quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

A IMPOSSIBILIDADE DA REDUÇÃO PENAL DA MAIORIDADE NO BRASIL

 
 
 
Luís Fernando de Andrade
 
 
 
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Da imputabilidade penal. 3. Da cláusula pétrea e a proteção da imputabilidade penal. 4. Outros fatores preponderantes para a imutabilidade. Considerações Finais. Referencial bibliográfico.

RESUMO

Este estudo tem por objetivo abordar e discutir a redução da maioridade penal no Brasil, tendo em vista a atual violência praticada por menores no país. No Brasil, a imputabilidade penal é fixada a partir dos 18 (dezoito) anos, conforme consta o artigo 228 da Constituição Federal, juntamente com o Código Penal e Estatuto da Criança e do Adolescente. O presente trabalho analisa primeiramente a possibilidade de alteração da Constituição da República, sob o fato da imputabilidade penal ser considerada cláusula pétrea por renomados Doutrinadores de Direito Penal. Posteriormente, dá um enfoque social, filosófico e jurídico da questão da redução da maioridade penal, sob o ponto de vista do direito constitucional de voto, sanções estipuladas no Estatuto da Criança e do Adolescente, problema de criação de políticas públicas pelo Estado e por último uma análise estatística sobre o menor infrator. Este artigo científico foi elaborado por pesquisa bibliográfica em livros, códigos, periódicos e internet acerca do tema em debate. Em que pese à argumentação em sentido contrário, verifica-se de maneira categórica a impossibilidade de redução da maioridade penal no Brasil, conforme se verifica da argumentação abaixo lineada. Percebe-se que a solução da criminalidade se reside no problema do Estado cumprir políticas públicas para assegurar o cumprimento dos dizeres constitucional, do Código Penal, da Lei de Execuções Penais e principalmente do Estatuto da Criança e do Adolescente.

PALAVRAS-CHAVE: imputabilidade penal - redução da maioridade penal – cláusula pétrea.

ABSTRACT

This study aims to address and discuss the reduction of legal age in Brazil, in view of the current violence by minors in the country. In Brazil, criminal responsibility is fixed from the eighteen (18) years, as set out in Article 228 of the Constitution, along with the Criminal Code and the Child and Adolescent. This paper first analyzes the possibility of amending the Constitution of the Republic on the fact of criminal responsibility be considered ironclad clause by renowned scholars of criminal law. Later, gives a social, philosophical and legal question of reducing the age of criminal, from the point of view of the constitutional right to vote, sanctions stipulated in the Statute of the Child and Adolescent problem of creating public policies at the state and finally a statistical analysis of the juvenile offender. This article was prepared by scientific literature in books, codes, journals and internet on the topic under discussion. Despite the arguments to the contrary, there is a categorical way the impossibility of reducing the age of criminal responsibility in Brazil, as evidenced by the arguments below lineada. We notice thatthe solution of the problem lies in crime if the state meet public policies to ensure compliance with the constitutional wording of the Criminal Code, the Penal Execution Law and especially the Statute of Children and Adolescents.

KEYWORDS: criminal responsibility - reducing the age of criminal - entrenchment clause.

1 Introdução

A redução da maioridade penal é um assunto que repercute em todo nosso país, tendo inclusive um alto índice de aprovação pela sociedade. A questão toma ampliação principalmente quando impulsionadas pela mídia sensacionalista ao calor dos acontecimentos, ainda com a consciência pedindo vingança e justiça, sem ao menos se analisar quais medidas seriam mais eficazes para conter a criminalidade em nosso país.

Importante frisar que ao noticiar que um adulto cometeu um crime bárbaro não chama tanta a atenção quando ao publicar que um adolescente cometeu um ato infracional.

Sob esta ótica, pretende com este trabalho explanar ideias do ponto de vista constitucional, jurídico, social e filosófico sobre o tema em análise, partindo do pressuposto da presente indagação. Será que a redução da maioridade penal resolveria o problema da criminalidade?

Objetiva-se, neste artigo científico, analisar a imutabilidade da imputabilidade penal ao ser considerada indiretamente cláusula pétrea, insuscetível de Emenda Constitucional, bem como outros argumentos para a solução do conflito para a diminuição da criminalidade dos adolescentes.

2 Da imputabilidade penal

A problemática causada pelo presente estudo encontra primeiramente respaldo no texto Constitucional, verbis:
Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeito às normas da legislação especial.
Já o Código Penal brasileiro, de 1940, manteve estabelecido o limite de 18 (dezoito) anos para a ocorrência da imputabilidade penal, conforme se verifica em seu artigo 27:
Art. 27. Os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.
Atendendo o mandamento constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal n.º 8069/90, estabeleceu em seu artigo 104, caput, que “são penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos, sujeitos às medidas previstas nesta lei”.

Sendo assim, verifica-se que o dispositivo da imputabilidade penal tem guarida constitucional, o que, apriori, só poderia sofrer mudança através de PEC (Projeto de Emenda Constitucional), nos termos da Constituição Federal.

3 Da Cláusula Pétrea e a Proteção da Imputabilidade Penal

Primeiramente, cumpre frisar que nossa atual Constituição é classificada como rígida, ou seja, todo o processo legislativo é dificultoso e burocrático para se alterar um texto constitucional. No Brasil exige um procedimento especial, sendo votação em dois turnos, nas duas casas, com um quórum de aprovação de pelo menos 3/5 (três quintos) do Congresso Nacional, nos termos do artigo 60, §2º da Carta Política.

No entanto, existem matérias que não poderão ser objetos de Emendas Constitucionais (art. 60, §4º da Constituição Federal), para que mantenha a segurança jurídica do Estado Democrático de Direito. Estabelece o artigo 60, §4º da Carta Magna, verbis:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.
Conforme se verifica no inciso IV, objeto de análise do presente artigo, não será objeto de deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a abolir os direitos e garantias fundamentais. Neste ínterim, surge a presente dúvida. Os direitos e garantias fundamentais seriam apenas aqueles previstos no artigo 5º da Carta Política?

Os juristas Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino expõem em seu livro de Direito Constitucional que:
O Supremo Tribunal Federal decidiu que não, entendendo que a garantia insculpida no art. 60, §4º, IV, da CF alcança um conjunto mais amplo de direitos e garantias constitucionais de caráter individual dispersos no texto da Carta Magna.

