quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O ACESSO E FUNCIONAMENTO DA JUSTIÇA SERÁ TEMA DO PRÊMIO INNOVARE





Innovare estimula acesso e funcionamento da Justiça

Por Arnaldo Malheiros Filho



Sempre repito que a maior alegria que tenho por integrar a Comissão Julgadora do Prêmio Innovare é tomar, a cada ano, uma substanciosa lição de Brasil.

É impressionante a disseminação da iniciativa por todos os cantos do país, em boa parte graças ao valioso apoio das Organizações Globo. Profissionais do Direito de todas as partes inscrevem suas práticas (sim, o Innovare não contempla idéias ou projetos, mas somente práticas que sua auditoria verifique estarem em curso) e apresentam esforços para a solução de problemas que, muitas vezes, eu sequer sabia que existiam.

Há práticas sofisticadas, mas tenho especial encanto pelas simples, aquelas que com poucos recursos e muita vontade podem melhorar a Justiça.

A primeira prática a me impressionar particularmente era de um promotor de Goiânia, que a batizou de “Paili — Programa de Assistência Integral ao Louco Infrator”, destinado ao acompanhamento constante dos internados no manicômio judiciário local, não só na questão de execução da medida de segurança, mas também em aspectos civis, como interdição, registro de filhos e que tais.

No lançamento da edição relativa ao ano seguinte, um documentário da Globo mostrava um cidadão pobre dizendo que, não fora o Paili, ele ainda estaria mofando no hospício. A emoção marejou-me os olhos.

A Defensoria Pública tem se destacado em práticas de alto alcance. A do Pará foi premiada com um programa destinado à erradicação do escalpelamento. Nunca tinha ouvido falar do assunto. Nessa aula aprendi que na Amazônia o transporte barato que serve às populações ribeirinhas é feito por barcos precários, que não raro fazem água na caixa central onde fica o motor. O barqueiro, então, oferece gratuidade aos passageiros que ajudarem a remover a água com canecas e mulheres de cabelo comprido às vezes o têm enrolado no eixo do motor, sendo-lhes arrancado o couro cabeludo e, nos casos mais graves, até os olhos.

De tantos pedidos para assistência no recebimento do seguro obrigatório, os defensores públicos resolveram se empenhar para resolver o problema, em vez de buscar indenização. Foram ao Executivo e conseguiram uma regulamentação mais rigorosa do transporte fluvial, reduzindo o número desses acidentes.

Também da Defensoria do Pará veio uma prática ligada a assunto para mim desconhecido: Os soldados da borracha. Aprendi que, ao entrar na Segunda Guerra Mundial, o Brasil comprometeu-se a, no esforço de guerra, aumentar a produção de borracha. Seringais não faltavam, o que faltava eram braços. Camponeses nordestinos foram transferidos para a Amazônia e, ao final do conflito, ali abandonados na miséria. Mais de 40 anos após o fim da guerra é que foi instituída uma pensão para essas vítimas, mas poucas souberam disso ou a reivindicaram.

A Defensoria, então, passou a procurar descendentes deles para postular os atrasados a que seu ancestral tinha direito.

O CNJ foi premiado por seus mutirões carcerários. Bem, que nossos presídios mais se parecem chiqueiros, todos sabemos. Mas não sabíamos que a situação era tão grave. Desde presos amontoados em containers até os de pena cumprida “esquecidos” no sistema ou sem poder exercer seu legítimo direito à progressão de regime.

Propus à Comissão — e tive a alegria de ver a idéia aprovada — o gesto simbólico de concessão de menção honrosa à advocacia voluntária anônima. Ou seja, homenagear esses soldados desconhecidos que, na sombra e sem tocar trombeta (como, diz a Bíblia, fazem os hipócritas), doam seu tempo para assistir aos pobres, minimizando, na medida de suas forças, esse grave problema.

Mas a melhor atuação do CNJ no Innovare foi com a prática “começar de novo”, de assistência a egressos. É muito fácil abrir as portas da cadeia e despejar uma pessoa na rua. Mas, para onde ela vai? Sem qualificação para o trabalho, maculada, ela certamente vai voltar para o crime e para a cadeia, fazendo disparar a taxa de reincidência. Na ocasião em que apresentada, a prática já conseguira mais de mil vagas em cursos de capacitação profissional e mais de 700 colocações. Para as proporções do sistema carcerário brasileiro é pouco, mas é o começo.

O IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) obteve menção honrosa em razão de seus convênios com a Defensoria Pública paulista. Um deles era destinado ao patrocínio de pedidos de liberdade provisória para presos em flagrante sem advogado constituído. Através do outro, a Defensoria encaminha dez casos de júri por mês e o Instituto providencia profissionais para a defesa gratuita. Com isso se exerce a advocacia voluntária, sem qualquer possibilidade de captação de clientela, pois os assistidos são somente aqueles encaminhados pela Defensoria.

Na última edição, o prêmio da categoria advocacia foi para profissionais que se dedicam a “práticas colaborativas no Direito de Família”, ou seja, profissionais que, desde a contratação, declaram-se impedidos para o patrocínio de demandas judiciais. Sua tarefa é a construção de acordos, a fim de que separações se façam sempre de maneira consensual, desjudicializando esses conflitos.

Agora gostaria de falar de práticas menos elaboradas, mas de grande significado. Como exemplo poderia citar a juíza que passou a confiar a cegos — quase todos ex-bilheteiros de loteria — o trabalho de degravação de áudios de audiências judiciais, conseguindo dar-lhes uma ocupação digna, em tudo compatível com sua deficiência.

