segunda-feira, 1 de abril de 2013

Caso Sacco e Vanzetti é exemplo de falhas da Justiça


Nicola Sacco (1891-1927) e Bartolomeo Vanzetti (1888-1927) eram italianos que viviam no estado de Massachusetts, nos Estados Unidos. Foram acusados de matar um homem chamado Frederick Parmenter. A acusação também insistia que teriam também assassinado um guarda cujo nome era Alessandro Berardelli.

Pesava sobre eles, Sacco e Vanzetti, também a acusação de terem roubado US$ 15 mil. O dinheiro seria utilizado pelas vítimas para o pagamento dos salários dos empregados de uma fábrica de sapatos. Não houve testemunhas oculares do crime. Circulava boato que dava conta de que dois italianos teriam cometido os delitos. Houve suspeitas em relação a um sujeito chamado Mike Boda. Em seu carro foram encontrados livros relativos ao comunismo e muito material de propaganda subversiva.
Posteriormente o carro foi encontrado na posse de Sacco e Vanzetti. O primeiro portava uma pistola calibre 32 com nove balas, e esse último levava um revólver calibre 38. Em poder de Sacco encontrou-se pedaço de papel, que continha nota redigida em italiano, que pregava a luta pela resistência. As armas não estavam regularizadas. Sacco se defendeu dizendo que trabalhava em uma fábrica de sapatos no momento em que os crimes teriam ocorrido. Vanzetti insistia que estava então vendendo enguias. Uma histeria tomou conta da acusação, que usava de todos os artifícios para condenar os italianos, que eram tidos como anarquistas.
Um Comitê Internacional organizou movimento para a defesa de Sacco e Vanzetti, mediante contatos com autoridades. Vários protestos ocorreram junto às embaixadas americanas na França, na Bélgica, na Itália e na Suíça. Felix Frankfurter (que mais tarde foi juiz da Suprema Corte dos EUA) saiu em defesa dos italianos, no que foi apoiado por Karl Llewellyn, importante nome do realismo jurídico norte-americano que fez impressionante pronunciamento no rádio, em favor dos réus.
Roscoe Pound, também importante representante do realismo jurídico norte-americano, manteve-se em silêncio, preferindo não se manifestar. Oliver Wendell Holmes Jr., já juiz em Washington, onde pontificou na Suprema Corte, manteve a condenação.
Em 23 de agosto de 1927, Sacco e Vanzetti foram executados, ainda que o conjunto probatório não fosse absolutamente concludente. Cinquenta anos depois, Michael Dukakis, então governador de Massachusetts, reabilitou os dois italianos.
O caso Sacco e Vanzetti expôs a falta de unidade conceitual entre os representantes do realismo jurídico norte-americano. Frankfurter e Llewellyn fizeram campanha pela absolvição dos italianos. Pound ficou calado. Holmes, que na qualidade de juiz da Suprema Corte poderia ter participação mais ativa, votou pela condenação dos réus.
Porém, o que mais choca, é a inexistência de provas absolutamente concludentes, o que sugere dúvidas intermináveis. A injustiça de uma condenação é o mais grave dos males. O caso Sacco e Vanzetti persiste emblematicamente como exemplo que pode comprovar as falhas da justiça humana.
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Revista Consultor Jurídico, 31 de março de 2013

quinta-feira, 28 de março de 2013

A DISCRIMINAÇÃO POSITIVA É O MEIO MAIS JUSTO PARA ATINGIR UMA SOCIEDADE IGUALITÁRIA


 

Por Cátia Alexandra Duarte Alves, n.º 6, 10.º C

Março de 2005

 

 Discriminar é favorecer ou prejudicar um indivíduo ou um grupo de indivíduos em relação a outros, com diferentes características. Discriminar positivamente (acção afirmativa) é favorecer um indivíduo ou um grupo de indivíduos, que à partida estariam em desvantagem, com o objectivo de chegar a um ponto de equilíbrio. É a esse ponto de equilíbrio, em que não há indivíduos ou grupos favorecidos, que chamamos sociedade igualitária.