Nesse sentido, considerou a Corte que é garantia individual do contribuinte, protegida com o manto de cláusula pétrea, e, portanto, inasfastável por meio de reforma, o disposto no art. 150, III, “b”, da Constituição (princípio da anterioridade tributária), entendendo que, ao pretender subtrair de sua esfera protetiva o extinto IPMF (imposto provisório sobre movimentações financeiras), estaria a Emenda Constitucional n.º 3/1993 deparando-se com um obstáculo intransponível, contido no art. 60, §4º, IV da Constituição da República. (Paulo, Vicente; Alexandrino, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 3ª edição Ed. Método. São Paulo, 2008 apud ADI 939/DF, rel. Min. Sydney Sanches, 15.09.1993)
Afirma os Juristas acima mencionados que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a incidência de direitos fundamentais externos ao artigo 5º da Carta Magna.

Neste norte, o grande Jurista Dalmo Dallari reforça a ideia de imutabilidade do artigo 228 da Constituição Federal, por considerar tal dispositivo cláusula pétrea, para impetrar mandado de segurança no STF (Supremo Tribunal Federal), conforme se noticia O Estado de São Paulo:
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) entrará com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar bloquear a tramitação no Congresso da Proposta de Emenda Constitucional que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, aprovada nesta quinta-feira pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. O instrumento será utilizado com base no entendimento de que a medida é inconstitucional, sob o argumento de que a maioridade penal é uma cláusula pétrea da Constituição. A ação tem o apoio da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude e será redigida pelo jurista Dalmo Dallari. "Segundo a Constituição, não pode ser objeto de deliberação emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. E não responder criminalmente é direito individual do menor." Para o jurista, a solução para a criminalidade é conhecida: Acesso dos jovens à educação e trabalho. (OLIVEIRA, Maristela Cristina de; SÁ, Marlon Marques de. Monografia: Redução da Maioridade Penal: Uma abordagem jurídica; Universidade Estadual de Londrina, 2008 apud Cláusula Pétrea. [capturado em 2007 nov 02]. Disponível em: http://www.interlegis.gov.br/cidadania/infancia-e-parlamento/conandavaiao- stf-para-barrar-reducao-da-idade-penal).
Tal entendimento é adotado ainda por Luiz Flávio Gomes, Alexandre de Moraes, Olympio de Sá Sotto Maior Neto, juristas de renome do nosso país. O Ilustre Constitucionalista Alexandre de Moraes, em sua obra de Direito Constitucional ensina:
Assim, o artigo 228 da Constituição Federal encerraria a hipótese de garantia individual prevista fora do rol exemplificativo do art.5º, cuja possibilidade já foi declarada pelo STF em relação ao artigo 150, III, b (Adin 939-7 DF) e consequentemente, autentica clausula pétrea prevista no artigo 60, § 4.º, IV.” (...) “Essa verdadeira cláusula de irresponsabilidade penal do menor de 18 anos enquanto garantia positiva de liberdade, igualmente transforma-se em garantia negativa em relação ao Estado, impedindo a persecução penal em Juízo (MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 2176)
Corroborando a tese acima discutida, Luiz Flávio Gomes ensina que a menoridade penal no Brasil integra o rol dos direitos fundamentais, por ter força de cláusula pétrea, através da Convenção dos Direitos da Criança pela ONU (Organização das Nações Unidas), senão vejamos:
(b) do ponto de vista jurídico é muito questionável que se possa alterar a Constituição brasileira para o fim de reduzir a maioridade penal. A inimputabilidade do menor de dezoito anos foi constitucionalizada (CF, art. 228). Há discussão sobre tratar-se (ou não) de cláusula pétrea (CF, art. 60, § 4.º). Pensamos positivamente, tendo em vista o disposto no art. 5.º, § 2.º, da CF, c/c arts. 60, § 4.º e 228. O art. 60, § 4º, antes citado, veda a deliberação de qualquer emenda constitucional tendente a abolir direito ou garantia individual. Com o advento da Convenção da ONU sobre os direitos da criança (Convenção Sobre os Direitos da Criança, adotada pela Resolução I.44 (XLIV), da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20.11.1989. Aprovada pelo Decreto Legislativo 28, de 14;09.1990, e promulgada pela Decreto 99.710, de 21.11.1990. Ratificada pelo Brasil em 24.09.1990), que foi ratificada pelo Brasil em 1990, não há dúvida que a idade de 18 anos passou a ser referência mundial para a imputabilidade penal, salvo disposição em contrário adotada por algum país. Na data em que o Brasil ratificou essa Convenção a idade então fixada era de dezoito anos (isso consta tanto do Código Penal como da Constituição Federal - art. 228). Por força do § 2º do art. 5º da CF esse direito está incorporado na Constituição. Também por esse motivo é uma cláusula pétrea. Mas isso não pode ser interpretado, simplista e apressadamente, no sentido de que o menor não deva ser responsabilizado pelos seus atos infracionais. (GOMES, Luiz Flávio. Menoridade penal: cláusula pétrea? Disponível em: http://www.ifg.blog.br/article. php?story=20070213065503211. Acesso em: 17 out. 2008.)
Ainda, acerca deste entendimento, Olympio de Sá Sotto Maior Neto, em tese apresentada no IV Congresso da Associação dos Magistrados e Promotores da Infância e Juventude, a qual foi aprovada por unanimidade se manifestou a favor da impossibilidade de redução da menoridade penal, in verbis:
O primeiro ponto que deve ser ressaltado – e que importa, na prática, fulminar com qualquer proposta de emenda constitucional direcionada à diminuição da imputabilidade penal – contempla a conclusão de que a imputabilidade penal somente a partir dos dezoito anos, trazida à condição de cânone constitucional pela Assembléia Nacional Constituinte de 1988, corresponde a cláusula pétrea e, por isso mesmo, insuscetível de modificação por via de emenda, conforme comando do art. 60, § 4º, da Constituição Federal (assim: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a abolir: ... IV – os direitos e garantias individuais”). Embora topograficamente distanciada do art. 5º, da Constituição Federal (pois, afinal, pela primeira vez em nossa história constitucional destinou-se um capítulo exclusivo para tratar da família, da criança, do adolescente e do idoso), não há dúvida de que a regra doa rt. 228, da Constituição Federal, apresenta natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (como anota Gomes Canotilho, “os direitos de natureza análoga são direitos que, embora não referidos no catálogo dos direitos, liberdades e garantias, beneficiam de um regime jurídico constitucional idêntico aos destes” ou, na observação de Alexandre de Moraes, “a grande novidade do referido art. 60 está na inclusão, entre as limitações ao poder de reforma da Constituição, dos direitos inerentes ao exercício da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais, que por não se encontrarem restritos ao rol do art. 5º, resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caráter individual dispersos no texto da Carta Magna”). Vale dizer, os menores de dezoito anos a quem se atribua a prática de um comportamento previsto na legislação como crime ou contravenção têm o direito fundamental ( que se traduz também em garantia decorrente do princípio constitucional da proteção especial) de estar sujeito às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente (recebendo, se for o caso e como resposta à sua conduta ilícita, as medidas socioeducativas) e afastados, portanto, das sanções do Direito Penal. É este, inclusive, o pensamento do Fórum DCA (Fórum Nacional de Defesa da Criança e do Adolescente).
Arremata Martha de Toledo Machado, em sua obra “A Proteção Constitucional de Crianças e adolescentes e os Direitos Humanos”. Veja-se:
Com perdão a obviedade: se o caput do art. 5º da CF menciona a vida, a liberdade, a igualdade, para depois especificar os inúmeros desdobramentos (ou facetas) desses direitos nos seus incisos, e se o art. 227, caput, refere-se expressamente à mesma vida, liberdade, dignidade, para em seguida desdobrá-la, seja no próprio caput, seja no § 3º, seja no art, 228, evidente, que se trata de direitos da mesma natureza, ou seja, dos direitos fundamentais da pessoa humana”. (...) Postulo que a inimputabilidade penal é direito-garantia individual das pessoas que contam menos de 18 anos, pelos contornos que ela recebeu do Constituinte de 1988. E direito-garantia exclusivo de crianças e adolescentes, que compõe um dos pilares da conformação do sistema de proteção especial a crianças e adolescentes instituído pela Constituição brasileira de 1988, ditando, pois, os contornos desse sistema constitucional.
(...)
Num apertado resumo, de um lado, a Constituição claramente; abraçou a concepção unitária de dignidade humana, que funde todos os direitos fundamentais(os chamados "direitos sociais" e os demais) na conceituação, ou na conformação, desta dignidade humana. Disso temos mostra, além da própria estruturação do texto constitucional - especialmente o conteúdo dos artigos 1º e 3º -, em numerosos dispositivos do texto, seja o parágrafo 2º do artigo 5º, sejam os diversos artigos que pormenorizam uma extensa gamas dos "direitos sociais", seja naqueles que tratam da chamada função social da propriedade, ou ainda quando o texto constitucional, de maneira expressa, positiva "direitos sociais" específicos como "direito público subjetivo", a exemplo do que ocorre no parágrafo 1º do artigo 208, com o direito de acesso ao ensino fundamental.

