segunda-feira, 23 de setembro de 2013

É cabível ação rescisória contra sentença que não aplica jurisprudência pacificada do STJ



A sentença rebelde, que desconsidera jurisprudência sumulada do Superior Tribunal de Justiça (STJ), pode ser desconstituída por ação rescisória. Para a Quarta Turma do STJ, a recalcitrância judiciária não pode ser referendada em detrimento da segurança jurídica, da isonomia e da efetividade da jurisdição.

“A solução oposta, a pretexto de não eternizar litígios, perpetuaria injustiças”, advertiu o ministro Luis Felipe Salomão. “Definitivamente, não constitui propósito da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal (STF) a chancela da rebeldia judiciária”, ponderou.

Conforme o relator, no caso concreto, o magistrado evitou aplicar a jurisprudência estabilizada do STJ de modo deliberado, recalcitrante e vaidoso, atentando contra valores fundamentais do Estado Democrático de Direito.

Jurisdição previsível

O relator citou ampla doutrina para esclarecer que a segurança jurídica deve se traduzir em leis determináveis e efeitos jurídicos previsíveis e calculáveis pelos cidadãos. Dessa forma, o conteúdo da segurança jurídica não está limitado ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada, mas alcança a própria atividade jurisdicional.

“De fato, a dispersão jurisprudencial deve ser preocupação de todos e, exatamente por isso, tenho afirmado que, se a divergência de índole doutrinária é saudável e constitui importante combustível ao aprimoramento da ciência jurídica, o dissídio jurisprudencial é absolutamente indesejável”, afirmou Salomão.

“É inegável que a dispersão jurisprudencial acarreta – quando não o perecimento do próprio direito material – a desnecessária dilação recursal, com perdas irreversíveis de toda ordem ao jurisdicionado e ao aparelho judiciário”, completou.

Entendimento superado

No caso analisado, o juiz aplicou, em sentença de 2005, entendimentos tomados pelo STJ entre 1997 e 2000. Em 2004, o STJ já havia editado súmula a respeito da matéria. O ministro destacou que, contados desde a sentença rebelde, já se passaram oito anos. A ação ainda retornará ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) para que este siga julgando a rescisória.

Antes, o TJRS havia entendido que a rescisória era improcedente, à luz da Súmula 343 do STF. Pelo verbete, editado em 1963, a rescisória apresentada sob alegação de violação a literal dispositivo de lei é inviável quando o texto tiver interpretação controvertida.

Coisa julgada

Salomão apontou, porém, que o propósito da referida súmula do STF é exatamente o de acomodar a jurisprudência, evitando a relativização da coisa julgada diante de eventuais mudanças pontuais na composição da corte.

Mas, para o relator, a coisa julgada é apenas uma das manifestações da segurança jurídica, e não necessariamente a mais importante. Ele ressaltou a necessidade de privilegiar, igualmente, as demais manifestações, para que “a segurança jurídica não se transforme em mero ingrediente vulgar de peculiar versatilidade”.

O ministro anotou ainda que a “violação literal” de lei que autoriza a rescisória não é sinônimo apenas de ofensa aberrante à letra da lei. Ela alcança o direito em tese, a não aplicação de norma patente, mesmo que não conste literalmente em texto algum – concluiu o relator, referindo-se à doutrina de Barbosa Moreira.



A notícia acima refere-se
aos seguintes processos:

REsp 1163267

Fonte: STJ

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

DIREITO DO CONSUMIDOR - GABARITO OFICIAL - UNILAVRAS 2013/2






GABARITO DA PROVA - DIREITO DO CONSUMIDOR - UNILAVRAS 2013/2

1.    C
2.    C
3.    A
4.    D
5.    A
6.    D
7.    C
8.    D
9.    E
10.  B
11.  E
12.  D
13.  C
14.  E
15.  A
16.  C
17.  A
18.  C
19.  C
20.  A




“Não sei... mas as coisas sempre foram assim por aqui"



Por Lenio Luiz Streck


Dois bons exemplos
Esta coluna não é “fácil” porque disputa espaço com o voto do ministro Celso de Mello. Espero que sobrem alguns leitores com paciência para lê-la.

No seminário da semana passada, meus alunos do mestrado da Unisinos trouxeram um exemplo para ilustrar, alegoricamente, o problema da crise de paradigmas, a questão do “novo e do velho” e do papel do senso comum teórico dos juristas. Os alunos falaram de Thomas Kuhn: A ciência não se desenvolve pela acumulação de descobertas e invenções individuais, mas por revoluções paradigmáticas, por processos de descontinuidade e recomeço. Assim, quanto mais pessoas eu conseguir convencer acerca dos problemas do velho e sobre as vantagens do novo, mais eu chego perto da ruptura paradigmática. Eis o papel da crítica. Mostrar as vantagens do novo e desvantagens do velho. Mas, é claro, isso não é fácil, porque os exércitos do velho são muito poderosos, especialmente por estarem quase sempre em posição dominante.

