quinta-feira, 11 de outubro de 2012

INFORMATIVO JURISPRUDENCIAL DO STF Nº. 678

Informativo STF


Brasília, 3 a 6 de setembro de 2012 - Nº 678.




Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.



SUMÁRIO

Plenário
AP 470/MG - 61
AP 470/MG - 62
AP 470/MG - 63
AP 470/MG - 64
AP 470/MG - 65
AP 470/MG - 66
AP 470/MG - 67
AP 470/MG - 68
AP 470/MG - 69
AP 470/MG - 70
AP 470/MG - 71
AP 470/MG - 72
AP 470/MG - 73
AP 470/MG - 74
AP 470/MG - 75
AP 470/MG - 76
AP 470/MG - 77
AP 470/MG - 78
1ª Turma
Estelionato: assistência judiciária gratuita e cobrança de honorários - 4
Art. 150, VI, b e c, da CF: maçonaria e imunidade tributária - 3 e 4
Princípio da insignificância e furto em penitenciária - 3
Clipping do DJe
Transcrições
Prefeito municipal – Contas – Rejeição – Câmara de Vereadores – Inobservância do devido processo legal – Nulidade da deliberação (RE 682011/SP)
Outras Informações



PLENÁRIO


AP 470/MG - 61

O Plenário retomou julgamento de ação penal movida, pelo Ministério Público Federal, contra diversos acusados pela suposta prática de esquema a envolver crimes de peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta e outras fraudes — v. Informativos 673 a 677. Na sessão de 3.9.2012, o Min. Joaquim Barbosa, relator, ao prosseguir na análise do capítulo V da denúncia, julgou procedente o pedido para condenar Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Ayanna Tenório e Vinícius Samarane, detentores de cargos executivos no Banco Rural à época dos fatos (“núcleo financeiro”), como incursos no delito previsto no art. 4º, caput, da Lei 7.492/86 (gestão fraudulenta de instituição financeira). Inicialmente, citou laudo segundo o qual essa instituição, ao reiterar procedimentos a impedir que as empresas SMP&B e Graffiti apresentassem atrasos nos seus mútuos, atribuiria às operações de crédito — em evidente situação de inadimplência — tratamento de transação em curso normal, de maneira a reconhecer resultados fictícios. Aludiu que os normativos relacionados ao assunto vedariam o reconhecimento no resultado de receitas de operações de crédito com atraso igual ou superior a 60 dias (Resolução 2.682/99, do Bacen, art. 9°). Acresceu que, no caso de operações renegociadas, o ganho deveria ser apropriado ao resultado somente quando efetivamente recebido (art. 8°, § 2º, da mesma resolução). Frisou que, com este comportamento, o Banco Rural geraria resultado fictício, elevando seu patrimônio, com consequente aumento dos limites operacionais.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 62

Mencionou excerto de parecer técnico no qual a alta administração daquele banco aprovara as operações de crédito ora reclassificadas com pleno conhecimento de que se trataria de empréstimos de alto risco, com grande probabilidade de não serem pagos, visto que incompatíveis com a capacidade financeira dos devedores. Realçou que a garantia de direitos creditórios, posteriormente agregada às operações (contrato de prestação de serviços entre DNA Propaganda e Banco do Brasil - BB), não teria validade jurídica, dado que o Banco Rural não possuiria autorização do BB (contratante) a fim de que a avença fosse dada como caução. Assim, sobrelevou que, de todo o material probatório, despontaria cristalino que essas operações de crédito teriam sido simuladas. Igualmente, sobressairia nítido que os principais dirigentes do Banco Rural à época, para encobrir o caráter simulado dessas operações, utilizar-se-iam, dolosamente, de mecanismos fraudulentos, tais como: a) celebração de sucessivos contratos de renovação desses empréstimos fictícios, de modo a obstar que eles apresentassem atrasos; b) incorreta classificação do risco dessas operações; c) desconsideração da manifesta insuficiência financeira tanto dos mutuários, quanto das suas garantias; e d) não observância tanto de normas aplicáveis à espécie, quanto de análises das áreas técnica e jurídica do próprio Banco Rural.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 63