De outro lado, o emprego da expressão "direito e garantia individual" no artigo 60 sugere que a Constituição teria buscado distinção entre "tipos de direitos fundamentais", ao menos para o efeito de indicar a matéria que compõe o núcleo rígido do texto constitucional. Por essa peculiaridade do texto constitucional, penso que na podemos nos furtar de demonstrar que a inimputabilidade pena alcançou a condição de vir positivada como "direito individual". Nessa dedução, por primeiro há de se assentar que os "direitos individuais" na Constituição de 1988 não são apenas aquele que vêm expressamente incluídos no rol do artigo 5º.
(...)
Se a conceituação constitucional de direito fundamental individual é aberta, ao menos sob a ótica topológica como inequivocamente já reconheceu o Supremo Tribunal Federal, e como a divergência terminológica na matéria é vasta e estamos tratando |e direito não arrolado expressamente no artigo 5º da CF, não me parece desnecessário demonstrar, também, que a inimputabilidade penal tem o caráter de essencialidade à dignidade da pessoa humana criança e adolescente, que permite que ela materialmente seja inserida no conceito de direito fundamental.
(...)
Nesse sentido, invoco o posicionamento de Eugênio Couto Terra, in A idade penal mínima como cláusula pétrea e a proteção do estado democrático de direito contra o retrocesso social.
(...) Ou, à guisa de síntese, a inimputabilidade penal dos menores de dezoito anos, na sua particular conformação do texto constitucional, é uma especificação da dignidade e da liberdade desses sujeitos especiais de direitos, denominados crianças e adolescentes, presa ao valor de "respeito à peculiar condição de pessoa em desenvolvimento", que orienta todo o sistema especial de proteção desses direitos. Portanto, cláusula pétrea da constituição.” (RESINA ALVES, Márcia Cristina. Monografia: Diminuição da idade penal; UniFMU – Centro Universitário, São Paulo, 2006 apud TOLEDO MACHADO, Martha de. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos humanos, São Paulo: Manole, 2003. P. 331/343)
Em estrita observância aos artigos acima mencionados, infere que direitos fundamentais não são apenas aqueles esculpidos no artigo 5º da Constituição Federal, mas outros decorrentes a liberdade e dignidade da pessoa humana, sendo ressalvado o direito da inimputabilidade penal.

O posicionamento contrário a esta teoria pauta pela indagação que a menoridade penal é assunto de política criminal, podendo ser alterada mediante Emenda Constitucional.

Data máxima vênia aos Juristas que adotam esta corrente, mas entende-se que direitos fundamentais não devem ser tratados como razões de política criminal, sob pena de ferir o Estado Democrático de Direito.

Portanto, o artigo 228 da Constituição Federal deve ser respaldado pela proteção de imutabilidade por se tratar de cláusula pétrea, insuscetível de alteração por emenda constituciona

4 Outros fatores preponderantes para a imutabilidade

Muito se discute a imposição da redução da maioridade penal, considerando o direito constitucional de voto aos 16 (dezesseis) anos. Tal argumento não merece prosperar, visto que não concede os direitos universais de ser votado, bem como de não obrigatoriedade do voto.