Dessa arte, parece-me interessante falarmos da crise de paradigma(s) que atravessa o Direito. As velhas concepções sobre ele obnubilam as novas concepções. O novo não consegue nascer. E nem se impor. Talvez o grande problema resida no fato de que o novo não consegue se mostrar. O velho é tão forte que vela as mínimas possibilidades de o novo aparecer através de algumas frestas de sentido. É como na alegoria do hermeneuta que chega a uma ilha e lá constata que as pessoas desprezam a cabeça e o rabo dos peixes, mesmo diante da escassez de alimentos. Intrigado, revolveu o chão linguístico em que estava assentada a tradição e reconstruiu a história institucional daquele “instituto”, descobrindo que, no início do povoamento da ilhota, os peixes eram grandes e abundantes, não cabendo nas frigideiras. Consequentemente, cortavam a cabeça e o rabo... Hoje, mesmo que os peixes sejam menores que as panelas, ainda assim continuam a cortar a cabeça e o rabo. Perguntado, um dos moradores o porquê de assim agirem: “Não sei... mas as coisas sempre foram assim por aqui!”.

O senso comum traz consigo uma falácia, a do mito do dado. Trata-se de uma falácia realista, de caráter objetivista, em que o sujeito está “assujeitado” à coisa. Não se pergunta sobre o mundo. O mundo está dado. As coisas são assim mesmo... Nem os macacos escapam desse “problema”, conforme mostraram os alunos. Com efeito.

A alegoria dos sete macacos!
Há uma experiência interessante feita com sete macacos (essa história está na internet facilmente encontrável, sendo que faço, aqui, adaptações). Um grupo de cientistas colocou sete macacos em uma jaula. No meio da jaula, uma escada, e, sobre ela, um cacho de bananas. Quando um macaco subia na escada para pegar as bananas, um jato de água fria era acionado em cima dos que estavam no chão.

Depois de certo tempo, quando um macaco ia subir a escada, os outros pegavam-no e enchiam-no de pancada. Com mais algum tempo, mais nenhum macaco subia a escada, apesar da tentação das bananas.

Então, os cientistas substituíram um dos macacos por um novo. A primeira coisa que ele fez foi subir a escada, dela sendo retirado pelos outros, que o surraram. Depois de algumas surras, o novo integrante do grupo já não mais subia a escada.

Um segundo macaco, veterano, foi substituído, e o mesmo ocorreu, tendo o primeiro substituto participado, com entusiasmo, na surra ao novato. Um terceiro foi trocado e o mesmo ocorreu. Um quarto, um quinto, um sexto e, afinal, o último dos veteranos, foram substituídos.

Os cientistas, então, ficaram com um grupo de sete macacos que, mesmo nunca tendo tomado um banho frio, continuavam batendo naquele que tentasse pegar as bananas. Se possível fosse perguntar a algum deles por que batiam em quem tentasse subir a escada, com certeza a resposta seria: "Não sei... mas as coisas sempre foram assim por aqui!"

Pois então. Que lição tiramos disso? Lembro, aqui, de uma coluna que escrevi no ano de 2012, em que relatei uma experiência. Contei que, depois de uma conferência que fiz sobre o livro O que é Isto – decido conforme minha consciência? um professor-doutor, depois de elogiar a palestra etc., disse-me: “Mas não adianta. Isso é assim mesmo. juízes decidem mesmo como querem. Nada há a fazer”. Pronto. Ali estava o protótipo de uma falácia realista. Pensei: de que adianta, então, estudar direito? Aliás, qual o papel do próprio direito, simplesmente legitimar quaisquer condutas que sejam julgadas adequadas pelo julgador? Tudo nada mais é do que simulacro de democracia oferecido para domesticar a malta? Se cada um decide como quer, temos que confiar na bondade dos bons...

Teremos que nos conformar?
As perguntas que devemos fazer — e responder — são: sobra algo? Ou tudo é mesmo, “vontade de poder”? Fatos não há, só interpretações? Nietzsche tinha razão? Não temos como controlar, nem a partir da lei e da Constituição, “os atos de vontade” dos julgadores?

Vivemos tempos de relativismo. Tudo pode ser e tudo pode não ser. Cada um atribui os sentidos que quer. Mesmo que haja indícios formais apontando para determinado sentido, conformado pela tradição, surge alguém para dizer que “como tudo é relativo”, cada um tema a sua verdade... Afinal, “obedeço apenas a minha consciência”. A questão é: e eu com a sua consciência? Por que devo eu ou a nação brasileira, depender da consciência isolada (solipsista) de um julgador? Ora, não haveria aí uma contradição insolúvel, isto é, se tudo é relativo, é exatamente por isso que não devo acreditar em uma decisão (ou escolha) feita a partir exatamente da... relatividade? Elementar, pois não? Se tudo é relativo, inclusive o emissor da mensagem acabou de dizer algo relativizável... Isso é o que se chama de uma contradição performativa.

Somemos, ao relativismo, o senso comum e, bingo. Eis aí a fórmula para assentar o niilismo. Sim, porque a admissão do relativismo pode estar assentada exatamente no senso comum. Ou seja, é pelo senso comum que se sustenta que “isso é assim mesmo”. E, assim, vamos reproduzindo a vontade do poder... e dos poderosos, do andar de cima. O espaço para a crítica é diminuto. Por isso o status quo é tão difícil de ser alterado.