Poderia também falar do juiz que instalou um “totem” no pátio do presídio, para que os detentos tivessem acesso direto a informações processuais.

Outra prática simples premiada foi o “botão de pânico”, instrumento de alarme e localização destinado a garantir a efetividade de ordens judiciais de restrição em casos de violência doméstica. Se a pessoa impedida se aproximar, basta a vítima acionar o equipamento e uma equipe policial se deslocará ao local para evitar que a determinação seja violada.

Assim o Innovare vai dando sua aula de Brasil a quem o acompanha e estimulando a melhoria do acesso e do funcionamento da Justiça.




Arnaldo Malheiros Filho é advogado criminalista.

Revista Consultor Jurídico, 11 de dezembro de 2013

A PEC DO PELUSO PERDEU SUA ESSÊNCIA

 


Desvirtuada, PEC do Peluso vai a plenário do Senado

Por Felipe Luchete



Da ideia original presente na chamada PEC do Peluso só sobrou o nome. A Proposta de Emenda à Constituição 15/2011 será encaminhada para o plenário do Senado sem nada do que é defendido por quem deu origem a ela, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Cezar Peluso. Se a intenção inicial era definir o trânsito em julgado após decisões de segunda instância para evitar o longo caminho criado por recursos protelatórios, o texto atual diz apenas que órgãos colegiados e tribunais do júri poderão expedir mandados de prisão assim que decisões condenatórias em ações penais forem proferidas.

A nova redação surpreendeu o próprio ministro aposentado, que ficou sabendo da mudança pela ConJur e a considerou inconstitucional. O texto atual, aprovado no dia 4 de dezembro pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, foi elaborado pelo senador Aloysio Nunes (PSDB-SP).

Também conhecida como PEC dos Recursos, a proposta teve origem no Senado após declarações do então ministro sobre a demora de decisões judiciais serem cumpridas. Assim surgiu a PEC 15/2011, apresentada pelo senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES). Ele modificava os artigos 102 e 105 da Constituição, que extinguia os recursos especiais e extraordinários e, no lugar, criava ações rescisórias especiais e extraordinárias. A mudança na nomenclatura tinha como objetivo encerrar o processo em decisões de segunda instância. Quaisquer tentativas de mudar as determinações no STJ e no STF, por exemplo, virariam uma nova ação.

Aloysio Nunes apresentou então um primeiro substitutivo, que Peluso considerou “perfeito”: as nomenclaturas continuavam as mesmas, mas os recursos não teriam mais poder de arrastar o trânsito em julgado. A definição passaria a ser definitiva a partir da segunda instância: prisões, pagamentos de indenizações ou quitação de dívidas trabalhistas seriam cumpridas imediatamente, ainda que recursos pudessem mudar a decisão no futuro.

O texto atual do senador, porém, mudou toda a proposta. Saíram todas essas questões, e a emenda passou a valer só para a área penal. Em vez de modificar os artigos 102 e 105, a proposta passou a alterar o artigo 96 da Constituição. “Eu não estava preocupado em prender ninguém, queria resolver um problema geral”, disse Peluso. Caso a PEC seja aprovada no Congresso e sancionada no futuro, é possível que o Supremo derrube a emenda por violar a garantia da presunção da inocência, diz o ministro aposentado, que hoje atua como advogado.

"Morreu na praia"
Para o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage, a proposta, do jeito que foi modificada, não terá o efeito esperado. “Toda a discussão sobre mudanças na Justiça ficou reduzida naquele artigo, que autoriza o mandado de prisão. A ideia morreu na praia“, disse o ministro durante debate promovido nesta terça-feira (10/12) em São Paulo pela organização Transparência Brasil. No evento, a advogada Flávia Rahal Bresser Pereira, do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), disse que o processo não pode transitar em julgado após decisão do tribunal do júri, que é esfera de primeira instância.

Clique aqui para ler a proposta original do senador Ricardo Ferraço.
Clique aqui para ler o substitutivo, junto com o relatório, do senador Aloysio Nunes.
PEC 15/2011


Felipe Luchete é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 10 de dezembro de 2013

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

A DIMENSÃO HISTÓRICA DO DIREITO NO PENSAMENTO DE SAVIGNY

 


A dimensão histórica do Direito no pensamento de Savigny

Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy



Friedrich Carl von Savigny nasceu em Frankfurt, na Alemanha, e tinha dez anos quando os parisienses presenciaram a tomada da Bastilha[1]. Savigny combateu o legado jurídico da Revolução Francesa: não compreendia o conteúdo anacronicamente metafísico das premissas de igualdade, bem como não admitia o construído nada empírico do contrato social. Savigny era um clássico, e não um romântico. Negava Rousseau.

Protestante, apaixonado por arquitetura e pela literatura greco-romana, Savigny estudou Direito, História e Filosofia em Marburgo e em Göttingen. Foi professor catedrático na Universidade de Berlim, da qual também foi reitor, dando continuidade a tradição que remonta a Humboldt, no início do século XIX.

Francisco Sosa Wagner, catedrático na Universidade de León, nos narra que Savigny era extremamente vaidoso; em seu livro sobre a história da germanística jurídica Sosa Wagner lembra-nos uma anedota, na qual se dizia que Savigny não passava perto de um riacho sem olhar para a própria imagem refletida nas águas...

