terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

UM MANUAL PARA CONTRATOS E ACORDOS ENTRE SÓCIOS


Por Robson Pereira

Caricatura: Robson Pereira - Colunista [Spacca]
O contrato social está na raiz de toda pessoa jurídica. É ele o instrumento que vai definir a existência e o funcionamento da empresa, estabelecendo, nos limites da lei, como se dará a administração da sociedade, quais os poderes do administrador, a relação entre os sócios e a forma como o patrimônio será gerenciado, entre outras questões vitais. Não são poucos os que apontam o contrato social como o instrumento jurídico de maior relevância dentro da empresa. Bem elaborado, pode evitar uma infinidade de problemas. Mal redigido, no entanto, pode se tornar uma fonte de desavenças e um perigoso atalho para longas e caras batalhas judiciais.

Apesar de tamanha importância, milhares de empresas são criadas a cada ano com base em modelos de contratos integralmente copiados de outras sociedades, muitas com negócios e realidade completamente distintas, como se fosse apenas um formulário a mais a ser preenchido. "Na maioria dos casos, um único formulário, um único modelo, é usado para a constituição de toda e qualquer sociedade, o que representa um risco, pois sociedades e sócios são diferentes", adverte o advogado e professor Gladston Mamede, em Manual de Redação de Contratos Sociais, Estatutos e Acordos de Sócios, escrito em parceria com a mulher, Eduarda Cotta Mamede, também advogada.
O livro segue metodologia já utilizada pelo casal em Holding Familiar e suas Vantagens (em sua quarta edição), Blindagem Patrimonial e Planejamento Jurídico (terceira edição) e Empresas Familiares, lançado no ano passado. "Em todos esses casos, deixamos de lado a doutrina densa e aspectos conceituais que dificilmente seriam aplicados, e optamos por uma demonstração clara de como se faz", afirmam os autores. O objetivo, segundo eles, é levar aos leitores "elementos da tecnologia jurídica de ponta ligada às empresas". Dentro dessa proposta, consideram o Manual de Redação de Contratos Sociais o projeto mais ousado.
O livro tem como público-alvo advogados, contadores, administradores de empresa, consultores empresariais e todos os que trabalham com a constituição de empresas. Gladston e Eduarda não fogem da fórmula de modelos, mas inovam ao reunirem centenas de alternativas de cláusulas, contemplando as mais diversas situações, ao invés de documentos inteiros. A fórmula, segundo eles, permite ao profissional compor, com rapidez, atos constitutivos que atendam às leis e reflitam as especificidades dos negócios de seus clientes. "Basta identificar os modelos de cláusulas que atendem ao caso concreto e montar o contrato social ou o estatuto", afirma Gladston.
Com 536 páginas, o Manual foi dividido em quatro grandes áreas. Na primeira, os autores destacam a importância da tecnologia jurídica na rotina diária dos escritórios, acentuam os aspectos básicos que envolvem a redação de instrumentos jurídicos, as vantagens e desvantagens do uso de modelos de contratos e estatutos, os procedimentos legais relacionados ao registro da sociedade e um fundamental "guia de uso" do livro. Os capítulos seguintes são dedicados ao contrato social, propriamente dito, estatuto social e acordos de sócios, sempre com base em um vasto banco de cláusulas-modelo, a serem combinadas de acordo com as especificidades dos negócios." É um segredo guardado por grandes bancas de advocacia e que, agora, está à disposição de todos, para, assim, alterar a importância que o ato constitutivo tem sobre qualquer sociedade", afirma Gladston Mamede.
Serviço: 
Titulo: Manual de Redação de Contratos Sociais, Estatutos e Acordos de Sócios
Autores: Gladston Mamede e Eduarda Cotta Mamede
Editora: Atlas
Edição: 1ª Edição — 2013
Número de Páginas: 536
Preço: R$ 71,10
Titulo: Holding Familiar e Suas Vantagens 
Autores: Gladston Mamede e Eduarda Cotta Mamede
Editora: Atlas
Edição: 1ª Edição — 2011
Número de Páginas: 176
Preço: R$ 49,00
Título: Blindagem Patrimonial e Planejamento Jurídico
Autores: Gladston Mamede e Eduarda Cotta Mamede
Editora: Atlas
Edição: 1ª Edição — 2012
Número de páginas: 160
Preço: R$ 37,00
Titulo: Empresas Familiares
Autores: Gladston Mamede e Eduarda Cotta Mamede
Editora: Atlas
Edição: 1ª Edição — 2012
Número de páginas: 224
Preço: R$ 49,00
Robson Pereira é editor da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 25 de fevereiro de 2013

PROJETO INCLUI PESSOA JURÍDICA EM CRIME DE CORRUPÇÃO


O Projeto de Lei 4.895/2012 está pronto para ser votado na Câmara dos Deputados, trazendo como novidade a inclusão de pessoas jurídicas entre os agentes que podem responder por crime de corrupção. De acordo com a proposta, empresas ou organizações não-governamentais (ONG) que incorrerem nesse tipo de crime ficarão sujeitos a multas no valor de 10% a 25% do faturamento bruto do ano anterior ao ato. Além disso, serão impedidas de contratar com o Poder Público pelo prazo de três a seis anos.
Os envolvidos — tanto empresários quanto seus funcionários e servidores públicos — ainda poderão ser responsabilizados individualmente, com o agravamento das penas. O texto cria, ainda, a forma penal "corrupção ativa", com pena prevista de 3 a 12 anos de reclusão.
A propósito, o projeto torna mais rigorosas as punições para os crimes contra a administração pública. Atualmente, o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940) prevê pena de 2 a 12 anos de reclusão para o crime de corrupção. A proposta amplia essa pena para 3 a 12 anos; e estabelece punição de 4 a 15 anos para a chamada "corrupção qualificada".
O projeto define os casos de corrupção qualificada da seguinte forma:
- o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício, pratica-o infringindo dever funcional, viola lei ou normas administrativas;
- causa elevado prejuízo ao erário ou ao patrimônio público;
- desvia valores ou bens, causa prejuízo ou mal uso de recursos destinados a serviços públicos essenciais (saúde, educação, previdência, assistência social, segurança pública ou atendimento a emergências).

