terça-feira, 20 de agosto de 2013

OAB DIVULGA GABARITO PRELIMINAR DO XI EXAME DE ORDEM

OAB divulga gabarito preliminar do XI Exame de Ordem

O Conselho Federal da OAB e a Fundação Getúlio Vargas divulgou o gabarito e os cadernos de provas da primeira fase do XI Exame de Ordem Unificado. A prova foi neste domingo (18/8) e teve 80 questões de múltipla escolha. O exame teve 101.156 candidatos inscritos.
O resultado preliminar com os nomes dos aprovados para a segunda fase será divulgado no dia 28 de agosto. Para passar para a próxima fase, o candidato precisa acertar as respostas de pelo menos 40 questões. A segunda fase será no dia 6 de outubro.
Este é o segundo dos três exames que a Ordem dos Advogados do Brasil organiza ao longo do ano: o primeiro foi finalizado em junho e o terceiro terá as inscrições abertas em 4 de novembro. Podem se inscrever alunos que estão no último ano da graduação em Direito, no 9º o ou 10º semestres.
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Revista Consultor Jurídico, 19 de agosto de 2013

TJ-RJ condena Hypermarcas a indenizar Victoria's Secret

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou a Hypermarcas, dona da Monange, a pagar R$ 100 mil em indenização à Victoria’s Secret por concorrência parasitária. O julgamento foi na última quarta-feira (14/8), na 14ª Câmara Cível. A maioria dos desembargadores acompanhou o relator, Cleber Ghelfenstein.
“O precedente é inédito, pois envolve a discussão sobre concorrência parasitária na área da moda e proteção de trade dress não convencional”, disse o advogado Marcelo Mazzola, sócio do escritório Dannemann Siemsen, que representa a Victoria's Secret.
A grife americana processou a Hypermarcas por concorrência desleal, com alegação de uso de símbolos distintivos da marca. Segundo a Victoria’s Secret, o evento "Monange Dream Fashion Tour", em 2011, foi feito nos mesmos moldes do "Victoria’s Secret Fashion Show".
Entre os elementos característicos de seu evento, a gigante da moda feminina citou o uso de asas de anjos, plumas e penas, que fazem parte da estética da Victoria’s Secret há mais de dez anos, além da contratação de modelos que desfilaram para a Monange exatamente como as chamadas angels da grife multinacional.
“Os elementos distintivos que compõem o desfiles da marca de lingerie são mundialmente famosos”, disse o advogado Mazzola. Ainda cabe recurso de ambas as partes, no Superior Tribunal de Justiça.
Na primeira instância, a sentença condenatória da Hypermarcas já havia considerado, em março do ano passado, o caráter parasitário do evento da Monange. “O sinal distintivo em questão — 'asas de anjo' —, portanto, merece a proteção legal, como forma de impedir a concorrência desleal, só assim evitando-se a possibilidade de confusão passível de acarretar desvio de clientela e locupletamento com o esforço alheio”, diz a sentença.
0121544-64.2011.8.19.0001
Elton Bezerra é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 19 de agosto de 2013

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Mediação e Arbitragem terão PLs no fim de setembro



Por Elton Bezerra


As comissões de especialistas responsáveis pela revisão da Lei de Arbitragem e pela elaboração de uma Lei de Mediação farão uma apresentação conjunta das propostas no final de setembro. O cronograma foi acertado nesta sexta-feira (9/8) em encontro que deu início ao trabalho conjunto das comissões.

A notícia é boa para o mercado brasileiro. Especialistas em fusões e aquisições contaram à revista Consultor Jurídico que empresários estrangeiros têm adiado investimentos no Brasil por conta da insegurança gerada com as incertezas sobre a nova lei de arbitragem. Como os grandes contratos entre empresas e com o poder público trazem, quase que obrigatoriamente, a cláusula arbitral, os investidores têm esperado para saber como resolverão possíveis litígios.

“Produziremos dois textos de lei. Um vai trazer adequações à lei de arbitragem e outro versará sobre mediação”, afirmou o secretário da Reforma do Judiciário, Flavio Caetano. Ele está à frente da comissão responsável pela elaboração de uma lei sobre mediação. Criado por iniciativa do Ministério da Justiça, o grupo iniciou os trabalhos há cerca de um mês.

Segundo Caetano, os trabalhos baseiam-se em projetos de lei dos senadores Ricardo Ferraço (PMDB-ES) e Pedro Simon (PMDB-RS), no novo Código de Processo Civil em trâmite na Câmara, na Resolução 125 do CNJ além de legislações de outros países. Uma das mais consultadas pela comissão é a italiana.

Caetano afirmou que a lei terá três capítulos: princípios gerais da mediação, mediação judicial e mediação extrajudicial. À frente de cada uma das partes da lei está um coordenador: conselheiro José Roberto Neves, do CNJ (princípios gerais), ministra Nancy Andrighi, do STJ (mediação judicial) e ministro Marco Aurélio Buzzi (mediação extrajudicial).

A comissão conta com 16 membros especialistas na área de mediação e conciliação, como os professores Kazuo Watanabe, Teresa Wambier e Tania Almeida, o promotor Humberto Dalla, o juiz André Gomma entre outros.

Eles farão reuniões conjuntas com a comissão de juristas criada pelo Senado para elaboração de um anteprojeto de Lei de Arbitragem. A equipe é presidida pelo ministro Luis Felipe Salomão, do STJ.

Alternativas
Na avaliação de Flávio Caetano, há no país uma cultura do litígio, o que resulta em um excesso de processos. Segundo o CNJ são 90 milhões de causas em trâmite, que demoram em média dez anos para serem resolvidas. Como alternativa, o secretário da Reforma defende adoção métodos como negociação, conciliação, mediação e arbitragem.

“O Brasil hoje está bem em relação à arbitragem. Temos uma lei que funciona há 15 anos, mas não temos um marco legal sobre mediação”, afirma Caetano, que deu alguns detalhes de como funcionará o trabalho conjunto: “Como a comissão do Senado trata de arbitragem e de mediação privada, ela vai receber nosso texto e vai trazer suas criticas e sugestões”.

Apesar de trabalharem em conjunto, as comissões da Lei de Arbitragem e de Mediação farão textos próprios devido às características de cada método. “A mediação é autocompositiva, ou seja, as partes chegam a uma solução. Na arbitragem a decisão é dada por um terceiro, o árbitro. São institutos completamente distintos que devem ser tratados de maneira distinta”, explicou Flavio Caetano.

Elton Bezerra é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 9 de agosto de 2013

'Diferente da sentença, mediação restaura comunicação'



Por Alessandro Cristo


Sem o formalismo da Justiça ou o glamour da arbitragem, a mediação tem avançado como forma alternativa para solução de conflitos, ao pacificar e até restaurar relações contenciosas ou dadas como perdidas. Apropriada para casos em que são adversárias partes ligadas por laços familiares, societários ou condominiais, a mediação virou obrigação dos tribunais graças à Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça, editada em 2010. A norma determina que as cortes devem criar centros de conciliação e mediação — os Centros de Justiça e da Cidadania (Cejusc) — por onde devem passar processos com chances de acordo.

Só no estado de São Paulo já funcionam 57 Cejuscs, sendo dois na capital. Até o fim de 2013 serão instalados mais 41. Números da Justiça paulista mostram que 2.979 conciliadores e mediadores trabalharam, entre janeiro e novembro do ano passado, em 373.132 audiências pré e pós-processuais. O resultado foram 106.877 acordos fechados sem necessidade de sentença.