Ainda que tenha iniciado sua carreira de professor lecionando Direito Penal — escrevera uma tese sobre o concurso nos crimes chamados formais — Savigny ensinou Direito Romano, História do Direito e Metodologia Jurídica. Substancialmente, defendia que o Estado não cria o Direito. Este último é experiência espontânea de um povo. Por isso, o Direito é fato histórico, inerente a um grupo humano. Nesse sentido, continua Sosa Wagner, Direito e idiomas são expressões de uma mesma realidade cultural.

E porque o Direito é qualificado pela existência cultural de uma nação, não se poderia falar em um Direito novo. O Direito não nasce, persiste. O Direito é função perene e recorrente que surge e que se esgota em si mesma. Falaciosa, assim, a busca de regras abstratas para fatos concretos; seriam estes últimos que ditam aquelas primeiras.

Savigny era um inimigo da codificação. Repudiou o movimento que visava a sistematização do Direito Civil alemão, polemizando com Anton Thibaut. Para Savigny a codificação do Direito conduziria ao congelamento de uma latente e realizada experiência cultural e normativa.

Identificado como o maior nome da chamada escola histórica do direito, Savigny afirmava que nenhuma etapa histórica vive por si mesma; todo momento histórico é, necessariamente, a continuidade do passado.

Essa premissa orientou estudo de Savigny sobre o Direito romano na Idade Média. As regras de Justiniano foram absorvidas e incorporadas na experiência jurídica ocidental. Por isso, conclui-se com Savigny, o direito romano é um arranjo institucional vivo, ainda que aparentemente alterado. O monumento jurídico romano estaria para o direito contemporâneo como a língua do Lácio estaria para os falares neolatinos, a exemplo do português.

Savigny faleceu em 1861, nove anos antes da unificação da Alemanha, conduzida por Bismarck, para quem a unidade germânica seria construída na base do ferro e do sangue.

[1] Os dados biográficos de Savigny foram colhidos na obra de Francisco Sosa Wagner, “Maestros Alemanes del Derecho Público”, Madrid e Barcelona: Marcial Pons, 2005, pp. 135 e ss. Francisco Sosa Wagner é catedrático de Direito Administrativo da Universidade de León. Esse livro magistral, talvez a mais densa e importante obra de germanística jurídica já escrita, foi me apresentado pelo Professor Doutor João Rezende Almeida Oliveira, doutor em Direito Administrativo pela Universidade Complutense de Madrid, que advoga e leciona em Brasília. O presente texto é um resumo de excerto da obra de Sosa Wagner, ainda não traduzida para o português, e que é levado a público como uma homenagem ao Professor João Rezende.



Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pós-doutor em Teoria Literária pela Universidade de Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 24 de novembro de 2013

BARBOSA PEDE AJUDA PARA APERFEIÇOAR PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO

 


Joaquim Barbosa pede ajuda do TJ-SP para aperfeiçoar PJe

Por Gabriel Mandel



Um discurso de dez minutos — para uma sala lotada — seguido por quase meia hora de cumprimentos, pedidos de foto e de autógrafo. Assim pode ser resumida a “primeira visita oficial ao Tribunal de Justiça de São Paulo” do ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça. Recepcionado pelo presidente eleito do tribunal — e corregedor-geral da Justiça — José Renato Nalini, Barbosa falou rapidamente sobre a importância do Processo Judicial Eletrônico para o Judiciário.

Após rápido discurso de abertura feito por Nalini, Joaquim Barbosa assumiu o microfone e afirmou que buscava, com sua passagem pelo TJ-SP, estreitar os laços entre o CNJ e a corte paulista. De acordo com ele, o tribunal deve ser “protagonista nas iniciativas e ações do CNJ”, por conta de seu tamanho e importância para o Judiciário nacional. Barbosa aproveitou e classificou os desafios do TJ-SP como “imensos e proporcionais à amplitude de suas responsabilidades”, o que inclui atuar com qualidade e em tempo razoável.

No que for possível, o CNJ ajudará a Justiça paulista a atuar de acordo com suas necessidades, garantiu o ministro, que citou estatísticas para justificar a importância de São Paulo — o TJ-SP, sozinho, responde por cerca de 37% dos casos pendentes no Brasil, afirmou. Colocando o Processo Judicial Eletrônico como chave para a prestação jurisdicional de qualidade e respeitando a razoável duração do processo, Joaquim pediu o “uso inteligente e racional da tecnologia da informação”. A prova dos avanços é a mudança que viveu desde sua entrada no STF, continuou ele. Há “cinco ou seis anos, já fazendo uso integral da tecnologia”, disse Barbosa, ele já vivenciou situações que seriam de dois mundos diferentes.

O ministro lembrou que, durante o VII Encontro do Poder Judiciário, promovido em novembro em Belém (PA), pediu aos presidentes e corregedores de tribunais para que canalizassem esforços para o desenvolvimento e aperfeiçoamento do PJe. Ele reforçou o convite ao futuro presidente do TJ-SP, José Renato Nalini, afirmando que magistrados deste tribunal têm participado do grupo de trabalho da implantação do PJe e muitos contribuíram para os bons resultados até aqui. Mas renovo o convite para intensificar e otimizar a colaboração entre o CNJ e o maior tribunal do país nesta busca para aprimorar e expandir o sistema judicial eletrônico”. Joaquim Barbosa citou como fundamental para um Judiciário nacional a convergência entre os sistemas de PJe “que engatinham aqui e ali, com níveis diferentes de avanço”, permitindo a comunicação e o uso de linguagem comum pelos tribunais.