O texto também inova ao imputar as mesmas responsabilidades de funcionário público a todo agente que administre recursos públicos, ainda que recebidos em caráter de convênio ou repasse voluntário. O objetivo da medida é enquadrar dirigentes de organizações não-governamentais.
Para a prática de concussão — constranger alguém mediante violência ou grave ameaça, valendo-se da condição de funcionário público para tolerar ou deixar de fazer alguma coisa — o aumento do rigor é ainda maior. A pena prevista passa a ser reclusão de 5 a 12 anos. Hoje, pelo Código Penal, são 2 a 8 anos. Com informações da Agência Câmara.
Revista Consultor Jurídico, 25 de fevereiro de 2013

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

PROCESSO CIVIL - CONSIDERAÇÕES SOBRE A PEC PELUSO




Júlio Bernardo do Carmo


Artigo publicado no Migalhas do dia 08/12/2011


A PEC Peluso (clique aqui) procura, com a introdução de dois dispositivos na Constituição Federal (clique aqui), acabar com a profusão de recursos hoje existentes no sistema processual brasileiro e, ao mesmo tempo, tornar mais célere o trânsito em julgado das decisões proferidas pelos tribunais de segunda instância, possibilitando com isso a antecipação da efetivação da sentença condenatória que, mesmo na pendência de recurso extraordinário ou especial, transitaria imediatamente em julgado e propiciaria de imediato a sua execução definitiva.

Vejamos primeiro qual é o teor dos dispositivos constitucionais aventados, para depois traçarmos uma ligeira crítica doutrinária a respeito da proposta formulada pelo ministro Peluso.


Art. 105-A . A admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial não obsta o trânsito em julgado da decisão que os comporte. 1


Parágrafo único. A nenhum título será concedido efeito suspensivo aos recursos, podendo o Relator, se for o caso, pedir preferência no julgamento.

Art. 105-B . Cabe recurso ordinário, com efeito devolutivo e suspensivo, no prazo de quinze (15) dias, da decisão que, com ou sem julgamento de mérito, extinga processo de competência originária:


I - de Tribunal local, para o Tribunal Superior competente;

II - de Tribunal Superior, para o Supremo Tribunal Federal.

A primeira observação que se faz é a de que tanto o recurso extraordinário como o especial perdem a sua característica essencialmente recursal, uma vez que se a decisão judicial da segunda instância transita imediatamente em julgado, possibilitando a execução definitiva do bem de vida conferido no acórdão exequendo, desapareceria, logicamente, o instituto da execução provisória da decisão proferida pela segunda instância.

O instituto da execução provisória continua manejável contra as decisões de primeira instância, só que ao ser proferida a decisão do tribunal de segunda instância, a execução provisória imediatamente converte-se em definitiva.

O veto total ao instituto da execução provisória, seja quanto a acórdão proferido pelo tribunal estadual ou pelo tribunal superior, só ocorre no âmbito dos processos de competência originária de ambas as cortes de justiça, uma vez que, nesta hipótese, tendo a decisão hostilizada extinto o processo com ou sem julgamento de mérito, o recurso cabível é o ordinário, que ostenta, concomitantemente, dois efeitos processuais, ou seja, tanto o efeito devolutivo quanto o suspensivo, sendo que este último efeito, como é curial, obsta o manejo do instituto jurídico da execução provisória.

Todavia, o que se infere da literalidade da proposta contida no art. 105-A da PEC Peluso é que, não sendo a decisão hostilizada extintiva do feito, cabe o recurso com efeito apenas devolutivo para o tribunal superior competente, se a decisão for proferida pelo tribunal estadual e recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal, se a decisão for proferida por tribunal superior.

Agora vem a primeira dúvida.

Se a ideia é antecipar o trânsito em julgado da decisão proferida em segunda instância, o recurso ordinário não quebraria essa regra crucial quando admite expressamente recurso (e não meio impugnativo com efeito desconstitutivo ou de rescisória imprópria) com efeito devolutivo e suspensivo de decisão proferida por tribunal estadual ou superior que extinga o processo de sua competência originária, com ou sem julgamento de mérito?

Tanto o Tribunal Superior de Justiça quanto o Supremo Tribunal Federal não continuariam com competência meramente recursal na hipótese supra apontada, quebrando-se assim o mito da irrecorribilidade das decisões de segunda instância?

A mim me parece não poder ser outro o entendimento, caso contrário poderíamos tirar a falsa ilação de que, quando a decisão não extingue o processo com ou sem julgamento de mérito, nas chamadas competências originárias (sendo que a PEC só especifica a competência originária dos tribunais, estaduais ou superiores, deixando de mencionar a competência originária de primeira instância), não caberia recurso algum.

Isto feriria qualquer lógica processual a par de deitar por terra princípios constitucionais consagradores do direito do cidadão, seja ao devido processo legal ou à ampla defesa, sendo que, tanto em uma quanto em outra situação, seria exterminado ex-radice o Estado Democrático de Direito, porque decisões que não venham a extinguir o processo com ou sem julgamento de mérito, sendo exemplo delas a que apenas julgam procedente ou improcedente a ação proposta, seriam irrecorríveis.