Além do mais, o critério utilizado para a maioridade penal é o biológico, sendo, no Brasil, aos 18 (dezoito) anos. Isso não quer dizer que o indivíduo de 17 (dezessete) anos não tenha discernimento de compreender a ilicitude de seus atos, mais sim de estabelecer um critério objetivo para assegurar a segurança jurídica em nosso país. A Lei é feita para todos, não podendo individualizar a idade para cada pessoa através de seu discernimento, sendo necessário se estabelecer critérios.

Outro fator que merece destaque são os presídios estão totalmente superlotados, não conseguindo atender a demanda que a Justiça requer. A pena tem a finalidade de ressocializar o indivíduo. Não se consegue ressocializar um menor ao colocá-lo com outros criminosos experientes. O Estado ainda não é capaz de cumprir o papel descrito na Constituição Federal, Código Penal, Lei de Execução Penal e muito menos ainda o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Neste diapasão jurídico, esclarece Luiz Flávio Gomes:
(a) se os presídios são reconhecidamente faculdades do crime, a colocação dos adolescentes neles (em companhia dos criminosos adultos) teria como conseqüência inevitável a sua mais rápida integração nas organizações criminosas. Recorde-se que os dois grupos que mais amedrontam hoje o Rio de Janeiro e São Paulo (Comando Vermelho e PCC) nasceram justamente dentro dos presídios. (GOMES, Luiz Flávio. Menoridade penal: cláusula pétrea? Disponível em: http://www.ifg.blog.br/article.php?story=20070213065503211. Acesso em: 17 out. 2008.)
É importante ressaltar que existe sanção para o menor, sendo denominadas medidas sócio-educativas, elencadas no artigo 112 do Estatuto do Menor. As medidas sócio-educativas são decorrentes de um ato infracional análogo a crime e poderão ser as seguintes: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semi-liberdade e internação.

A medida deverá ser aplicada pelo Juiz, observando os seguintes fatores: gravidade da infração, circunstâncias do fato e capacidade do menor infrator em cumpri-la.

O que se pode inferir é que o Estatuto da Criança e do Adolescente tem vários princípios adotados e uma forma regular de reintegrar o adolescente infrator na sociedade. O que se deve questionar é a capacidade do Estado cumprir o disposto na legislação, implementando políticas públicas destinadas à criança e o adolescente. O Estado não consegue manter os dizeres constitucionais e assegurar ao menor uma educação de qualidade, acesso a cultura, uma estrutura familiar, alimentação, dentre outras garantias.

Por derradeiro, as estatísticas sobre o menor infrator comprovam que a mudança é desnecessária, posto que as manifestações para redução da maioridade penal se dá apenas em momentos de um fato que abala uma comunidade e quando a mídia acrescenta um sensacionalismo um acontecimento.

Leia-se o texto da monografia da Dra. Marcia Cristina Resina Alves:
Segundo texto do Pe. Joacir Della Giustina, da Pastoral do Menor, o último Censo revelou que os adolescentes brasileiros – 12 a 18 anos – somam 20 milhões. Já o número de adolescentes infratores em todo o país é de 20 mil, isto é, 0,1% da população. Destes 20 mil, pouco mais de 6 mil estão em medida de internação, ou seja, 14 mil não são atos de alta periculosidade. Enquanto existem 87 delitos graves cometidos por adultos para cada 100 mil habitantes, existem apenas 2,7 infrações graves praticadas por adolescentes para a mesma população, sendo que 70% destas infrações são roubos e não atentados contra a vida das pessoas. “A diminuição da idade penal põe em risco todas as conquistas que foram feitas sobre direitos da criança e do adolescente. O Estatuto é claro quando estabelece punição para o adolescente infrator e formas para que volte ao convívio social. Nos artigos 101 e 112 do Estatuto estão descritas medidas de proteção e sócio-educativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade, internação em estabelecimento educacional – significando, inclusive, privação de liberdade. Essas medidas, mais justas e apropriadas ao adolescente em desenvolvimento, são bem mais eficientes que a simples diminuição da idade penal e o conseqüente ingresso do adolescente no precário sistema penitenciário brasileiro. A responsabilidade para que elas sejam aplicadas é do governo, com o apoio da sociedade. Muitas experiências bem sucedidas mostram que, quando existe vontade política e pessoas responsáveis, os programas saem do papel e viram realidade.
Portanto, existem diversos fatores que não seja a imutabilidade pela cláusula pétrea para não se reduzir a maioridade penal, tais como os fatores sociais e filosóficos acima mencionados.

Considerações Finais

A criminalidade do menor infrator ainda é um problema que assola o Brasil. No entanto, o que se verifica é a incompetência do Estado em realizar políticas públicas necessárias para se cumprir o que está previsto na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

A redução da maioridade penal não irá reduzir o problema da criminalidade infantil, além de ser tratado como direito fundamental, não podendo ser objeto de Emenda Constitucional.

Além do mais, a legislação do menor vigente no país é muito efetiva, desde que cumprida pelo Poder Público, possuindo princípios próprios, assegurando integral proteção do menor.

Como visto, o menor infrator sofre sanções chamadas medidas sócioeducativas, que se cumpridas do modo previsto na legislação pode solucionar o problema melhor do que a redução da maioridade penal. Melhor seria se o Estado investisse em políticas públicas na área de educação, cultura, saúde e lazer, assegurando os dizeres constitucionais e cumprindo a função de Estado Democrático de Direito.

Referencial bibliográfico

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em 21 de janeiro de 2013.

BRASIL. Código Penal de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/DecretoLei/Del2848.htm Acesso em 21 de janeiro de 2013. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm Acesso em 21 de janeiro de 2013.

Paulo, Vicente; Alexandrino, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 3ª edição Ed. Método. São Paulo, 2008

OLIVEIRA, Maristela Cristina de; SÁ, Marlon Marques de. Monografia: Redução da Maioridade Penal: Uma abordagem jurídica; Universidade Estadual de Londrina, 2008. Disponível em http://www.escoladegoverno.pr.gov.br/arquivos/File/artigos/justica_e_cidadania/reducao_da_maioridade_penal_uma_abordagem_juridica.pdf Acesso em 21 de janeiro de 2013.

MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

GOMES, Luiz Flávio. Menoridade penal: cláusula pétrea? Disponível em: http://www.ifg.blog.br/article. php?story=20070213065503211. Acesso em 21 de janeiro 2013.