Cerca de dez minutos após iniciar seu discurso, o ministro concluiu a participação no evento, sendo aplaudido por uma sala do Órgão Especial lotada por magistrados, desembargadores e servidores — alguns acompanharam a fala das galerias superiores da sala. Ao retomar a palavra, Nalini sentenciou: “convite feito, convite aceito” — apontando que o Tribunal de Justiça de São Paulo participará dos estudos necessários para o aperfeiçoamento do Processo Judicial Eletrônico. O atual corregedor disse que o tribunal está adiantado em relação a este aspecto, por conta da atuação de seus assessores, e classificou como “traumático” o modelo híbrido adotado atualmente, com processos físicos e digitais.

Celebridade
Encerrado o evento, uma grande fila rapidamente foi formada no meio da sala. Enquanto os principais nomes do TJ-SP cumprimentavam Joaquim Barbosa, quem acompanhou o evento — e mesmo alguns servidores que não estavam no 5º andar durante o discurso — formaram fila em busca de uma foto ou um simples aperto de mão do presidente do STF. Paciente, ele atendeu a todos, deixando fora da fila apenas os jornalistas que aguardavam uma eventual entrevista coletiva. O ministro passou mais de 25 minutos atendendo os fãs.

Percebendo que a imprensa não desistiria de obter uma entrevista, ele aproximou-se dos repórteres para dizer que nada falaria, e manteve o semblante sisudo quando ouviu a primeira pergunta, relacionada à Ação Penal 470, o processo do mensalão. Após ser questionado se falaria sobre o PJe, o ministro cedeu, e disse esperar que “em menos de dez anos”, todo o país esteja informatizado e integrado, já que cada tribunal adota um sistema com linguagem diversa dos demais. No entanto, a pergunta seguinte novamente teve o mensalão como tema. Isso foi suficiente para Joaquim Barbosa encerrar a rápida entrevista coletiva, deixando a sala do Órgão Especial por um espaço ao qual a imprensa não tem acesso.


Gabriel Mandel é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 9 de dezembro de 2013

DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DE PESSOA JURÍDICA PROTEGE DIREITO DE CÔNJUGE


Desconsideração inversa de PJ protege direito de cônjuge



A desconsideração inversa da personalidade jurídica poderá ocorrer sempre que alguém se aproveita de uma “máscara societária” para burlar direitos do cônjuge ou companheiro. O argumento foi usado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao negar recurso de um empresário do Rio Grande do Sul que havia reclamado de ter a empresa responsabilizada em um caso envolvendo a ex-companheira.

A medida ocorre quando o juiz desconsidera a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizá-la por obrigação do sócio. No caso julgado, o Tribunal de Justiça gaúcho reconheceu a possibilidade de desconsideração em um processo de dissolução de união estável ajuizado em 2009.

O empresário recorreu da decisão, alegando que o Código Civil permitiria somente responsabilizar o patrimônio pessoal do sócio por obrigações da sociedade, e não o contrário. Contudo, a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial no STJ, disse que a desconsideração inversa tem largo campo de aplicação no Direito de Família, em que a intenção de fraudar a meação leva à indevida utilização da pessoa jurídica.

A ministra afirmou que há situações em que o cônjuge ou companheiro esvazia o patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, de modo a afastar o outro da partilha. Assim, segundo a relatora, a medida existe para “afastar momentaneamente o manto fictício que separa os patrimônios do sócio e da sociedade para, levantando o véu da pessoa jurídica, buscar o patrimônio que, na verdade, pertence ao cônjuge (ou companheiro) lesado”.

Se o TJ-RS concluiu que houve ocorrência de confusão patrimonial e abuso de direito por parte do sócio majoritário, não cabe ao STJ fazer o reexame de fatos e provas, disse a ministra, porque a possibilidade é vedada pela Súmula 7 da corte. O voto da relatora foi seguido de forma unânime. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Clique aqui para ler o acórdão.
REsp 1.236.916

Fonte: Conjur

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

A VERDADE DAS MENTIRAS E AS MENTIRAS DA VERDADE (REAL)

 


A verdade das mentiras e as mentiras da verdade (real)

Por Lenio Luiz Streck



O filósofo Gerd Bornheim dizia, há muitos anos, tratando do pensamento filosófico em bases existenciais, que "nenhum questionamento pode ser digno de ser chamado filosófico se não se faz acompanhar de uma reflexão sobre as próprias condições de responder adequadamente ao que está sendo questionado. Mas isto supõe uma indagação prévia acerca da essência mesma do ato de interrogar ou questionar. 'Ninguém pode indagar o que sabe nem o que não sabe, porque não pesquisaria o que não sabe, pois já o sabe, nem investigaria o que não sabe, porque não saberia sequer o que deve ser investigado' (Platão, Menón, XV, 81-82), dizia Platão. Portanto, continua Bornheim, toda pergunta implica necessariamente a possibilidade da resposta (ao contrario ela não teria sentido) e a possibilidade de acesso à coisa mesma a fim de interrogá-la em seu aparecer originário. Acesso constituído pelo ser do ente compreendido como fenômeno. Assim, a acessibilidade do ente em questão abre previamente o âmbito onde ele é encontrável a fim de ser, precisamente, interrogado. A filosofia é, pois, nutrida pelo desejo de saber acerca do que torna possível a abertura desse âmbito sempre já aberto, antes de toda busca e procura, que dirige e pré-orienta o olhar que investiga e conhece. Boa lição para o que se escreve sobre a verdade no Direito...