Não há lógica, bom senso ou razoabilidade na afirmativa supra, razão pela qual a consequência plausível que se pode extrair do artigo 105-B da PEC Peluso é a de que, não sendo a decisão originária extintiva do feito, cabe igualmente recurso para o tribunal competente, só que com efeito apenas devolutivo, desprezado o efeito suspensivo, porque a suspensividade não foi prevista para esta hipótese de decisão, ou seja, para os processos que não sejam extintos com ou sem resolução do mérito e sim apenas para os processos que sejam efetivamente extintos, o que exclui necessariamente os processos que continuam tramitando normalmente na justiça competente, após a decisão de mérito, concessiva ou denegatória da pretensão de direito material.

Esta poderia ser, em tese, uma incongruência contida na PEC Peluso e por isso abordo a sistemática adotada para chamar a atenção dos estudiosos sobre esta questão: qual a extensão do recurso cabível contra as decisões judiciais que não extingam o processo?

Como a estrutura do Estado Democrático de Direito exige sim a existência de impugnabilidade recursal às decisões que julgam procedentes ou improcedentes a pretensão de direito material versada na ação, a conclusão inarredável é a de que o recurso que venha a ser previsto na legislação processual, teria efeito apenas devolutivo e possibilitaria o uso da execução provisória, que só seria convertida em definitiva com a decisão final da segunda instância.

Curial observar todavia que, como dito alhures, se a pretensão da PEC Peluso é antecipar o trânsito em julgado das decisões de segunda instância, tal antecipação fica frustrada diante do manejo de recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal, quando se trata de processo de competência originária de Tribunal Superior e o mesmo é extinto com ou sem julgamento de mérito.

Há, nesta hipótese, devolutividade recursal à Suprema Corte que poderá ou não manter a decisão judicial objurgada e se vier a reformá-la mostra-se lógico que o trânsito em julgado seria transferido do tribunal superior para o Supremo Tribunal Federal, que passaria em caráter de exceção a ostentar a natureza de última instância revisora, ferindo-se toda a lógica da PEC Peluso.

E mais, uma vez provido o recurso ordinário pelo Supremo Tribunal Federal (em matéria de competência originária com extinção do processo com ou sem julgamento de mérito), o processo deve volver à instância competente, seja para o tribunal estadual ou para o tribunal superior, para que a ação retome seu curso normal, quando novas e sucessivas impugnações recursais podem ser abertas, porque não seria admissível, e.g., que a decisão meritória seja do tribunal estadual ou do tribunal superior fosse irrecorrível.

Quando a decisão de mérito recorrível é do tribunal estadual, em competência originária, caberia, em tese, recorribilidade ordinária para o Tribunal Superior, sem prejuízo do recurso de índole extraordinária ou desconstitutiva, que tem natureza diversa, eis que o primeiro visa reformar a decisão originária do tribunal estadual e o segundo a desconstituí-la, total ou parcialmente, no exato limite do provimento do apelo extremo.

Esta atuação recursal anômala do Supremo Tribunal Federal não implodiria a lógica da PEC Peluso, já que a sua pedra de toque é antecipar o trânsito em julgado para a segunda instância e transformar os recursos extraordinário e especial em vias impugnativas desconstitutivas ou em verdadeiras rescisórias impróprias? 2

Com relação ao artigo 105-A da PEC Peluso, pode-se dizer que como o recurso extraordinário e o especial não obstam o trânsito em julgado da decisão que os comporte, resta criada uma figura especial de ação rescisória ou quando menos uma via impugnativa com efeito desconstitutivo, eis que, já transitada em julgado a decisão da segunda instância, se sobrevier provimento aos recursos de índole extraordinária, lógico que o seu efeito não é o meramente reformador do acórdão do tribunal e sim o desconstitutivo do mesmo, na exata extensão de seu provimento.

Como decorrência lógica da proposta inserida no artigo 105-A da PEC Peluso, os recursos de índole extraordinária perdem a atual característica que ostentam na Constituição em vigor, porque não mais servirão apenas ao propósito de uniformizar a jurisprudência dos tribunais ou de preservar a uniformidade de interpretação seja de texto de lei Federal ou constitucional, passando a ostentar igualmente efeito desconstitutivo da decisão judicial objurgada.

Seria totalmente destituída de fundamento jurídico a tese juridica de que, como a ideia da PEC Peluso é preservar a compêtencia do Supremo Tribunal Federal como Corte exclusivamente constitucional (excepcionada a hipótese, não completamente inteligida, de competência meramente recursal da Corte Suprema quando aprecia no âmbito do recurso ordinário a decisão do tribunal superior que, em matéria de competência originária, extingue o processo com ou seu resolução de mérito), a última palavra sobre a uniformização da lei Federal e da jurisprudência nacional ficaria a cargo dos Tribunais Estaduais.

Os incautos defensores dessa inusitada tese jurídica indagariam então como seria feita a uniformização da lei Federal ou da jurisprudência discrepante dos valores consagrados na lei Federal ou na Constituição da República, relativamente aos processos que transitam em julgado na segunda instância e onde o atual recurso extraordinário e especial passam a figurar de forma anômala como rescisória imprópria?

Cada Estado da Federação será revestido agora de soberania para interpretar e uniformizar o entendimento sobre a lei Federal e a Constituição da República?

Lógico que não.

Na PEC Peluso, em que pese revestido da natureza anômala de rescisória imprópria, os requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial continuam sendo os atualmente traçados na Carta da República, competindo sim ao Supremo Tribunal Federal e ao Tribunal Superior de Justiça a tarefa de continuar preservando a higidez do direito nacional, tanto no aspecto infra-constitucional como no aspecto constitucional propriamente dito.

A única singularidade é de que os recursos de índole extraordinária, atualmente previstos na Constituição da República, além de sua função de preservar a higidez do direito nacional, passam também a ostentar a natureza juridica de via impugnativa extraordinária com efeito rescisório ou desconstitutivo, pois, como dito alhures, seu provimento não implicará em reforma da decisão judicial atacada e sim em sua desconstituição, no exato limite do provimento concedido, podendo ter efeito desconstitutivo total ou parcial.