O erro do jornalista-filósofo
Se busco sustentar que uma decisão judicial não pode ser uma escolha — e daí a minha crítica ao livre convencimento e teses “aliadas” — a resposta é que, queiramos ou não, não adianta fazer nada... “— Isso sempre foi assim por aqui...!” Aliás, que decisão seja (simples) escolha voluntário-ideológica é também recebida com “naturalidade” no campo filosófico. Pensam que o problema está só no direito? Ledo engano. Leio na Folha de S.Paulo coluna do filósofo Helio Schwartsman, intitulada As cabeças dos juízes. Diz ele, depois de falar nos swing justices (juízes pêndulos) de que fala a literatura norte-americana: “Em tribunais, bem como em Parlamentos e na sociedade, a distribuição de opiniões costuma ser mais ou menos equilibrada. Formam-se dois grupos...”. Incrível um jornalista e filósofo pensar que uma decisão judicial é uma opinião... Pior: como se uma decisão de tribunal tivesse o mesmo caráter de escolha política feita pelos parlamentos. Ora, uma decisão não é escolha. Há responsabilidade política do juiz (ou ministro da Suprema Corte). Há que se comunicar ao jornalista que há, no mundo, vasta literatura sobre isso. Aliás, a grande luta das teorias contemporâneas é encontrar modos de controlar as decisões, que, de modo algum, podem ser manifestações e produtos da razão prática... Schwartsman caminhou muito mal. “Naturalizou” algo que temos que combater. Ou seja, a nação não pode ser refém da opinião pessoal de um Ministro. Se ele decide conforme seu gosto, esta(re)mos lascados. Pode até ser que seja assim que acontece... Mas não deve ser assim! Não fosse isso, e os franceses não teriam fundado a Escola da Exegese. E nem os alemães fundado a Jurisprudência dos Conceitos. E nem Habermas teria escrito sua obra... E nem Dworkin... Bem, não é preciso continuar.

O erro do jurista
Preocupa-me, de todo modo, que um jurista acabe perigosamente trilhando um caminho próximo ao filósofo, confundindo decisão com escolha. Refiro-me a Oscar Vilhena, que, em artigo sobre o julgamento do Mensalão, disse: “Como todos os seres humanos, juízes têm intuições fortemente influenciadas pelas suas preferências conscientes ou inconscientes. Muitas vezes são influenciados por fatos aparentemente arbitrários, como hora do almoço. Assim, embora não seja desejável que juízes deem atenção às ruas ou às suas consciências na hora da decisão, o fato é que tudo isso é levado em consideração”.

Pois é. Como referi, preocupa-me não apenas a fala do ilustre e estimado dr. Vilhena, que, perigosa e surpreendentemente, relega a decisão jurídica a uma simples escolha produto da razão prática, como também passo a me preocupar com o almoço dos juízes (acrescento, nessa linha, o trânsito pelo qual passam os juízes, a bronca conjugal, o time de futebol que perdeu no domingo...). Segundo entendi, um almoço ruim pode mexer com a República... Pobre República, portanto. Pobre Ciência Jurídica. Na linha do texto de Vilhena, esperemos que o Min. Celso de Mello tenha feito um bom almoço no dia de ontem!

De todo modo, espero que não precisemos depender de (tantos) fatores exógenos e endógenos para uma decisão jurídica. A teoria do direito deve ter condições para colocar a disposição dos juristas uma criteriologia apta a preservar a autonomia do direito, ou seja, que uma decisão não dependa da subjetividade do intérprete. Enfim, esperamos que não venhamos a depender de ágapes e cardápios dos restaurantes dos Tribunais...

O senso comum e a LINDB
E retorno. As práticas cotidianas do direito acabam sendo uma mistura do voluntarismo e do senso comum teórico. Com isso, não surpreende que no julgamento do Mensalão tenha sido invocada a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), essa lei com nome de chocolate, para sustentar a tese de que o regimento interno não foi revogado. Ou seja, a LINDB passou a ser o parâmetro e não a Constituição (se os embargos ainda “valem”, não é por causa da LINDB, com certeza!). Inclusive sendo parâmetro de interpretação da própria Constituição! Essa mesma LINDB que ainda fala em princípios gerais e “normas legais”. Somente um forte senso comum consegue sustentar o apego ao bem comum, aos princípios gerais e dizer um monte de obviedades, como se não houvesse nada mais importante a tratar em uma lei. Arriscaria dizer que essa LINDB é fruto de uma “improbidade legiferante”.

Na mesma linha: somente o senso comum consegue justificar o atual modelo de provas de concursos públicos e da OAB. Leio que o recente concurso do TRT da Bahia não teve nenhum aprovado para o cargo de juiz. Mas, então, o que estaria acontecendo com as Faculdades de Direito da Boa Terra? E os cursinhos de preparação, presenciais e onlaine (sic), falharam? Foi tudo um falhanço? São burrinhos os candidatos? São tão inteligentes os “perguntadores”? Mas, os perguntadores também não são professores? Houston, Houston, we have a problem. Um leitor da ConJur (advogado Alan Shore) “matou a pau”, ao postar o seguinte comentário: “Como Lenio Streck está cansado de dizer, concurso público hoje não tem mais a função de selecionar o candidato mais preparado para atuar no cargo e com maior conhecimento jurídico, mas aquele concurseiro profissional, expert em resolução de provas. Não é à toa que vários professores de cursinhos dizem que vários alunos, que na faculdade eram medíocres ou péssimos alunos, logram êxito nos concursos mais concorridos. A fórmula é fácil: preparação para RESOLVER PROVAS. Terminada a faculdade, compra-se livros esquematizados, simplificados e mastigados + matrícula nos cursinhos que dão os "bizus" + resolução de questões (pra saber como a "banca pensa" + decoração de informativos = aprovação certa. Resultado = Sentença fundamentado na opinião de Paola Oliveira na revista Marie Claire. É como dizia o saudoso Calmon de Passos = Para o candidato ser aprovado no concurso público, ele tem que emburrecer!” Clique aqui para ler o comentário.