Então, sigo. Vimos a parte I de “O Cego de Paris”, depois a parte II, “o retorno”, e, agora, a “parte final, a missão”. Sim, porque a aventura dos juristas em busca da verdade (real) é como caçar a arca perdida. Já vimos isso em Nucci; agora sigo com outros autores.

Antes de tudo, quero grifar os caminhos filosóficos que devem ser trilhados e conhecidos para chegar ao local da arca (e descobrir, talvez, que ela nem exista, pelo menos como os antigos e modernos pensavam). O sujeito da modernidade é descoberta de Descartes. Aquilo que se mostrava nos sofistas ou no nominalismo ainda não é “o sujeito”. Ainda na modernidade, Kant mostra a impossibilidade da apreensão da coisa em si. O que precisamos para compreender algo não vem da coisa (em si), mas da autonomia do sujeito, liberto do “mito do dado”, por assim dizer.

Talvez um dos grandes problemas tenha sido a incorporação desmesurada do antirracionalismo nietzschiano, raiz do pragmati(ci)smo que assola principalmente o Direito. Isto quer dizer que o jurista, longe de estar disposto ao real, dispõe ele para si, como que a repetir a sofista frase de Protágoras de que o homem é a medida de todas as coisas. No pragmati(ci)smo, a decisão particular passa a ser a medida de tudo... Daí o voluntarismo (vontade de poder) que tomou conta das correntes “críticas” do Direito. O que se diz sobre “a verdade” é fruto de tudo isso: da metafísica clássica, da filosofia moderna e das teses e teorias que buscaram ultrapassar aquilo que superou o objetivismo (realismo) pré-moderno. É nesse caldo de cultura que nos movemos.

Por isso, diz-se por aí, impunemente, por exemplo, que o processo criminal norteia-se pela busca da verdade real, que retira o juiz da posição de espectador inerte da produção da prova (sic) para conferir-lhe o ônus de determinar diligências ex officio, como inquisidor, sempre que necessário para esclarecer ponto relevante do processo (há vários livros, na verdade, muitos livros de processo penal que repetem isso). E há decisões de Tribunais, do STJ e do STF, afastando dispositivo do CPP com base... no “princípio da verdade real”. Incrível (no sentido de não crível).

Mas difícil mesmo é saber o que os autores e tribunais querem dizer com “a busca da verdade” ou até mesmo com enunciados como “não há verdades” ou “a verdade é relativa”... E a discussão sempre corre o risco de se tornar tautológica, bastando, para tanto, consultar a plêiade de manuais jurídicos à disposição nas livrarias de terrae brasilis.

No entremeio dessas posições sincréticas, uma pesquisa em autores mais ligados à teoria processual — e mais sofisticados — deveria, a toda evidência, trazer luz ao problema. Neste ponto, nada melhor do que nos focarmos na autoridade de Ada Pellegrini Grinover. O que ela diz? “O princípio da verdade real, que foi o mito de um processo penal voltado para a liberdade absoluta do juiz e para a utilização dos poderes ilimitados na busca da prova, significa hoje simplesmente a tendência a uma certeza próxima da verdade judicial: uma verdade subtraída à exclusiva influência das partes pelos poderes instrutórios do juiz e uma verdade ética, processual e constitucionalmente válida (...) e ainda agora exclusivamente para o processo penal tradicional, indica uma verdade a ser pesquisada mesmo quando os fatos forem incontroversos, com a finalidade de o juiz aplicar a norma de direito material aos fatos realmente ocorridos, para poder pacificar com justiça.”[1]

Já de pronto é possível perceber que a assertiva da acatada professora não consegue afastar a mixagem paradigmática que assola o processo, no mínimo desde a década de 40 do século XX. Com efeito, se, como diz Grinover, a verdade real foi (?) o mito de um processo penal voltado para a liberdade absoluta do juiz e para a utilização dos poderes ilimitados na busca da prova, então se está a tratar de uma “verdade” ligada a um juiz solipsista (subjetivista). De se notar que, ao contrário disso, a ideia de “verdade real” remete para um conceito de verdade em correspondência com a realidade, com a “coisa objeto do conhecimento”. Ilustrativa, nesse sentido, seria a imagem de um juiz que não passava (na verdade, ainda hoje é assim) de um juiz que era um produto mixado por dois modelos filosóficos (melhor dizendo, vulgatas de dois modelos): ao mesmo tempo em que “cava” a prova ao seu talante (sendo, assim, um subjetivista), utiliza-se, ideologicamente, do “mito do dado” para dar “pureza” ao “produto escavado”. Este me parece ser o busílis da questão.

Complexo, não? Entretanto, se, na sequência, a festejada processualista diz que ainda hoje, para o processo penal tradicional, o “princípio” (sic) da verdade real “indica uma verdade a ser pesquisada mesmo quando os fatos forem incontroversos, com a finalidade de o juiz aplicar a norma de direito material aos fatos realmente ocorridos”, então, neste caso, o famoso “princípio” é também um mecanismo de busca de “verdades ontológicas” (traduzidas pelo enunciado “fatos realmente ocorridos”, utilizada por Grinover). Ou seja, também Grinover não consegue se livrar dessa mixagem teórica. E da incerteza acerca do sentido do que seja “verdade real”.