Compõem esse exército de mediadores pessoas de todas as formações, que trabalham gratuitamente com a responsabilidade de evitar que discussões se eternizem em processos judiciais. A experiência desses facilitadores é descrita na obra recém publicada pela editora Dash Uma outra verdade na mediação, da mediadora, psicóloga e terapeuta familiar Mirian Blanco Muniz. Com experiência de nove anos na área, seis deles no Fórum de Santana, na capital paulsita, ela narra no livro, por meio de um relato fictício em forma de romance, um caso com situações peculiares e descreve como os voluntários que conduzem esses encontros auxiliam na superação dos conflitos dos envolvidos, restabelecendo a comunicação entre eles.

“A mediação oferece uma maneira diferente de resolver conflitos, indo ao encontro da ideia de oportunidade de as pessoas acharem, por si próprias, as respostas para suas demandas, sem depender de uma sentença judicial que lhes seja imposta”, resume Mirian em entrevista concedida à ConJur. E cita frase repetida à exaustão pelo ministro aposentado Cezar Peluso enquanto era presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça: “A sentença põe fim ao litígio, mas só a mediação e a conciliação pacificam os litigantes”.

Psicóloga há 30 anos e casada com um juiz, Mirian teve suas primeiras experiências na solução de brigas judiciais no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990, quando foi nomeada por juízes de Varas de Família para fazer perícias psicológicas, principalmente em ações de regulamentação de visitas e mudanças de guarda, em casos de separação de casais. Naquela época, apesar de a mediação já ser uma prática em países como os Estados Unidos, a Argentina e alguns países da Europa, ainda era incipiente no Brasil.

Hoje, a mediação é uma das prioridades da Secretaria de Reforma do Judiciário, que articula no Congresso Nacional a discussão do tema em conjunto com projeto de lei que revisa a atual Lei de Arbitragem. Desde 1998, o Projeto de Lei 4.837, que regulamenta a matéria, de autoria da ex-deputada Zulaiê Cobra (PSD-SP), aguarda aprovação no Congresso. A proposta passou na Câmara e no Senado, mas como sofreu alterações na segunda casa, teve de ser novamente votada na Câmara, o que ainda não aconteceu.

Leia a entrevista:

ConJur — Um dos motivos que atrai a atenção do poder público para a mediação é a possibilidade de redução do número de processos judiciais e do prazo para solução dos conflitos. A expectativa tem razão de ser?
Mirian Blanco — A mediação permite isso porque propõe outra forma de resolução dos conflitos sociais, diferente do formato judicial. A expectativa é que a sociedade possa contar também com essa maneira colaborativa, em que há a participação de um mediador. Hoje, a sociedade tem o Judiciário como referência para resolver seus problemas. E na era digital em que vivemos, os conflitos têm crescido em maior velocidade. Algo inadequado que se diga pode reverberar e aparecer do outro lado do mundo em minutos, o que pode desencadear ou ampliar uma discussão. A difusão das comunicações tem um lado bom e outro ruim. Esse é o lado ruim.

ConJur — Investindo-se em mediação, pode-se diminuir em quanto a litigiosidade?
Mirian Blanco — A mediação não vem com essa promessa de diminuição imediata das causas, mas permite à sociedade contar com essa forma de resolução ao longo do tempo. A sociedade fica mais consciente, mais madura e protagonista não só da construção dos seus próprios conflitos, mas também da sua resolução. Porque, na mediação, é restabelecida a comunicação entre as partes. Elas têm condições de identificar suas necessidades, seus interesses, que muitas vezes não são contemplados no processo judicial. As partes se sentem empoderadas. Durante o processo de mediação, com a facilitação do mediador, as partes vão se apropriando do próprio potencial para resolver seus conflitos.

ConJur — As pessoas ainda estranham o procedimento?
Mirian Blanco — Como a mediação é nova, em um primeiro contato, temos o dever de explicar do que trata a mediação, qual é sua função, qual o papel do mediador, com quem elas podem contar e as regras a que estarão se submetendo. Apesar de a mediação ser considerada um processo informal, existem princípios norteadores que o mediador tem obrigação de seguir. É um processo conversacional. Os mediandos normalmente chegam muito inseguros.

ConJur — Quais são esses princípios?
Mirian Blanco — Um é a voluntariedade tanto por parte dos mediandos quanto do mediador. O mediador, a qualquer momento, pode interromper o processo se perceber que as partes não estão conseguindo evoluir. As pessoas também podem interromper a qualquer momento e voltar para o processo judicial. A confidencialidade é outro princípio importantíssimo também, bem como a imparcialidade do mediador. Outro princípio é o da autodeterminação, a possibilidade de as próprias pessoas determinarem qual será a solução do seu conflito.

ConJur — Esse desconforto em relação à mediação se deve à referência que as pessoas têm do processo judicial?
Mirian Blanco — No processo judicial há uma fragmentação, é uma pessoa contra a outra, numa relação adversária. As pessoas são nomeadas “partes”. Já na mediação, são mediandos ou mediados.

ConJur — O Código de Processo Civil já prevê essa tentativa de resolver o conflito sem processo. Por que poucos casos vão à mediação?
Mirian Blanco — O Código fala em conciliação, que é um dos momentos de um processo judicial. Muitas pessoas confundem. Existem diferenças muito importantes. A mediação é indicada para causas familiares, societárias e de vizinhança, porque são casos de relação continuada, relações que têm uma história e que podem continuar. O conflito faz com que a relação fique alterada, a comunicação é interrompida. Se essas pessoas puderem se beneficiar de uma mediação e seguir seu caminho de modo melhor, ótimo. Já a conciliação é mais indicada para conflitos pontuais, como um acidente de carro, uma batida de trânsito. Eu conheci a pessoa que bateu no meu carro naquele momento. Nós não temos uma história pregressa.

ConJur — Quem se submete à mediação abre mão de resolver seu caso na Justiça?
Mirian Blanco — Não. A mediação é uma oportunidade. Caso as pessoas não continuem na mediação, até porque é algo voluntário, podem ir à Justiça. Depois que os mediandos sabem do que se trata a mediação, podem aderir ou não. Não teria sentido se fosse obrigatório. Precisamos contar com a boa vontade dos envolvidos, a crença de que aquele método tem o potencial para ajudá-los e que eles encontrarão em si próprios os recursos para uma solução.

ConJur — O advogado participa desse processo?
Mirian Blanco — Sim. O advogado é uma figura muito importante na mediação, mas tem uma função bem específica. No fórum, nós recebemos os mediandos e seus advogados no primeiro encontro, porque é muito importante que o advogado que não conheçe o processo de mediação passe a conhecer, é importante que ele saiba o que está sendo oferecido ao seu cliente. Ele é a figura de credibilidade do seu cliente. Depois, o mediador vai se tornando também uma figura de credibilidade. Então o advogado é informado de que, a partir do próximo encontro, está dispensado, porque o nosso enfoque, a voz que queremos ouvir, é a do cliente dele. O advogado entra na mediação quando surgem dúvidas técnicas. É quando são convidados a comparecer. E eles têm trazido participações importantíssimas, porque o mediador não pode dar orientações técnicas do Direito. Ele é um facilitador da comunicação.

ConJur — Daí a importância da Psicologia, no seu caso?
Mirian Blanco — Eu posso falar de mim. Minha experiência na Psicologia e com trabalhos voltados às famílias me ajuda muito na mediação, porque o psicólogo tem uma escuta muito desenvolvida, treinada, além de ter o cuidado com as palavras.

ConJur — Que abordagem psicológica adota em seu trabalho?
Mirian Blanco — Existem várias abordagens. Eu me baseio na sistêmica. Na minha trajetória, fui me especializando em terapia de família, e a abordagem sistêmica nos traz uma visão ampla. Uma ação de um familiar pode provocar diversas reações em todos os componentes da família e essas reações alimentam, de algum modo, essa reação primeira. Um olhar sistêmico é o mais confortável para trabalhar porque a pessoa não está sozinha no mundo, ela vive em família, vive em sociedade.