Diante da arguição de que os empréstimos contraídos pela SMP&B e pela Graffiti seriam lícitos, colacionou laudo — realizado a pedido da defesa — a atestar que o procedimento utilizado para a elaboração da escrituração alterada não se enquadraria no conceito contábil de retificação, bem assim que a contabilidade da primeira empresa teria sido modificada de maneira substancial, em desacordo com as normas vigentes, o que evidenciaria erros voluntários, caracterizados como fraude contábil. Outrossim, anotou que essas operações teriam sido lançadas somente depois da divulgação do caso pela imprensa, a dificultar a devida identificação dos beneficiários de fato dos recursos repassados. Consignou trecho de laudo a dispor que os livros mercantis equiparar-se-iam a documento público, de modo que falhas de registro e retificação então analisadas resultariam de inequívoca vontade do contador e dos sócios, a corroborar a fraude contábil. Reproduziu, ainda, fragmento de parecer técnico a constar que, em razão de a contabilidade ter sido ilicitamente alterada, os peritos não se comprometeriam com a veracidade material ou ideológica das operações de crédito examinadas, porque a apreciação feita fundar-se-ia em contabilidade fraudada. Destarte, discorreu que aqueles profissionais alertariam para o fato de que as análises teriam sido desenvolvidas apenas sob o aspecto formal, sem exame da falsidade desses mútuos. No ponto, assentou que a conclusão pericial, a rigor, nem poderia ser diferente, já que contrato simulado, apesar de material ou ideologicamente falso, poderia ser formalmente autêntico.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 64

No que tange à tese defensiva de negativa de autoria em virtude de ausência de provas, sobretudo quanto à prática de todos os atos fraudulentos dispostos na denúncia e de imputação de responsabilidade penal objetiva, lembrou que o crime fora perpetrado em concurso de pessoas, em atuação orquestrada, com unidade de desígnios e divisão de tarefas típicas dos membros de grupo criminoso organizado. Nessa senda, seria desnecessário, para a configuração da coautoria delitiva, que cada um dos réus tivesse realizado todos os atos fraudulentos que caracterizariam a gestão fraudulenta. Isso porque, pela divisão de tarefas, caberia a cada corréu determinadas funções, de cuja execução dependeria o sucesso da empreitada criminosa. Dessumiu que, nesse contexto de divisão de tarefas, como seria próprio aos delitos em concurso de pessoas, o acervo probatório revelaria a intensa atuação de todos os acusados, em diferentes etapas da gestão fraudulenta.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 65

Apontou que, dentre renovações de mútuo formalmente contraídas pela SMP&B e pela Graffiti aprovadas por José Roberto Salgado, algumas delas teriam sido subscritas também por Ayanna Tenório ou Kátia Rabello. Estas teriam ocorrido irregularmente. Uma delas, por exemplo, a despeito de “parecer técnico” com ressalva de analista do Banco Rural, que alertara para o risco elevado da operação e para o fato de que ainda não teriam sido enviados dados contábeis atualizados. Verificou que, em outra dessas concessões de mútuo, membro do Comitê Pleno de Crédito da instituição acrescera que se cuidaria de risco de alçada da administração central, com aprovação necessária de José Roberto Salgado. Observou que, na mesma linha, em outros empréstimos, realçaram-se irregularidades, tendo em conta a ausência de dados contábeis relativos aos últimos exercícios, bem assim porque os números apresentados por uma das empresas seria de “ínfimo valor” e sua ficha cadastral teria “poucos dados”. Constatou que a mesma conduta repetira-se em outros mútuos entre ambas as empresas e a instituição financeira, dentre os quais houvera risco de renovação tão elevado que membro do aludido comitê registrara envolvimento de “risco banqueiro”. A respeito, explanou que as ressalvas feitas pelos analistas de crédito do próprio banco teriam sido ignoradas pelos réus, o que desmentiria discurso da defesa de que os acusados apenas ratificariam o que já aprovado pela área técnica da instituição financeira e que suas atribuições seriam alheias à área operacional. Ressurtiu que tanto Kátia Rabello quanto Ayanna Tenório, ao invés de seguirem o parecer da área de crédito do próprio Banco Rural, teriam autorizado a renovação dessas operações de elevadíssimo risco, mesmo sem conhecimento técnico sobre o tema.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 66