Deixo, assim, assentada a minha perplexidade: se a verdade real é o contraponto da verdade formal, isso quer dizer que a primeira não tem limites procedimentais (formais). Óbvio isso, pois não? Ela, a verdade real, “vai além”... Por ela, o juiz “mergulha” diretamente em direção à “essência das coisas” (esse talvez seja o juiz do qual fala a professora Ada — e com o qual, obviamente, ela não concorda —, quando se refere a “um processo penal voltado para a liberdade absoluta do juiz e para a utilização dos poderes ilimitados na busca da prova”). Só que isso é inconciliável no plano dos paradigmas filosóficos que conformaram o mundo desde a aurora da civilização. Vejamos: não estou dizendo que a professora assume uma postura equivocada em termos do que seja a verdade. O que estou criticando é a descrição dos modelos feitos por ela, que não esclarecem o problema, mas, ao contrário, favorecem o sincretismo de modelos teóricos.

Sendo mais didático: esse sincretismo de paradigmas inconciliáveis acaba sendo communis opinium doctorum na doutrina, o que demonstra que o processo penal traiu a filosofia. E as raízes são antigas. Profundas. Afinal, essa problemática também aparece em trabalhos acadêmicos e de mais fôlego, como é o caso de Marco Antonio de Barros,[2] quando, ao mesmo tempo em que afirma ser a verdade “a adequação ou conformidade entre o intelecto e a realidade”[3] (que é, digo eu, a tese do objetivismo pré-moderno), sustenta que esta é fruto da inteligência humana, porque “moldada pelo juízo racional e não pela prova ou evidência que pode ser verídica ou falsa”. Diz, ainda, que, no plano da avaliação das provas, a “convicção do juiz é livre, submete-se à sua própria consciência; porém, a sua decisão deve ser fundamentada nas provas colhidas no curso do processo”.

Observe-se que a ressalva que Barros faz no sentido de que a decisão, embora “de livre convicção”, deva “ser fundamentada nas provas colhidas no curso do processo”, seria relevante, não fosse exatamente a (sua) contradição entre “a livre convicção” (espécie de solipsismo judicial) e a “fundamentação nas provas processuais”.[4] Quer dizer: segundo o autor, o juiz tem liberdade total para escolher para, depois, buscar a fundamentação daquilo que já decidiu?

Volto. E o faço para chamar a atenção para outra relevante circunstância, qual seja, a de que o conceito de Barros retrata, claramente, a junção (espécie de indevida fusão — unsachgemäße Verschmelzung) do paradigma metafísico-clássico (adaequatio intelectus et rei) e o da filosofia da consciência (adaequatio rei et intelectus), com a ressalva que faço com relação ao que seja “filosofia da consciência” na nota de rodapé número 4 (sugiro que o leitor pare aqui e leia a referida nota). Interessante anotar que, ao fim e ao cabo — e Barros é enfático nisso —, sempre prevalecerá a “livre convicção” ou “a vinculação à consciência do julgador” (daí, talvez, a ode ao “livre convencimento”...!). Mas, pergunto: Como assim, professor? Quer dizer que, no final, sempre prevalece a livre convicção... Mas, para que então serve a doutrina, a lei, o direito? Para que servem os professores? No fundo, é uma mixagem parecida com a que é feita por Nucci. Aliás, isso tudo explica os escopos processuais e o protagonismo judicial defendido pelo instrumentalismo processual. Trata-se do “fator Oskar Bülow”, que expliquei alhures, em outra coluna.

Mas continuemos: o triunfo do voluntarismo/relativismo fica claro na seguinte assertiva de Barros: “Cada uma tem a sua verdade, segundo a sua forma mentis, sob o influxo dos seus próprios interesses e das suas paixões. E é só pela experiência e controle crítico dos seus constantes pontos de vista ‘que se pode chegar àquela verdade do juiz’, que é depois aquela que vale para o ordenamento jurídico (op.cit., p.19). Veja-se, de novo, que Barros e Nucci andam muito próximos em suas análises. O que os une é, pois, esse relativismo e a aposta em atitudes pragmati(ci)stas. Na verdade, uma boa dose de niilismo, pois não?

A se acreditar nessa afirmação de Barros — autor, aliás, e faço a ressalva com justiça, que ocupa importante lugar na doutrina processual penal — estaríamos no reino do subjetivismo-voluntarismo (ou, quiçá, do ceticismo). Estaríamos também — e isso reforça a mixagem teórica — no suprassumo do relativismo. Partindo das palavras do autor, posso afirmar que, se-cada-um-tem-“a-sua-verdade”, se cada juiz obedece a “seus próprios interesses e as suas paixões”, ao fim e ao cabo tudo dependerá daquilo que esse “senhor dos sentidos” disser (quase um nominalista, pois não? — lembremos o personagem Humpty Dumpty, de Alice Através do Espelho, de Lewis Caroll). Ou um misto de solipsismo e ceticismo. O problema é que, como já alertava Heidegger, lá no início de Sein und Zeit, o cético sempre chega tarde.