 

 Existem grandes desequilíbrios na sociedade porque, no passado, certas pessoas foram, ou no presente continuam a ser, discriminadas, muitas vezes em relação ao seu sexo, mas também muitas vezes em relação à sua raça ou religião. É para combater essas injustiças que é utilizada a acção afirmativa, compensando quem foi prejudicado. É esse o objectivo mais “puro” da acção afirmativa, o que à partida nos leva a pensar que é um bom caminho para combater certas desigualdades. Por exemplo, no país A, existiam,  numa determinada altura, mais deputados na Assembleia do sexo masculino, do que do sexo feminino. O governo desse país achou que devia tomar uma atitude para que as coisas se equilibrassem. Então decidiu dar prioridade às candidaturas femininas, para que houvesse igualdade. Passado um tempo já havia igualdade e a discriminação positiva deixou de ser praticada. Deste modo, a acção afirmativa parece ser o meio mais práctico e correcto para atingir uma sociedade igualitária.

 

 Mas existem muitas pessoas que não concordam com isto. E eu também não concordo, pois acho que não é necessário nem correcto recorrer à discriminação positiva para que haja uma sociedade equilibrada.

 

 Como já foi acima referido, a acção afirmativa é utilizada para tornar a sociedade mais igualitária. Mas penso que não é racional nem justo, promover a igualdade, utilizando um meio discriminatório. Segundo os defensores da discriminação positiva, é correcto favorecer um grupo à partida em desvantagem. Só que isso implica muitas vezes prejudicar outros grupos, violando alguns dos seus direitos. Além disso levanta-se a seguinte questão: não foram os actuais membros desse grupo que contribuíram para a primeira discriminação. Estes vão pagar por uma acção dos seus antepassados, o que também seria uma injustiça. É certo que quem foi prejudicado tem o direito de ser compensado, mas não faz sentido se não for por quem a prejudicou. Deve-se, pois, utilizar a discriminação para acabar com a discriminação? Isto parece ser inconsistente.

 

 Acredito que a acção afirmativa, ao privilegiar elementos de grupos desfavorecidos, em vez de contribuir para extinguir certos preconceitos, como parece ser o seu objectivo, pode mesmo alimentá-los. Um aluno negro que tenha entrado para uma universidade, com média de 17.8, em detrimento de um branco com a mesma média, devido sim-plesmente à discriminação positiva, pode ser confrontado com reacções do género: “Só entrou porque é preto, e têm pena dele!” ou “Se eu fosse preto também teria entrado”.  Isto podia fazer aumentar certos preconceitos.

 

 É possível para um defensor da discriminação positiva responder ao primeiro argumento dizendo que é muito mais injusta a maneira como as coisas estão – o desequilíbrio naquele momento seria comparativamente mais injusto do que o recurso à da acção afirmativa. Se utilizarmos a acção afirmativa, estamos a contribuir para um futuro em que, a nível social, haverá menos desigualdades, alega quem defende a sua implementação. Mas mesmo assim será plausível que utilizemos uma acção desigualitária para obter uma igualdade? Eu penso que tal, além de não ser plausível, não é necessário.

 

Não é preciso favorecer os grupos em desvantagem, basta deixar de os prejudicar. Assim será mais justo, porque ninguém sairá prejudicado, havendo apenas o senão de este processo poder ser mais demorado do se recorrermos à discriminação positiva.  Quanto ao argumento dos preconceitos, pode ser respondido pelos defensores da acção afirmativa apresentando garantias do seguinte género: por exemplo, numa candidatura a um emprego, a acção afirmativa só deve funcionar a favor das mulheres se o nível mínimo de capacidades para que elas sejam admitidas for alto, apesar de poder haver homens com habilitações ligeiramente superiores. Mas é discutível que isto seja de facto discriminação positiva, pois pode ser apenas um ajustamento dos critérios de selecção de candidatos.

 

 Assim, do meu ponto de vista a discriminação positiva não é, de facto, o melhor meio para uma sociedade igualitária. Ela pode até estimular certos preconceitos, levando a fracturas na sociedade. Também não é plausível utilizar um meio que favorece uns, discriminando outros, para atingir um fim equilibrado e igualitário.

 

 Por tudo isto, eu penso que não devemos recorrer à discriminação positiva.

 

Fonte: A Arte de Pensar – Porto – Portugal.