ConJur — A mediação restaura relações?
Mirian Blanco — Esse é o nosso dia a dia. As pessoas entram muitas vezes sem sequer conseguir se olhar. Quando chegam, orientamos que o processo vai ter regras que elas terão de seguir. A primeira é o respeito, a cordialidade. Não são permitidas acusações ou agressões. Ali é um espaço de conversa. A prioridade é resgatar a comunicação. Não estamos acostumados, na nossa sociedade, a conversar. Ouvir, depois falar. As pessoas se atropelam. Um casal que está brigando na Justiça, na mediação é treinado a conversar. O mediador é o maestro dessa orquestra. Ele não está nem acima, nem abaixo dos mediandos. Está junto, mas com o dever de coordenar aquele processo.

ConJur — O advogado com formação processualista atrapalha ou ajuda nesse momento?
Mirian Blanco — O mediador tem que levar em consideração que há muito desconhecimento e que a formação do advogado é para brigar pelo seu cliente. À medida que demonstramos como é o sistema, eles têm atitudes muito participativas e percebem que vão poder executar seu papel, só que no momento em que for necessário, quando todos concordarem.

ConJur — O que o advogado ganha levando o processo para a mediação?
Mirian Blanco — Ele ganha a longo prazo. Hoje muitas faculdades já têm em seu currículo a matéria de meios alternativos de resolução de conflitos. Delas já saem advogados com uma formação um pouco mais ampla. O advogado pode ser litigante para aquele cliente que assim o deseja, mas também pode ser um mediador. Ou seja, ele é procurado por um cliente e convida a outra parte para ver se os dois querem percorrer o caminho da mediação. Ele estará sendo remunerado como mediador. As partes podem entrar em um acordo, que pode ser cumprido sem a homologação de um juiz. É possível também que o acordo seja levado para ser homologado. As partes entram em acordo e os advogados elaboram um termo, que é levado para o juiz homologar.

ConJur — Existem câmaras especializadas em mediação?
Mirian Blanco — Existem. Há, inclusive, câmaras de arbitragem que incluem a mediação antes da arbitragem.

ConJur — Qual tem sido o apoio do Judiciário à ideia?
Mirian Blanco — O CNJ [Conselho Nacional de Justiça] editou a Resolução 125, que diz que todos os tribunais têm que desenvolver um núcleo para estruturar os Centros Judiciários de Cidadania. Essa resolução faz constar a necessidade de computar resultados. O cidadão se dirige ao centro judiciário gratuitamente e pode passar pela mediação ou pela conciliação. Mas não é em todos os fóruns que existem setores de mediação e conciliação.

ConJur — Em qual trabalha?
Mirian Blanco — No Fórum de Santana, em São Paulo, uma vez por semana. Trabalho lá desde 2007. O setor de mediação foi instalado no Fórum de Santana em 2004. Passamos agora por uma transição importante, porque muitos dos fóruns que têm setores de mediação em suas instalações passarão a contar com algum centro judiciário à disposição. Já temos um na Barra Funda, inaugurado em 2011. Não se sabe se isso será centralizado ou se a estrutura atual será mantida.

ConJur — Quanto tempo dura uma mediação?
Mirian Blanco — No formato que usamos no Fórum de Santana, pode levar entre quatro e seis encontros, feitos a cada 15 ou 20 dias. Às vezes são necessários mais encontros, dependendo do caso. É bom que as pessoas tenham um espaço entre cada encontro para que a conquista obtida em um dia tenha tempo de ser posta em prática. O processo ainda tem a possibilidade de ficar suspenso por três meses, prorrogáveis por mais três.

ConJur — E quem controla isso?
Mirian Blanco — O juiz sabe. É ele quem encaminha o processo para o setor de mediação. As partes aderem e assinam um termo. Esse termo é enviado para o processo. Nós não temos contato com o processo, nem com o juiz. A única coisa que recebemos é um papel que diz onde corre o processo, qual seu número, sua vara, o tipo de ação, os nomes das partes e os nomes dos advogados.

ConJur — Qual é a taxa de efetividade dos acordos?
Mirian Blanco — É relativo. Já ouvi muitos juízes dizerem que mesmo quando as pessoas não chegam a um termo e voltam ao processo judicial, já estão muito sensibilizadas para um acordo. Mas pela minha experiência, há acerto em 70% ou 75% dos casos. O objetivo principal da mediação não é o acordo, mas sim a mudança na relação, o restabelecimento da comunicação dos envolvidos num conflito. Isso significa que o acordo ou falta de acordo não é em si representativo.

ConJur — Como é a mediação fora do Brasil?
Mirian Blanco — Os Estados Unidos estão muito à nossa frente, copiamos muitas coisas deles. Em alguns países, como o Canadá, as pessoas, quando vão buscar o Judiciário, primeiro têm de passar por uma mediação ou conciliação, obrigatoriamente. Isso ocorre em algumas cortes. Mesmo aqui no Brasil, quando o juiz encaminha para o setor de mediação, é obrigatório. O que não é obrigatório é as pessoas participarem, aderirem. Na Argentina, por exemplo, a mediação está mais avançada que no Brasil. Eles têm levado a mediação para as escolas, capacitando os alunos para que se voluntariem para ser mediadores. Diante de um conflito, exercem essa função. Um estudo mostra que a violência em uma determinada escola de Buenos Ayres caiu 80% depois que essa solução foi implantada, como comentado pela mediadora Helena Mandelbaum em entrevista recente. É um caminho promissor. Tem uma frase no meu livro que fiz questão de colocar: eu acredito no potencial do ser humano para se envolver nos conflitos, mas existe também dentro de cada ser humano um grande potencial para resolvê-los. É preciso responsabilidade, é necessário se sentir partícipe dessa construção. Enquanto se está apontando o dedo para culpar o outro, não se assume a sua parcela de responsabilidade. Quando quem faz o acordo é quem vai cumpri-lo, a probabilidade de sucesso é muito maior.

ConJur — Essa necessidade de um juiz para decidir uma causa tem relação com a demanda contínua das pessoas por leis e regras que resolvam problemas que dependem apenas de bom senso. Como emancipar a sociedade e fazê-la andar com as próprias pernas?
Mirian Blanco — Esse é um processo lento. A sociedade, e cada pessoa inserida nela, precisa se conscientizar da responsabilidade que tem. Esses norteadores que vêm de cima para baixo chegam por serem necessários em um determinado contexto ou em um determinado momento histórico. O que desenvolvemos na mediação pode-se levar para outros contextos na sociedade. As pessoas devem perceber que são protagonistas nos conflitos. Quando isso acontece, tem-se outro olhar. Na mediação, é a voz das partes que tem força.

ConJur — Há disputas que não podem ser resolvidas pela mediação?
Mirian Blanco — Existem aquelas que somente uma sentença pode pôr fim. Mas a sentença põe fim ao litígio e não necessariamente ao conflito. Na mediação, precisamos de pessoas com boa-fé e que acreditem que possam se inserir naquele contexto. Mas se elas não querem, só uma sentença pode encerrar a discussão.

ConJur — Qual o interesse das pessoas em ser mediadoras?
Mirian Blanco — Eu participo de cursos de capacitação de mediadores pela Escola Paulista da Magistratura. Dou algumas palestras em São Paulo, na capital e no interior, e tenho visto cada vez mais interessados. Dei uma palestra no ano passado para 160 alunos presenciais e 2 mil online. São pessoas de várias formações: Direito, Psicologia, Assistência Social... A formação original não limita. Qualquer pessoa pode ser mediadora.

