sexta-feira, 22 de março de 2013

ENUNCIADOS APROVADOS NA 1ª JORNADA DE DIREITO COMERCIAL


ENUNCIADOS APROVADOS NA
1ª JORNADA DE DIREITO COMERCIAL

Coordenador-Geral: Ministro Ruy Rosado

Comissões de Trabalho:
Empresa e Estabelecimento (Enunciados de n. 1 a 8)
Coordenação Científica: Professor Alfredo de Assis Gonçalves Neto

Direito Societário (Enunciados de n. 9 a 19)
Coordenação Científica: Professora Ana Frazão

Obrigações Empresariais, Contratos e Títulos de Crédito (Enunciados de n. 20 a 41)
Coordenação Científica: Professor Fábio Ulhoa Coelho

Crise da Empresa: Falência e Recuperação (Enunciados de n. 42 a 57)
Coordenação Científica: Professor Paulo Penalva Santos

1. Decisão judicial que considera ser o nome empresarial violador do direito de marca não implica a anulação do respectivo registro no órgão próprio nem lhe retira os efeitos, preservado o direito de o empresário alterá-lo.

2. A vedação de registro de marca que reproduza ou imite elemento característico ou diferenciador de nome empresarial de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação (art. 124, V, da Lei n. 9.279/1996), deve ser interpretada restritivamente e em consonância com o art. 1.166 do Código Civil.

3. A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI não é sociedade  unipessoal, mas um novo ente, distinto da pessoa do empresário e da sociedade empresária.

4. Uma vez subscrito e efetivamente integralizado, o capital da empresa individual de responsabilidade limitada não sofrerá nenhuma influência decorrente de ulteriores alterações no salário mínimo.

5. Quanto às obrigações decorrentes de sua atividade, o empresário individual tipificado no art. 966 do Código Civil responderá primeiramente com os bens vinculados à exploração de sua atividade econômica, nos termos do art. 1.024 do Código Civil.

6. O empresário individual regularmente inscrito é o destinatário da norma do art. 978 do Código Civil, que permite alienar ou gravar de ônus real o imóvel incorporado à empresa, desde que exista, se for o caso, prévio registro de autorização conjugal no Cartório de Imóveis, devendo tais requisitos constar do instrumento de alienação ou de instituição do ônus real, com a consequente averbação do ato à margem de sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis.

7. O nome de domínio integra o estabelecimento empresarial como bem incorpóreo para todos os fins de direito.

8. A sub-rogação do adquirente nos contratos de exploração atinentes ao estabelecimento adquirido, desde que não possuam caráter pessoal, é a regra geral, incluindo o contrato de locação.

9. Quando aplicado às relações jurídicas empresariais, o art. 50 do Código Civil não pode ser interpretado analogamente ao art. 28, § 5º, do CDC ou ao art. 2º, § 2º, da CLT.

10. Nas sociedades simples, os sócios podem limitar suas responsabilidades entre si, à proporção da participação no capital social, ressalvadas as disposições específicas.

11. A regra do art. 1.015, parágrafo único, do Código Civil deve ser aplicada à luz da teoria da aparência e do primado da boa-fé objetiva, de modo a prestigiar a segurança do tráfego negocial. As sociedades se obrigam perante terceiros de boa-fé.

12. A regra contida no art. 1.055, § 1º, do Código Civil deve ser aplicada na hipótese de inexatidão da avaliação de bens conferidos ao capital social; a responsabilidade nela prevista não afasta a desconsideração da personalidade jurídica quando presentes seus requisitos legais.

13. A decisão que decretar a dissolução parcial da sociedade deverá indicar a data de desligamento do sócio e o critério de apuração de haveres.

14. É vedado aos administradores de sociedades anônimas votarem para aprovação/rejeição de suas próprias contas, mesmo que o façam por interposta pessoa.

15. O vocábulo “transação”, mencionado no art. 183 § 1º, d, da Lei das S.A., deve ser lido como sinônimo de “negócio jurídico”, e não no sentido técnico que é definido pelo Capítulo XIX do Título VI do Livro I da Parte Especial do Código Civil brasileiro.

16. O adquirente de cotas ou ações adere ao contrato social ou estatuto no que se refere à cláusula compromissória (cláusula de arbitragem) nele existente; assim, estará vinculado à previsão da opção da jurisdição arbitral, independentemente de assinatura e/ou manifestação específica a esse respeito.

17. Na sociedade limitada com dois sócios, o sócio titular de mais da metade do capital social pode excluir extrajudicialmente o sócio minoritário desde que atendidas as exigências materiais e procedimentais previstas no art. 1.085, caput e parágrafo único, do CC.

 18. O capital social da sociedade limitada poderá ser integralizado, no todo ou em parte, com quotas ou ações de outra sociedade, cabendo aos sócios a escolha do critério de avaliação das respectivas participações societárias, diante da responsabilidade solidária pela exata estimação dos bens conferidos ao capital social, nos termos do art. 1.055, § 1º, do Código Civil.

19. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor às relações entre sócios/acionistas ou entre eles e a sociedade.

20. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos contratos celebrados entre empresários em que um dos contratantes tenha por objetivo suprir-se de insumos para sua atividade de produção, comércio ou prestação de serviços.

21. Nos contratos empresariais, o dirigismo contratual deve ser mitigado, tendo em vista a simetria natural das relações interempresariais.

22. Não se presume solidariedade passiva (art. 265 do Código Civil) pelo simples fato de duas ou mais pessoas jurídicas integrarem o mesmo grupo econômico.

23. Em contratos empresariais, é lícito às partes contratantes estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação dos requisitos de revisão e/ou resolução do pacto contratual.

24. Os contratos empresariais coligados, concretamente formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa importância.

25. A revisão do contrato por onerosidade excessiva fundada no Código Civil deve levar em conta a natureza do objeto do contrato. Nas relações empresariais, deve-se presumir a sofisticação dos contratantes e observar a alocação de riscos por eles acordada.

26. O contrato empresarial cumpre sua função social quando não acarreta prejuízo a direitos ou interesses, difusos ou coletivos, de titularidade de sujeitos não participantes da relação negocial.

27. Não se presume violação à boa-fé objetiva se o empresário, durante as negociações do contrato empresarial, preservar segredo de empresa ou administrar a prestação de informações reservadas, confidenciais ou estratégicas, com o objetivo de não colocar em risco a competitividade de sua atividade.