RESENDE VARALDA, Cleonice Maria; DUARTE, Helena Rodrigues. Redução da Idade Penal. Disponível em: http://www.mpdft.gov.br/portal/pdf/unidades/promotorias/pdij/Artigos/Idade%20penal.pdf. Acesso em 21 de janeiro de 2013.

RESINA ALVES, Márcia Cristina. Monografia: Diminuição da idade penal; UniFMU – Centro Universitário, São Paulo, 2006. Disponível em http://arquivo.fmu.br/prodisc/direito/mcra.pdf. Acesso em 21 de janeiro de 2013.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

REJEITADA RECLAMAÇÃO CONTRA ACÓRDÃO DE TURMA RECUSAL QUE CONTRARIA DECISÕES MONOCRÁTICAS DO STJ


Por maioria de votos, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não conheceu da reclamação apresentada por estagiária que pretendia reformar decisão de turma recursal que entendeu ser cabível a prescrição quinquenal nas ações contra a Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos (FDRH).

O autor do voto vencedor do caso na Seção, ministro Mauro Campbell Marques, ressaltou que o STJ apenas admite reclamação fundada na Resolução 12/2009 quando entendimento de acórdão de turma recursal contrariar jurisprudência da Corte Superior firmada em súmula ou em recurso repetitivo.

No caso julgado, a reclamação não obteve êxito, pois a estagiária utilizou precedentes da Corte que apreciaram a mesma questão, mas que foram julgados monocraticamente e não faziam referência a julgamento do tema na sistemática do representativo de controvérsia, tampouco descumprimento de entendimento de súmula.

Prazo prescricional

Inicialmente, a estagiária ingressou com recurso na Turma Recursal da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Sul requerendo que fosse aplicada a prescrição de dez anos para o pagamento de diferenças relativas ao valor da bolsa-auxílio dos estagiários da FDRH. O colegiado negou provimento ao recurso por entender que a fundação é entidade estadual com personalidade jurídica de direito privado, entretanto com patrimônio de natureza pública, logo a prescrição seria de cinco anos.

Insatisfeita, a estudante interpôs reclamação no STJ alegando que o entendimento da turma diverge da jurisprudência da Corte Superior em relação ao prazo prescricional. Disse que apesar de constar expressamente a forma de reajuste no Termo de Compromisso de Estágio (TCE), a fundação responsável pelo pagamento de bolsa-auxílio não reajustou o valor corretamente nos mesmos índices do Quadro Geral dos Servidores Públicos do Estado, conforme as Leis 11.467/00 e 11.678/01.

A estagiária disse ainda que a fundação é pessoa jurídica de direito privado, por isso deveria ser aplicada a prescrição decenal, nos termos do artigo 1º da Lei estadual 6.464/72. Como precedentes citou casos semelhantes em que o STJ havia adotado a prescrição de dez anos.

Diante da aparente divergência jurisprudencial, o relator originário da ação, ministro Cesar Asfor Rocha, determinou o processamento da reclamação, mas sem a concessão de liminar, pois não foi demonstrado o risco de dano de difícil reparação.

Cabimento de reclamação

No julgamento da reclamação, o ministro Mauro Campbell, relator para o acórdão, observou que se tratava de ação ajuizada perante Juizado Especial da Fazenda Pública, a qual se submete ao rito previsto na Lei 12.153/2009 que estabelece sistema próprio para solucionar divergência sobre questões de direito material.

O magistrado destacou que o artigo 18 da lei dispõe que "caberá pedido de uniformização de interpretação de lei quando houver divergência entre decisões proferidas por turmas recursais sobre questões de direito material", sendo o pedido de uniformização dirigido ao STJ quando turmas de diferentes estados interpretarem de forma divergente preceitos de lei federal e quando a decisão recorrida estiver em divergência com súmula da Casa.

Mauro Campbell esclareceu ainda que no caso analisado não é possível a aplicação do princípio da fungibilidade, tendo em vista que a reclamação funda-se em suposta divergência entre a decisão recorrida e arestos paradigmas do STJ, sendo que tal hipótese não é abrangida no pedido de uniformização previsto no artigo 18, da Lei 12.153/2009.

Diante disso, o magistrado destacou que havendo procedimento específico e meio próprio de impugnação, não é cabível o ajuizamento da reclamação prevista na Resolução 12/2009 do STJ. 

Fonte: STJ

REPUBLICAÇÃO DE DECISÃO JUDICIAL ABRE NOVO PRAZO RECURSAL


Caso ocorra a republicação de uma mesma decisão judicial em imprensa oficial, mesmo que por órgãos julgadores diferentes, os prazos devem ser contados a partir da data da nova publicação. Essa foi a decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar habeas corpus em favor de réu acusado de crimes sexuais contra a enteada. A Turma seguiu de forma unânime o voto da relatora, a desembargadora convocada Marilza Maynard.

O réu foi condenado a 17 anos e seis meses de reclusão, sendo essa pena reduzida para 13 anos, um mês e 15 dias pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) no julgamento da apelação. Em 27 de fevereiro de 2012, foi publicado no Diário da Justiça Eletrônico (DJe) uma súmula do resultado pela segunda instância. No dia seguinte, 28, a primeira instância publicou novo texto no DJe, corrigindo um erro material na primeira publicação, que havia trazido o termo “voto vencedor” no lugar de “voto vencido”.

Os advogados do réu entraram com embargo de declaração, recurso com prazo de dois dias para ser oposto, no dia 2 de março seguinte. Porém o embargo foi considerado intempestivo (apresentado fora do prazo legal) e, por isso, rejeitado. O TJSP considerou que a primeira publicação seria válida e era a partir dela que o prazo deveria ser contado.

A defesa afirmou que, devido ao erro material da primeira publicação, ela não daria segurança jurídica para iniciar contagem de prazo legal. Além disso, a segunda publicação, livre de erros, ocorreu ainda no prazo dos embargos de declaração, indicando que prazos correriam a partir dela. Afirmou que o réu sofre constrangimento ilegal por ter seu direito à ampla defesa violado.

Para Marilza Maynard, houve de fato uma retificação com a nova publicação. Ela destacou que ambas foram publicadas no mesmo veículo oficial, ou seja, o DJe, e que o fato do segundo texto ter vindo da primeira instância, ainda que incomum, não é relevante para determinar a contagem dos prazos. “O STJ adota o entendimento de que havendo republicação de decisão, mesmo que desnecessária, reabre-se o prazo recursal”, completou. A relatora determinou que a segunda publicação fosse considerada válida e que os embargos fossem conhecidos. 
Fonte: STJ

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

VENDA CASADA - UM CASAMENTO IMPERFEITO!