A VERDADEIRA FORMA DO SILOGISMO ARISTOTÉLICO

 

Jan Lukasiewicz

Em três obras filosóficas publicadas recentemente, aquilo que se segue é fornecido como um exemplo de um silogismo aristotélico1:
1) Todos os homens são mortais,
Sócrates é um homem,
logo
Sócrates é mortal.
Este exemplo parece muito antigo. Com uma ligeira modificação — "animal" em vez de "mortal" — é citado já por Sexto Empírico como um silogismo "peripatético"2. Mas um silogismo peripatético não é necessariamente um silogismo aristotélico. De facto, o exemplo fornecido acima difere em dois aspectos logicamente importantes do silogismo aristotélico. Primeiro, a premissa "Sócrates é um homem" é uma proposição singular, visto que o seu sujeito "Sócrates" é um termo singular. Ora Aristóteles não introduz termos singulares nem premissas singulares no seu sistema. O seguinte silogismo seria então mais aristotélico:
2) Todos os homens são mortais,
Todos os gregos são homens,
logo
Todos os gregos são mortais3.
Este silogismo, contudo, ainda não é aristotélico. É uma inferência na qual, de duas premissas aceites como verdadeiras, "Todos os homens são mortais" e "Todos os gregos são homens", se extrai a conclusão "Todos os gregos são mortais". O sinal característico de uma inferência é a palavra "logo" (ára). Ora, e esta é a segunda diferença, nenhum silogismo é formulado por Aristóteles primariamente como uma inferência. Todos os silogismos são condicionais que têm como antecedente a conjunção das premissas e como consequente a conclusão. Um verdadeiro exemplo de um silogismo aristotélico seria assim a seguinte condicional:
3) Se todos os homens são mortais
e todos os gregos são homens,
então todos os gregos são mortais.
Esta condicional é apenas um exemplo moderno de um silogismo aristotélico e não existe nas obras de Aristóteles. Seria preferível, claro, ter um exemplo de um silogismo fornecido pelo próprio Aristóteles. Infelizmente, nenhum silogismo com termos concretos se encontra nos Analíticos Anteriores. Mas há algumas passagens dos Analíticos Posteriores das quais se podem extrair alguns exemplos de tais silogismos. O mais simples deles é este:
4) Se todas as plantas com folhas largas são efémeras
e todas as videiras são plantas com folhas largas,
então todas as videiras são efémeras4.
Todos estes silogismos, aristotélicos ou não, são apenas exemplos de algumas formas lógicas, mas não pertencem à lógica, pois contêm termos que não fazem parte dela, como "homem" ou "videira". A lógica não é uma ciência acerca dos homens ou das plantas, é apenas algo que é aplicável a esses objectos, tais como a quaisquer outros objectos. De forma a obter um silogismo pertencente à esfera da pura lógica, temos de remover do silogismo aquilo a que poderíamos chamar o seu conteúdo, mantendo apenas a sua forma. Isto foi feito por Aristóteles, que introduziu letras em vez de sujeitos e predicados concretos. Colocando em 4 a letra A em vez de "efémero", a letra B em vez de "planta com folhas largas" e a letra C em vez de "videira", e utilizando, tal como faz Aristóteles, todos estes termos no singular, obtemos a seguinte forma silogística:
5) Se todo o B é A
e todo o C é B,
então todo o C é A.
Este silogismo é um dos teoremas lógicos inventados por Aristóteles, mas mesmo ele ainda difere em estilo do genuíno silogismo aristotélico. Ao formular silogismos com a ajuda de letras, Aristóteles coloca sempre o predicado em primeiro lugar e o sujeito em segundo. Ele nunca diz "Todo o B é A", usando antes a expressão "A é predicado de todo o B", ou mais frequentemente "A pertence a qualquer B"5. Apliquemos a primeira destas expressões à forma 5; obteremos uma tradução exacta do mais importante silogismo aristotélico, posteriormente chamado "Barbara":
6) Se A é predicado de todo o B
e B é predicado de todo o C,
então A é predicado de todo o C6.
A partir do exemplo inautêntico 1, chegámos através de uma transição passo a passo ao genuíno silogismo aristotélico 6.
Jan Lukasiewicz

Notas

  1. Veja-se Ernst Kapp, Greek Foundations of Traditional Logic, New York (1942), p. 11; Frederick Copleston, S.J., A History of Philosophy, vol. I: Greece and Rome (1946), p. 277; Bertrand Russell, History of Western Philosophy, London (1946), p. 218.
  2. Sexto Empírico, Hipóteses Pirrónicas, ii, 164 [no original segue-se o excerto relevante em grego]. Umas linhas antes, Sexto afirma que se referirá aos chamados silogismos categóricos, utilizados principalmente pelos Peripatéticos [no original segue-se o excerto relevante em grego]. Veja-se também ibidem, ii , 196, onde o mesmo silogismo é citado com as premissas transpostas.
  3. B. Russell, op. cit., p. 219, fornece a forma 2 imediatamente a seguir à forma 1, acrescentando dentro de parênteses a seguinte observação: "Aristóteles não distingue entre estas duas formas; como veremos depois, isto é um erro". Russell tem razão quando diz que estas duas formas devem ser distinguidas, mas a sua crítica não deve ser aplicada a Aristóteles.
  4. Analíticos Posteriores, ii, 16, 98b5 [no original segue-se o excerto relevante em grego].
  5. [No original segue-se o excerto relevante em grego]
  6. [no original segue-se o excerto relevante em grego]. A palavra ananké omitida nesta tradução será explicada mais tarde.
Retirado de Aristotle's Syllogistic From the Standpoint of Modern Logic, de Jan Lukasiewicz (Oxford, Clarendon Press, 1951), pp. 1-3.
Tradução de Rui Daniel Cunha
Gabinete de Filosofia da Educação
Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Fonte: Arte de Pensar