28. Em razão do profissionalismo com que os empresários devem exercer sua atividade, os contratos empresariais não podem ser anulados pelo vício da lesão fundada na inexperiência.

29. Aplicam-se aos negócios jurídicos entre empresários a função social do contrato e a boa-fé objetiva (arts. 421 e 422 do Código Civil), em conformidade com as especificidades dos contratos empresariais.

30. Nos contratos de shopping center, a cláusula de fiscalização das contas do lojista é justificada desde que as medidas fiscalizatórias não causem embaraços à atividade do lojista.

31. O contrato de distribuição previsto no art. 710 do Código Civil é uma modalidade de agência em que o agente atua como mediador ou mandatário do proponente e faz jus à remuneração devida por este, correspondente aos negócios concluídos em sua zona. No contrato de distribuição autêntico, o distribuidor comercializa diretamente o produto recebido do fabricante ou fornecedor, e seu lucro resulta das vendas que faz por sua conta e risco.

32. Nos contratos de prestação de serviços nos quais as partes contratantes são empresários e a função econômica do contrato está relacionada com a exploração de atividade empresarial, as partes podem pactuar prazo superior a quatro anos, dadas as especificidades da natureza do serviço a ser prestado, sem constituir violação do disposto no art. 598 do Código Civil.

33. Nos contratos de prestação de serviços nos quais as partes contratantes são empresários e a função econômica do contrato está relacionada com a exploração de atividade empresarial, é lícito às partes contratantes pactuarem, para a hipótese de denúncia imotivada do contrato, multas superiores àquelas previstas no art. 603 do Código Civil.

34. Com exceção da garantia contida no artigo 618 do Código Civil, os demais artigos referentes, em especial, ao contrato de empreitada (arts. 610 a 626) aplicar-se-ão somente de forma subsidiária às condições contratuais acordadas pelas partes de contratos complexos de engenharia e construção, tais como EPC, EPC-M e Aliança.

35. Não haverá revisão ou resolução dos contratos de derivativos por imprevisibilidade e onerosidade excessiva (arts. 317 e 478 a 480 do Código Civil).

36. O pagamento da comissão, no contrato de corretagem celebrado entre empresários, pode ser condicionado à celebração do negócio previsto no contrato ou à mediação útil ao cliente, conforme os entendimentos prévios entre as partes. Na ausência de ajuste ou previsão contratual, o cabimento da comissão deve ser analisado no caso concreto, à luz da boa-fé objetiva e da vedação ao enriquecimento sem causa, sendo devida se o negócio não vier a se concretizar por fato atribuível exclusivamente a uma das partes.

37. Aos contratos de transporte aéreo internacional celebrados por empresários aplicam-se as disposições da Convenção de Montreal e a regra da indenização tarifada nela prevista (art. 22 do Decreto n. 5.910/2006).

38. É devida devolução simples, e não em dobro, do valor residual garantido (VRG) em  caso de reintegração de posse do bem objeto de arrendamento mercantil celebrado entre empresários.

39. Não se aplica a vedação do art. 897, parágrafo único, do Código Civil, aos títulos de crédito regulados por lei especial, nos termos do seu art. 903, sendo, portanto, admitido o aval parcial nos títulos de crédito regulados em lei especial.

40. O prazo prescricional de 6 (seis) meses para o exercício da pretensão à execução do cheque pelo respectivo portador é contado do encerramento do prazo de apresentação, tenha ou não sido apresentado ao sacado dentro do referido prazo. No caso de cheque pós-datado apresentado antes da data de emissão ao sacado ou da data pactuada com o emitente, o termo inicial é contado da data da primeira apresentação.

41. A cédula de crédito bancário é título de crédito dotado de força executiva, mesmo quando representativa de dívida oriunda de contrato de abertura de crédito bancário emconta-corrente, não sendo a ela aplicável a orientação da Súmula 233 do STJ.

42. O prazo de suspensão previsto no art. 6º, § 4º, da Lei n. 11.101/2005 pode excepcionalmente ser prorrogado, se o retardamento do feito não puder ser imputado ao devedor.

43. A suspensão das ações e execuções previstas no art. 6º da Lei n. 11.101/2005 não se estende aos coobrigados do devedor.

44. A homologação de plano de recuperação judicial aprovado pelos credores está sujeita ao controle judicial de legalidade.

45. O magistrado pode desconsiderar o voto de credores ou a manifestação de vontade do devedor, em razão de abuso de direito.

46. Não compete ao juiz deixar de conceder a recuperação judicial ou de homologar a extrajudicial com fundamento na análise econômico-financeira do plano de recuperação
aprovado pelos credores.

47. Nas alienações realizadas nos termos do art. 60 da Lei n. 11.101/2005, não há sucessão do adquirente nas dívidas do devedor, inclusive nas de natureza tributária, trabalhista e decorrentes de acidentes de trabalho.

48. A apuração da responsabilidade pessoal dos sócios, controladores e administradores feita independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, prevista no art. 82 da Lei n. 11.101/2005, não se refere aos casos de desconsideração da personalidade jurídica.

49. Os deveres impostos pela Lei n. 11.101/2005 ao falido, sociedade limitada, recaem apenas sobre os administradores, não sendo cabível nenhuma restrição à pessoa dos sócios não administradores.

50. A extensão dos efeitos da quebra a outras pessoas jurídicas e físicas confere legitimidade à massa falida para figurar nos polos ativo e passivo das ações nas quais figurem aqueles atingidos pela falência.

51. O saldo do crédito não coberto pelo valor do bem e/ou da garantia dos contratos previstos no § 3º do art. 49 da Lei n. 11.101/2005 é crédito quirografário, sujeito à recuperação judicial.

52. A decisão que defere o processamento da recuperação judicial desafia agravo de instrumento.

53. A assembleia geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação judicial é una, podendo ser realizada em uma ou mais sessões, das quais participarão ou serão considerados presentes apenas os credores que firmaram a lista de presença encerrada na sessão em que instalada a assembleia geral.

54. O deferimento do processamento da recuperação judicial não enseja o cancelamento da negativação do nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito e nos tabelionatos de protestos.

55. O parcelamento do crédito tributário na recuperação judicial é um direito do contribuinte, e não uma faculdade da Fazenda Pública, e, enquanto não for editada lei específica, não é cabível a aplicação do disposto no art. 57 da Lei n. 11.101/2005 e no art.191-A do CTN.