O relativismo démodé da e na dogmática jurídica

O fator talvez mais inusitado que se projeta a partir de todo esse quadro é que, em nenhum aspecto, os argumentos da dogmática processual se aproximam das discussões contemporâneas sobre o conceito de verdade. Continuamos a discutir as questões a partir do modo como eram levadas a cabo no final do século XIX e início do século XX. Esse relativismo démodé, bem como essa profissão de fé em um caráter unitário da verdade, não atinge o ponto de estofo da questão que, no contexto atual, se situa no campo da linguagem. Como afirma Lorenz Puntel, um dos grandes filósofos contemporâneos, verdade quer dizer a revelação da coisa mesma (Sache selbst) que se articula na dimensão de uma pretensão de validade justificável discursivamente.[5] Isto só para iniciar a discussão, é claro.

Para ser mais incisivo: a história da Filosofia e, do seu modo peculiar, a dogmática jurídica sempre trabalharam a verdade como a relação entre um juízo ideal construído pelo sujeito sobre algo real, posto no mundo. Assim, ao centralizar na subjetividade (que é também um subsistente, como os objetos sobre os quais se fazem juízos, como bem expõe Heidegger nos volumes sobre Nietzsche), acaba-se limitando as possibilidades da verdade. Partindo desse paradigma, estamos sempre limitados a falar a verdade (fazer juízo é um exemplo) sobre representações ou conteúdos da consciência, ignorando a realidade na qual sempre estivemos inseridos.

Percebe-se, desse modo, a complexidade do problema e daquilo que se ensina cotidianamente nas salas de aula e se reproduz nos fóruns e tribunais. Vejamos: Não é implicância de minha parte. Isso não é assim por que eu quero que seja assim ou assado. Trata-se de uma questão paradigmática (portanto, minhas críticas aos autores, Nucci, Barros e Grinover, são pontuais e acadêmicas, em nada deslustrando a trajetória destes como juristas e sua contribuição na doutrina e nas práticas tribunalícias cotidianas).

O mundo é como é porque existem e existiram paradigmas filosóficos. Queiramos ou não. Achemos Kant ou Heidegger uns chatos ou herméticos. Digamos até bobagens como “para que serve essa coisa complicada que é a Filosofia...”. Ou coisas como “até a aula anterior, vocês estudaram o sexo dos anjos; agora vem o ‘degas’[6] aqui que vai ensinar Direito para vocês”, como faz, por exemplo, o protótipo do professor que se orgulha em desdenhar a Filosofia... A propósito, veja-se o problema que a ausência da Filosofia na discussão acerca do que é positivismo acarreta. Autores importantes discutem “casos fáceis” e “casos difíceis” como se não existissem paradigmas filosóficos. Como se, por exemplo, acreditar no positivismo exclusivo (ou excludente) não tivesse relação com a tese de que só há normas gerais... e como se isso não tivesse relação com o paradigma metafísico-clássico.

Claro que nem tudo está perdido. É evidente que há vários autores no campo processual penal que superam essa mixagem (refiro, nesse sentido, do campo processual penal, Miranda Coutinho, Lopes Jr., R. Casara, G. Prado, Flaviane Barros, Grandinetti, Pacelli, Giacomolli (cada um sob perspectivas diferentes das que eu trabalho); do campo processual civil, Nery Jr, G. Abboud, A. Hommerding e D. Nunes; no campo da teoria do processo, A. Bahia, J.L. Saldanha, Cattoni e F. Motta; no campo da teoria do direito, Tomaz de Oliveira, Marrafon, Morais da Rosa, Severo Rocha, M. Ramires, F.V. Luis, A. K. Trindade, W. Carneiro, C. Tassinari, para citar apenas estes). Portanto, a crítica aqui posta se refere a determinados setores do processo penal (que, em boa medida, pode ser estendido ao processo civil e aos demais ramos, como, por exemplo, o direito civil, paraíso dos voluntarismos e do pamprincipiologismo). Despiciendo repetir que minha crítica, que está também em outros textos, é absolutamente respeitosa.

Volto, assim, à estorinha do cego de Paris. É primavera e eu não posso vê-la? Aqui, no que tange à discussão da verdade (“real”?), nem de outro modo se pode contar isso. Não há como dizer de outro modo algo que é absolutamente ficcional. Não há como dar coloridos semânticos às lendas jurídicas que se forja(ra)m durante tantos anos.

Numa palavra: o que quis dizer nesta série de três colunas é que o Direito é um fenômeno complexo. Não faço objeções à produção de livros mais simplificados ou que procurem apenas descrever, de forma resumida, as principais concepções sobre determinados temas, por exemplo, a questão da verdade no processo... desde que isto “conste na embalagem”, por assim dizer. Trata-se, pois, de uma necessária advertência ao consumidor... Tudo deveria estar já na capa do livro, como na bula dos remédios ou nas carteiras de cigarro. E, a persistirem os sintomas... bem, o resto da frase deixo com os milhares de leitores destas mal traçadas linhas.

Sei que pode parecer antipático ficar fazendo críticas constantes ao que se diz por aí sobre o direito e, especialmente, a “verdade”. Mas acho que vale a pena arriscar. Acho que foi Hegel quem disse que a dor e o risco são a condição de possibilidade do filosofar!

A propósito de fazer críticas, li esta semana uma frase de Barbara Heliodora, crítica teatral, com 90 anos de idade, referida por Mauricio Stycer, da Folha: “As pessoas acham que o crítico tem prazer em escrever uma crítica dizendo que a coisa é ruim. Não. É uma tristeza”.

PS 1: estou estudando a possibilidade de um “Cego de Paris IV”. Nele, traria uma análise dos autores que, sob pretexto de criticarem os conceitos de verdade, produzem uma algaravia conceitual tão grave quanto o objeto criticado. Entretanto, não é tarefa fácil. Também não sei se é relevante. Em um universo em que domina a cultura standard...