ConJur — Os juízes têm participado também?
Mirian Blanco — Sim e isso é importantíssimo, porque uma das expectativas é que o juiz, além do papel de magistrado, possa ser um gerenciador do processo, no sentido de pegar um caso e ter o discernimento de enviar para a mediação se avaliar que isso possa beneficiar as partes. Esses cursos trazem muitos esclarecimentos para os magistrados.

ConJur — Como você compara a mediação de ontem e de hoje? Mirian Blanco — A mediação vem se inserindo no Brasil há 20 anos. Alguns profissionais brasileiros entraram em contato com trabalhos desenvolvidos nos Estados Unidos e começaram a se interessar. Capacitaram-se fora do país e trouxeram esses cursos para cá. Eu me capacitei mediadora em 2004, no Instituto Familiae.

ConJur — Algum caso em especial lhe marcou?
Mirian Blanco — Não poderia citar um caso real porque um dos princípios da mediação é o sigilo. Mas lembro de uma experiência que tive com um casal que, há uns quatro anos, entrou com uma ação de regulamentação de visitas e foi encaminhado para a mediação. Tinham um filho de dez anos e aderiram à mediação. Estavam caminhando conosco muito bem, o pai já estava conseguindo pegar o filho aos fins de semana, a mãe estava aceitando mais bem. Antes, ela impedia essas visitas com todas as suas forças. O pai teve de entrar com a ação. Até que em um determinado encontro de mediação, chegaram os dois com uma fisionomia que denunciava que alguma coisa havia acontecido. Sempre perguntamos antes de tudo como é que estão caminhando as coisas. Ela disse que estava muito contrariada porque no último contato que o filho teve com o pai, ele chegou com um celular de presente. A mãe, na mesma hora, diante da alegria da criança, pegou o celular, jogou no vaso sanitário e deu descarga. Perguntei por que ela teve essa atitude, como ela viu esse presente. Lidamos muito com significados em mediação, por isso a pergunta. Ela disse que, na hora, perguntou ao filho: “Quem é que mede a sua febre nas noites em que você está doente? Quem é que foi na semana passada na reunião de pais e mestres, quando a sua escola convocou? E quem que te ajudou ontem a fazer uma redação, quando você estava com dificuldade?” Nessa hora, o mediador sente também. Foi uma agressão moral à criança. Só que nós somos técnicos, temos que gerenciar nossas emoções para não entrar nesse contexto destrutivo. Então, eu perguntei a ela: “Quando você fez essas perguntas para o seu filho, o que você esperava que ele respondesse?” Ela começou a chorar, dizendo que tinha muito medo de perder o amor do filho porque o pai tinha uma condição financeira melhor do que a dela, e essa situação de permitir as visitas aumentou esse medo. O celular foi um símbolo dessa ameaça.

ConJur — Por que esse caso marcou?
Mirian Blanco — Porque a gente vê muitos mediadores com dúvidas em relação a essas situações, em que o mediador se sente afetado. Eu já escrevi um capítulo de um livro dizendo que concordo com a imparcialidade, mas neutralidade no sentido de afetações, é impossível. Esse caso me marca porque mostra como as perguntas são preciosas. Nós somos técnicos em comunicação e temos nossas ferramentas para trabalhar. Se pudermos fazer uma pergunta que os mediandos ainda não se fizeram, podem surgir respostas muito diferentes das que eles têm buscado.

ConJur — E como terminou nesse caso específico?
Mirian Blanco — Quando a mãe disse que tinha medo de que o filho escolhesse o pai, o pai falou: “Mas não é essa a minha intenção. Eu considero você uma mãe muito adequada. A única coisa que quero é poder conviver com o meu filho e ampliar cada vez mais o meu convívio com ele, porque ele precisa de uma mãe e de um pai.” Esse assunto é tratado no livro.

ConJur — A maioria dos casos de mediação é da área de família?
Mirian Blanco — Não. No próprio Fórum de Santana existe a mediação empresarial, feita por mediadores especializados nessa área. A mediação é muito eficaz nas áreas de família, empresarial, vizinhança, condomínio etc.

ConJur — O que seu livro traz de contribuição para esclarecer a mediação?
Mirian Blanco — Ele narra um caso fictício, mas é pautado em toda a minha experiência como mediadora. Descrevo uma mediação com começo, meio e fim. Descrevo a função da mediação, do mediador, a participação dos advogados e discrimino a importância da co-mediação, que são dois mediadores trabalhando juntos. Existem várias composições interessantes de mediadores. Há, por exemplo, a composição visando a diferença de gênero, um homem e uma mulher. Isso é importante dependendo do conflito a ser resolvido. Às vezes uma pessoa se sente mais à vontade se dirigindo a um homem ou a uma mulher. Outra composição é de dois mediadores, um mais experiente e outro menos experiente. Dessa forma se compartilha experiências com quem está iniciando. E há mediadores com formações diferentes e, portanto, olhares diferentes.

ConJur — O interessado em mediação pode pedir mediadores com o perfil que mais lhe agrade?
Mirian Blanco — Posso falar do fórum onde trabalho. Lá, os mediadores trabalham em dias específicos. Se a pessoa quiser saber quem está naquele dia, ela pode. Os mediadores são cadastrados, cada um tem sua pasta, que é aberta à população. Qualquer um pode procurar a pasta daquele mediador para ver sua formação. Mas a formação dos co-mediadores varia muito. Hoje eu posso estar com um, amanhã com outro.

ConJur — Se meu caso caiu com um mediador, será ele quem deverá conduzi-lo até o fim?
Mirian Blanco — Até o fim, e isso é importantíssimo, por conta do vínculo que vai se estabelecendo.

ConJur — É o seu primeiro livro?
Mirian Blanco — Que tenha escrito sozinha, sim. Antes, participei da obra coletiva Mediação no Judiciário – Teoria e Prática, editado pela Primavera Editorial, coordenado por Claudia Grosman e Helena Mandelbaum e escrito por nove autores. A obra é prefaciada pelo ministro Cezar Peluso, hoje aposentado do Supremo Tribunal Federal, com apresentação da ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça. Na minha contribuição, falo sobre a emoção do mediador no processo de construção da mediação.

ConJur — Quanto tempo levou para escrever Uma outra verdade na mediação?
Mirian Blanco — Oito meses. Eu ofereci esse livro para duas mestres da mediação. Uma é Vânia Yazbek, que fez o prefácio e é uma grande referência da mediação em São Paulo. Outra é Verônica Cezar Ferreira, advogada, psicóloga e mediadora. Elas são referências muito importantes na mediação, e me incentivaram a publicar.

Alessandro Cristo é editor da revista Consultor Jurídico

Revista Consultor Jurídico, 18 de agosto de 2013

Selic ou não Selic, eis a questão

Responsável pela estabilização da jurisprudência infraconstitucional, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) retomou a discussão de uma questão controversa que já foi debatida diversas vezes em seus órgãos fracionários: a aplicação da taxa Selic nas indenizações civis estabelecidas judicialmente.

Na prática, a controvérsia afetada à Corte Especial pela Quarta Turma diz respeito ao artigo 406 do Código Civil (CC) de 2002, que dispõe que, quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

O problema é que existem duas correntes opostas sobre qual taxa seria essa, o que vem impedindo um entendimento uniforme sobre a questão.

Em precedentes relatados pela ministra Denise Arruda (REsp 830.189) e pelo ministro Francisco Falcão (REsp 814.157), a Primeira Turma do STJ entendeu que a taxa em vigor para o cálculo dos juros moratórios previstos no artigo 406 do CC é de 1% ao mês, nos termos do que dispõe o artigo 161, parágrafo 1º, do Código Tributário Nacional (CTN), sem prejuízo da incidência da correção monetária.