56. A Fazenda Pública não possui legitimidade ou interesse de agir para requerer a falência do devedor empresário.

57. O plano de recuperação judicial deve prever tratamento igualitário para os membros da mesma classe de credores que possuam interesses homogêneos, sejam estes delineados em função da natureza do crédito, da importância do crédito ou de outro critério de similitude justificado pelo proponente do plano e homologado pelo magistrado.

SUBSTITUTIVO DO NOVO CPC PREJUDICA ADVOGADO


Nesta quinta-feira (21/3), foi apresentado um substitutivo ao projeto de novo Código de Processo Civil, assinado pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP). Segundo especialistas, o documento mantém os mesmos problemas do substitutivo anterior, do deputado Sérgio Barradas (PT-BA), e traz alterações que pouco afetam as falhas do documento original.
Uma das poucas alterações substanciais é a questão dos honorários de sucumbência em ações contra a Fazenda Pública. O projeto escrito por Paulo Teixeira, segundo o próprio texto, acolheu o “consenso formado entre o Poder Público Federal e representantes da Ordem dos Advogados do Brasil”. Isso quer dizer que o artigo 85 do projeto estabelece critérios fixos para o cálculo dos honorários de sucumbência.
Os parágrafos 3º e 4º do artigo dão patamares mínimos e máximos para o cálculo das verbas sucumbenciais em que a Fazenda é ré. Para causas de até 200 salários mínimos, por exemplo, os honorários devem ficar entre 10% e 20% do valor da causa. Nas causas que discutem valor acima de mil salários mínimos, os honorários de sucumbência devem ficar entre 1% e 3% do total discutido.
Em outras palavras, o substitutivo tirou parte do poder discricionário do juiz, mas reduziu o potencial de ganho dos advogados. A avaliação é do processualista Paulo Henrique dos Santos Lucon, vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) e professor de Processo Civil da USP.
Lucon faz parte da comissão de juristas que elaborou o anteprojeto de reforma do CPC enviado ao Senado. Ele avalia que o artigo “beneficiou a Fazenda em detrimento dos advogados”.
Projeto autoritário
Mas o principal problema do projeto, segundo o professor Antônio Cláudio da Costa Machado, também processualista da USP, é que o projeto de reforma deu poderes demais aos juízes, sob o pretexto de tentar resolver a morosidade do Judiciário. Ele avalia que o intuito do projeto é dar celeridade aos processos tentando acabar com o que se convencionou chamar de excesso de recursos.

Só que para o professor Costa Machado o texto é “muito autoritário”. Traço principal disso é a determinação de que as sentenças deverão ser executadas imediatamente, antes do trânsito em julgado. E isso aliado à regra que tira das apelações o efeito suspensivo. Ou seja: o recurso continuará chegando aos tribunais, mas a decisão já estará produzindo seus efeitos.
“É muito autoritarismo. O projeto passa a impressão de que o problema da Justiça é a quantidade de recursos, quando todo mundo sabe que é a infraestrutura. Em São Paulo um recurso demora até cinco anos para ser julgado. De cada dez sentenças, cinco são reformadas. O método está errado, o espírito está errado”, avalia Machado.

Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 21 de março de 2013

AS FONTES DE DIREITO E OS RÓTULOS DE ÁGUA MINERAL


Um case antigo e sua novação
A coluna desta semana aborda um tema que há muito venho trabalhando em meus escritos: a cegueira seletiva de nossa práxis jurídica quanto ao tratamento dado aos crimes contra o patrimônio em relação àqueles tipos penais que atingem interesses metaindividuais, como a sonegação fiscal, a apropriação indébita previdenciária e o descaminho (para falar só destes).

Saiu no blog de um renomado magistrado a sentença de uma juíza (leia aqui) na qual ela extingue a punibilidade dos fatos atribuídos a um acusado que subtraiu uma determinada quantia em dinheiro e em cheque e que depois, espontaneamente, restituiu os valores.
Alegrou-me muitíssimo ver o que só posso conceber como um fruto da boa semente que há tempos plantamos, primeiramente, na 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul e depois na 5a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do RS (e aqui homenageio os que compunham esse front: Amilton Bueno de Carvalho, Aramis Nassif, Luis Gonzaga Moura da Silva, depois a Genaceia Alberton). Fazíamos esse debate antes mesmo da lei que instituiu o famoso Refis! Buscando em meus arquivos, verifiquei que minha primeira publicação abordando a questão data de 1990, portanto, há 23 anos, como veremos na sequência. Sou antigo nisso, pois não?
Uma das grandes alegrias que a academia proporciona — especialmente em tempos de câmbio paradigmático — é a possibilidade de intervir positivamente na construção (e na desconstrução) das estruturas fundantes da vida jurídica e política da República. Especialmente quando se trabalha numa perspectiva crítica como venho defendendo ao longo dos anos. Não me canso de lembrar que a boa nova constitucional pegou despreparada a comunidade jurídica em Terrae Brasilis. Tal qual naMarcondo, de Garcia Marquez, onde aos habitantes faltava palavra para nomear um novo mundo que se desvelava após o longo sono, também aqui o despertar para a democracia e para o Estado Democrático de Direito emudecia, obrigando-nos quase a ter que apontar o dedo quando queríamos indicar o desconhecido.
Compreender a importância de uma nova teoria para um novo paradigma é passo fundamental para que este se estabeleça e crie raízes. Do contrário, assistir-se-á o ancien régime perdurar travestido de uma nova roupagem. Romper com a tradição inautêntica (no sentido gadameriano), é, pois, o primeiro passo. Consolidar a autêntica, um segundo igualmente necessário. Por óbvio isso não se dá sem dor ou luta. Muitas vezes se grita sozinho ou acompanhado de outros poucos que se dispõem ao bom combate. Ter por fruto a consolidação disso é bastante alentador.
Fundamentos e resultados
De se destacar, contudo, que embora concorde com a conclusão (da aludida sentença) de que deve ser reconhecida a extinção da punibilidade, entendo que a referida decisão merece reparos nos fundamentos utilizados. Ah, alguém dirá: estou sendo muito exigente e, quiçá, chato. Não é nada disso. Não é nenhum diletantismo de minha parte. O raciocínio é de princípio e não circunstancial. Embora tenhamos chegado ao mesmo destino, os caminhos foram divergentes  e nessa viagem importa muito o trajeto. Há alguns atalhos que não podem ser admitidos, sob pena de se comprometer a integridade e a coerência do Direito, pois abrem frestas para que, em outros casos, resultados contrários ao Estado de Direito sejam buscados, sob as mesmas circunstâncias. E, pior, alcançados. Como diz o ditado popular, mesmo um relógio parado acerta as horas duas vezes por dia... Todo argumento circunstancial tem suas razões fincadas no utilitarismo e, como tal, instrumentaliza-se. E o que isso quer dizer? Que, como todo instrumento, pode ser usado para construir ou destruir... É aí que reside o perigo. E este foi o motivo pelo qual desenvolvi a Crítica Hermenêutica do Direito. Em todo caso, vamos, primeiramente, aos pontos de contato.