O perigo da PEC Peluso, nesta hipótese, reside exatamente no provimento total ao recurso de índole extraordinária, porque o mesmo poderá vir a desconstituir tardiamente a decisão judicial objurgada, porque sendo definitiva a decisão proferida pela segunda instância (ressalvada logicamente as hipóteses de extincão de processo em matéria de competência originária) e já ultimada a execução, com plena satisfatividade do direito material contemplado no julgado, aflorar-se-ia uma situação de extrema periclitância que poderá ocasionar ao demandado um prejuízo de natureza irreversível, uma vez que, já convertido em pecúnia o bem de vida objeto da execução e já transferido para o patrimônio do exequente de forma definitiva, não raro com sua pronta exaustão para atender às necessidades materiais do ganhador da causa, como seria feita uma compensação pecuniária condigna ao demandante vitorioso na instância extraordinária, principalmente quando o patrimônio do beneficiado pela decisão transitada em julgado já se encontra totalmente exaurido?

E a crucial questão dos recursos de índole extraordinária manejados em matéria penal onde o condenado definitivamente em segunda instância, é recolhido à prisão e amarga a privação preciosa de sua liberdade, constatando-se posteriormente quando da apreciação do recurso extraordinário que o réu tinha razão?

O suposto réu amargará uma prisão indevida sem qualquer compensação pela ofensa perpetrada à sua dignidade pessoal?

O próprio ministro Peluso acena para o fato de que mostram-se raros os casos de total procedência dos recursos de índole extraordinária, mas como o prejuízo pode efetivamente ocorrer, não poderia ser idealizada uma forma de minimizar-lhe a consequência?



Ora, como a decisão judicial é um ato estatal privativo, nada mais lógico do que, naqueles casos em que o recurso de índole extraordinária vier a ser apreciado tardiamente, tornando inócuo o seu novel efeito desconstitutivo, deveria ser assegurado ao vencedor da demanda uma hipótese de ser plenamente ressarcido dos prejuízos que sofreu, devendo sim haver responsabilidade da União Federal para aqueles casos onde mostrar-se impossível a reversão ao statu quo ante, ou seja, quando o patrimônio do litigante beneficiado pelo antecipado trânsito em julgado da decisão definitivamente executada não tiver lastro para reparar o prejuízo imposto ao ganhador da causa ou onde o réu cumprir pena indevida em face de decisão favorável do recurso excepcional interposto.

Basta inserir na PEC Peluso um dispositivo com esta garantia, ou seja, a de que nos casos em que a análise do recurso de índole extraordinária vier a ser feita tardiamente, haverá responsabilidade da União Federal, uma vez constatada a impossibilidade de reversão ao estado anterior, ficando a União com o direito de regresso para ressarcir-se oportunamente, quando o patrimônio do beneficiado com o trânsito antecipado do julgado o comportar.

Essa responsabilidade da União Federal compensa a meu ver a redução de recursos e coloca mais equilíbrio na equação constitucional de se garantir ao demandante um processo célere e eficaz, sem prejuízo do direito constitucional que o demandado ostente de ver-se ressarcido contra ato jurisdicional do Estado que, aviando meios de pacificar prontamente os litigios judiciais, venha ocasionalmente a perpetrar prejuízo de impossível reparação ao executado.

Acrescentando-se este grão de sal, creio que a PEC Peluso poderá cumprir sua missão basilar, ou seja, prestar aos cidadãos uma tutela jurisdicional célere e eficaz, sem lesionar a ninguém, já que a verdadeira justiça, além de atribuir a cada um o que efetivamente lhe pertence, não pode servir de instrumento de aniquilamento de direitos, sob pena de perpetrar-se indevida desonestidade.

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1A PEC deve ser abrangente e abarcar em sua teleologia todo o Poder Judiciário do pais e não apenas a Justiça Comum e a Federal, devendo igualmente ser contemplada a Justiça do Trabalho, onde sua necessidade é ainda mais premente, tendo em vista a natureza alimentar dos créditos trabalhistas. Ao artigo 105-A da PEC deve ser incluído igualmente o recurso de revista para o Colendo Tribunal Superior do Trabalho, que, ostentando a natureza de recurso de naureza extraordinária, seria igualmente guarnecido de efeito misto, uniformizador do direito nacional em matéria de direito do trabalho e desconstitutivo, pois a decisão do recurso de revista não apenas reformaria o acórdão regional e sim o desconstituiria, na exata extensão do provimento concedido. Com isto torna-se desnecessário o uso da ação rescisória para reverter a situação ao estado anterior, naqueles casos em que o recurso de revista for provido.

2 Para evitar que tanto o Superior Tribunal de Justiça quanto o Supremo Tribunal Federal venham a ostentar competência exclusiva recursal nos processos de competência originária dos tribunais, a solução, a meu ver, seria que nesses processos (competência originária dos tribunais) o julgamento das demandas deveria ser iniciado necessariamente pelos órgãos fracionários da Corte de Justiça, com previsão de recurso interno seja para o órgão especial (ou órgão equivalente, dependendo da organização judiciária) ou para o Tribunal Pleno, que atuariam sim como última instância revisora, cabendo a partir daí a interposição de recursos excepcionais (extraordinário, especial e revista) para os tribunais superiores (Superior Tribunal de Justiça e Tribunal Superior do Trabalho) e para o tribunal ápice do país. (Supremo Tribunal Federal). A vantagem dessa alteração é a de que nos processos de competência originária dos tribunais, a decisão igualmente transitaria em julgado na própria Corte de Justiça, cabendo a partir daí a interposição do recurso excepcional com efeito misto, revisor e desconstitutivo do acórdão impugnado, na exata extensão de seu provimento. A PEC Peluso com esta alteração seria, a meu ver, perfeita e colocaria o Supremo Tribunal Federal na condição almejada e alcandorada de exclusivamente tratar de matéria constitucional. Para tanto, deveria ser modificada a redação do art. 105-B da PEC Peluso que passaria a figuarar com a seguinte redação: 105-B. Nos processos de competência originária dos tribunais o julgamento será iniciado necessariamente nos órgãos fracionários, atuando o Tribunal Pleno como última instancia revisora. Parágrafo único. Da decisão do Tribunal Pleno, em competência originária, cabe recurso de índole extraordinária: I – de Tribunal local, para o Tribunal Superior competente; II – de Tribunal Superior, para o Supremo Tribunal Federal. A vantagem dessa alteração substitutiva é a de que não se faz distinção entre o processo que é extinto com ou sem resolução de mérito com o processo que aprecia o mérito da pretensão de direito material veiculada na demanda, com a vantagem de que, em quaisquer dessas situações, a decisão transitará em julgado no âmbito do tribunal, seja local ou superior, que ostente competência originária.

