitas dissertações e teses — mormente se for com dinheiro da combalida Viúva (se for em Universidade privada e sem bolsa, por mim o nativo pode estudar o que quiser) — sobre embargos, agravos, tipo penal, poder do árbitro, a origem do cheque, Constituição como ordem de valores, afetividade no Brasil, ponderação, etc. Invistamos esse dinheiro em soro e leitos hospitalares. Ah: e que não sejam concedidas bolsas para fazer tese sobre temas como “o papel dos trabalhadores rurais brasileiros”... a serem estudados em algum país europeu ou latino-americano; ou uniões homoafetivas ou ECA em Burgos, Espanha (nem existe ECA na Espanha); ou violência contra a mulher no Brasil em... Sevilha. Peço isso, Pai Natal, porque se os temas são estritamente daqui, qual é a razão para desprezarmos mais de 30 programas de doutorado em direito de terrae brasilis? Sei que é chique estudar lá fora. Muito. Mas tese sobre Lei Maria da Penha... na Inglaterra? Também quero! Ajude-nos a nos livrar da síndrome de caramuru, papalis noelis brasiliensis. E do complexo de vira-lata.
28. Que Dworkin (que não é Dworking, por favor), em aulas, palestras e livros não seja mais epitetado de jusnaturalista. Respeitemos a sua alma. Ajuda nisso, Santa? Ah: e dê zero para quem misturar Alexy com Habermas.
29. Que não mais necessitamos nos deparar com a invocação do “princípio” da verdade real. Na verdade, Papai Noel, se quem invoca isso soubesse um pouco de filosofia, dar-se-ia (boa mesóclise, não? — quero presente em dobro... afinal, Ich bin Klein...) conta de que está na pré-modernidade.
30. Que as companhias de telefonia móvel parem de nos enganar e que retransfiram os seus call centers do Judiciário de volta para as suas próprias sedes...
31. Que as companhias aéreas respeitem os direitos humanos-fundamentais dos utentes e parem com a picaretagem (pilantragem, vigarice, proxenetismo) de encolher os espaços entre as poltronas; não dá nem para ler um livro. Querido Santa: o senhor pode dar umas varadas de marmelo nos caras da Anac?
32. Que os concursos públicos e os exames de ordem não mais sejam quiz shows. Questões como as da “ladra Jane” serão punidas com palmadas... (desculpe, Papai Noel, mas sou politicamente incorreto). E que os néscios que manipulam essas questões (ou o modelo de questões) sejam colocados em uma roda e sejam submetidos aos concursandos, que lhes fariam perguntas do mesmo estilo que eles fazem ou defendem. E, claro, se for necessário, vara de marmelo neles, Santa.
33. Que não receba presente quem faça afirmações como “o Direito é aquilo que os tribunais dizem que é” ou “o texto é apenas a ponta do iceberg”, ou, ainda, “além do texto existem os valores que são ‘condição de possibilidade do texto’”.
34. Que nas audiências criminais o juiz não assuma a posição de inquisidor nos interrogatórios, nem conduza os depoimentos orais, a despeito da previsão do artigo 212 do CPP, nem inicie a redação da sentença condenatória antes mesmo do fim das alegações finais orais da defesa (embora que, muitas vezes, ela nem perceba isso). Podes ajudar nisso, bom velhinho?
35. Que o Judiciário não fundamente suas decisões com base em ementas de precedentes, sem a averiguação da pertinência entre a ementa e o caso concreto que lhe deu origem (a facticidade ou o senhor fato), bem como não haja mais julgamento por adesão a uma das teses, sem abordagem da antítese, para julgar mais rápido (referencial bias). Ah, queria pedir também que o legislador aprove o novo CPC com as emendas que tentam fazer com que as decisões tenham coerência e integridade, para que cada um pare de decidir como quer.
36. Que os tribunais não implantem ou, se já o fizeram, ponham fim aos chamados “Gabinetes Criminais de Crise”, instituídos por meio de uma Portaria, um vício de inconstitucionalidade de origem, sem falar, claro do ferimento do princípio do Juiz Natural.
37. Que os juristas, principalmente os jovens ainda sem curriculum, quando escreverem seus artigos, antes se inteirem bem sobre o que estão falando (por exemplo, o que quer dizer cada conceito), para evitar algaravias conceituais. E interceda para que os neófitos, mormente eles, façam críticas honestas e não escamoteiem fatos e circunstâncias (com gracinhas “tipo” Kant-Descartes, Aristóteles-Leibniz, com o uso de hifens a la 171 do Código Penal, como se se tratasse da mesma coisa...). E, na crítica, não ataquem o autor, mas as ideias. Com isso, Papai Noel, o senhor estará ajudando a academia de terrae brasilis.
Numa palavraPois é, Papai Noel. O senhor me deve um monte. Quantas vezes tive que repetir o Ich bin Klein... e o senhor... nada. Comigo o senhor está como o Eike Batista: devendo os tubos. Pois é chegada a hora de se recuperar. Atenda aos pedidos acima. Afinal, eu acredito em Papai Noel... (se me entende a ironia, querido Santa!).
Parafraseando a oração que fazia quando menino na esperança de ganhar presentes, diria, hoje, que sou um jurista que continua estudando todos os dias, que meu coração ainda é puro depois de 26 anos de MP, e que nele não deve morar ninguém, a não ser o amor, a esperança... e, é claro, a indignação contra o autoritarismo, enfim, os solipsistas![1] Feliz Natal a todos!

[1] Mesmo que alguns neófitos não entendam o sentido da palavra “solipsismo”. Mas, enfim, o que fazer?
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 12 de dezembro de 2013

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