A doutrina se entregou? Ou ainda tem volta?
Tenho denunciado, há muito, que a doutrina não mais doutrina (como deveria). Se não doutrina, o que faz? Simples: presta serviço e se torna caudatária das decisões tribunalícias. Os livros utilizados nas salas de aula, nas bancadas dos Tribunais e fóruns e nos concursos repetem decisões e fazem pequenos comentários. Não discutem “o problema”, resignando-se a discutir “sobre o problema”, como uma falácia realista, repetindo o “mito do dado”. Doutrina ou “doitrina”? Dói quando ouço alguém chamar de “doutrinador” quem simplesmente repete trechos de ementas ou de lei, algumas vezes apenas invertendo a ordem das palavras da oração. Só para exemplificar: Imagine quais reflexões doutrinárias estaria efetivamente fazendo quem, ao dissertar sobre o artigo 5º, inciso LXII, dissesse que “até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, ninguém será considerado culpado”? Ou “ninguém será, até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, considerado culpado”? Ou ainda “ninguém será considerado, até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, culpado”? Gênio, não? Ou, ainda: Já disse o Tribunal X que legítima defesa não se mede milimetricamente; e que agressão atual é a que está acontecendo...

Os concursos públicos e a prova da OAB preferem perguntar sobre a posição de turmas ou Tribunais a respeito dos temas jurídicos. As posições verdadeiramente doutrinárias (e não as “doitrinárias”) perderam o espaço. E, quando indagam, é sobre o que determinado doutrinador (com aspas ou sem aspas) disse sobre... adivinhem? Uma decisão judicial, é claro. Por isso, os estudos aprofundados perderam o seu espaço. Viva o simples. E as simplificações. E os resumos. Mais os resumos resumidos.

Insisto: se o direito é aquilo que o judiciário diz que é, torna-se sem sentido o trabalho de milhares de faculdades e quase uma centena de programas de pós-graduação. Estamos fazendo apenas um simulacro. Um simulacro de enunciados e enunciações. Ficções. Nada mais do que isso. Quem tem dúvida, leia o projeto do novo CPC, que aposta na commonlização.

O voluntarismo venceu
Quando a vontade superou a razão — refiro-me aos movimentos que, dialeticamente, superaram o exegetismo do século XIX — não se poderia imaginar, por óbvio, que, mesmo em plena democracia, as leis pudessem ser desprezadas em nome da interpretação. Pior do que isso, é a atuação pendular da doutrina e da jurisprudência (ou do conjunto de decisões), isto é, quando interessa à vontade de poder (ou à consciência individual do intérprete), a lei pode “valer tudo”. Já quando não interessa, a lei (lato sensu) pode nada significar. A questão é que o utente fica numa situação inusitada, porque não sabe quando o Judiciário julgará respeitando os limites semânticos da legislação, e quando julgará a partir de argumentos outros, como, por exemplo, argumentos meta-jurídicos ou com base em valores que flutuam como “fatores ontológico-objetivistas de correção da lei”.

Isso tudo tem uma agravante. Explico. Também o pretenso exegetismo é uma forma de voluntarismo. Simples, porque, quando interessa, usa-se a “letra da lei”. Mas esse “quando interessa” já é um ato de voluntarismo, do que resulta que a interpretação foi transformada em “vontade de poder”, disfarçada em vários nomes e codinomes.

As raízes do problema?
Bem, as raízes disso podem estar em cinco recepções equivocadas, feitas pela doutrina brasileira, as quais venho me dedicando em palestras, artigos e livros. Não vou explicitá-las aqui, remetendo o leitor, por exemplo, ao recente Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica. A primeira foi a Jurisprudência dos Valores alemã, importada de forma descontextualizada; a segunda foi a teoria da argumentação jurídica (Alexy), da qual pegamos apenas uma parte, a malsinada ponderação, gerando um paradoxo: Alexy elaborou-a para racionalizar a irracionalidade da jurisprudência dos valores... Só que, em Pindorama, juntamos as “facilidades interpretativas” de ambas as teses e fizemos uma gambiarra. A terceira foi o ativismo norte-americano, que lá não é um sentimento e, sim, fruto de contingências. Apaixonamo-nos pela tese e, hoje, pagamos o pato, ao ponto de judicilializarmos de tudo, até xampu para calvos e cremes para relações sexuais. Um sintoma disso tudo é o site do Ministério da Saúde, que tem um “manual” para exercitar o ativismo, ensinando como entrar em juízo contra a Viúva... A quarta recepção foi a velha metodologia do século XIX, com alguns puxadinhos hermenêuticos do século XX. Resultado: aquilo que tinha um sentido na Escola Histórica, transformou-se em “modelo” para justificar qualquer decisão no século XXI, o que se pode ver recentemente na decisão do MS 32.326 (caso Donadon). A quinta recepção equivocada foi o neoconstitucionalismo, ao menos na forma de aceitação acrítica do “poder” discricionário para superar o velho exegetismo. Setores do neoconstitucionalismo pensa(ra)m assim: se a moral está separada do direito no positivismo clássico, então coloquemos a moral para dentro do direito... E como fazemos isso? Com o poder discricionário e o uso de princípios, que, nesse sentido, não valores... Resultado disso? Olhem pela janela. Acho que não preciso falar mais do que isso.