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Desembargador do TRT da 3ª região, integrante da 4ª turma e da 2ª SDI.
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FABRICADOS PARA NÃO DURAR



Um excelente documentário  que retrata muito bem a política de absolescência programada de produtos.

ACERVO DE LIVROS DO STJ É REFERÊNCIA NO MUNDO JURÍDICO

A Biblioteca Oscar Saraiva é uma joia exposta no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Com 1.770 metros quadrados de área, ela não é tão grande quanto a Biblioteca Central da Universidade de Brasília (UnB), que tem quase 18 mil metros quadrados. O acervo, abrigando cerca de 171 mil livros e periódicos, é menor que o da Biblioteca do Senado, que dispõe de mais de 213 mil itens, entre livros, periódicos e obras raras. Ainda assim, a Biblioteca do STJ é referência para o mundo jurídico e uma das mais modernas e versáteis do país. 

José Ronaldo Vieira, chefe da seção de Biblioteca Digital e coordenador interino da biblioteca, destaca que hoje o setor tem a segunda maior coleção de textos jurídicos do país. “A única que nos supera é a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, mas apenas porque ela é a depositária do patrimônio bibliográfico e documental nacional e, obrigatoriamente, recebe exemplares de todas as publicações do Brasil. Mas entre as coleções específicas sobre temas jurídicos, somos a maior do país”, explica o coordenador. 

Um pouco de história

A biblioteca foi criada em 28 de junho de 1948, ainda nos tempos do Tribunal Federal de Recursos (TFR), com sede no Rio de Janeiro. No início, a coleção era voltada exclusivamente para o atendimento dos ministros. Em 1960, a sede do TFR foi transferida para Brasília, mas a biblioteca permaneceu no Rio até 1969. Em 1972, passou a ter o nome em homenagem ao ministro Oscar Saraiva, responsável pela construção da antiga sede do TFR. 

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o STJ foi criado e absorveu a estrutura do extinto TFR. No ano seguinte foi iniciado o processo de automação e informatização do acervo, e em 1995 a biblioteca foi definitivamente transferida para a atual sede do STJ. 

A Biblioteca Oscar Saraiva tem recebido diversas coleções de juristas famosos, como a do professor José Frederico Marques e, mais recentemente, a de Caio Mário, com obras nacionais e estrangeiras e alguns exemplares raros. Já é tradição que os ministros, ao se aposentar, deixem pelo menos parte dos seus livros para o acervo do Tribunal. 

Além das doações, o acervo é mantido constantemente atualizado com a compra de novas obras por licitação. Wilmar Barros de Castro, secretário de Documentação do STJ, explica que, a cada aquisição, as obras são catalogadas para facilitar a busca on-line pelos usuários. 

Tatiana Barroso de Albuquerque, chefe da Seção de Acervos, informa que livros sobre legislação desatualizados ou repetidos são doados para instituições cadastradas, mas “alguns são mantidos para fins históricos e de pesquisa”. 

Além do direito 

Nem só de direito vive a biblioteca. Também são comprados livros de áreas específicas, como administração e comunicação, segundo as necessidades dos diversos setores do Tribunal. Tatiana Barroso aponta que essas obras não são consideradas acervo da biblioteca, pois são cedidas para as unidades solicitantes na condição de empréstimo especial, renovado todo ano. Em 2012 foram adquiridos 2.651 livros, 71 deles fora da área jurídica. 

Outro serviço não ligado ao direito é a estante do Livro Livre, onde os usuários deixam ou pegam livremente livros, CDs e DVDs sobre os mais diversos assuntos. O coordenador José Ronaldo Vieira conta que a iniciativa foi lançada em 2009, e que esses livros também não fazem parte do acervo. “O Livro Livre é um projeto social que visa estimular a leitura via circulação sem barreiras de livros”, comentou. 

Um dos maiores destaques da Oscar Saraiva é a coleção de obras raras, uma das maiores da América Latina no segmento jurídico. O volume mais antigo é Decisionum Senatus Regni, de Belchior Febo, publicado em 1623. Outro livro muito antigo éCommentaires Sur Les Loix Angloises, publicado em Bruxelas, primeira tradução para idioma estrangeiro de uma das mais importantes obras sobre o direito inglês, escrita em 1756 pelo juiz e catedrático William Blackstone. 

Também há edições históricas de autores nacionais, como a última edição em vida de Princípios Elementares de Direito Internacional Privado, de Clóvis Beviláqua, autor do projeto do Código Civil de 1916. No total, são 2.580 volumes raros mantidos em uma sala trancada e climatizada. 

Walmir Barros explica que a conservação física da coleção é responsabilidade do Laboratório de Gestão de Documentação, não vinculado à biblioteca, mas que trabalha em parceria com ela. “Há vários desafios para a manutenção e restauração, pois alguns são encadernados em couro, outros em papiro e há volumes que exigem especial cuidado na manipulação”, disse. Grande parte das obras raras já foi digitalizada e pode ser consultada virtualmente. 