De há muito venho denunciando o fenômeno da baixa constitucionalidade. Desde as primeiras edições do Hermenêutica Jurídica (e)m Crise, nos idos dos anos 1990. E especificamente acerca da seletividade penal e das disparidades de tratamento entre os delitos individuais (em especial nos crimes contra o patrimônio cometidos sem violência à pessoa) e os metaindividuais (sonegação fiscal, apropriação indébita previdenciária, crimes contra o sistema financeiro e por aí vai), ainda no longínquo ano de 1990 publiquei um texto[1] em que abordei o paradoxo criado entre a minorante do artigo 16 do Código Penal[2] e a Súmula 554 do STF[3] um flagrante caso de ferimento do princípio constitucional da isonomia. A Constituição estava ainda quentinha.
Com o advento da lei 9.249/95, ainda no ano de 1996, emiti parecer que foi integralmente transcrito no voto do relator de uma apelação criminal em que opinei pela extinção da punibilidade da prática de um furto, fundamentado no princípio constitucional da isonomia, apontando que deveria a patuleia receber o mesmo benefício dado ao sonegador fiscal pelo artigo 34 da lei 9.249/95 (leia aqui).[4]Vejam: no caso, nem houve a devolução espontânea. Já dizia eu, então, que isso era irrelevante (o artigo e o acórdão explicam as razões disso).
Não estamos a lidar com nenhuma “descoberta da pólvora”! Essa foi descoberta juntamente com Amilton Bueno de Carvalho, o Alfredo Foerster (que transcreveu integralmente meu parecer acima citado em seu voto) e o Clademir Missaggia (o juiz do caso, à época, que, faço justiça, no primeiro grau foi o primeiro no Brasil a aplicar a minha tese). Poucos sabem das dificuldades de sermos pioneiros em teses como essa em meados da década de 90 do século passado, agora abordada na referida sentença. Eram duros tempos (para quem tem dúvida, basta ver como “a dogmática penal avançou” — estou sendo irônico, é claro!). Fica aqui o registro para que não esqueçamos que a filtragem hermenêutico-constitucional é algo que advém de uma construção que já tem um bom tempo.
No mesmo instante em que aplaudimos e nos filiamos à denúncia da seletividade do sistema penal, fica em nós a convicção de que teses assim como a que eu e o Amilton Bueno de Carvalho desenvolvemos há quase vinte anos — por nostalgia, remeto o link para um instante em que debatíamos a tese em um Congresso do Instituto de Direito — ainda causem surpresas ou pareça algo inovador (veja foto). E, o pior: a sentença referida “esqueceu” de mim e do Amilton (e do Forster e do Clademir). De todo modo, parece que a dogmática jurídica tem dificuldade em realizar a Constituição. Depois disso desses primeiros casos, exarei inúmeros pareceres em muitos acórdãos, um deles citando meu nome na ementa do julgado, que assim dispõe:
ESTELIONATO. ÔNUS DA PROVA.
No estelionato, mesmo que básico, o pagamento do dano, antes do oferecimento da denúncia, inibe a ação penal. O órgão acusador deve tomar todas as providências possíveis para espancar as dúvidas que explodam no debate judicial, pena de não vingar condenação (Magistério de Afrânio Silva Jardim).