De peixes, frigideiras, LINDBs, macacos e outros mitos
Um problema só é um problema se eu souber que é um problema. Um mito só é mito para quem sabe o que é mito. Para quem não sabe, a questão do mito nem se coloca “como” mito. Esse “como” é o elemento hermenêutico de compreensão do fenômeno. Quem não sabe a origem do mito da frigideira (e do rabo e da cabeça do peixe), continuará fazendo o que sempre foi feito. E, como no caso dos macacos, continuará a surra daquele que quiser pegar a banana, mesmo que já não haja o castigo da água gelada. E continuaremos a fazer concursos públicos do mesmo modo. E os livros também continuarão a sua trajetória de minimização da cultura jurídica.

Sempre foi assim e sempre será... A LINDB, mesmo sob o paradigma constitucional, praticamente é uma cópia (mal feita) da velha Lei de Introdução ao Código Civil. Logo há(verá) uma nova tese, ao lado da interpretação de acordo com a Constituição: a interpretação conforme a LINDB. Quero dizer que não considero séria e digna de respeito uma lei que estabelece, no artigo 4º, “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”, em pleno constitucionalismo, como se princípios gerais fossem a mesma coisa que princípios constitucionais. Também não levo a sério a exigência de se decidir de acordo com o “bem comum”. O que é isto, o bem comum? Nada mais do que um enunciado para flambar decisões solipsistas. Outra: chama-se coisa julgada a causa da qual não caiba mais recursos... Não diga. Que genial, não? Nem o Conselheiro Acácio faria melhor. PS.: antes que algum incauto entre correndo na discussão, registro que, por óbvio, não descarto a importância de uma Lei de Introdução. Entretanto, não tem sentido uma Lei com pretensões de introdução às normas do direito... Como é que é? Introdução às “Normas”? O que é norma para os autores da Lei? E o que é Lei? Lei é igual a Direito? Como assim, cara pálida? O que é isto, a analogia? E os princípios gerais?[1] E por que a Lei de Introdução às Normas do Direito não fala na Constituição? Hein? Paro por aqui.

E sigo, para dizer que, nesse contexto, continuaremos a pensar que os princípios gerais, axiomas do século XIX, são a mesma coisa que os princípios constitucionais. E continuaremos a achar que princípios são valores. Claro. Com isso, podemos fazer um direito mais “fofo”, mais “mole”, mais “flambado”... E quando estiver em jogo uma interpretação mais complexa, deixemos de lado a Constituição e deixemos que o “bom intérprete” resolva tudo conforme “sua consciência”. Felicidades a todos!

[1] A alusão aos Princípios Gerais do Direito na LINDB e em julgamentos pelos Tribunais nada mais é do que a confissão de que não superamos aquilo que se pode chamar de “positivismo excludente”. E isso é muito grave... Mas, afinal, quem se interessa por isso?

Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.

Revista Consultor Jurídico, 19 de setembro de 2013

Expectativa sobre infringentes era insustentável



Por Marcos de Vasconcellos


Enquanto o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, decidia que os Embargos Infringentes ainda existem e, portanto, aplicam-se na Ação Penal 470, o processo do mensalão, pessoas foram para a frente do prédio do tribunal, pendurar faixas "contra a impunidade" e clamando para que o ministro “mandasse” os réus para a prisão. Questão técnica, o Supremo decidia se o recurso era cabível ou não em ações penais originárias na corte. Mas a imprensa, de modo geral, tratou como se os ministros estivessem a discutir a culpa ou as condenações.

A dificuldade de separar a questão técnica — se existem ou não os recursos chamados Embargos Infringentes em ações penais originárias do Supremo — da política não foi visível apenas entre os leigos ou na imprensa. “Ministros não julgaram o cabimento dos embargos, mas o mérito dos embargos, em uma linha nerval de sustentação”, reclama Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. O advogado elogia o posicionamento da ministra Cármen Lúcia que fez opção técnica e sustentou que não seriam cabíveis os embargos porque não haveria recurso semelhante para réus no Superior Tribunal de Justiça. Mesmo elogiando seu posicionamento técnico, ele critica a linha de raciocínio: “É como dizer que uma cidade não pode ter médicos porque uma cidade vizinha não tem profissionais da área. A Justiça deve garantir o direito de um acusado se defender”.

O voto de Celso de Mello sobre infringentes estava pronto desde a semana passada, mas colegas de corte adiaram sua vez de votar sobre os infringentes, deixando o ministro no alvo da comoção que se criou sobre o julgamento — figurando na capa de revistas semanais, como Veja e Carta Capital. Se a ideia era expô-lo à pressão para que alterasse seu voto, a manobra teve efeito contrário. O ministro abre seu voto dizendo que a espera teve “um efeito virtuoso, pois me permitiu aprofundar, ainda mais, a minha convicção em torno do litígio ora em exame e que por mim fora exposta no voto que redigira — e que já se achava pronto — para ser proferido na semana passada”.