Novas tecnologias

A informatização da biblioteca e a digitalização do acervo são mesmo prioritárias. A prova é a criação da Biblioteca Digital Jurídica (BDJur), em 2004. A BDJur é uma ampla coleção de documentos jurídicos, que reúne em único portal as bibliotecas digitais do Poder Judiciário e serve como repositório de informações para o STJ. 

Segundo José Arnaldo Vieira, em 2012 foram feitos mais de 200 mil downloads de documentos da BDJur, entre textos, artigos e vídeos. “Nossa base de dados inclui ainda a produção de artigos dos ministros, teses de servidores do STJ e de outros tribunais na área jurídica, manuais e vários outros itens”, acrescentou. 

A BDJur é disponibilizada livremente para usuários externos e servidores, que podem pesquisar jurisprudência e acessar ainda outras bases de dados jurídicos, como a Biblioteca Forense Digital, da Editora Forense, e o Governet, base voltada para administradores públicos. A biblioteca digital é importante no apoio às atividades dos ministros da Corte, tanto na consulta de doutrina quanto de jurisprudência para elaboração de votos. 

“A BDJur também serve como memória histórica para o STJ, arquivando relatórios, vídeos de palestras, atos administrativos e outras informações que, de outro modo, ficariam dispersas ou até perdidas” explicou José Arnaldo Vieira. A qualidade do trabalho da BDJur é reconhecida internacionalmente. O Conselho Superior de Investigação Científica da Espanha organizou um ranking de bibliotecas digitais e repositórios institucionais e, entre 1.200 órgãos de todo o mundo, a BDJur foi classificada na 17ª posição. 

Para o futuro

A informatização tem sido importante ferramenta para melhorar o atendimento aos usuários. Elisandra Luíza da Silva, chefe do Setor de Atendimento e Pesquisa, informa que, em 2012, 108.070 pessoas circularam na biblioteca. Para facilitar o trabalho com esse volume, vários projetos foram adotados. “Estamos implementando ainda no primeiro semestre a tecnologia RFID, usado em transponders, que vai permitir que os usuários tomem de empréstimo e devolvam livros sem auxílio dos bibliotecários, agilizando muito o processo”, explica. 

Outro projeto que vai ser iniciado é a pesquisa do usuário, que vai criar perfil com idade, gênero, área de interesse e outros dados. Essas informações serão utilizadas pelo setor de compras e também na melhoria do atendimento. “Outra novidade será a aplicação do DSI (Disseminação Seletiva de Informação). O usuário será cadastrado em suas áreas de interesse e receberá por e-mail listas de novos documentos incorporados sobre tais temas”, revela Elisandra Luíza da Silva. 

A organização dos acervos dos membros da Corte, outra atividade da Oscar Saraiva, também levou o STJ a desenvolver novas técnicas. Segundo Tatiana Barroso, muitos ministros têm vastas coleções, que às vezes precisam ser reorganizadas. “Em muitos casos, tivemos que criar novos sistemas de catalogação, pois cada acervo tem suas particularidades”, explica. Ela conta que já tiveram de lidar com grandes volumes de livros, como o acervo “gigantesco” do ministro Herman Benjamin, ou com as particularidades da coleção do ministro João Otávio de Noronha. 

Quando o ministro Luiz Fux foi para o Supremo Tribunal Federal – conta Tatiana Barroso –, ele pediu que os bibliotecários do STJ usassem seu know how para organizar sua biblioteca no STF. “A Procuradoria-Geral da República também já pediu nossa ajuda para ordenar os livros dos procuradores”, revela a chefe da Seção de Acervos. 

Mais informações sobre a Biblioteca Oscar Saraiva, bem como o acesso a alguns de seus serviços, estão disponíveis no portal do STJ, no menu à esquerda da homepage, item “Biblioteca”. 

Fotos:



Fonte: STJ

ENTENDA O QUE É OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA




O desgaste natural dos produtos é normal. Porém, o produto ser “planejado” para parar de funcionar ou se tornarem obsoletos em um curto período de tempo é uma prática da indústria que deve ser combatida

Conforme usamos um produto, é natural que este sofra desgastes e se torne antigo com o passar do tempo. O que não é natural é que a própria fabricante planeje o envelhecimento de um produto, ou seja, programar quando determinado objeto vai deixar de ser útil e parar de funcionar, apenas para aumentar o consumo. 

Apesar do avanço tecnológico, que resultou na criação de uma diversidade de materiais disponíveis para produção e consumo, hoje nossos eletrodomésticos são piores, em questão de durabilidade, do que há 50 anos. Os produtos são fáceis de comprar, mas são desenhados para não durar. Por esta razão, o consumidor sofre para dar a eles uma destinação final adequada e ainda se vê obrigado a comprar outro produto. 

Um dos principais exemplos de obsolescência programada é a lâmpada. Quando criada, ela durava muito, mas as fabricantes viram que venderiam apenas um número limitado de unidades. Por isso, criaram uma fórmula para limitar o funcionamento das lâmpadas, que passaram a durar apenas mil horas, por exemplo.

Na área tecnológica, a obsolescência programada pode ser vista com maior frequência. Geralmente, durante o período de garantia, os desktops e notebooks de alguns fabricantes funcionam normalmente. No entanto, após o fim desse prazo, passam a apresentar defeitos como superaquecimento ou esgotamento da bateria. Na quase totalidade dos casos o preço do conserto é tão alto que não vale a pena, e os consumidores são impelidos a adquirir um produto novo.

É importante lembrar que a humanidade já está consumindo 30% a mais do que o planeta é capaz de repor e é preciso que haja uma redução em até 40% as emissões de gases de efeito estufa para que a temperatura não suba mais do que 2º C.

Diante de uma situação tão alarmante, mudanças dos padrões de produção e consumo, de forma a diminuir o descarte desnecessário de toneladas de lixo eletrônico e tóxico no planeta, são essenciais para reverter esse quadro. 