A venda casada está presente na vida do consumidor. Jornais vendidos com fascículo de cursos, sanduíches que vêm com o brinquedo, venda de pacotes de turismo atrelado ao seguro. Diversas são as formas de dinamizar o mercado. Mas quando a prática de subordinar a venda de um produto a outro é ilegal? O STJ tem algumas decisões sobre o tema, que podem ajudar o consumidor a reivindicar seus direitos.

Prevista no inciso I do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), a prática é caracterizada pela presença de duas diferentes formas de condicionamento. Ou por vincular a venda de bem ou serviço à compra de outros itens ou pela imposição de quantidade mínima de produto a ser comprado. A jurisprudência do Tribunal não oferece respostas para todas as situações, mas orienta o consumidor na sua decisão.

Em um julgamento ocorrido em 2008, a Terceira Turma do Tribunal considerou que o mutuário não está obrigado a adquirir o seguro habitacional da mesma entidade que financie o imóvel ou por seguradora por ela indicada, mesmo que o seguro habitacional seja obrigado por lei no Sistema Financeiro de Habitação. A obrigação de aquisição do seguro no mesmo agente que financia o imóvel caracteriza venda casada, uma prática considerada ilegal (Resp 804.202).

É venda casada também condicionar a concessão de cartões de crédito à contratação de seguros e títulos de capitalização. Em um caso analisado pelo STJ, os valores eram incluídos nas faturas mensais dos clientes por uma empresa representante de lojas de departamento. Ela alegou que o título de capitalização era uma garantia, na forma de penhor mercantil, do pagamento da dívida contraída junto com o cartão, o que estaria permitido pelo art. 1419 do Código Civil.

Prevaleceu a tese de que a circunstância de os títulos de capitalização serem utilizados como garantia do crédito concedido, semelhante ao penhor mercantil, não seria suficiente para afastar o reconhecimento da prática abusiva (Ag 1.204.754). Segundo o Código de Defesa do Consumidor, a prática de venda casada pode acarretar detenção de dois a cinco anos e multa.

Pipoca no cinema
Presente no cotidiano das pessoas, a venda casada acontece em situações que o consumidor nem imagina. O STJ decidiu, em julgado de 2007, que os frequentadores de cinema não estão obrigados a consumir unicamente os produtos da empresa vendidos na entrada das salas. A empresa foi multada por praticar a “venda casada”, ao permitir que somente produtos adquiridos em suas dependências fossem consumidos nas salas de projeção (Resp 744.602).

Segundo argumento da empresa cinematográfica, o consumidor poderia assistir ao filme sem nada consumir, razão pela qual não havia violações da relação de consumo. Sustentou também que prevalecia o direito de não intervenção do Estado na economia.

Contudo, para os ministros do STJ que participaram do julgamento, o princípio de não intervenção do Estado na ordem econômica deve obedecer aos princípios do direito ao consumidor, que deve ter liberdade de escolha.

Os ministros consideraram que a venda condicionada que praticou a empresa é bem diferente do que ocorre em bares e restaurantes, em que a venda de produtos alimentícios constitui a essência da atividade comercial.

A prática de venda casada se caracteriza quando uma empresa usa do poder econômico ou técnico para obstar a liberdade de escolha do consumidor, especialmente no direito que tem de obter produtos e serviços de qualidade satisfatória e a preços competitivos, explicou o ministro Luís Fux. Assim, o Tribunal entendeu que o cidadão pode levar de casa ou comprar em outro fornecedor a pipoca ou guloseimas que consumiria durante a exibição do filme.

Refrigerante em posto de gasolina

O Código do Consumidor brasileiro não proíbe o fornecedor de oferecer promoções, vantagens aos clientes que queiram adquirir mais de um produto. Mas proíbe expressamente condicionar a venda de um produto a outro. Assim também é previsto no Código de Defesa da Concorrência (Lei 8.884/94). Em um recurso julgado em 2009, o STJ decidiu que um posto de gasolina não poderia vincular o pagamento a prazo da gasolina à aquisição de refrigerante por afrontar o direito do consumidor.

A venda casada se caracteriza quando o consumidor não tem a opção de adquirir o produto desejado se não se submeter ao comando do fornecedor. A empresa alegou que o cliente, no caso, não estava forçado a adquirir refrigerantes, mas, ao contrário, poderia adquirir à gasolina, sem vinculação alguma à aquisição de bebida. A venda de refrigerantes fazia parte apenas de um pacote promocional para pagamento a prazo.

De acordo com os ministros, a prática abusiva se configurou pela falta de pertinência, ou necessidade natural na venda conjunta dos produtos “gasolina” e “refrigerante”. Embora o fornecedor tenha direito de decidir se o pagamento será a vista ou a prazo, não pode condicionar a venda de um produto a outro, como forma de suposto benefício (Resp 384.284).

Lanches infantis
Segundo o advogado Daniel Romaguera Louro, no artigo “A não configuração de venda casada no oferecimento de produtos ou serviços bancários”, para configurar a prática abusiva, é imprescindível o exame dos condicionamentos que determinam a compra e a forma com que essa ocorre, bem como o perfil do cliente a que está imposta.

Em 2010, o Tribunal determinou a reunião na Justiça Federal das ações civis públicas propostas contra as redes de lanchonetes Bob’s, McDonald’s e Burger King, em razão da venda casada de brinquedos e lanches “fast-food”. A Justiça estadual de São Paulo e a Justiça Federal daquele mesmo estado analisam ações semelhantes propostas pelos ministérios públicos estadual e federal (CC 112.137).
O Ministério Público do Estado de São Paulo ingressou na 18ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo pedindo a condenação da rede Bob’s. Essa ação civil pública visa à venda em separado de brinde, que só é entregue com a compra de lanche infantil (lanche Trikids).

Em outra ação civil pública, o Ministério Público Federal (MPF) pede à Justiça Federal (15ª Vara Cível da Seção Judiciária de São Paulo) que condene a rede Bob’s e as redes de lanchonetes McDonald’s e Burger King a não comercializarem lanches infantis com oferta conjunta e, também, que não ofereçam a venda em separado de brindes. A decisão de mérito ainda não chegou ao STJ.