Em precedentes relatados pelos ministros Teori Zavascki (REsp 710.385) e Luiz Fux (REsp 883.114), a mesma Primeira Turma decidiu que a taxa em vigor para o cálculo dos juros moratórios previstos no artigo 406 do CC é a Selic.

A opção pela taxa Selic tem prevalecido nas decisões proferidas pelo STJ, como no julgamento do REsp 865.363, quando a Quarta Turma reformou o índice de atualização de indenização por danos morais devida à sogra e aos filhos de homem morto em atropelamento, que inicialmente seria de 1% ao mês, para adotar a correção pela Selic.

Também no REsp 938.564, a Turma aplicou a Selic à indenização por danos materiais e morais devida a um homem que perdeu a esposa em acidente fatal ocorrido em hotel onde passavam lua de mel.

Caso afetado

No caso específico (REsp 1.081.149) afetado à Corte Especial e relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, uma mulher ajuizou ação declaratória de inexistência de dívida com pedido de indenização por dano moral, contra a Companhia Securitizadora de Créditos Financeiros Gomes Freitas.

Segundo os autos, a autora teve seus documentos pessoais falsificados, registrou boletim de ocorrência policial e cautelarmente incluiu nos cadastros da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) a informação "documento clonado", ao lado de seu nome. Mesmo assim, a empresa determinou a inscrição de seu nome em cadastros de inadimplentes, em razão de dívida contraída por terceiros valendo-se da documentação falsificada.

O juízo de direito da 14ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre julgou os pedidos procedentes. Reconheceu a inexistência da dívida, determinou o cancelamento da inscrição indevida e condenou a companhia ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3.800, atualizada pelo IGP-M e juros de 12% ao ano.

Em grau de apelação, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu parcial provimento ao recurso da autora para elevar a indenização a R$ 7 mil, fazendo incidir correção monetária e juros moratórios somente a partir da data daquele arbitramento.

A autora recorreu ao STJ, sustentando que os juros moratórios e a correção monetária advindos de relação extracontratual devem incidir a partir do evento danoso (Súmulas 43 e 54 do STJ) e não do arbitramento da indenização.

O julgamento do recurso foi interrompido por pedido de vista antecipada formulado pelo ministro João Otávio de Noronha. Ele entende que a questão deve ser previamente analisada pela Segunda Seção – especializada em direito privado – e não diretamente pela Corte Especial.

Oportunidade

Para o ministro Luis Felipe Salomão, o julgamento desse caso é a oportunidade para o STJ consolidar entendimentos sobre a incidência da taxa de juros moratórios em dívidas civis (artigo 406 do CC), o momento inicial para sua fluência e a exata delimitação do que seja responsabilidade contratual e extracontratual para efeitos de incidência de juros e correção monetária. Para ele, é importante adequar os verbetes sumulares e os precedentes da Corte.

A jurisprudência do marco inicial de incidência dos juros moratórios em responsabilidade extracontratual já está pacificada pela Súmula 54, que determina: "Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual."

A incidência de correção monetária na indenização por danos morais está pacificada pela Súmula 362: "A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento."

Isso significa que os juros moratórios e a correção monetária decorrentes de responsabilidade extracontratual fluem a partir de momentos diversos – os juros moratórios a partir do evento danoso, e a correção monetária, em caso de dano moral, a partir do arbitramento do valor da indenização.

No caso de responsabilidade civil contratual, a jurisprudência determina a incidência de juros a partir da citação ou do vencimento da dívida, conforme inúmeros precedentes julgados pela Corte Superior, entre eles o REsp 1.257.846, relatado pelo ministro Sidnei Beneti, e o REsp 1.078.753, relatado pelo ministro João Otávio de Noronha.

Controvérsia

A controvérsia que ainda não foi harmonizada pelo STJ não envolve o momento, mas o percentual que deve ser aplicado para efeito de correção da dívida. Em embargos relatados pelo ministro Teori Zavascki (EREsp 727.842), a Corte Especial firmou orientação no sentido de que "atualmente, a taxa dos juros moratórios a que se refere artigo 406 do CC é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic), por ser ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais".

Posteriormente, também ficou consignado que "apesar de a Selic englobar juros moratórios e correção monetária, não se verifica bis in idem, pois sua aplicação é condicionada à não-incidência de quaisquer outros índices de correção monetária".

E é justamente nesse contexto que gira a controvérsia. Para o ministro Luis Felipe Salomão, já que a taxa Selic engloba juros moratórios e correção monetária em sua formação, sua incidência em dívidas civis pressupõe a fluência simultânea de juros e correção, fato que não ocorre em indenizações civis (Súmulas 54 e 362).

Assim, defende o ministro, é necessário harmonizar a aplicação da Selic com as Súmulas 54 e 362 do STJ, que estabelecem a contagem de juros e de correção monetária em períodos distintos.

Tese

Luis Felipe Salomão reconhece que a taxa em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional é a Selic, mas entende que sua aplicação em dívidas civis não constitui “diretriz peremptória incontornável prevista no Código Civil”, sendo apenas um parâmetro a ser adotado na falta de outro específico previsto para determinada relação jurídica, como, por exemplo, o que há para dívidas condominiais (artigo 1.335, parágrafo 1º, do CC).

“Não obstante, parece claro que o artigo 406 do CC não encerra preceito de caráter cogente, tanto é assim que confere prevalência às estipulações contratuais acerca dos juros moratórios (‘quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada’) e a estipulações legais específicas, deixando expressa a subsidiariedade da incidência dessa taxa”, ressalta o ministro.

Mesmo discordando da aplicação da Selic em indenizações civis, ele consignou em seu voto ter aplicado tal entendimento em julgamento ocorrido na Segunda Seção para evitar o “pernicioso dissídio jurisprudencial interno”, mas ressalvou sua posição contrária à “aplicação indiscriminada da Selic”.

Proposta

Com base no Enunciado 20, aprovado na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal em setembro de 2002, o ministro propõe que o STJ adote a utilização de índice oficial de correção monetária ou tabela do próprio tribunal local, somado à taxa de juros de 1% ao mês (ou 12% ao ano), nos termos do artigo 161 do Código Tributário Nacional (CTN).

O referido enunciado dispõe que “a taxa de juros moratórios a que se refere o artigo 406 é a do artigo 161, parágrafo 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% ao mês”.

O mesmo enunciado, que possui caráter orientador da interpretação dos artigos, dispõe que a utilização da taxa Selic como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do artigo 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o artigo 192, parágrafo 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a 12% ao ano.

“Independentemente de questionamento acerca do acerto ou desacerto da adoção da Selic como taxa de juros a que se refere o artigo 406 do Código Civil, o fato é que sua incidência se torna impraticável em situação como a dos autos, em que os juros moratórios fluem a partir do evento danoso (Súmula 54) e a correção monetária em momento posterior (Súmula 362)”, destaca o ministro em seu voto.

Oscilação anárquica

Para o relator do recurso afetado à Corte Especial, é exatamente pelo fato de englobar em sua formação tanto remuneração quanto correção, que a Selic não reflete, com perfeição e justiça, o somatório de juros moratórios e a real depreciação da moeda – que a correção monetária visa recompor pelos índices de inflação medida em determinado período.

“A Selic não é um espelho do mercado; é taxa criada e reconhecida com forte componente político – e não exclusivamente técnico –, que interfere na inflação para o futuro, ao invés de refleti-la, com vistas na economia de um período anterior e na projeção para os próximos meses, em consonância também com as metas governamentais”, entende Salomão.

Para balizar sua proposta, o ministro incluiu em seu voto um minucioso estudo sobre a taxa de juros paga com a utilização da Selic desde 2003 e constatou que sua adoção na atualização de dívidas judiciais conduz a uma oscilação anárquica dos juros efetivamente pagos pela mora.