A frustração com a aceitação dos Embargos Infringentes foi visível nesta quinta-feira (19/9), quando manifestantes levaram 37 pizzas até a porta do Supremo, “simbolizando os réus do processo”. A decepção, porém, só existe porque se criou uma expectativa sobre a questão, de que o ministro mudasse posicionamento que já sinalizava há pelo menos dois anos, por conta do clamor popular. “Querem pegar a imagem da Justiça, tirar a venda dos olhos dela e ainda colocar um aparelho auditivo para que ela ouça a voz das ruas”, reclama Kakay.

O peso diferente que se dá aos réus no caso do processo do mensalão pode ter interesses de setores políticos, mas o clamor por condenações imediatas faz parte do cotidiano da imprensa “comprometida apenas em vender jornal”, como lembra Marcelo Knopfelmacher. “Setores da mídia sabem muito bem que punição e prisão dão manchete. Absolvição não dá nem notícia”, diz o advogado e presidente do Movimento de Defesa da Advocacia (MDA).

A culpa pela decepção é da própria mídia, sentencia a criminalista Heloísa Estellita. A advogada afirma que foi a imprensa que estabeleceu que a admissão dos embargos é sinônimo de impunidade dos acusados. “Agora todos acreditam que não vai virar nada, o que não é verdade!”

“A questão teve repercussão muito maior do que qualquer outro ponto técnico como esse em julgamentos do Supremo”, aponta o advogado Pierpaolo Bottini. Ele faz uma ressalva: a expectativa que se criou, porém, não é completamente artificial, pois cinco ministros do Supremo votaram pela não aceitação dos infringentes, o que encerraria o processo. O voto de Celso de Mello, no entanto, já era esperado por todos que acompanharam o processo.

Quem hoje condena Celso de Mello por ter definido que cabem Embargos Infringentes no processo deixa de lado que ele o fez com outros cinco ministros do Supremo. Também se esquece dos votos do ministro no mérito das condenações. Ele foi duro com os condenados, seguindo uma linha muito mais próxima ao relator do caso, ministro Joaquim Barbosa, do que do revisor, ministro Ricardo Lewandowski. Nos doze casos em que há a possibilidade de Embargos Infringentes, Celso de Mello votou pela condenação, compondo o voto vencedor, no julgamento de mérito.

Marcelo Knopfelmacher, a exemplo de grandes constitucionalistas, elogia a postura do ministro e diz que a aceitação dos embargos dá a certeza de que as penas decididas pelo Supremo sejam cumpridas em sua totalidade, não abrindo espaço para recursos dos condenados em organismos internacionais. “Se o Supremo não admitisse os infringentes e não desse aos réus o direito de terem rejulgados os pontos de suas condenações em que houvesse dúvida, a condenação poderia ser, claramente, contestada em tribunais internacionais”, afirma. Agora, diz ele, a decisão que o STF tomar em relação aos 12 réus que podem entrar com infringentes será absolutamente definitiva. O que preserva o julgamento, segundo o advogado, é a certeza de que haverá duplo grau de jurisdição, garantido constitucionalmente.

As reclamações da imprensa pela aceitação dos embargos, porém, deverão terminar por aí mesmo, sem qualquer influência nas decisões futuras da Justiça, segundo o criminalista Paulo Sérgio Leite Fernandes. “Esse negócio de ‘a voz do povo é a voz de Deus’ é picaretagem grossa, porque Deus não pode ficar confuso entre atender aos reclamos de Obama, por exemplo, e aos queixumes dos sírios a disputarem a primazia dos foguetes carregados de gás mortífero, dizimando centenas de crianças.”

Na visão do advogado, o povo não tem uma vontade autêntica. “Ela é gerada em todos os cantos, na mídia, na imprensa, nas igrejas, nas sinagogas, nas mesquitas, nos templos de umbanda...”. Por isso, o voto de Celso de Mello deve ser elogiado: "tudo faz parte de um jogo soturno no qual o ministro não se entranha. Decidiu tecnicamente, adequadamente e não tem qualquer intuito menos jurídico na decisão".

Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 19 de setembro de 2013

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

CASO MENSALÃO: VOTO DO MINISTRO CELSO DE MELLO PELO CABIMENTO DE EMBARGOS INFRINGENTES



O ministro Celso de Mello votou, nesta quarta-feira (18), pelo cabimento do recurso de embargos infringentes contra acórdão (decisão colegiada) condenatório do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) em ação penal originária. Com isso, formou-se maioria de seis votos a cinco no Plenário da Suprema Corte que possibilitam a 12 réus na Ação Penal (AP) 470 recorrerem de condenações pelos crimes de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. O recurso somente é cabível naquelas decisões em que os réus tiveram pelo menos quatro votos no sentido da absolvição.

Em seu voto, o ministro Celso de Mello argumentou que o artigo 333, inciso I, do Regimento Interno do Supremo (RISTF) não foi derrogado pela Lei 8.038/90, que instituiu normas para os processos perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o STF. Isso porque essa norma não tratou do processamento de recursos na Suprema Corte, limitando-se, segundo o ministro, aos procedimentos cabíveis na fase instrutória desses processos.