Além disso, é dever do Estado regularizar, fiscalizar e induzir esses novos padrões. As empresas, por sua vez, devem garantir ao consumidor acesso à informação e assumir a responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos, visando ao desenho adequado dos produtos e embalagens e o fim da obsolescência programada.

“Comprar, tirar, comprar”
O documentário “Comprar, tirar, comprar - The Light Bulb Conspiracy”, da diretora Cosima Dannoritzer, é um ótimo exemplo para que os consumidores vejam como a indústria tem trabalhado nos últimos 100 anos para promover o aumento do consumo com a oferta de produtos de qualidade inferior. 
Para assistir o documentário, clique aqui.

Fonte: IDEC

DUNCAN KENNEDY E O PENSAMENTO JURÍDICO CRÍTICO NOS EUA


Duncan Kennedy foi um dos principais protagonistas do movimento de contra-cultura jurídica dos Estados Unidos, ao longo da década de 1980. Leciona na Harvard Law School. Deixa-nos, entre tantos textos, um manifesto para uma educação jurídica de feição crítica (Legal Education as Training for Hierarchy), um comentário sobre os textos clássicos de Blackstone (The Structure of Blackstone’s Commentaries), um inusitado manifesto-diálogo, escrito com Peter Gabel (Roll over Beethoven), um livro de crítica e problematização da concepção de decisões jurídicas (A Critique of Adjudication - Fin de Siècle) e um conjunto de ensaios sobre poder e políticas de identidade cultural (Sexy, Dressing etc.).

Duncan Kennedy afirmou que as faculdades de direito são locais de intensa prática política, nada obstante o fato de que se dissimulem intelectualmente despretensiosas, estéreis de ambição teórica ou de visão prática no que toca ao que a vida social deva ser[1]. O aluno de direito buscaria mobilidade social, e é raro que seus pais efetivamente desaprovem que seus filhos frequentem um curso jurídico, não importando a origem social das famílias[2].

O ambiente do curso de direito reproduziria convenções de poder, os professores são majoritariamente brancos, do sexo masculino, pretensamente corretos nas atitudes, com todos os maneirismos de classe média[3]. Para o professor de Harvard, a sala de aula de primeiro ano de uma faculdade de direito é culturalmente reacionária[4].

O curso de direito legitimaria o modelo hierárquico, promovendo a justificação para os modelos normativos que fermentam as relações de poder numa sociedade capitalista[5]. Há livro de vulgarização referente às tormentas que o primeiro ano do curso de direito provoca no aluno norte-americano, de autoria de Scott Turrow[6]. O texto de Kennedy sobre educação jurídica também circulou em forma de uma edição-panfleto, em cor vermelha[7], o que certamente guarda semelhanças com o livro vermelho da revolução cultural chinesa de Mao[8].

Sob pesada influência dos modelos historiográficos de Edward Palmer Thompson, historiador inglês de esquerda que estudara a questão agrária na Inglaterra medieval[9], a par da formação da classe operária inglesa, ativista, pacifista, Duncan Kennedy elaborou texto a propósito da estrutura dos comentários de William Blackstone. Redigidos entre 1756 a 1759, os aludidos comentários de Blackstone analisam as leis da Inglaterra, em mais de duas mil páginas, divididas em quatro volumes, dispostas em aparente lógica binária, com fragmentação em rights e wrongs[10].

Denuncia Kennedy que os comentários de Blackstone plasmavam um instrumento apologético, mistificando dominadores e dominados, convencendo-os da naturalidade, da liberdade, da racionalidade da condição do servo[11]. O método usado por Kennedy ao comentar Blackstone também nos remete ao modo estruturalista de análise, como encontrado nos trabalhos de Claude Lévi-Strauss[12].

Roll over Beethoven é texto-diálogo, altamente subversivo, a começar pelo título, que evoca nostálgico rock and roll gravado por Chuck Berry em 1956. Kennedy dá início à fala acusando Peter Gabel[13] de trair o projeto do movimento crítico do direito norte-americano ao tentar conceituá-lo[14]. Duncan Kennedy propõe um positivismo de combate, sugerindo que advogados progressistas ligados ao movimento crítico deveriam convencer juízes de que deveriam agir e de que lidavam com causas dependentes de decisões concretas[15].

Kennedy propõe atitudes prospectivas e de tal modo descaracteriza e desautoriza o niilismo que supostamente marcava o grupo. Otimista, Kennedy propunha que a luta para propiciar força liberatória no discurso político dominante poderia, em alguns casos, ser energizante[16]. O texto provocou reações ásperas, a ponto de um professor da universidade de Maryland ter reputado o excerto como um monte de lixo (a pile of crap)[17].

No livro A Critique of Adjudication, que é recente (de 1997) Duncan Kennedy reafirma o eixo temático crítico que vem desenvolvendo desde a conferência de Madison. Define o livro como um trabalho de teoria social escrito a partir de um ponto de vista de esquerda e modernista/pós-moderno[18].

Relativista, Kennedy admite que o papel do direito (the rule of law) exerce importante função nos vários modelos de governo e na ordem social de inúmeros países democráticos e capitalistas, embora não protagonizem o mesmo papel nos diferentes sistemas que menciona[19]. Toca em temas afetos ao marxismo clássico, citando o próprio filósofo de Trier, a propósito da alienação, e lembrando que há por parte das pessoas tendência à alienação dos próprios poderes[20].

Identifica as diversas tipologias atinentes à teoria da prestação jurisdicional; lembrando o binômiodedução e atividade legislativa do judiciário em Hart, a ideia robusta de julgamento enquanto atividade legislativa do judiciário em Mangabeira Unger, a concepção de dedução, coerência e percepção política pessoal em Dworkin, entre outras[21]. A própria definição de regras jurídicas (legal rules) suscita conflitos ideológicos, inseridos em sociedade ideologicamente dividida[22].