Lição de Lênio Luiz Streck: os benefícios concedidos pela Lei Penal aos delinquentes tributários (Lei 9.249/95, artigo 34) alcançam os delitos patrimoniais em que não ocorra prejuízo nem violência, tudo em atenção ao princípio da isonomia. Recurso provido para absolver o apelante. (BRASIL. TARS. 2ª Câmara Criminal. Apelação criminal nº 297.019.937. Relator: Amilton Bueno de Carvalho. Data do julgamento: 25 de Setembro de 1997). (íntegra aqui)
Bingo! A patente, por assim dizer, está registrada de há muito! Seu aspecto é, fundamentalmente, simbólico. Ou seja, serve muito mais para mostrar as possibilidades do novo e denunciar as idiossincrasias do sistema. Observe-se: em artigo de 1996,[5] eu abordava a problemática relacionada as possibilidades de aplicação do artigo 34 da Lei 9.249/95 aos delitos contra o patrimônio nas hipóteses em que houver ausência de prejuízo à vítima e que não tenha, a evidência, havido violência contra a mesma.
No referido texto já enfrentava, de início, o tópico relacionado com a concepção de bem jurídico e as “antinomias” do ordenamento jurídico, a partir da análise e discussão do artigo 16, do Código Penal, de 1984, a Súmula 554 do Supremo Tribunal Federal — de edição anterior ao artigo 16 —, bem como da Lei n. 9.249 de 26 de dezembro de 1995, que permite àquele que sonegar impostos ou contribuições sociais escapar da punição, com o simples pagamento do valor sonegado antes do recebimento da denúncia. Mais do que isso, sempre sustentei que: ou se aplica o favor legis também para quem furta ou se declara a inconstitucionalidade.
A sentença da juíza — que ora comento, muito mais por ter omitido a origem da tese —, além de não ser inovadora, como já destacado, contém erros que precisam ser apontados. Há uma baixa compreensão do significado do que seja princípio da isonomia dentro de um paradigma de Estado Democrático de Direito.
Diz ela, em uma passagem, que “o princípio da isonomia é um princípio geral de todo o ordenamento jurídico, que tem como destinatários tanto o legislador como os aplicadores do direito. Segundo ele, todos são iguais perante a lei, não se admitindo privilégios e distinções em situações que se assemelham.”
Não. O princípio da isonomia não é um princípio geral. É importante anotar, neste particular, a confusão que se faz entre o conceito de princípio jurídico, o de ordenamento e suas consequências para o caso. E desde já aproveitando o ensejo para sugerir a leitura da obra de Rafael Tomaz de Oliveira, que magistralmente aborda o tema em uma dissertação sob minha orientação e que se tornou referência no Brasil sobre o tema.[6] Façamos essa análise por partes:
a) em primeiro lugar, a utilização da ideia de isonomia como um princípio geral remete-nos para o caso dos velhos princípios gerais do direito que, no Direito brasileiro, assumem a condição de determinação legislativa, sendo expressamente estabelecido como critérios de solução para as “lacunas” do ordenamento no artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, ao lado da analogia — também utilizada no esforço hermenêutico da julgadora — e dos costumes. Isso é um sintoma! Na verdade, o senso comum teórico dos juristas trata do problema como se estivéssemos, ainda, sob a égide da metodologia novecentista que operava com um sistema em que os princípios gerais eram chamados para atuar nos casos em que o modelo de regras não fosse suficiente para resolver os problemas da realidade.[7] Não deixa de ser sugestivo o fato de que este tipo de estratégia legislativa tenha sido utilizada, pela primeira vez, nos códigos dos oitocentos. Tais códigos tinham uma feição nitidamente privativista. Mas, o mais emblemático é que esses velhos axiomas — que foram chamados no século XIX de Princípios Gerais do Direito — continuam a ser aplicados em pleno Constitucionalismo Contemporâneo, como se houvesse apenas uma mera continuidade entre a nova Constituição e o ancién regime jurídico. Portanto, é preciso ter presente, desde já, que no contexto do Constitucionalismo Contemporâneo os princípios assumem uma dimensão normativa de base.
b) A associação da ideia de princípio geral com o conceito de ordenamento jurídico, por outro lado, oferece uma ótima amostra do anacronismo que acomete o direito brasileiro. Com efeito, o conceito de ordenamento jurídico foi inaugurado por Kelsen e, depois, difundido nos países de línguas latinas por Norberto Bobbio, a partir de seu clássico Teoria do Ordenamento Jurídico — de confessadas inspirações kelsenianas —, cuja publicação remonta ao final da década de 50 e ao início da década de 60. Para Bobbio, a teoria do ordenamento representava uma integração da teoria da norma jurídica, cuja premissa elementar pode ser traduzida na seguinte passagem: “as normas jurídicas nunca existem sozinhas, mas sempre num contexto de normas que tem relações específicas entre si”.[8] Certamente, no início da segunda metade do século XX, a ideia de ordenamento representava uma grande novidade, principalmente nos termos trabalhados pelo jusfilósofo italiano.
O ponto determinante para a questão que aqui se ventila é que o ordenamento jurídico é uma construção teórica específica. Não é um conceito que surge, por assim dizer, “naturalmente”, na experiência jurídica. No mais, quando emprega o princípio da isonomia, ao mesmo tempo, como um princípio geral e um princípio do ordenamento, cria uma estranha simbiose: enquanto princípio geral seria a isonomia um axioma de justiça, apto a preencher os vácuos deixados pelo sistema codificado; enquanto princípio do “ordenamento” funcionaria a isonomia como uma instância epistemológica de legitimação do conhecimento jurídico. Em verdade e contexto, por exemplo, demonstro a inadequação da “continuidade” entre princípios gerais e princípios constitucionais. Só isso já dá uma tese.
No caso, está correto dizer que a isonomia impõe uma decisão igualitária no que tange ao tratamento repressivo que se dá ao furto e aos crimes tributários. Todavia, há que se ter em mente que isso se dá em face de a isonomia se apresentar como um princípio constitucional que apresenta como um fator que resolve, “pragmaticamente” o caso apresentado. A invocação da isonomia como um “princípio geral do ordenamento” enfraquece o argumento na medida em que traria para o julgador uma espécie de abertura interpretativa quando, na verdade, o que ocorre é um fechamento: a interpretação constitucionalmente adequada do caso impõe que o tratamento dos casos se dê de forma igualitária.
Vê-se, também, que a sentença em várias passagens diz estar aplicando “analogia in bona partem”. Que podemos dizer sobre a propalada figura da analogia em tempos pós-virada linguística e sob o paradigma da Crítica Hermenêutica do Direito? Demandar o artigo 3º do Código de Processo Penal também me preocupa profundamente (para usar a analogia, esta deveria estar acompanhada de interpretação conforme ou nulidade parcial sem redução de texto).[9] Isto porque a analogia remete a uma escolha. Isto é, ao juiz para garimpar o fundamento por meio de um processo que fica ao seu alvedrio, à sua vontade (vontade essa que é “do poder”, lembrando sempre o último princípio epocal da modernidade, a Wille zur Macht — pelo qual se institucionalizou o decisionismo judicial). Trata-se de uma postura positivista atrelada, ainda, ao positivismo exegético ou legalista, como costuma chamá-lo Castanheira Neves. Assim, conceitos como o de analogia e princípios gerais do direito (axiomas do século XIX) devem ser encarados também nessa perspectiva de construção de um quadro conceitual rigoroso, que representaria as hipóteses — extremamente excepcionais — de inadequação dos casos às hipóteses legislativas. Dispositivos como o do artigo 3º do CPP funcionariam como uma espécie de fechamento autopoiético do sistema jurídico, mas, na verdade, permitem discricionariedades e decisionismos, em frontal incompatibilidade com uma leitura hermenêutica do sistema jurídico, superadora do esquema sujeito-objeto (filosofia da consciência). Nesse ponto, na medida em que não há uma referência à normatividade constitucional, a analogia — feita nestes moldes — é tecnicamente inconstitucional.
Com efeito, na era dos princípios, do constitucionalismo e do Estado Democrático de Direito, não é mais possível falar em “omissão da lei” que pode ser “preenchida” a partir da analogia [e também dos costumes (quais, por sinal?) e dos princípios gerais do Direito].
Numa palavra final
Fazer teoria crítica no Brasil é uma tarefa extremamente difícil. Mormente nos anos 1980 e 1990. Isso deveria ser lembrado e reconhecido em decisões contemporâneas que, por vezes, esquecem o que se passou (e como se hoje vivêssemos o nirvana!). E, fundamentalmente, elaborar decisões críticas ou propagar a crítica do direito (penal ou processual) requer coerência e integridade. Por exemplo, se alguém gosta da tese que inventei lá nos anos 1990 e apliquei já em 1996 sobre a isonomia entre a Lei da Sonegação e os crimes patrimoniais sem violência, deveria também aplicar a inconstitucionalidade da reincidência (também sufragada por Amilton e outros — embora a tese esteja sob repercussão geral ainda não julgada, não há efeito vinculante e, portanto, não há óbice de ser aplicada), a pena abaixo do mínimo (há súmula do STJ, mas que não há efeito vinculante), a rejeição dos princípios-que-não-são-princípios como os da “confiança no juiz da causa”, enfim, outras teses que foram sendo construídas e reconstruídas por mim nestes anos todos. Veja-se que, por exemplo, a 5ª Câmara Criminal do TJ-RS ficou sozinha anulando ações penais nas quais, antes da lei de 2004, não havia sido assegurada a presença de advogado no interrogatório (à época, solitariamente, a 5ª Câmara e eu sustentávamos "solo", sem nem mesmo o apoio, na maioria das vezes, dos próprios advogados, que nem se davam conta do problema). E, hoje, entre tantas teses garantistas que devem ser professadas, a pergunta que faço é: quem está aplicando o artigo 212 do CPP que explicita o sistema acusatório no processo Penal? Não seria o artigo 212 uma regra de procedimento que assegura direitos fundamentais (leia aqui)? Insisto: quem está, efetivamente, aplicando o artigo 212 do CPP?  