“Constata-se, por exemplo, o pagamento de juros a 12,31% ao ano em 2005, contra o irrisório 1,30% ao ano em 2012, períodos em que a inflação foi praticamente idêntica (5,69% e 5,84% a.a.), respectivamente”, analisou o relator.

Para ele, a adoção da Selic para efeitos de pagamento tanto de correção monetária quanto de juros moratórios pode conduzir a situações extremas: por um lado, de enriquecimento sem causa ou, por outro, de incentivo à litigância habitual, recalcitrância recursal e desmotivação para soluções alternativas de conflito, ciente o devedor de que sua mora não acarretará grandes consequências patrimoniais.

“Aliás, como as dívidas judiciais são atualizadas mensalmente, e não anualmente, há registros de meses em que a Selic ficou abaixo de índices oficiais que medem exclusivamente a inflação, o que significa juros negativos e que, em boa verdade, nesse período, foi o credor que pagou juros ao devedor, o que não se sustenta”, ressaltou o ministro em seu voto.

Para Luis Felipe Salomão, a adoção da Selic na relação de direito público alusiva a créditos tributários ou a dívidas fazendárias é inquestionável, mas não há motivos para transpor esse entendimento para relações puramente privadas, nas quais se faz necessário o cômputo justo e seguro de correção monetária e juros moratórios, “atribuição essa que, efetivamente, a Selic não desempenha bem”.

Voto

No caso afetado à Corte Especial, o ministro relator deu parcial provimento ao recurso especial para descartar a incidência da correção monetária a partir da inscrição indevida. Também consignou que a indenização por danos morais, para efeito de incidência de juros de mora, deve ser considerada sempre responsabilidade extracontratual – “até porque, no caso concreto, a ausência de contrato entre a autora e a instituição financeira foi exatamente o que justificou a propositura da ação”.

Assim, entendeu o ministro, deve ser aplicada a Súmula 54 do STJ, com os juros moratórios fluindo a partir do evento danoso.

Em relação à correção monetária, Salomão sustentou que a mesma deve incidir a partir do arbitramento da indenização em grau de apelação (Súmula 362), ao contrário do que propõe a recorrente, que busca a contagem também desde a inscrição indevida. O índice de correção será o da tabela adotada pelo tribunal de origem, desde que oficial.

O julgamento foi interrompido por pedido de vista logo após a apresentação do voto, de forma que nenhum ministro votou após o relator. Não há data para retomada da discussão.


Fonte: STJ

Pensão alimentícia pode ser exigida judicialmente por apenas um dos credores

Não há nulidade em ação de execução de alimentos quando apenas um dos credores a propõe, mesmo que a pensão para todas as partes tenha sido determinada em um único ato processual. A decisão é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar recurso em habeas corpus preventivo.

O recurso tenta comprovar a ilegalidade de ordem de prisão, pois a execução de alimentos foi ajuizada por apenas uma das partes, sem levar em consideração o litisconsórcio ativo necessário com a outra credora da pensão alimentícia. Além disso, alega que o paciente, até 2005, cumpriu integralmente sua obrigação alimentar e, desde então, paga parte do débito e já propôs ação de exoneração de alimentos.

Em processo de divórcio, o acordo celebrado na Justiça havia estabelecido que o ex-marido pagaria pensão mensal à ex-esposa e à filha (hoje maior). A execução foi movida exclusivamente pela ex-esposa, para cobrar sua parte na pensão.

Crédito individual

Para o ministro Marco Buzzi, relator do recurso, o argumento do litisconsórcio necessário – quando a lei obriga a presença na ação de todas as pessoas titulares da mesma relação jurídica, sob pena de nulidade e posterior extinção do feito sem análise do mérito – não se aplica ao caso.

Ainda que a pretensão executiva decorra do mesmo título judicial, ela consiste em satisfação de crédito próprio e individual. Por outro lado, se uma das partes opta por não recorrer ao Poder Judiciário para efetuar a cobrança, “não pode ela ser compelida a integrar o polo ativo de execução que se refere a crédito que não lhe pertence”, afirma o ministro.

Quanto às outras alegações, o relator manteve posições já consolidadas pela jurisprudência do STJ: pagamento parcial de débito alimentar não impede decretação da prisão do devedor e a simples propositura de ação de exoneração não evita a execução de alimentos.

O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.


Fonte: STJ

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Perus, pavões e urubus: a relação entre Direito e moral