quarta-feira, 27 de março de 2013

Reforma do CPC é vontade de criar totalitarismo judicial




Graças à intervenção direta do nosso maior aliado, o professor doutor Ives Gandra da Silva Martins, junto ao relator-geral da Comissão Especial de Reforma do Código de Processo Civil, o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), ficou postergado de dezembro de 2012 para fevereiro de 2013 o trabalho dos 27 parlamentares que poderão mandar ao plenário da Câmara o projeto. Iniciado o ano legislativo, é hora de voltar a denunciar o autoritarismo que ronda a Justiça civil brasileira e reprisar em oito advertências as razões por que não podemos admitir a aprovação deste questionável projeto de CPC, agora sob a versão final do deputado paulista.
1ª advertência: Origem politicamente inadequada do projeto
O projeto de um novo CPC jamais deveria ter tido como casa iniciadora o Senado Federal, que representa os estados, mas sim a Câmara dos Deputados, que representa o povo brasileiro. A iniciativa senatorial torna a Câmara e o projeto reféns dos 81 senadores que poderão restabelecer – seja qual for o texto que aprovem os 513 deputados – o projeto originário do Senado, tão antidemocrático quanto imperfeito do ponto de vista técnico.

2ª advertência: Falta de tratamento democrático do projeto no próprio Senado
Nunca se viu, na história democrática brasileira, um projeto de código – tão grande quanto o de um CPC - ser aprovado em apenas seis meses, a toque de caixa, na calada da noite, por um Senado em final de legislatura e por meio da vergonhosa figura da votação simbólica. Apenas isto já deveria ter sido suficiente para que a Câmara tivesse interrompido a tramitação do novo CPC para começar tudo de novo em seu próprio e legítimo ventre legislativo e político.

3ª advertência: O Brasil não precisa de um novo CPC, mas de um choque de gestão no poder judiciário
A morosidade da Justiça brasileira não decorre das imperfeições do estatuto processual, mas da falta de uma boa infraestrutura administrativa do Poder Judiciário. O que precisamos é de vontade política e orçamentária para reformar a base operacional material da Justiça. O que precisamos é de informatização de todo o Judiciário. O que precisamos é de capacitação dos nossos servidores e gestão adequada dos nossos juízos e tribunais. O que precisamos em São Paulo - que responde por 20 dos quase 90 milhões de processos em tramitação no Brasil -, é o que o Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais já têm conseguido realizar: julgar uma apelação em menos de um ano! Não precisamos de um novo CPC para consertar a Justiça, mas de uma Justiça melhor para fazer o CPC funcionar a contento.

4ª advertência: Poder instrutório excessivo nas mãos da primeira instância é proposição autoritária e repugnante
Não é possível que alguém, em sã consciência, entenda que vale a pena sacrificar o sagrado direito de fazer provas em favor de uma suposta agilização da atividade jurisdicional. Parece coisa de processo de estado totalitário: 1. tirar o direito da parte de ouvir 3 testemunhas para cada fato; 2. retirar o direito de agravar de decisões que indeferem provas; 3. não permitir o agravo contra decisões judiciais orais em audiência (não haverá mais agravo retido); 4. recusar o agravo em casos de decisões sobre prova ilícita ou emprestada. E, além de tudo isto, ainda teremos de suportar poder total dado aos juízes para inverter a ordem da produção das provas em franca agressão ao princípio do devido processo legal.