Uma outra dificuldade para se falar em garantismo no Brasil — que deve ser bem compreendido como instrumento de limitação do poder estatal — está ligada a peculiaridade de o sistema criar adaptações darwinianas para problemas que são derivados de excessos praticados por algum órgão do Estado. Veja-se o caso dos embargos — sejam eles declaratórios ou infringentes — que são, de algum modo, uma maneira do sistema responder a decisões arbitrárias proferidas pelo judiciário (afinal, um sentença omissa, obscura ou contraditória pode ser considerada arbitrária, pois não? Uma vez que mal fundamentada...). No caso dos embargos infringentes — principalmente naquele caso em que a previsão, legislativa ou regimental, tem por característica possibilitar ao réu de processo penal uma espécie de novo julgamento — o que se tem é a "desconfiança" quanto à legitimidade daquele acórdão exarado da autoridade estatal. E, por vezes, com toda a razão, mormente quando a decisão guerreada viola direitos fundamentais do acusado. Nestes casos, não há como se negar o direito à revisão dos equívocos, pela simples razão de que se está diante de violação de regras atinentes ao devido processo legal e à questão da definição acerca do conceito de prova. Isso funciona como qualquer questão de inconstitucionalidade, ou seja, é, por assim dizer, “uma questão de ordem pública”, com uma dose de substancialidade que supera o aspecto procedimental (relembro, aqui, o debate que faço com as posturas procedimentalistas em Jurisdição Constitucional e Hermenêutica). Nesse sentido, minha discussão antiga acerca do papel dos predadores internos e externos do Direito, em que os embargos acabam sendo, vistos em sentido lato, lamentavelmente um mal necessário. E, de fato, o são. Ruim com eles, o caos sem eles. Por que isso é assim? A crítica do Direito vem se debruçando sobre isso.
Todavia, é necessário ter claro que essas correções sistêmicas não atingem aquilo que é o âmago do problema que e justamente o agigantamento de poder que recai sobre o Judiciário. Algo que, por sua vez, deve-se ao próprio parlamento que aprovou as mais diversas reformas — processuais e constitucionais — que conferiram ao Judiciário instrumentos de poder, nunca dantes observados em outras ordens jurídicas democráticas. Súmulas vinculantes, súmulas impeditivas de recursos, repercussão geral, enfim, tudo se encaixa em torno de uma mesma volta redonda (para homenagear Faoro). E o sistema, certamente, responde. Se de forma adequada ou não é uma outra história...
Enfim, a coluna teve esse duplo efeito: elogiar a decisão da ilustre juíza e incentivá-la no sentido de que continue nessa trilha garantidora e aumente o rol desse tipo de tese e, ao mesmo tempo, chamar a atenção para o, digamos assim, DNA da história institucional da tese adotada.
Por isso, em um país como o nosso, fazer teoria crítica pode merecer críticas... mas o mínimo que ser quer é que sejam preservadas as fontes. Como nos rótulos de água mineral! 

[1] STRECK, Lenio Luiz. O artigo 16 do Código Penal e Súmula 554 - A Injustiça de uma Antinomia não resolvida. Revista de Direito do Ministério Público, Rio Grande do Sul, v. 26, 1990.
[2] “Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.”
[3] “O pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal.”
[4] STRECK, Lenio Luiz. A filtragem hermenêutico constitucional do direito penal: um acórdão garantista. Revista Doutrina, Rio de Janeiro, v. 9, p. 390-402, 1998.
[5] STRECK, Lenio Luiz. A nova lei do imposto de renda e a proteção das elites: questão de ‘coerência’. Revista Doutrina – Instituto de Direito, n. 1, p. 484 a 496, 1996.
[6] OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Decisão judicial e o conceito de princípio: a hermenêutica e a (in)determinação do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
[7] Cf. Verdade e Consenso. 4 ed. São Paulo: Sariva, 2011, p. 173. Para uma crítica à indeterminação do conceito de princípio no âmbito do pensamento jurídico Cf. Tomaz de Oliveira, Rafael. Decisão Judicial e o Conceito de Princípio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008,passim.
[8] Cf. Norberto Bobbio. Teoria geral do direito, ob. cit., p. 173.
[9]  Art. 3º.  A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine oFacebook.
Revista Consultor Jurídico, 21 de março de 2013