Kennedy assume a ideologia como uma universalização de interesses de grupo (universalization of group interests)[23]. E é a política que agindo como um cavalo de Tróia traduz a ideologia em regras jurídicas[24].

Um dos pontos mais elaborados do livro consiste nas abertas críticas que Duncan Kennedy fez a Ronald Dworkin, ao analisar o pensamento do juiz Hercules. Trata-se Hercules de figura metafórica engendrada por Dworkin; aparece no ensaio Hard Cases e é descrito como detentor de habilidades sobre-humanas, sabedoria, paciência e perspicácia[25].

O problema consiste em se entender concretamente os mecanismos que informam e que marcam a atividade judicial, no que toca ao trabalho artesanal do julgador, dúvida que persiste intrigando o pensamento jurídico ocidental. A problematização do fato, sem necessariamente apresentar-se soluções, é que consubstancia um ensaio discursivo, que matiza um plano de ação. Nominando o projeto de mpm (modernism/postmodernism) Duncan Kennedy antecipadamente responde aos críticos[26], insistindo que não há concepção niilista adjacente à ideia de se repensar os modelos de adjudicação (adjudication) no significado inglês da expressão, referente a protótipos de decisões judiciais.

Em 1993 Duncan Kennedy publicou ensaio sobre ações afirmativas e as projeções da questão em âmbito de academia jurídica[27]. Ações afirmativas são debatidas nas cortes americanas desde 1974 (caso DeFunnis), ganharam muita discussão em 1978 (caso Bakke)[28] e ainda hoje dividem a opinião pública dos Estados Unidos. Trata-se de reservas de cotas em universidades (por exemplo) para egressos de minorias (especialmente raciais); os prejudicados matizam as ações afirmativas com o nome de discriminações reversas. Kennedy assume que um princípio democrático geral diz-nos que as todas as pessoas devem possuir representação nas instituições que exercem poder e influência em suas vidas. Consequentemente, a diversidade cultural deve ser estimulada, e com isto se potencializa a qualidade e o valor dos estudos de direito[29].

Os estudos e a ação docente de Duncan Kennedy caracterizam seu trabalho como referencial em estudos movimento crítico nos Estados Unidos. Diferente, inovador, ousado, irreverente, Kennedy bem consubstancia atitude conceitual que insiste que direito é política.
[1] KENNEDY, Duncan. Legal Education as Training for Hierarchy, in KAIRYS, David (ed.), The Politics of Law- a Progressive Critique, p. 54. Tradução e versão livre do autor. Law schools are intensely political places despite the fact that they seem intellectually unpretentious, barren of theoretical ambition or practical vision of what social life might be.
[2] KENNEDY, Duncan. Op.cit., p. 55. Tradução e versão livre do autor. It is rare for parents to activelydisapprove of their children going to law school, whatever their origins.
[3] KENNEDY, Duncan. Op.cit., p. 56. Tradução e versão livre do autor. The teachers are overwhelmingly white, male, and deadeningly straight and middle class in manner.
[4] KENNEDY, Duncan. Op.cit., loc.cit. Tradução e versão livre do autor. The law school classroom at the beginning of the first year is culturally reactionary.
[5] KENNEDY, Duncan. Op.cit., p. 72.
[6] TUROW, Scott. One L. O título refere-se ao primeiro ano do curso de direito, onde One refere-se ao ano e L a Law, direito.
[7] MINDA, Gary. Op.cit. p. 112.
[8] GOLDMAN, Merle e FAIRBANK, John King, China, a New History, p. 383 e ss.
[9] Há tradução portuguesa de Whigs and Hunters, Senhores e Caçadores, livro que influenciara Duncan Kennedy.
[10] GOLDBERG, John C. P. Blackstone’s Commentaries on the Laws of England, in HALL, Kermit L. (ed.) The Oxford Companion to American Law, p. 67.
[11] KENNEDY, Duncan. The Structure of Blackstone’s Commentaries, in HUTCHINSON, Allan C. (ed.), Critical Legal Studies, p. 139.
[12] MINDA, Gary. Op.cit., p. 115.
[13] Pete Gabel lecionava direito na California, especificamente na New College of California Law School.
[14] KENNEDY, Duncan. Roll Over Beethoven, 36 Stanford Law Review, p. 1.
[15] KENNEDY, Duncan. Op. cit. p. 29.
[16] KENNEDY, Duncan. Op. cit.,p. 37.
[17] MINDA, Gary. Op.cit., p. 122.
[18] KENNEDY, Duncan. A Critique of Adjudication- Fin de Siècle, p. 1. Tradução e versão livre do autor. It is a work of general social theory written from a leftist and a modernist/postmodernist point of view.
[19] KENNEDY, Duncan. Op.cit., p. 13.
[20] KENNEDY, Duncan. Op.cit., p. 18.
[21] KENNEDY, Duncan. Op.cit., p. 37.
[22] KENNEDY, Duncan. Op.cit., p. 39.
[23] KENNEDY, Duncan. Op.cit., p. 41.
[24] KENNEDY, Duncan. Op.cit., p. 111.
[25] DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously, p. 105. Tradução e versão livre do autor. (...) superhuman skill, learning, patience and acumen (...)
[26] KENNEDY, Duncan. Op.cit., p. 359.
[27] KENNEDY, Duncan. A Cultural Pluralist Case for Affirmative Action in Legal Academia, in KENNEDY, Duncan, Sexy, Dressing etc., p. 34 e ss.
[28] SPANN, Girardeau. The Law of Affirmative Action- Twenty- Five Years of Supreme Court Decisions on Race and Remedies, p. 15 e ss.
[29] KENNEDY, Duncan. Op.cit., p. 34.
 
 
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP.
Revista Consultor Jurídico, 24 de fevereiro de 2013

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