Como dissemos à revista Veja, há pouco mais de um ano, atualmente até em jogo de tênis existe agravo de instrumento com efeito suspensivo (o tenista tem 3 desafios por set), mas no processo civil brasileiro a palavra final sobre provas será exclusivamente do juízo monocrático sem qualquer possibilidade de impugnação efetiva. Conclusão: Ditadura do Judiciário à vista!
5ª advertência: Superpoderes cautelares também significam autoritarismo
Embora surgido em 1973, o Código de Processo Civil em vigor, apelidado de Código Buzaid, é profundamente democrático se comparado ao projeto em tramitação na Câmara, não apenas em matéria probatória, mas também em relação a medidas cautelares.

A eliminação do “Livro III – Do Processo Cautelar” representa a mais pura expressão do autoritarismo do projeto em curso, por pelo menos oito motivos:
1. Juízes poderão conceder medidas cautelares de ofício, fora dos casos legais expressamente previstos;
2. Não haverá mais ações cautelares incidentais, o que vai transformar todas as postulações cautelares em incidentes no próprio curso do processo de conhecimento (ou execução) com clara perspectiva de comprometimento do andamento da causa;
3. Não haverá mais necessidade de “prova literal de dívida líquida e certa” para o arresto, o que colocará nosso patrimônio em risco;
4. Não haverá mais a necessidade de dois oficiais de Justiça para cumprir busca e apreensão;
5. Não serão mais necessárias duas testemunhas para realizar arrombamento;
6. Não serão necessários dois peritos para atestar contrafação;
7. Não existirá mais procedimento para o arrolamento, o que nos submeterá à livre interpretação judicial sobre o que é, ou para que serve, tal medida cautelar;
8. Desaparece o procedimento da “caução”, o que também empobrecerá o nosso direito processual civil.
6ª advertência: Juízes poderão antecipar a tutela sem “prova inequívoca” e sem “periculum in mora”. Porta aberta ao arbítrio
A grande arbitrariedade que marca o projeto de CPC igualmente se revela pelos poderes incomensuráveis atribuídos aos juízes de primeiro grau para conceder tutela antecipada (“Tutela de Evidência” talvez seja o título da figura processual que nos espera). Não haverá mais a necessidade de “prova inequívoca”, nem de “periculum in mora” como requisitos para a concessão de antecipação. Bastará um documento qualquer (“suficiente”), desde que o réu não traga outro documento com a mesma força, sem necessidade de “periculum”. Ou, ainda, bastará que a postulação do autor venha amparada em Súmula Vinculante ou julgamento de casos repetitivos para que fique autorizada a antecipação.

A arbitrariedade a que nos referimos é porque, com tantas possibilidades na lei, julgamentos imediatos por liminares, ou antecipados ao direito de provar, ocorrerão aos milhares, sem limitações importantes. Razão pela qual também o agravo de instrumento não será capaz de corrigir, já que será a própria lei processual que não exigirá mais “prova inequívoca” (a prova de forte capacidade de convencimento), nem “periculum” (o perigo de dano sério demonstrado pelo autor). Estaremos todos à mercê de julgamentos imaturos de juízes singulares.
7ª advertência: Apelação por instrumento para dificultar ao máximo a vida da parte que quer recorrer
Outro lado claro da insensibilidade do projeto de CPC é a apelação por instrumento que vai dificultar o exercício do direito de recorrer e, com ele, o exercício do próprio direito de defesa. Imagine-se o tamanho do problema com que terão de lidar muitos milhares de advogados do Brasil para reproduzir centenas de peças dos autos, de sorte a poder enviá-las ao tribunal junto com seu recurso. 
Mas por que tanto endurecimento? As razões por trás do autoritarismo são simples:

1. Para que se imponha à parte a ideia de que uma única decisão é suficiente;
2. Para que se pense duas vezes antes de recorrer, porque quem recorre é provavelmente “litigante de má-fé”;
3. Para que as execuções provisórias fiquem facilitadas;
4. Para que, assim, diminuam os recursos, o trabalho dos tribunais e o número de processos acumulados. Os ideais de justiça ficam simplesmente postos de lado!
8ª advertência: Autoritarismo patente no desaparecimento do efeito suspensivo da apelação 
Num país onde, de cada dez sentenças proferidas, quatro ou cinco são reformadas pelos tribunais, não se pode eliminar o efeito suspensivo da apelação como regra geral do processo civil. No quadro atual, a eliminação da suspensividade da apelação é proposta irresponsável, insensível e injusta sob qualquer ângulo.