Ele lembrou que o artigo 333 foi instituído sob a égide da Constituição de 1969, que outorgou à Suprema Corte competência legislativa ordinária para sua edição. Tal competência foi abolida pela Constituição Federal (CF) de 1988, passando ao âmbito de atribuições do Congresso Nacional. Mas o Poder Legislativo não modificou este dispositivo do RISTF. Portanto, segundo o decano do STF, a norma regimental não foi derrogada, embora a Constituição Federal (CF) de 1988 não previsse esse tipo de recurso no STF. Isso porque, conforme argumentou, essa omissão, também verificada na Lei 8.038/90, foi intencional e deliberada por parte do Legislativo.

O ministro destacou que, em 1998, a presidência da República, acolhendo exposição de motivos dos então ministros da Justiça e da Casa Civil, encaminhou mensagem ao Congresso Nacional, que se transformou no Projeto de Lei 4.070/98, propondo a introdução do artigo 43 na Lei 8.038, dispondo que “não cabem embargos infringentes contra decisão do Plenário do STF”. Entretanto, a proposta foi rejeitada pela Câmara, decisão esta mantida pelo Senado. Assim, a Lei 9.756, promulgada em 17 de dezembro de 1998, dispondo sobre o processamento de recursos no âmbito dos tribunais, foi sancionada sem a abolição proposta pelo então governo. Uma prova, de acordo com o ministro, de que o artigo 333 do RISTF foi deliberadamente mantido e continua em vigor.

Convenção

O ministro Celso de Mello citou, também, corrente majoritária existente no Supremo Tribunal Federal no sentido do caráter supralegal dos tratados internacionais a que o Brasil aderiu. Embora defenda pessoalmente que tais tratados, particularmente os voltados à garantia dos direitos humanos, têm força constitucional, ele disse que se submetia à maioria até agora formada na Corte, mas que esta permite uma interpretação no sentido de que, por exemplo, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), de 1969, a que o Brasil aderiu em 1992, situa-se acima da Lei 8.038.

Ele citou, no caso, o artigo 8º, inciso II, letra “h”, daquele Pacto, que assegura a toda pessoa o direito ao duplo grau de jurisdição e, se condenada, “de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior”. Do mesmo modo, segundo ele, o Brasil, ao ratificar o Pacto de San José, admitiu reconhecer a competência da Corte Interamericana dos Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação daquela Convenção.

Leia a íntegra do voto do ministro Celso de Mello.
Fonte: STF

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Cia Brazília perde prazo e não receberá R$ 17 bilhões



Por perder um prazo de duas décadas, a Cia Brazília, antiga dona do terreno onde hoje fica o Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro, deixará de receber uma indenização calculada hoje em R$ 17 bilhões da União. O terreno foi desapropriado nos anos 1940 pela União para a construção do aeroporto, mas a empresa esperou mais de 20 anos para pleitear indenização pela desapropriação. No entendimento da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, a perda do prazo imlpica na perda do direito de cobrar o pagamento da quantia devida a título de reparação pela perda do terreno. Em julgamento do dia 10 de setembro, o STJ rejeitou Embargos de Declaração interpostos pela empresa por entender que eles exigiam o reexame de provas, o que é vedado pela Sùmula 7 do tribunal.

O caso está na Justiça desde 1951, mas a empresa alegava omissões no acórdão proferido pela 2ª Turma do STJ em 2011. Naquela ocasião, seguindo voto do ministro Mauro Campbell Marques, relator, o STJ entendeu que a Cia Brazília perdeu o prazo para cobrar um direito a indenização já reconhecido, mas ainda não executado. O ministro explicou que, depois de liquidada a sentença, a empresa tinha 20 anos para executar a União, mas nunca o fez.

A terra em discussão fica na Ilha do Governador, no Rio. A expropriação do imóvel foi decretada no fim dos anos 1930, e sua posse foi repassada à Aeronáutica em 1944. A empresa ajuizou ação contra a União em 1951, e durou mais de 20 anos.

Em 1973, o Supremo Tribunal Federal decidiu que Cia Brazíila tinha razão na discussão, e a União ficou condenada a indenizar a companhia. A fase de liquidação aconteceu entre 1979 e 1999, mas a empresa nunca foi buscar a execução de sua indenização.

O trânsito em julgado aconteceu em 1990. E só em 1997 a empresa pediu vista dos autos para “diligenciar uma fórmula adequada para pôr fim à demanda”. E aí o processo ficou perdido durante quatro anos. Foi devolvido à Justiça em 2001 por um pastor evangélico que o encontrou no banco de uma igreja. E em 2001 foi proferida sentença que reconheceu o trânsito em julgado da pretensão executiva, extinguindo o processo.

O ministro Campbell Marques apontou que até hoje a Cia Brazília não iniciou a ação de execução. “Veja-se que pela simples descrição dos atos processuais praticados nos autos, em momento algum a Companhia Brazília deu início à ação executiva, mesmo após o magistrado singular ter sinalizado à parte então interessada que os autos estariam aguardando o início do processo executivo, momento em que, misteriosamente, desapareceram”, afirmou o relator. “Assim, até a data do presente julgamento, não houve promoção da ação de execução, razão por que inevitável o reconhecimento da prescrição da pretensão executiva”, completou. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Revista Consultor Jurídico, 17 de setembro de 2013

Pedidos de indenização por danos morais crescem na área trabalhista



Uma empregada apelidada de "pequena notável" pela chefe, por ter sempre resposta para tudo, não teve dúvida em processar a empresa por danos morais. Ela alegou que o apelido era pejorativo e fazia referência à sua baixa estatura.