Outrossim, colacionou, do depoimento de Vinícius Samarane, que este seria membro do Comitê de Prevenção à Lavagem de Dinheiro, além de responsável pela atividade no âmbito de auditoria e inspetoria e compliance. Esta seção consistiria em acompanhar e monitorar a aplicação, nas atividades da instituição, dos normativos internos e externos. Preceituou que tanto Vinícius Samarane, quanto Ayanna Tenório também seriam, em última análise, responsáveis pela verificação da conformidade das operações de crédito em questão com as normas incidentes à espécie, especialmente as do Bacen. Dessa forma, justificou que, para que o grupo criminoso obtivesse sucesso, seria necessária, dentro da divisão de tarefas verificada entre os acusados, a omissão dolosa de ambos no exercício de suas obrigações. Assim, concluiu que Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório — em divisão de tarefas típica de quadrilha organizada e de forma livre, consciente e com unidade de desígnios — teriam atuado intensamente na simulação dos empréstimos bancários sob enfoque, bem como utilizado mecanismos fraudulentos para encobrir o caráter simulado das operações de crédito citadas. Noutros termos, asseverou que, ao contrário do que alardeado pelos réus, a acusação de gestão fraudulenta de instituição financeira que recairia sobre eles não decorreria de imputação de responsabilidade penal objetiva, mas sim do exame de suas condutas no contexto dos fatos.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 67

Rechaçou argumento da defesa de que não teria havido lesão ao Sistema Financeiro Nacional (bem jurídico tutelado pela Lei 7.492/86), porquanto esta sustentara que supostamente o Banco Rural teria demonstrado responsabilidade na sua gestão, sendo a sua lucratividade e o percentual de inadimplência dos seus empréstimos compatíveis com os de outros bancos brasileiros. A respeito, prelecionou que o art. 4º da Lei 7.492/86, ao descrever o crime imputado aos réus, limitar-se-ia a tipificar conduta caracterizada como crime formal, a qual não exigiria qualquer resultado naturalístico. Além disso, acentuou que o argumento de que a conduta dos réus não teria atingido o Sistema Financeiro Nacional evidenciaria muito mais opinião subjetiva, do que dado concreto, apoiado em bases legais. Repeliu, outrossim, tese defensiva de que Kátia Rabello e José Roberto Salgado não poderiam ser responsabilizados pelo crime de gestão fraudulenta de instituição financeira porque não teriam participado da concessão dos empréstimos efetuados por meio de fraude, mas apenas de algumas renovações dessas operações de crédito, nas quais não haveria disponibilização de novos recursos, nem aumento de risco, de modo que essas renovações seriam penalmente irrelevantes. No ponto, sobressaiu que, além de eles já terem aprovado mútuos formalmente concedidos pelo Banco Rural, o delito que lhes fora imputado não se consubstanciaria apenas pela concessão de empréstimos falsos, mas também pelo uso de mecanismos fraudulentos para encobrir o caráter simulado dessas operações de crédito. Igualmente, refutou a asserção da defesa de que a avaliação de risco realizada nas operações de crédito concedido por banco — rating — possuiria caráter subjetivo e que somente após o escândalo do caso em comento teria sido possível aferir a veracidade dessas notas, pois alegadamente o Bacen somente teria imposto a reclassificação das operações de crédito para o menor nível após despontar a crise. Nesse diapasão, versou que o próprio Bacen procedera à verificação especial em operações de crédito do conglomerado, a apontar falha no processo de classificação delas. Ademais, revelou que tanto os empréstimos simulados quanto suas sucessivas e fraudulentas renovações, ao contrário do que alegado pela defesa de José Roberto Salgado, constariam na denúncia.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 68