O que precisamos é aparelhar melhor o Judiciário para que uma apelação seja julgada em alguns meses, e não em alguns anos. Afinal de contas, a maioria dos brasileiros certamente ainda pensa que duas decisões legitimam mais a execução do que apenas uma. E, por outro lado, não há quem não deseje ardentemente uma “segunda opinião” se a primeira lhe é desfavorável em qualquer sentido da vida.
Esse é o sentimento comum do nosso povo que não deve ser desprezado quando se pensa em reforma do processo civil. Recorrer sem ser executado é o que se espera de um processo minimamente justo e democrático num país como o nosso. Fôssemos como a Alemanha, a França ou a Suíça, poderíamos cogitar a eliminação do efeito suspensivo da apelação, mas, como somos o Brasil, não devemos.
Não se pode subtrair dos demandados – pessoas físicas ou empresas – o legítimo direito de tentar reverter decisões desfavoráveis proferidas por um único magistrado, quase sempre assoberbado e apressado. Eliminar o efeito suspensivo é uma agressão ao princípio do duplo grau de jurisdição, um atentado ao Estado Democrático de Direito. É desejar de fato e de verdade criar o totalitarismo judicial entre nós.
Antônio Cláudio da Costa Machado é advogado e professor de Teoria Geral do Processo e Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da USP, professor de pós-graduação da Faculdade de Direito de Osasco, coordenador de Direito Processual Civil da Escola Paulista de Direito, mestre e doutor em Direito pela USP.
Revista Consultor Jurídico, 22 de março de 2013

Alterações no CDC cobrem lacuna no comércio eletrônico




O comércio eletrônico no Brasil tem crescido substancialmente, acompanhado da reclamação dos consumidores e da necessidade de uma legislação condizente. Essas operações hoje são regidas pelo Código de Defesa do Consumidor, promulgado em uma época em que o comércio eletrônico sequer existia por aqui. As vendas realizadas pela internet no Brasil geraram um faturamento de mais de R$ 10 bilhões no primeiro semestre de 2012, segundo dados divulgados no relatório WebShoppers, organizado pela e-Bit, com apoio da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (Câmara e-net). Embora os números sejam modestos se comparados àqueles vistos na Europa ou nos Estados Unidos, é inegável que o comércio eletrônico já faz parte da rotina do consumidor brasileiro.
Igualmente crescentes são os números relacionados às reclamações de consumidores insatisfeitos com os produtos e serviços adquiridos via internet. As queixas envolvem questões como atrasos na entrega dos produtos, má utilização dos dados fornecidos para a realização de compras online, falta de transparência e veracidade nas informações disponibilizadas nos sites, além da dificuldade na localização dos fornecedores em casos de problema com os produtos e serviços entregues.
Para dar conta desse enorme volume de reclamações e responder aos desafios desta nova forma de contratação —que envolve uma linguagem muito mais rápida, visual e despersonalizada— foram propostas, recentemente, importantes alterações legislativas, que visam a modernizar e aperfeiçoar o CDC. Nesse sentido, os Projetos de Lei do Senado —PLS 281 e 283, ambos de 2012, merecem destaque, pois procuram reforçar os direitos de informação, lealdade, autodeterminação, cooperação e segurança nas relações de consumo estabelecidas por meio do comércio eletrônico. Recentemente, estiveram na pauta de audiência pública e aguardam a eventual inclusão de ementas.
O PLS 281/2012 dispõe sobre normas gerais de proteção do consumidor no comércio eletrônico, visando a fortalecer a sua confiança e assegurar a tutela efetiva dos direitos já garantidos pelo CDC, e pretende introduzir o conceito de “assédio de consumo”. As regras se aplicam às atividades desenvolvidas pelos fornecedores de produtos ou serviços por meio eletrônico e estabelecem, por exemplo, que o consumidor pode, dentro do prazo fixado, desistir de uma compra online e, nessa hipótese, os contratos acessórios de crédito são automaticamente rescindidos, sem qualquer custo para o consumidor (modernizando, assim, o já existente direito de arrependimento, previsto no atual artigo 49 do CDC). Também pretende obrigar o fornecedor a disponibilizar dados que facilitem a sua localização (como o nome empresarial e o número da inscrição no cadastro geral do Ministério da Fazenda e os endereços geográfico e eletrônico) em local de destaque e de fácil visualização, além de vedar o envio de mensagens eletrônicas não solicitadas (os conhecidos “spams”) a destinatários que não possuam relação de consumo anterior com o fornecedor. Ademais, este projeto ainda pretende tipificar como infração penal o ato de veicular, hospedar, exibir, compartilhar ou de qualquer forma de ceder ou transferir dados, informações ou identificadores pessoais, sem o expresso consentimento de seu titular.
O segundo projeto, PLS 283/2012, pretende disciplinar o mercado de crédito ao consumidor e dispõe sobre a prevenção do superendividamento. Com relação ao comércio eletrônico, os seus aspectos mais relevantes dizem respeito à clareza nas informações disponibilizadas nos sites que oferecem produtos e serviços que envolvam crédito, à utilização fraudulenta de cartões de crédito, à anulação e bloqueio de pagamentos e à restituição de valores que tenham sido indevidamente recebidos e ao assédio ao consumidor, especialmente, aqueles tidos como vulneráveis.
Dada a complexidade e relevância da matéria, é certo que as propostas ainda devem ser objeto de amplo debate público, envolvendo representantes dos diferentes segmentos que têm interesse no tema, especialmente dos fornecedores de produtos e serviços que, afinal, serão diretamente afetados com essas mudanças. Em uma análise preliminar, é possível afirmar que as alterações sugeridas preenchem uma importante lacuna no que diz respeito à regulamentação do comércio eletrônico no Brasil e representam um avanço necessário na direção de uma legislação mais moderna e coerente com as relações de consumo na sociedade digital. Essas mudanças, no entanto, devem estar conjugadas com a atribuição de determinadas responsabilidades aos próprios consumidores, particularmente nas transações eletrônicas (como a utilização de senhas seguras). A nova tendência, verificada nessas propostas citadas acima, certamente imporá aos fornecedores que façam uma revisão de seus manuais e práticas na interface eletrônica com os seus clientes e consumidores.
Gláucia Mara Coelho é sócia do escritório Machado, Meyer, Sandacz e Opice. A advogada, especialista em direito contencioso e direito do consumidor, é pós-graduada pela PUC-SP e mestre em direito processual pela USP.
Eduardo Perazza de Medeiros é advogado sênior do Departamento Contencioso do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 25 de março de 2013