PS 2: Soube outro dia da genial iniciativa sarcástica da criação da Igreja da Verdade Real no Facebook. Vou virar dizimista ou quiçá pleitear a minha ordenação sacerdotal.

*Coluna alterada às 16h10 do dia 28/11/2013 para acréscimo de informações.
[1] Cf. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório. Rio de Janeiro, Revista Forense, vol. 347, jul-set 1999, pp. 7 e segs.
[2] (A busca da verdade no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 286.)
[3] Observem que não é implicância minha, mas vejamos o que dizia Mirabete, no seu Processo Penal (Atlas, 1991): A verdade real surge quando “a ideia que (o juiz) forma em sua mente se ajusta perfeitamente com a realidade dos fatos.” O que é isto, senão a verdade no sentido da ontologia clássica? Como misturá-la com a verdade da metafísica moderna?
[4] Aqui faço, outra vez, um corte epistemológico para explicar que o que se tem visto no plano das práticas jurídicas nem de longe chega a poder ser caracterizada como “filosofia da consciência”; trata-se de uma vulgata disso. Em meus textos, tenho falado que o solipsismo judicial, o protagonismo e a prática de discricionariedades se enquadram paradigmaticamente no “paradigma epistemológico da filosofia da consciência”. Advirto, porém, que é evidente que o modus decidendi não guarda estrita relação com o “sujeito da modernidade” ou até mesmo com o “solipsismo kantiano”. Esses são muito mais complexos. Aponto essas “aproximações” para, exatamente, poder fazer uma anamnese dos discursos, até porque não há discurso que esteja “em paradigma nenhum”, por mais sincrético que seja.
[5] Cf. Wahrheitstheorien in der neueren Philosophie. Eine kritisch-systematische Darstellung. Wissenschaftliche Buchgesellschaft, Darmstadt 1978; Auflage 1993; Grundlagen einer Theorie der Wahrheit. W. de Gruyter, Berlin/New York 1990.
[6] Segundo o dicionário Priberam, “Degas” (quem vem do pintor Dégas) quer dizer a maneira de alguém se referir à própria pessoa: “o degas não vai a festa (eu não vou)”; Sujeito “importante”; contador de vantagens.


Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.

Revista Consultor Jurídico, 28 de novembro de 2013

TERCEIRA TURMA DO STJ DECIDE QUE BEM DE FAMILIA DADO EM GARANTIA É PENHORÁVEL



É penhorável bem de família dado como garantia de dívida de empresa familiar
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a penhorabilidade de imóvel dado em garantia hipotecária de dívida de empresa da qual os únicos sócios são marido e mulher, que nele residem. Os ministros consideraram que, nessa hipótese, o proveito à família é presumido, cabendo a aplicação da exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família prevista no artigo 3º, inciso V, da Lei 8.009/90.

“O proveito à família é presumido quando, em razão da atividade exercida por empresa familiar, o imóvel onde reside o casal (únicos sócios daquela) é onerado com garantia real hipotecária para o bem do negócio empresarial”, declarou a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso julgado pelo colegiado.

Na origem, o casal alegou a impenhorabilidade do imóvel que deu como garantia a Bridgestone Firestone do Brasil, relacionada a uma dívida da empresa A.C. Comércio de Pneus. Afirmou que o bem, o único de sua propriedade, é o imóvel onde moram. O juízo de primeiro grau julgou o pedido do casal improcedente.

Empresa familiar

O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) reformou a sentença. Em seu entendimento, mesmo que se trate de empresa familiar, o bem de família dado em garantia hipotecária não pode ser penhorado, “não sendo regular a presunção de que a dívida tenha beneficiado a família”.

Inconformada com a nova decisão, a Bridgestone recorreu ao STJ. Defendeu que o imóvel foi dado em garantia pelo casal, de livre e espontânea vontade, para garantir dívida contraída por sua própria empresa.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial, afirmou que a jurisprudência do STJ está consolidada no sentido de que “a impenhorabilidade do bem de família só não será oponível nos casos em que o empréstimo contratado foi revertido em proveito da entidade familiar” (AREsp 48.975).

Com base em precedentes das Turmas de direito privado, ela sustentou que a aplicação do inciso V do artigo 3º da Lei 8.009 (que autoriza a penhora do imóvel dado em garantia hipotecária) deve ser norteada pela “aferição acerca da existência de benefício à entidade familiar em razão da oneração do bem, ainda que a lei não disponha exatamente nesse sentido”.

Benefício para a família

Segundo Andrighi, se a hipoteca não traz benefício para toda a família, mas somente favorece um de seus integrantes, em garantia de dívida de terceiro, prevalece a regra da impenhorabilidade. Contudo, no caso específico, a ministra verificou que a oneração do bem em favor da empresa familiar beneficiou diretamente a família.

Ela ressaltou que a exceção à impenhorabilidade, que favorece o credor, está amparada por norma expressa, “de tal modo que impor a este o ônus de provar a ausência de benefício à família contraria a própria organicidade hermenêutica, inferindo-se flagrante também a excessiva dificuldade de produção probatória”.

Em decisão unânime, os ministros deram provimento ao recurso da Bridgestone, pois consideraram que eventual prova da não ocorrência do benefício direto à família é ônus de quem ofereceu a garantia hipotecária.
Fonte: STJ

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...