Férias frustradas

Diversas são as situações de venda casada realizadas na oferta de pacote turístico. Em 2008 um consumidor comprou uma viagem para Cancun, no México, no qual passagem, hotel, serviços de passeio e contrato de seguro de viagem foram vendidos de forma conjunta pela operadora, embora a responsável pelo contrato de seguro fosse outra empresa (Resp 1.102.849).
Sofrendo de problemas cardíacos e necessitando de atendimento médico, o consumidor realizou uma série de despesas no exterior. Na hora de pagar a conta, requereu a condenação solidaria da operadora de turismo, que vendeu o pacote de turismo, e da seguradora.

A empresa que vendeu o pacote sustentou que se limitou a organização da viagem com reservas em fretamento pela companhia aérea, diárias do hotel, traslado e guia local. Paralelamente ao contrato do pacote de viagem, pactuou o contrato de seguro com outra empresa, a qual devia responder pelas despesas realizadas.

Os ministros entenderam que a responsabilidade solidária da empresa de turismo deriva, no caso, da constituição de uma cadeia de fornecimento com a seguradora que realizou contratação casada, sem que se tenha apontado ação individual da voluntariedade do consumidor na determinação das condições firmadas.

O STJ tem decisões no sentido de que uma vez comercializado pacote turístico, nele incluíndo transporte aéreo por meio de vôo fretado, a agência de turismo responde pela má prestação do serviço (Resp 783.016). Outra decisão garante que agência de viagens responde por danos pessoais ocasionados pelo mau serviço prestado em rede hoteleira, quando contratados em pacote turístico (Resp 287.849).

Seguro em leasing

Em se tratando de venda casada, somente o caso concreto pode dar respostas para um suposto delito. Ao analisar um processo sobre arrendamento mercantil em que impuseram ao consumidor a responsabilidade de pagar o seguro de um contrato de leasing, o STJ decidiu que a prática não era abusiva. O seguro, no entanto, poderia ser feito em seguradora de livre escolha do interessado, sob o risco de ferir o direito de escolha do consumidor. (Resp 1.060.515).

Nos contratos de leasing, a arrendadora é proprietária do bem até que se dê a efetiva quitação do contrato e o arrendatário faz a opção, ao final do negócio, pela compra do produto. O Tribunal considerou que nos casos de leasing, o consumidor é responsável pela conservação do bem, usufruindo da coisa como se dono fosse, suportando, em razão disso, riscos e encargos inerentes à sua obrigação.

Os ministros entenderam, na ocasião, que não se pode interpretar o Código do Consumidor de modo a tornar qualquer encargo atribuído ao consumidor como abusivo, sem observar que as relações contratuais se estabelecem, igualmente, através de regras de direito civil.

“Ante a natureza do contrato de arrendamento mercantil ou leasing, em que pese a empresa arrendante figurar como proprietária do bem, o arrendatário possui o dever de conservar o bem arrendado, para que ao final da avença, exercendo o seu direito, prorrogue o contrato, compre ou devolva o bem”, justificou o desembargador convocado, ministro Honildo Amaral de Mello Castro.

Consumo mínimo

A segunda hipótese prevista pelo artigo 39 inciso I, que regulamenta venda casada no CDC, é aquela que o fornecedor exige que se adquira uma quantidade mínima do produto. É o típico caso em que o fornecedor garante a venda “se” e “somente se” o consumidor adquirir certa quantidade do produto.

Em 2011, o STJ pacificou o entendimento de que nos condomínios em que o total de água consumida é medido por um único hidrômetro, é ilegal a cobrança do valor do consumo mínimo multiplicado pelo número de unidades residências (Resp 1.166.561).

O recurso foi interposto pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), que pedia o reconhecimento da legalidade da cobrança de água multiplicando a tarifa do consumo mínimo pelo número de unidades no condomínio, nos meses em que o consumo registrado tiver sido menor que a cota estabelecida. A companhia alegava que essa modalidade de cobrança é legal e não proporcionava lucros arbitrários à custa do usuário.

Os ministros da Primeira Turma à época consideraram que a Lei 6.528/1978 e a Lei 11.445/2007 instituíram a cobrança do serviço por tarifa mínima como forma de garantir a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços públicos de saneamento básico. Isso permite aos usuários mais pobres um consumo expressivo de água a preços módicos.

A cobrança, no entanto, consistente na multiplicação da tarifa mínima pelo número de residências de um condomínio não tinha amparo legal. Para o relator, ministro Hamilton Carvalhido, não se pode presumir a igualdade de consumo de água pelos condôminos, obrigando os que gastaram abaixo do mínimo a não só complementar a tarifa, como também a arcar com os gastos de quem consumiu acima da cota.
Fonte: STJ

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Passageiro que caiu ao descer de ônibus tem direito à indenização do seguro obrigatório

A diminuição definitiva de capacidade motora, ocasionada por queda sofrida ao descer de coletivo urbano, está coberta pelo Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores (DPVAT). O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A vítima do acidente moveu ação de cobrança contra a Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro DPVAT S/A, alegando que deveria receber o seguro obrigatório em decorrência da redução definitiva de sua capacidade motora, ocasionada por queda sofrida ao descer de transporte coletivo urbano.

O pedido não foi acolhido pelo juízo de primeiro grau, que considerou que o acidente sofrido pela autora da ação não pode ser considerado acidente de trânsito e, por isso, não é possível a cobertura pelo DPVAT.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) manteve a sentença, por entender que não ficou configurada a ocorrência de acidente de trânsito. Segundo o TJRS, o fato não ocorreu dentro do ônibus, mas sim em função da brusca movimentação do veículo. Isso fez com que a vítima caísse “de dentro para fora do ônibus”, sobre o meio-fio, “vindo a sofrer as lesões que a tornariam inválida”.

No STJ, a vítima reafirmou que fazia jus à indenização, pois o acidente estaria entre aqueles cobertos pelo seguro obrigatório.

Causa determinante
Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi, relatora, lembrou que o DPVAT tem por objetivo a reparação por eventual dano pessoal, independentemente de juízo de valor acerca da existência de culpa. “Para que o sinistro seja considerado protegido pelo seguro DPVAT, é necessário que ele tenha sido ocasionado pelo uso de veículo automotor”, acrescentou a relatora.