No atinente à afirmativa da defesa de que a acusação teria ignorado provas, principalmente a oitiva de testemunhas arroladas pela defesa, sopesou não ser a simples quantidade de testemunhos que orientaria julgamento, haja vista inexistir hierarquia entre as provas. Referiu que o órgão julgador, após examinar todo o conjunto probatório, verificaria quais elementos de convicção expressariam a verdade acerca dos fatos controversos. Observou que a defesa apoiar-se-ia, sobretudo, em seleção de depoimentos de testemunhas com as quais mantivera vínculo de amizade ou ascendência profissional e que muitas delas teriam incorrido, ao menos em tese, no mesmo crime examinado nos autos, bem como figurariam como corrés dos acusados tanto no delito em tela quanto em outras ações penais que também tratariam de crimes financeiros. De outro lado, rejeitou a suposta incompatibilidade do delito de gestão fraudulenta com o de lavagem de dinheiro, pois a defesa sustentara que ambos basear-se-iam em empréstimos simulados. Esclareceu que os crimes não se consubstanciariam unicamente pela realização de mútuos falsos. Explicitou que a gestão fraudulenta materializar-se-ia, também, pelo recurso a diversos mecanismos fraudulentos, utilizados especialmente para encobrir o caráter simulado dos empréstimos. Quanto à lavagem de dinheiro, também constituiriam importantes etapas para a sua caracterização a prática de fraudes contábeis e, sobretudo, a ocultação dos verdadeiros sacadores dos milionários valores repassados pelo “núcleo Marcos Valério” por meio do Banco Rural.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 69

Aduziu que estariam detalhados no capítulo IV da exordial acusatória (“Lavagem de Dinheiro - Lei 9.613/98”) diversos repasses de vultosos valores por intermédio do Banco Rural, com dissimulação da natureza, origem, localização, disposição e movimentação dos valores, bem como ocultação, especialmente do Bacen e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras - Coaf, dos verdadeiros proprietários e beneficiários dessas quantias, que sabidamente proviriam, direta ou indiretamente, de crimes contra a Administração Pública e o Sistema Financeiro Nacional, além de praticados por organização criminosa. Salientou que, mesmo a considerar apenas a simulação de empréstimos, não haveria que se falar em incompatibilidade entre o delito de gestão fraudulenta de instituição financeira e o de lavagem de dinheiro, tendo em vista a regra do concurso formal. Aclarou que os réus, ao atuarem dolosamente na simulação de empréstimos formalmente contraídos com o Banco Rural, em infringência às normas que regeriam a matéria, teriam cometido tanto o crime de gestão fraudulenta de instituição financeira quanto o de lavagem de dinheiro, especialmente em virtude de que esses ilícitos decorreriam de desígnios autônomos (CP, art. 70, 2ª parte). Acerca dessa matéria, trouxe à colação doutrina conforme a qual hipóteses em que o sujeito não só objetivasse e obtivesse lucro com a atividade criminosa, como ainda atuasse com vistas a ocultar ou dissimular a origem do proveito, possibilitaria o concurso formal de crimes. Por fim, estatuiu que se imporia a Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório a condenação pela prática de gestão fraudulenta em relação ao Banco Rural (Lei 7.492/86, art. 4º).
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 70