Uma manicure, que trabalhava em um salão de beleza, guardou em sua memória a menção feita uma vez pela dona do salão de que "ela parecia um bicho" porque sua sobrancelha estaria por fazer. E também seguiu pelo mesmo caminho ao sair da empresa.

Os pedidos de danos morais são cada vez mais comuns nos processos trabalhistas, segundo advogados, professores e juízes. Mas nem sempre os juízes entendem que houve prejuízo ao trabalhador. A funcionária chamada de pequena notável não obteve indenização por não ter provado o dano que o apelido teria causado. A manicure, porém, em razão da colocação de sua chefe, ganhou R$ 2 mil de danos morais.

Para o juiz do trabalho Rogério Neiva Pinheiro, que atua na 6ª Vara do Trabalho de Brasília e julgou os dois casos, "a sociedade está sensível e o Judiciário tem chancelado isso".

Segundo o magistrado, houve um avanço dos direitos sociais e a Justiça do Trabalho passou a reconhecer os princípios fundamentais previstos na Constituição, como direito à liberdade, privacidade e preservação da integridade psíquica, em suas decisões.

Esse movimento começou com um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), em outubro de 2005, segundo Pinheiro. Na ocasião, a 2ª Turma entendeu, por maioria de votos, que as violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas também nas relações entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado.

No caso, os ministros analisavam um recurso da União Brasileira de Compositores (UBC), sociedade civil sem fins lucrativos que integra a estrutura do Ecad, sobre a exclusão de um de seus sócios. Na ocasião, os ministros consideraram que houve violação dos direitos constitucionais da ampla defesa e do contraditório ao excluir o sócio. O voto vencedor, que foi acompanhado pela maioria, foi do ministro Gilmar Mendes.

Depois dessa decisão, os direitos fundamentais previstos na Constituição passaram a servir ainda mais de subsídio para as decisões trabalhistas envolvendo, por exemplo, o monitoramento de e-mail de empregado e revista íntima. "A Justiça Trabalhista passou a adotar essa visão", diz Pinheiro.

Para o professor de direito do trabalho do Mackenzie, Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante, há realmente um número crescente de pedidos de indenização por danos morais na Justiça do Trabalho. O que se tem sido considerado, por alguns, como a banalização desse instrumento.

Nesse sentido, o professor acredita que ainda há uma jurisprudência em construção. "Os juízes têm entendido que os meros dissabores da vida não ensejam reparação por danos morais. Porém, isso é analisado caso a caso e dependerá da interpretação do juiz", afirma.

Entre as modalidades de danos morais existentes, o que mais se discute nos processos é o assédio moral - humilhações entre colegas ou entre chefes e subordinados -, segundo o professor e advogado trabalhista Túlio de Oliveira Massoni, do Amauri Mascaro Nascimento & Sônia Mascaro Advogados.

Uma fábrica de refrigerantes, em Várzea Grande (MT), por exemplo, foi recentemente condenada no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Mato Grosso a indenizar um ex-vendedor em R$ 80 mil por submetê-lo a assédio moral.

Segundo o processo, o funcionário que vendia abaixo da meta ganhava o chamado "Troféu Tartaruga". Para agravar o constrangimento, a "cerimônia" de entrega ocorria diante dos demais funcionários do departamento de vendas. O troféu ainda ficava sobre a mesa durante a semana, e o "vencedor" o levava para reuniões.

Por outro lado, também há uma preocupação na Justiça Trabalhista, principalmente no Tribunal Superior do Trabalho (TST), em indenizar por danos morais os trabalhadores vítimas de acidentes ou doenças decorrentes do trabalho, de acordo com Massoni. Nesse caso, a ideia seria assegurar um ambiente de trabalho mais seguro e punir as empresas que descumprem normas de segurança e prevenção de acidentes.

Segundo o advogado Pedro Gomes Miranda e Moreira, do Celso Cordeiro de Almeida e Silva Advogados, essas ações são as que resultam em maiores valores de indenização.

Isso porque um acidente pode desencadear na morte de um empregado e o pagamento dos danos morais sofridos pelos familiares. "O desenvolvimento de doença profissional também costuma gerar valores mais altos, pois por vezes impede o empregado de se reinserir no mercado de trabalho."

Também são comuns ações que tratam de discriminação no ambiente de trabalho, de acordo com os advogados. Uma operadora de telefonia, por exemplo, foi condenada recentemente no TRT de Minas Gerais a indenizar uma operadora de telemarketing discriminada devido a sua orientação sexual.

Segundo o processo, ela era perseguida pelos supervisores ao ser chamada ironicamente de "namoradinha" de outra funcionária e "impedida de fazer horas extras por ser lésbica". No caso, o TRT el evou de R$ 5 mil para R$ 20 mil o valor da indenização.

(*) Problemas no trabalho: Tipos mais comuns de danos morais

- Assédio moral

- Acidente de trabalho e doença profissional

- Violação da intimidade e privacidade de empregados

- Ofensa à honra e à imagem do empregado

- Discriminação

- Assédio sexual

- Problemas na fase pré contratual

(*) Fonte Advogado Túlio Massoni, do Amauri mascaro Nascimento & Sônia Mascaro Advogados

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...