Segundo a ministra, no caso, a queda da vítima ocorreu após a brusca movimentação do veículo. Essa movimentação anormal do ônibus foi a causa determinante do dano sofrido, portanto, para a ministra, é cabível a indenização securitária.

Quanto ao valor da indenização, Nancy Andrighi determinou o retorno do processo ao tribunal estadual, a fim de que este apure e adote o valor proporcional ao grau de invalidez.
FONTE: STJ

STJ reconhece ação investigatória de paternidade ajuizada por filho adotado à brasileira contra pai biológico

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu pedido de uma filha para ter seus pais biológicos reconhecidos juridicamente, com todas as consequências legais, determinando-se também a anulação do registro de nascimento para que eles figurem como pais legítimos, em detrimento dos pais adotivos.

O colegiado levou em consideração o entendimento de que, embora tenha sido acolhida em lar adotivo e usufruído de uma relação socioafetiva, nada lhe retira o direito de ter acesso à verdade biológica que lhe foi usurpada desde o nascimento até a idade madura.

A filha ajuizou ação de investigação de paternidade e maternidade cumulada com anulação de registro contra seus pais biológicos, alegando que, com seis meses de vida, foi entregue a um casal, que a registrou como se fosse filha biológica.

Na adolescência, soube que a mãe biológica era sua madrinha. Mas seus pais adotivos desconheciam quem era o pai biológico, pois a menina lhes fora entregue pela genitora. Somente seis anos depois da morte de seus pais registrais, quando ela tinha 47 anos de idade, conseguiu saber a identidade do pai biológico e, assim, propôs a ação.

O juízo de primeiro grau acolheu o pedido da filha, declarando os pais biológicos seus pais para todos os fins de direito, inclusive hereditários. No entanto, manteve íntegro o registro de nascimento.

Em apelação, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) reformou a sentença e julgou a ação improcedente. “Mostra-se flagrantemente descabida a investigação de paternidade, quando resta consolidada a relação jurídica de paternidade socioafetiva com o pai e a mãe registrais”, afirmou o TJRS.

No STJ, o Ministério Público estadual interpôs recurso especial sustentando a possibilidade de anulação do registro da autora, para que seja lançada a filiação biológica, apurada em exame de DNA, em detrimento da paternidade registral e socioafetiva.

Paternidade biológica
Em seu voto, o ministro Luis Felipe Salomão, relator, disse que deve prevalecer a paternidade socioafetiva sobre a biológica para garantir direitos aos filhos, na esteira do princípio do melhor interesse da prole, sem que, necessariamente, essa afirmação seja verdadeira quando é o filho que busca a paternidade biológica em detrimento da socioafetiva.

“No caso de ser o filho quem vindica esse estado contrário ao que consta no registro civil”, alertou o ministro, “parece claro que lhe socorre a existência de erro ou falsidade para os quais não contribuiu.”

Segundo o ministro, afastar a possibilidade de o filho pleitear o reconhecimento da paternidade biológica, no caso de “adoção à brasileira”, significa impor-lhe que se conforme com essa situação criada à sua revelia e à margem da lei.

“A paternidade biológica gera, necessariamente, uma responsabilidade não evanescente e que não se desfaz com a prática ilícita da chamada ‘adoção à brasileira’, independentemente da nobreza dos desígnios que a motivaram. E, do mesmo modo, a filiação socioafetiva desenvolvida com os pais registrais não afasta os direitos da filha resultantes da filiação biológica, não podendo, no caso, haver equiparação entre a adoção regular e a chamada ‘adoção à brasileira’”, afirmou Salomão.

O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.
 
FONTE: STJ

Juiz constata fraude na admissão de trabalhador como sócio de empresa de radiologia

Atos praticados com o fim de desvirtuar, impedir ou fraudar direitos trabalhistas são nulos de pleno direito. Esse é o teor do artigo 9º da CLT, adotado pelo juiz Leonardo Passos Ferreira, titular da Vara do Trabalho de Itabira, ao constatar fraude na participação do reclamante em suposta sociedade e declarar o vínculo de emprego com a sociedade beneficente para a qual ele prestava serviços de radiologia e diagnósticos.
O trabalhador procurou a Justiça do Trabalho, dizendo que foi contratado por uma empresa de radiologia médica para prestar serviços a uma sociedade beneficente, que, por sua vez, era mantenedora de um hospital. Segundo o reclamante, tudo não passou de fraude, pois as reclamadas o obrigaram a fazer parte do quadro societário da empresa de radiologia, mas ele nunca exerceu a função de sócio. Já as rés sustentaram que ele ingressou na sociedade por livre e espontânea vontade e que era realmente sócio. Mas o juiz sentenciante concluiu que a verdade está com o trabalhador.
Os documentos anexados ao processo demonstraram que o reclamante compôs o quadro societário da empresa de radiologia com 1% do capital social. A empresa firmou contrato de prestação de serviços de radiologia médica com a sociedade beneficente mantenedora do hospital onde os serviços eram executados. No entanto, o representante da empresa de radiologia admitiu que o trabalhador não integralizou nenhum capital ou bem, recebia salário fixo e não fazia retiradas. Já as testemunhas apresentadas pelo reclamante asseguraram que para trabalhar no hospital tinham que se tornar sócios da empresa de radiologia. Além disso, seguiam escala de trabalho e eventuais faltas eram descontadas. Quem controlava o serviço deles era um dos supostos sócios.
Na visão do magistrado, a fraude está clara, pois não há dúvida de que a sociedade beneficente exigia que os técnicos em radiologia integrassem o quadro societário da empresa de radiologia, unicamente para lhes prestar serviços. "Nesta linha de raciocínio, restou comprovado que o reclamante jamais desempenhou atividades atinentes à figura de sócio, não admitia ou demitia funcionários, tinha horário de trabalho predeterminado, cumpria ordens", destacou.
Portanto, com base no artigo 9º da CLT, o juiz declarou a fraude no contrato de trabalho do reclamante e reconheceu o vínculo de emprego com a sociedade beneficente, que foi condenada a anotar a CTPS do empregado e pagar a ele as verbas típicas dessa relação.
 
FONTE: TRT3ª REGIÃO

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...