Prolegômenos: meu vômito epistemológico
Li matéria no jornal O Globo (clique aqui para ler) sobre a farra dos senadores com o ervanário da “viúva” e o material sobre a corrupção envolvendo a compra dos trens em São Paulo.
Já escrevi sobre a relação entre direito e moral. Muito. Em Verdade e Consenso essa questão tem capítulo específico. Posso pecar, aqui, pela repetição. Mas a culpa é da pós-modernidade. Ninguém lê de novo o que já foi escrito tempos atrás. E o tempo não espera. Os fatos nos atropelam. E as colunas acabam sendo capas de sentido desses fatos. Se os criticamos, têm um determinado colorido. Se não os criticamos, passam batidos. No fundo, a tarefa da crítica é descobrir um elefante escondido atrás de uma formiga. É tirar o óbvio do anonimato!
De todo modo, lamentavelmente, uma coisa é certa: parece que não adianta falar das mazelas sobre o mal uso da verba pública e os malfeitos (sic) do andar de cima. Os trens de São Paulo, a Siemens, os cartéis, os usos de verba para combustível pelos senadores, a hospedagem em hotéis de luxo apenas comprovam que essa gente nunca ouviu nem entendeu o recado das ruas, fosse ele antigo ou recente. Continuam a fazer as coisas como se estivéssemos no baile da Ilha Fiscal. Com a diferença de aqui, ali, comparando com hoje, tratava-se de puro amadorismo. Pegássemos a turma do tal baile e fizéssemos uma confrontação com aquilo que se faz hoje com o ervanário da viúva e teríamos a convicção de que o pessoal do século XIX responderia, hoje, por crime de bagatela no Juizado Especial Criminal. Pagariam cesta básica. Amadores, perto dos profissionais pós-modernos.
Nasci no meio do mato, onde esse não tem fecho. De parteira. Não frequento colunas sociais. Quando vejo nossas classes dirigentes andando de aviões para cima e para baixo, governantes e empresários envolvidos em negociatas e depois serem louvados pela imprensa nas colunas sociais (e não só lá), fico pensando: em que país eu nasci? Com isso se explica quem compra os apartamentos de milhões de reais que gente das “demais classes” jamais vai pisar. Carrões que valem 400 ou 500 mil reais... Quem compra isso em um país de miseráveis? Restaurantes que cobram milhares de reais per capita em uma noite. Brasíl(ia) é o país dos empoderados. Tudo (lá) é diferente. E tudo tem fonte única: o dinheiro da Viúva. Do povo. Da rafanalha, gasto a rodo em comissões, negocistas, mais comissões. Fora a dinheirama que gastamos para tentar — sem sucesso — pegar os malfeitores... Esses apartamentos, carrões e barcos são de gente dos quais 90% não resiste a cinco minutos da análise de seu Importo de Renda (de todo modo, isso não adiantaria muito, porque, se pegos, bastaria pagar o valor, antes ou depois de condenado em processo criminal; o ruim é o sujeito cometer furto em terrae brasilis, porque quem furta está lascado!). Para essa gente toda, meu vômito epistemológico. Argh! é a minha onomatopéia para isso tudo.
Para que serve o Direito?
Pergunto: pode o Direito, hoje, ser cindido da ética (ou, melhor, da moral)? É ainda possível dizer, como se fazia “antigamente”, que uma conduta era imoral, mas legal?[1] Pois bem. Hoje ninguém nega que o Direito seja um sistema composto por regras e princípios. Nesse contexto, princípios são normas. Afinal, como já disse outras vezes, praticamente todos os livros sobre o tema não negam a tese de que princípios são (sejam) normas (despiciendo dizer que princípios só aplicam a partir de regras e estas se aplicam somente a partir de princípios).
O que ocorre é que, dependendo de como se olha os princípios, estes perdem essa aludida normatividade. Transformam-se em enunciados performativos. Ou mantras. Ou expressões com forte anemia significativa. Valem, pois, nada. É dizer, se os pensamos como “valores”, meros postulados ou “mandados de otimização”, sua normatividade se fragiliza muito. E a “fábrica” de “princípios” não para... Não faz muito tempo, o STJ judicializou o amor, com base no princípio da... felicidade.[2] Nem vou falar do princípio da afetividade, da rotatividade, da ausência eventual do plenário, do deduzido, etc.
Sigo. Com o panprincipiologismo, ocorre uma fragilização daquilo que é ponto central do direito pós-bélico, como diria Mário Losano: o seu elevado grau de autonomia. Repito o que aqui já disse em outras colunas: Direito não é moral. Direito não é sociologia. Direito é um conceito interpretativo e é aquilo que é emanado pelas instituições jurídicas, sendo que as questões a ele relativas encontram, necessariamente, respostas nas leis, nos princípios constitucionais, nos regulamentos e nos precedentes que tenham DNA constitucional, e não na vontade individual do aplicador. Ou seja, ele possui, sim, elementos (fortes) decorrentes de análises sociológicas, morais, etc. Só que estas, depois que o direito está posto — nesta nova perspectiva (paradigma do Estado Democrático de Direito) — não podem vir a corrigi-lo.
Não preciso reprisar o que tanto tenho referido. Registro, apenas, que o Direito não ignora a moral, pois o conteúdo de seus princípios depende dessa informação. Todavia, quando o Direito é aplicado, não podemos olvidar dos princípios, tampouco aceitar que eles sejam qualquer moral. Também já expliquei isso em outros textos e aqui não vou me aprofundar.
Este é o custo que temos de pagar para ter um Direito como o de hoje. Que não é igual ao de antanho. No momento de concretização do direito, as questões de princípio se sobrepõem às questões de política. Assim, o direito também deve “segurar” (conter) a moral (e os moralismos). Isso, por exemplo, pode ser visto de forma mais acentuada nas cláusulas pétreas e no papel da jurisdição constitucional.
Imoral, mas legal? Onde está o elefante?
Leiamos, só para começar (e poderia citar tantos outros), o seguinte dispositivo da Constituição: “O Brasil é uma República que visa a erradicar a pobreza, garantir a justa distribuição de riqueza, diminuir as desigualdades sociais e regionais, promover os ‘valores’ éticos por intermédio dos meios de comunicação (concessão pública), evitar discriminações etc”. Isto não vale nada? Se não vale, por que não o sacamos da Carta? Ah, ele vale? Então, façamos valê-lo. E já!
Com isso, quero deixar assentado que cada texto jurídico-normativo (regra/preceito) não pode se colocar na contramão desse desiderato, digamos assim, virtuoso (convenhamos, bastante virtuoso), propagado pelo texto da Constituição. Nem estou falando, ainda, do famoso princípio da moralidade (e seus congêneres).
Dizendo isso de maneira mais simples: é fácil concluir que não queremos uma República em que a vigarice seja a regra e que achemos absolutamente normal — e por que não, legal (sic) — o aproveitamento das benesses originárias do espaço público, dando razão, assim, àquilo que Raymundo Faoro denunciava de há muito: uma sociedade sustentada nos estamentos e nos privilégios daí decorrentes.
Ou seja, nem tudo que é “legal” é legal (e, tampouco, constitucional). Vejamos alguns episódios, que se enquadram nesse elevado padrão de autonomia que o Direito alcançou. Há algum tempo parlamentares utilizaram suas cotas de passagens aéreas para levar familiares e amigos, a maioria em caras passagens em classe executiva (ou primeira classe), a passeios nos Estados Unidos e na Europa. Agora o jornal O Globo mostra a “Farra II, a volta”. Veja-se, ademais, que esse uso de passagens aéreas não se restringe ao Congresso...
Quais foram os argumentos de todos os utentes desses privilégios? “Tudo foi feito de acordo com a legislação (leis, decretos, portarias etc.)”. No caso dos parlamentares, estes esgrimiram o “novo regramento”, feito depois dos escândalos de março de 2009, que “legalizou” (sic) as viagens de parentes dos parlamentares com dinheiro público. Para ser fiel ao texto de então: a nova regra invocada dizia que “o benefício pode ser utilizado pelo próprio parlamentar, a mulher ou marido, seus dependentes legais e assessores em situações relacionadas à atividade parlamentar”. Mas nem isso é obedecido...
Inacreditável: as próprias glosas feitas pelo TCU apenas apontaram para os utentes que usufruíram das benesses “fora das autorizações legais” (sic). Uau: quer dizer que, para ser legal, basta fazer uma “leizinha” ou um “regulamentozinho” qualquer? Está o TCU no século XIX? Se for assim, sugiro um decreto determinando o chicoteamento do senador que utilizar a verba para ir ao futebol... Vale? Podemos mandar licitar a compra dos látegos (sem superfaturamento, é claro)?
Outro argumento: “a conduta feriu a ética, a moral, mas não contrariou o Direito...”! Incrível. Quer dizer que o Direito não tem relação com a ética ou a moral? Isso é o que dá a doutrina não ter construído, até hoje, uma teoria da norma. Ficamos por aí falando em “valores”, que “princípios são valores positivados” e, na hora da aplicação, fazemos uma distinção semântico-estrutural entre regras e princípios... Além disso, fazemos dissertações e teses sobre isso... Depois nos queixamos.
Andante. A questão é saber se as virtudes soberanas previstas na Constituição “suportam” essa “legalidade” (mundo de regras que, se não permitem os ab-usos, também não os proíbe..., mandando às favas, com isso, os princípios que regem o Direito Administrativo!). Mais ainda, quero saber como a dogmática jurídica — majoritária no campo administrativo-constitucional — lidará com essas dicotomias (contraposições) “regras-princípios”... Já sei a resposta. A pergunta é retórica.