O Min. Ricardo Lewandowski, revisor, acompanhou, em parte, o relator para julgar procedente o pleito do parquet a fim de condenar Kátia Rabello e José Roberto Salgado pela prática do delito de gestão fraudulenta de instituição financeira. A princípio, atestou ser aberto o tipo penal em questão, na medida em que o legislador não preceituara quais os atos de administração fraudulenta. Não obstante, o revisor indicou, consoante a conduta nele descrita, que o dolo deveria ser específico, a requerer do agente o emprego de meios ardilosos ou fraudulentos na condução da instituição de crédito que encerrassem o potencial de causar lesão à higidez do sistema financeiro e, por via reflexa, aos direitos e interesses de número indeterminado de acionistas, clientes e investidores. Por oportuno, distinguiu gestão fraudulenta de gestão temerária. Nesta última, admitir-se-ia dolo eventual. Em seguida, articulou que nos delitos societários, em especial naqueles chamados de colarinho branco, não se poderia exigir sempre obtenção de prova direta para condenação, sob pena de estimular-se a impunidade nesse campo. Portanto, quando o Estado não lograsse a obtenção da prova direta seria possível levar em conta os indícios, desde que lógica e seguramente encadeados, a permitir o estabelecimento da verdade processual. Registrou exsurgir dos autos materialidade delitiva, destacadamente do minucioso acervo probatório técnico, produzido tanto na fase extrajudicial como ao longo do contraditório. Ressaltou que o correto provisionamento do capital emprestado implicaria a majoração do passivo do Banco Rural e, consequentemente, alteraria qualitativa e quantitativamente sua posição patrimonial e financeira. Ao deixar de assim proceder, os administradores da instituição teriam procurado fazer crer que a situação desta seria melhor do que a efetivamente vivenciada.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 71

Teceu considerações a respeito da errônea classificação das operações realizadas, da subversão dos valores constantes dos demonstrativos contábeis, da utilização de mecanismos destinados a impedir ou dissimular a caracterização de atrasos das operações adversadas, da ausência de provisão do banco, da falta de capacidade financeira dos mutuários, da inexistência de validade jurídica da garantia de direitos creditórios agregada aos empréstimos (contrato de prestação de serviços entre a DNA Propaganda e o BB), do desacordo com as mais comezinhas normas de prudência bancária. Estimou ter ocorrido gestão caracterizada por manobras contábeis, notadamente irregulares, que passariam ao largo do desejo de preservar a posição da instituição financeira no mercado ou de fomentar suas atividades comerciais, a ingressar decisivamente na seara dos ilícitos penais. As práticas delituosas dos dirigentes do conglomerado patentear-se-iam, sobretudo, pela relação que a cúpula mantinha com Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, todos sócios da DNA Propaganda, SMP&B Comunicação e Graffiti Participações, que ultrapassaria de longe a relação normal bancária. Constatou, em passo seguinte, que Marcos Valério agiria como agente de negócios e relações públicas do Banco Rural, encarregando-se, principalmente, de intermediar contatos entre aquela instituição e alguns setores do governo.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 72

Após rememorar teor de laudo pericial, inferiu que o banco, caso tivesse realizado simples exame na contabilidade dos mutuários, como proposto em seus próprios normativos internos, poderia ter facilmente detectado a não correspondência entre as garantias e os empréstimos. Afigurou manifesto que estes só teriam sido aprovados em razão do relacionamento pessoal e da troca de favores existentes entre a direção do Banco Rural e o acusado Marcos Valério. Elucidou que alguns dos empréstimos teriam sido tratados quase como verdadeiras doações, ante as constantes renovações e ausência de pagamento ou amortizações. Atentou para o fato de que a situação de risco de sucessivas repactuações seria tão alarmante que a decisão envolveria a própria diretoria da instituição, necessários os votos de seus principais dirigentes: Kátia Rabello e José Roberto Salgado. Por outro lado, a postergação do pagamento da dívida seria algo de interesse precípuo do mutuário, sendo no mínimo estranho que as datas de vencimento fossem reajustadas por iniciativa do banco mutuante. Por fim, delineou os comportamentos dos dirigentes máximos do Banco Rural que indicariam o dolo e, consequentemente, a perfeita adequação típica das condutas descritas no caput do dispositivo em comento, e reputou comprovada a autoria delitiva de Kátia Rabello e de José Roberto Salgado.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 73