quarta-feira, 20 de março de 2013

Existe "conluio" entre advogados e juízes, diz Barbosa

O presidente do Conselho Nacional de Justiça, Joaquim Barbosa, afirmou nesta terça-feira (19/3) que existe um conluio entre juízes e advogados. Durante julgamento no qual o CNJ determinou a aposentadoria compulsória de um julgador do Piauí acusado de beneficiar advogados, Barbosa disse que muitos juízes devem ser colocados para fora da carreira. "Há muitos (juízes) para colocar para fora. Esse conluio entre juízes e advogados é o que há de mais pernicioso. Nós sabemos que há decisões graciosas, condescendentes, absolutamente fora das regras", criticou Barbosa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo
O presidente do CNJ deu a declaração ao debater de forma amistosa sobre o caso do Piauí com o relator do processo, Tourinho Neto, que ficou vencido no julgamento. Tourinho Neto comentou: "Tem juiz que viaja para o exterior para festa de casamento de advogado e não acontece nada."
Em sua última sessão como conselheiro do CNJ, Tourinho Neto foi o único a votar contra a aposentadoria compulsória do juiz de Picos (PI) João Borges de Sousa Filho. Tourinho Neto afirmou que tem amizade com advogados, mas que isso nunca influenciou suas decisões. O conselheiro disse que existe juiz que instala câmera no gabinete para se precaver e posteriormente não ser acusado de beneficiar determinada parte de um processo. "Isso é terrível. Na próxima Loman (Lei Orgânica da Magistratura) vai estar que juiz não pode estar com advogado nem com Ministério Público", opinou.
Pouco depois, Tourinho comentou sobre a possibilidade de clientes escolherem advogados que são próximos a juízes. "O advogado é amigo do juiz, a parte contratada achando que vai receber benesse", disse. "E às vezes recebe um tratamentozinho privilegiado", rebateu Barbosa. Tourinho reagiu e afirmou: "Mas Vossa Excelência é dura como diabo."
Nos debates, Tourinho chegou a comentar a possibilidade de Joaquim Barbosa se candidatar à Presidência da República no próximo ano. "O juiz, na maioria dos casos, é um acovardado. Vossa Excelência foi endeusado. Quem sabe não será o próximo presidente da República?", brincou. O presidente do CNJ não respondeu.
Outra polêmicaRecentemente, Joaquim Barbosa envolveu-se em uma polêmica com associações representativas de juízes. O problema ocorreu após o presidente do STF ter concedido uma entrevista a jornalistas correspondentes estrangeiros na qual atribuiu a magistrados brasileiros mentalidade mais conservadora, pró impunidade.
Na ocasião, entidades representativas de magistrados reagiram. Em nota oficial, afirmaram que não admitem que sejam lançadas dúvidas genéricas sobre a lisura e a integridade dos julgadores brasileiros. "Causa perplexidade aos juízes brasileiros a forma preconceituosa, generalista, superficial e, sobretudo, desrespeitosa com que o ministro Joaquim Barbosa enxerga os membros do Poder Judiciário brasileiro", afirmaram as associações na nota.
Revista Consultor Jurídico, 19 de março de 2013

terça-feira, 19 de março de 2013

DIREITO DO CONSUMIDOR - O EMPRÉSTIMO DO CARRO AO FILHO POR SI SÓ NÃO CONSTITUI AGRAVAMENTO DO RISCO DO SEGURO


SÉRIE DECISÕES JUDICIAIS

 

TJMG - Embargos Infringentes Nº 1.0525.10.010536-6/002 - rel. Des. Sebastião Pereira de Souza – Dje 15/3/2013[i] – Área do Direito: Consumidor

 

AGRAVAMENTO DO RISCO. NÃO OCORRÊNCIA. EXCLUSÃO DA COBERTURA. INADMISSIBILIDADE. Não caracteriza intencional agravamento de risco a entrega de veículo a terceiro até então sóbrio, que após, já na posse do veículo, ingeriu bebida alcoólica e, em estado de embriaguez,  envolveu-se em acidente. Comprovado nos autos que o filho do segurado estava em perfeitas condições de dirigir quando recebeu o veículo, devida a indenização securitária, visto que o estado de embriaguez não pode ser imputado ao segurado. Embargos acolhidos.

 

 

Resenha

 

Trata-se de acórdão em embargos infringentes versando sobre a pretensão do consumidor ao recebimento de cobertura securitária contratada para o veículo de sua propriedade. Os autos dão conta de que o contratante/segurado emprestou o carro, objeto do seguro, ao filho, maior e devidamente habilitado, que, no retorno para casa, após ingerir bebida alcoólica, acabou colidindo com um muro de proteção de uma avenida, provocando inúmeros danos ao veículo, causando-lhe “perda total”. Com fundamento no artigo 768, do Código Civil e com base em cláusula limitativa de direito, prevista nas Condições Gerais do seguro, a seguradora negou pagamento do sinistro.

 

Em primeiro grau, os pedidos foram julgados parcialmente procedentes, para condenar a seguradora a efetuar o pagamento do seguro contratado. Inconformada, a seguradora apelou da decisão. Por ocasião do julgamento da apelação, o então relator do processo, Desembargador Wagner Wilson Ferreira, negava provimento ao recurso da seguradora, afirmando que o fato de emprestar o veículo ao filho por si só não agrava o risco do seguro, sobretudo porque, no momento do empréstimo, o filho ainda não havia ingerido bebida alcoólica.

O revisor, Desembargador José Marcos Rodrigues Vieira, abriu a divergência salientando que, no mínimo, a relação de pai e filho constituía um ato de preposição, sendo o pai responsável pelos atos do filho. Salientou, ainda, que o fato de o filho ter feito uso de bebida alcoólica somente após o empréstimo do veículo não afastava o agravamento do risco. Com este fundamento, dava provimento à apelação da seguradora. Seu voto foi seguido pelo vogal, desembargador Francisco Batista Abreu.

 

Considerando que o acórdão não foi unânime e que houve reforma do mérito da sentença, o contratante/segurado interpôs embargos infringentes, o qual, por maioria de votos foi provido para resgatar o voto vencido do Desembargador Wagner Wilson Ferreira e restabelecer os efeitos da sentença de primeiro grau.

 

O acórdão dos embargos infringentes está em perfeita consonância com o entendimento do c. STJ. Em que pese a divergência ter mantido seu posicionamento, a presunção de que o contratante/segurado tem por obrigação não permitir que o veículo segurado seja conduzido por pessoa em estado de embriaguez é válida e esgota-se, efetivamente, até a entrega do veículo a terceiro (REsp 995.861/SP ).

 

Se fizermos uma leitura mais atenta do artigo 768, do Código Civil, perceberemos que o legislador não teve outra intenção senão afastar a cobertura nos casos em que o segurado agrava intencionalmente o risco do seguro, o que não é o caso dos autos. O referido artigo dispõe que: “O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato”.

 

O condutor do veículo não era o segurado, mas seu filho. Também não existe prova de que ele havia ingerido bebida alcoólica antes de receber o carro de seu pai, logo, não há que falar que o segurado (pai) teve intenção de agravar o risco do seguro.