VÍTIMA DE RACISMO SERÁ INDENIZADA EM R$9,3 MIL


O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve sentença que fixou indenização de R$ 9,3 mil por ofensa de caráter racial. De acordo com a 10ª Câmara de Direito Privado, a Constituição Federal prevê o racismo inafiançável e imprescritível. A corte ainda ressaltou que crimes resultantes de discriminação de raça ou de cor foram definidos pela Lei 7.716/89.
A atendente da empresa TVC Oeste Paulista, em novembro de 2008, foi vítima de discriminação em seu trabalho. Após pedido da funcionária que aguardasse a liberação de segunda via de boleto, um cliente se revoltou e disse que não iria esperar. O réu ainda afirmou que “nunca poderia ser bem atendido por uma crioula e agora que o Barack Obama venceu as eleições dos Estados Unidos, os negros estavam se achando”.
O relator designado do caso, desembargador Cesar Ciampolini, afirmou em seu voto que a indenização deveria ser ainda maior. “Entendo adequados os valores, mais severos, fixados em dois dos quatro acórdãos citados no voto do ilustre relator [TJ-SP, Ap. 0009622-14.2007.8.26.0114, R$ 20 mil, e TJ-RS, Ap. 70014191415, 20 salários mínimos]. Reprimem eles, com isso, o preconceito racial”.
Segundo Ciampolini, “é nessa linha que entendo que se deva seguir, para inibição de ofensas como aquela de que ora se cuida, infamantes da cidadania e afrontatórias aos artigos 1º, III, e 5º, I e XLII, da Lei Maior”. Além do racismo ser crime inafiançável e imprescritível segundo a Constituição Federal, é previsto pela Lei 7.716/89.
Embora tenha classificado a indenização como modesta, Ciampolini não reformou a decisão anterior. Da sentença da turma julgadora, tomada por maioria de votos, participaram também os desembargadores Elcio Trujillo e Carlos Alberto Garbi. Com informações da assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Revista Consultor Jurídico, 26 de março de 2013

segunda-feira, 25 de março de 2013

Plano Nacional de Consumo e Cidadania é positivo, mas deveria abrir espaço à sociedade civil




Notícia veiculada pelo IDEC no dia 15/3/2013.