Em divergência, na assentada de 5.9.2012, o revisor absolveu Ayanna Tenório e Vinícius Samarane, com esteio no art. 386, VII, do CPP. Sublinhou que o elemento fulcral do tipo “gestão fraudulenta” seria a atuação com engodo, artifício ou ardil. Advertiu que a sanção de inabilitação temporária para gerir instituição financeira, por parte do Banco Central, não acarretaria automaticamente condenação pelo delito em tela, haja vista a total independência entre as esferas penal e administrativa, exigindo a primeira delas maior rigor para imposição de reprimenda. Por esse motivo, alguns dos administrativamente punidos não teriam sido denunciados pelo parquet. Salientou que, inclusive, aqueloutra decisão penderia de exame de recurso. Pronunciou que o ordenamento legal brasileiro, nos termos de jurisprudência do STF, não contemplaria a responsabilidade penal objetiva, ainda que no campo societário, onde sabidamente mais difícil a individuação das condutas dos agentes. Rematou inexistir forma culposa do crime de gestão fraudulenta, a demandar dolo direto. Quanto a Ayanna Tenório, dessumiu não comprovado que tivesse agido de forma fraudulenta ou ardilosa na gestão de instituição financeira, tampouco que detivesse conhecimento da ilicitude dos empréstimos. Assegurou que — antes de ser contratada para o Banco Rural — ela jamais havia trabalhado em estabelecimento de crédito, de acordo com diversos depoimentos colhidos ao longo do contraditório. Resgatou que a atividade profissional de Ayanna Tenório sempre estivera voltada para as áreas de estratégia e recursos humanos. Expôs que ela fora admitida, mediante contrato de trabalho com prazo de 2 anos, para elaboração de trabalho específico de planejamento e reestruturação interna da empresa familiar. Divulgou que ela ingressara na instituição 3 dias antes da morte de seu presidente, pessoa que alegadamente iniciara o relacionamento com as empresas de Marcos Valério.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 74

Esclareceu que, na qualidade de Vice-Presidente de Suporte Operacional, ela exerceria função de natureza administrativa. De igual modo, anotou que não se envolvera nas negociações que culminaram nos empréstimos objetos desta ação, porquanto sequer lá trabalhava à época em que concedidos. Verificou inexistir prova de que tivesse qualquer espécie de contato com Marcos Valério, ou com os sócios deste, no tocante aos mútuos objurgados, até porque não teria ingerência nos setores responsáveis pelas operações de crédito. Asseverou que os contatos de Ayanna Tenório seriam condizentes com sua função na área administrativa. Apontou que participara de apenas 2 renovações, ao subscrevê-las em conjunto com José Roberto Salgado. Concluiu que ela assinara formalmente os documentos ao seguir orientação deste, que seria o responsável pela área. Ademais, os documentos seriam relativos a mútuos anteriormente aprovados pela alta cúpula da instituição financeira, quando nenhuma suspeita havia sobre eles. Considerou que o elemento subjetivo do tipo, o dolo específico, não estaria demarcado. Depreendeu que, para Ayanna Tenório, cuidar-se-ia de renovação de crédito normal e regular em benefício de antigos clientes bancários. Discorreu que ela participaria ocasionalmente das reuniões de aprovações de créditos, apenas para preencher quórum, visto que sua área de atuação seria distinta.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 75