 

Neste sentido, o acórdão dos embargos infringentes não merece reparos, até porque, este é o entendimento já consolidado do c. Superior Tribunal de Justiça. Confira os seguintes julgados: AgRg no REsp 1196799/MG; EDcl no REsp 995.861/SP; REsp 578.290/PR; STJ; AgRg-REsp 1.149.460; RESP 1097758/MG.

 

Luiz Cláudio Borges

Mestrando e Direito Constitucional e Democracia, pela FDSM, Especialista em Direito Civil e Processo Civil, CPG-FADIVA. Professor da Unilavras e Unifenas. Advogado.

 

 


Não caracteriza intencional agravamento de risco a entrega de veículo a terceiro até então sóbrio, que após, já na posse do veículo, ingeriu bebida alcoólica e, em estado de embriaguez,  envolveu-se em acidente.

Comprovado nos autos que o filho do segurado estava em perfeitas condições de dirigir quando recebeu o veículo, devida a indenização securitária, visto que o estado de embriaguez não pode ser imputado ao segurado.

Embargos acolhidos.

 

Embargos Infringentes Nº. 1.525.10.010536-6/002 – Pouso Alegre – Embargante: Vitor Antônio Caetano

Embargado: Indiana Seguros S.A.

 

 

A C Ó R D Ã O

 

Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos em  ACOLHER OS EMBRAGOS INFRINGENTES, VENCIDOS O 2º E 3º VOGAIS.

DES. SEBASTIÃO PEREIRA DE SOUZA

Relator.


 

Des. Sebastião Pereira de Souza (RELATOR)

V O T O

Conheço do recurso, pois presentes os pressupostos de admissibilidade.

Colhe-se dos autos que o embargante emprestou seu veículo, segurado pela embargada, ao seu filho que, após estar na posse do automóvel, ingeriu bebida alcoólica e, sob efeito de álcool, envolveu-se em acidente no dia 17/05/2009, fato que ensejou a recusa da cobertura securitária.

 

Pretende o embargante resgatar o voto minoritário do Relator, Des. Wagner Wilson, que decidiu pela manutenção da sentença, considerando que “não restou demonstrado o agravamento do risco apto a afastar a cobertura sucuritária”, pois no momento em que o embargante entregou o veículo para seu filho, este estava sóbrio.

 

Cediço que o estado de embriaguez constitui agravamento do risco capaz de afastar a obrigação da seguradora em indenizar os prejuízos resultantes do sinistro, conforme prescreve o art. 768 do Código Civil, in verbis: 'O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato'.

 

Ocorre que, no caso dos autos, o condutor do veículo não era o segurado, mas seu filho, o qual estava sóbrio no momento em que recebeu de seu pai o automóvel, conforme comprova o depoimento testemunhal de f. 117, que revelou que três horas antes do acidente o rapaz, já de posse do veículo segurado, ainda não havia ingerido bebida alcoólica.

 

Logo, não houve um agravamento intencional do risco por parte do segurado.

 

O STJ firmou entendimento de que a presunção de que o contratante-segurado tem por obrigação não permitir que o veículo segurado seja conduzido por pessoa em estado de embriaguez é válida e esgota-se, efetivamente, até a entrega do veículo a terceiro:


“CIVIL. AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. SEGURO. EMBRIAGUEZ DE TERCEIRO CONDUTOR. FATO NÃO IMPUTÁVEL À CONDUTA DO SEGURADO. EXCLUSÃO DA COBERTURA. IMPOSSIBILIDADE.- A culpa exclusiva de terceiro na ocorrência de acidente de trânsito, por dirigir embriagado não é causa de perda do direito ao seguro, por não configurar agravamento do risco provocado pelo segurado. Precedentes.- Agravo não provido”.(AgRg no REsp 1196799/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/08/2012, DJe 10/08/2012)

 

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA.CONTRATO DE SEGURO DE VEÍCULO. EMBRIAGUEZ DE TERCEIRO CONDUTOR (PREPOSTO). FATO NÃO IMPUTÁVEL À CONDUTA DO SEGURADO. EXCLUSÃO DA COBERTURA. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.1. A perda do direito à indenização deve ter como causa a conduta direta do segurado que importe num agravamento, por culpa ou dolo, do risco objeto do contrato. A presunção de que o contratante-segurado tem por obrigação não permitir que o veículo segurado seja conduzido por pessoa em estado de embriaguez é válida e esgota-se, efetivamente, até a entrega do veículo a terceiro.Precedentes.2. Da leitura das razões expendidas na petição de agravo regimental, não se extrai argumentação relevante apta a afastar os fundamentos do julgado ora recorrido. Destarte, nada havendo a retificar ou acrescentar na decisão agravada, deve esta ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos.3. Agravo regimental desprovido”.(EDcl no REsp 995.861/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 18/08/2009, DJe 31/08/2009)

 

Assim, restando comprovado que no momento em que o segurado entregou o veículo ao seu filho este estava em perfeitas condições de conduzir o veículo, tem-se por indevida a negativa de cobertura securitária.

 

CONCLUSÃO

 

Com estes fundamentos, pedindo vênia aos ilustres colegas prolatores do voto majoritário, acolho os embargos infringentes, para resgatar o voto minoritário do Des. Wagner Wilson. Em conseqüência, nego provimento ao primeiro recurso de apelação interposto pela ora embargada, mantendo a r. sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais da ação de cobrança de indenização securitária ajuizada pelo embargante.

 

Custas recursais, pela embargada.

 

É como voto.

 

 

Des. Otávio de Abreu Portes (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

Des. Wagner Wilson Ferreira

V O T O

De acordo com o relator, mantendo meu voto da maneira como exarado quando do julgamento do recurso de apelação.

 

Des. José Marcos Rodrigues Vieira

V O T O

Mantenho o posicionamento por mim esposado quando do julgamento da Apelação, pois a responsabilidade do segurado assumida na apólice de seguro não se interrompeu no momento em que transferiu o veículo para o seu filho. Aliás, estabeleceu-se aí uma nítida relação de preposição, conforme melhor explicitado no voto que proferi em sede de Apelação.

 

Assim, peço vênia ao Relator para dele divergir e rejeitar os embargos infringentes.

 

Des. Francisco Batista de Abreu

V O T O

<Nada a ser mudado no acórdão ora embargado, data venia.

Rejeito os embargos.

Custas pelo Embargante. >


 



[i] O acórdão encontra-se disponível no sitio do TJMG.

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...