Para o Idec são necessárias gestões para que a sociedade participe das decisões, cujo objetivo é criar uma política de defesa do consumidor

O anúncio na manhã de hoje (15/3), do Plano Nacional de Consumo e Cidadania, por parte da presidenta Dilma Rousseff, recuperou assuntos importantes, priorizou outros e deixou alguns pontos que merecem aperfeiçoamento. O Idec não teve ainda acesso ao texto do decreto que institui o Plano. As medidas anunciadas consistem em:
 
  • Criação de uma Câmara Nacional das Relações de Consumo, composta por duas instâncias (Conselho Interministerial e três comitês executivos);
  • Proposta de mudanças no plano legislativo para reforçar a atividade dos Procons;
  • Propostas de mudanças legislativas e normativas a fim de reforçar e especificar direitos já estipulados no CDC (Código de Defesa do Consumidor), como as resoluções do CMN (Conselho Monetário Nacional), a regulamentação ao CDC com lista de produtos considerados essenciais e decreto com medidas específicas para o comércio eletrônico.
 
De maneira geral, as mudanças apontadas e perseguidas pelo Plano são bem-vindas, uma vez que buscam estruturar no âmbito do Estado instâncias para uma efetiva integração entre órgãos e poderes estatais, o que não existia até agora. Ministérios, agências reguladoras, e autarquias e as diversas instâncias do Poder Judiciário terão, por determinação estatal, dever de discutir e formatar ações específicas para a garantir e agilizar a defesa dos direitos do consumidor.
 
Neste sentido, também é positiva a elevação a grau de prioridade o enfrentamento de certos assuntos que preocupam há algum tempo todas as entidades do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, mas que ainda não haviam ganhado esse status: assuntos financeiros, pós-venda e telecomunicações. Essa priorização se traduziu na própria estrutura dos três primeiros comitês técnicos do Observatório Nacional (Consumo e regulação, Consumo e turismo e Consumo e pós-venda), bem como nas inciativas legislativas que serão tomadas imediatamente: a regulamentação do CDC com uma lista de produtos considerados essenciais, um decreto com determinações específicas para o comércio eletrônico, novas resoluções do CMN para garantir melhor informação ao consumidor e competição interbancária e um novo regulamento – a ser colocado em Consulta Pública da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) –, com regras mais estritas para a oferta de serviços e atendimento aos clientes.
 
Mas, é preciso dizer que, no entender do Idec, todos esses assuntos e problemas já encontram algum amparo – em maior ou menor grau de detalhamento – na legislação e em normas existentes, do próprio CDC às resoluções do CMN, Anatel e outras regras setoriais. O grande gargalo para o cumprimento dessas determinações legais parece ser o poder e a vontade de fiscalização por parte dos órgãos responsáveis. Por exemplo, o Banco Central não entende ser sua tarefa fiscalizar, no varejo, o cumprimento das suas diversas resoluções em proteção ao consumidor, relegando esta missão aos Procons do país. E esses, por sua vez, nem sempre dispõem de estrutura para fazê-lo. Assim, fica a impressão de que medidas de reforço a essa estrutura de fiscalização dos Procons, bem como do estabelecimento claro das responsabilidades dos órgãos estatais ainda são necessárias e urgentes.
 
Por outro lado, é importante destacar que a celeridade que se pretende dar à ação dos Procons, atribuindo caráter de títulos executivos judiciais aos seus acordos e atos administrativos é bastante positiva. Tal medida já estava em estudo desde pelo menos 2011 e, finalmente, virá à luz na forma de Projeto de Lei. Ganham consumidores, Procons e Judiciário.
 
Por fim, cabe fazer uma ressalva importante às estruturas criadas no âmbito do Plano: nem o Conselho Interministerial, nem os comitês técnicos do Observatório Nacional, contemplam a participação da sociedade civil, notadamente, das organizações de defesa dos consumidores.
 
Esta e outras medidas – como a criação de uma estrutura como a atual Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) – integravam a Plataforma dos Consumidores – Eleições 2010, documento elaborado pelo Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor e abraçado pela então candidata a presidente Dilma Rousseff. 
 
Vale lembrar que, antes mesmo do advento do Código de Defesa do Consumidor existia o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, com a participação de entidades civis, que foi extinto mais tarde.
 
Por esta razão, o Idec entende que são necessárias gestões para que a sociedade tome parte dessas decisões e tenha lugar na alta representação dessa estrutura, cujo objetivo é criar uma política de Estado de defesa do consumidor e que, evidentemente, não pode prescindir da presença do próprio consumidor. Assim, o Idec vai solicitar formalmente ao Ministério da Justiça sua participação no Observatório Nacional das Relações de Consumo e em outras estruturas que vierem a ser criadas para a consecução de uma política pública de defesa do consumidor consistente, integrada e perene.

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