De todo modo, parece que o ponto de estofo do problema reside na seguinte questão: em nome de um conjunto de regras, praticam-se as maiores ilegalidades há décadas, sem que esse cipoal de regulamentos, portarias, subportarias e pareceres interpretativos (sic) tenha sido colonizado/invadido pelo mundo prático dos princípios. Gosto quando a máquina pública se debruça sobre uma portaria ou um regulamento qualquer. Em vez de discutir o ato, discute-se a partir dele, como uma espécie de “mito do dado”.
O que quero dizer é que, se já ocorreu um “princípio turn” no campo do Direito Administrativo, este ainda precisa ser aprimorado. A permanência de regras dessa má estirpe faz com que se pense que, de fato, não há qualquer força normativa nos princípios...! Princípios no atacado encantam. Já no varejo... desencantam. Decepcionam. E como decepcionam. O enunciado “O Brasil é uma República” ficou vazio de conteúdo. Anêmico. Afinal, o que é uma República?
O Direito fracassou?
Minha tese: quem sabe, possamos afirmar que, depois desse novo paradigma do Estado Democrático de Direito, a democracia deve ser feita no e partir do Direito. Bingo. Ferrajoli foi um dos primeiros a perceber isso. E que a política não comanda o direito. Nem a moral. Neste ponto, remeto os leitores para a entrevista que dei para a ConJur sobre o caso Demóstenes (Direito não pode ser corrigido por valores morais).
Os princípios são deontológicos. Logo, funcionam a partir do código lícito-ilícito. Não são valores, repito. Com isso, podemos responder a pergunta “para que serve o Direito?”. Antes de se dizer que uma conduta fere apenas (?) a “moral” ou a “ética” (como definir isso?), não seria melhor olhar com mais acuidade/profundidade o que diz o conjunto de regras e princípios do sistema jurídico? Não seria melhor fazer uma interpretação constitucional do regramento?
Vamos deixar isso bem claro: se uma regra estabelece determinado privilégio ou benesse (por exemplo, que um parlamentar pode utilizar verbas públicas para viajar com a sua família), essa regra é, antes de tudo, inconstitucional. Se o princípio da moralidade não serve para dar suporte de validade a esse regramento, joguemo-lo fora. Livremo-nos dele, pois. E o princípio republicano? Pode existir uma República no interior da qual os agentes públicos possuem privilégios privados que, em nenhuma dimensão, podem ser tidos como garantias funcionais? Se a resposta for pela negativa da normatividade de tais princípios, é melhor, então, pararmos de fazer dissertações e teses dizendo que princípios são normas...!
Quando se diz “isso não é republicano”, o que se está dizendo é que a conduta é reprovável. Fere o princípio republicano. Também fere a igualdade, porque provavelmente tal conduta representa um privilégio (por exemplo, utilizar avião que outras pessoas — a patuleia — não têm acesso). Logo, deve haver uma regra que proíba tal conduta. Ou, se existir uma regra permitindo a conduta, essa regra será inconstitucional, porque estará ferindo os princípios da moralidade, da igualdade e da República.
No caso de condutas “autorizadas” ou realizadas no-“vácuo”-da-não-proibição, a pergunta que o jurista atento deve fazer é: a) qual é a regra que permite a conduta? b) em segundo lugar, se existe uma regra que proíbe a conduta? Por fim, examinará o conjunto normativo à luz dos princípios. E, bingo! Em minutos, o resultado exsurgirá...! Com certeza, não será necessário invocar a “ponderação de valores”. Podem acreditar.
O gambiarrismo jurídico de terrae brasilis
Por tudo isso, quero insistir: se o Direito não serve para resolver esses problemas, pode ser extinto (atenção: isso é uma ironia ou um sarcasmo — em terrae brasilis, como disse o finado Millôr, a ironia tem de ser explicada). E, em seu lugar, instalemos uma “ordem moral” (idem, idem ao que está acima entre parênteses — é, pois, um sarcasmo!). Ou uma ordem fundada na ética (ibidem — agora é um hipersarcasmo!).
Consequentemente, essa “nova ordem” não necessitará do direito (que, ao que tudo está a indicar, já-não-serve-para-nada). Talvez, assim, em face das constantes transgressões da moral e da ética, venhamos a corrigir as condutas aéticas e imorais através do.... direito. Ora, viva! Vejam só. Por incrível que parece, teríamos que chamar o direito de volta...! E, pronto. Com o fracasso de uma ordem moral ou ética, paradoxalmente poderíamos recuperar a autonomia do direito. Trágico. E simples, pois!
Graças à Constituição, o direito não deve servir (mais) apenas para justificar condutas imorais. Graças a ela, os juristas não mais precisa(ria)m dizer frases infames e apedêuticas como “o que a autoridade tal fez foi muito feio, mas não feriu o Direito...”! A partir da Constituição, deveríamos poder dizer: a “feiura” da conduta, em alguma medida, já diz respeito aos princípios...!
E que não precisássemos mais dizer apenas que “a atitude de ministro, do secretário ou do governador, ao utilizar um avião de empresa que tem negócios com o Estado, não foi “legal”, mas foi legal (entendam a ironia do “legal”). Que possamos dizer, sobranceiramente: essa atitude é ilegal e, por conseguinte, inconstitucional! Ora, viva (de novo)! Cada coisa no seu lugar, como diria Voltaire, falando do personagem Pangloss (e compreendamos as suas desventuras): “reparem que o nariz foi feito para sustentar óculos. Por isso usamos óculos. As pernas foram visivelmente instituídas para vestirem calças; por isso usamos calças. As pedras foram feitas para serem talhadas...”.
E eu complemento: a Constituição foi feita para ser cumprida! Ainda que, como diria o otimista Pangloss, “da melhor forma possível”...!
E paremos de fazer gambiarras. Nossa baixa reflexão jurídica produziu um ensino jurídico standard (com câmbio manual, sem ar condicionado, sem direção hidráulica, sem bancos de couro e sem airbag) e uma operacionalidade em que a doutrina não doutrina e a jurisprudência é produto da estagioariocracia. Pronto. Graças a isso, continuamos a nos achar muito espertos, cindindo, de um lado, direito e moral e, do outro, quando nos interessa, “moralizando o Direito”. E saímos por aí dizendo que “princípios são valores...” (não aguento mais ouvir isso; cá para nós, isso é muito chato). Com isso, o sujeito pode utilizar o dinheiro da cota de passagem para abastecer jatinho particular... E, quiçá, meter a mão no dinheiro da viúva via consórcios (sic) de empreiteiras. “Combina-se” tudo antes e, pronto. Será “só imoral...”. Será “feio, mas... Ou seja, nossa relação “direito-moral” é, mesmo, produto de uma gambiarra jurídica, como no conto japonês (que circula por aí) sobre o surgimento do Peru (a ave), invenção que parece ter dado errada, senão vejamos:
Em uma planície, viviam um urubu e um pavão. Certo dia, o Pavão refletiu: — “Sou a ave mais bonita do mundo animal, tenho uma plumagem colorida e exuberante, porém nem voar eu posso, e não mostrar minha beleza. Feliz é o urubu que é livre para voar para onde o vento o levar.”
O urubu, por sua vez, também refletia no alto de uma árvore: — “Que ave infeliz sou eu! A mais feia de todo o reino animal e ainda tenho que voar e ser visto por todos. Quem me dera ser belo e vistoso tal qual aquele pavão.”
Foi quando ambas as aves tiveram uma brilhante ideia e, a partir de um acordo de líderes, onde rolou muita emenda parlamentar, juntaram-se e fizeram um cruzamento (os sistêmicos poderiam chamar a isso de “acoplamento estrutural”) entre eles, gerando um descendente que voasse como o urubu e tivesse a graciosidade do pavão. Bingo. Nasceu o peru, que é feio pra caramba e não voa!
Moral da história: se a coisa tá ruim, não inventa! Gambiarra só dá... bom, os leitores sabem o que quero dizer! Gambiarra é isso que está aí. Gambiarra é... esse ensino jurídico, a prova da Ordem, os livros simplificadores, os “puxadinhos hermenêuticos”, os dribles “da vaca hermenêuticos”, os concursos quiz show, a baixa reflexão jurídica, o “novo” Código de Processo Civil que já nasce velho, o “novo” Código de Processo Penal que não consegue superar o problema da “livre apreciação da prova”, o velho Código Penal, a commonlização do direito, a ponderação de regras, a ponderação de princípios... Enfim, são os nossos perus que estão por aí: feios e não voam! E ainda fazem muito barulho por nada... Talvez por isso se diga seguidamente: a conduta de fulano foi “feia”, mas “dentro da lei”... Pobre lei!

[1] Não incluo nessa discussão as condutas criminosas stricto sensu. Vícios e comportamentos não devem ser punidos através do direito penal, em face da secularização. Assim, tenho defendido – com base na secularização do direito, desde o dia 5 de outubro de 1988, a não recepção da lei das contravenções penais. Portanto, é de outra coisa que aqui estou tratando.
[2] Antes que alguém me faça uma crítica invocando a Constituição americana, remeto o leitor ao meu Compreender Direito, RT, 2013, onde explicito essa questão.
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 15 de agosto de 2013

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...