Procedeu, então, a análise da situação de Vinícius Samarane. Assinalou não dispor a denúncia do delito de gestão temerária, que permitiria dolo eventual. Repisou trechos da peça da acusação, dentre os quais os réus mencionados no presente capítulo, na qualidade de gestores do Banco Rural, teriam efetuado diversas operações de crédito com as empresas de Marcos Valério e sócios, bem assim de Rogério Tolentino, e com o Partido dos Trabalhadores - PT, que totalizariam valor milionário, correspondente, à época, a 10% da carteira de crédito do conglomerado. Na sequência, aduziu que o Ministério Público não lograra provar a participação de Vinícius Samarane em qualquer dos fatos, tampouco nos eventos citados na denúncia. Reforçou que as concessões de crédito aludidas datariam de período em que o réu não ostentaria condição funcional de gestor de instituição financeira. Ele seria funcionário, com título de superintendente, sem poder de concessão ou veto a empréstimos ou renovações, pois não integraria a direção do banco, para a qual teria sido eleito posteriormente. De igual modo, também não comporia a diretoria responsável pelo Comitê de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro no intervalo em que ocorridas as mencionadas operações de crédito. Por outro lado, o revisor rechaçou a caracterização de suposta omissão dolosa do réu e de dolo específico. Narrou que aquela somente seria penalmente relevante quando o omitente pudesse ou devesse agir para evitar o resultado (CP, art. 13, § 2º). No ponto, exprimiu que qualquer manifestação do réu seria inócua. Qualificou como não demonstrado que Vinícius Samarane conhecesse ou mantivesse relacionamento com os demais corréus, à exceção dos dirigentes do banco.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 76

Alfim, o Plenário proclamou o resultado provisório do julgamento, quanto ao capítulo V da denúncia, no sentido de: a) condenar, pela prática do delito previsto no caput do art. 4º da Lei 7.492/86, Kátia Rabello, José Roberto Salgado e Vinícius Samarane, vencidos, quanto ao último corréu, os Ministros revisor e Marco Aurélio, que o absolviam; e b) absolver Ayanna Tenório do mencionado crime, com fulcro no art. 386, VII, do CPP, vencido o relator. A Min. Rosa Weber ressaltou que nos crimes empresariais a imputação, em regra, deveria recair sobre os dirigentes ou órgãos de controle (presunção iuris tantum). Assim, imperioso verificar, no caso concreto, quem deteria poder de controle da organização para efeito de decidir pela consumação do delito. Destarte, caberia ao acusado comprovar não ter havido poder de decisão. Destacou, ainda, que nenhuma das operações de saque em espécie — cujo destinatário final teria sido agente público que comporia o capítulo IV da denúncia — teria ocorrido após Ayanna Tenório assumir a responsabilidade pela área de prevenção à lavagem de dinheiro. Entendeu plausível que a corré não tivesse conhecimento de todas as circunstâncias envolvidas, a impor sua absolvição, por inexistir quadro probatório seguro, acima de qualquer dúvida, que teria agido com dolo. O Min. Luiz Fux assinalou que a gestão fraudulenta de hoje seria o crime contra a economia popular de outrora. Além disso, aludiu que a criminalização daquela infração penal ocorreria na medida em que violadas regras básicas da atividade financeira.

AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 77

O Min. Gilmar Mendes aduziu haver extenso acervo probatório a evidenciar que os dirigentes do Banco Rural realizariam procedimentos incompatíveis com as normas atinentes às instituições financeiras. Embora certas ações ou omissões irregulares pudessem ocorrer em virtude da complexidade ligada à atividade bancária, de maneira a configurar meras infrações administrativas, bem como as instituições financeiras tivessem, de modo geral, flexibilidade para gerir seus negócios fora de padrões preestabelecidos, o quadro revelaria uma série de ações e omissões deliberadas, a caracterizar reprovável modo de administração. Frisou tratar-se de segmento econômico sujeito a rigoroso controle estatal, com distinção própria na Constituição. A instituição financeira seria elemento estrutural do sistema, na medida em que administraria e aplicaria a poupança popular. Asseverou que os fatos apontados extrapolariam as margens de risco e tolerância aceitáveis, com o agravante de a inobservância das normas aplicáveis ter sido recorrente. Sublinhou a tentativa de encobrimento dessas situações ilegais, mediante omissão, alteração e supressão em documentos internos e contábeis da instituição. Ressaltou que, como resultado da gestão fraudulenta, o Banco Rural incrementara artificialmente seu patrimônio líquido, induzindo a erro seus usuários e implicando a descapitalização da instituição. Apontou que as advertências internas — de analistas do Banco Rural — e externas — do Bacen — seriam sinais inequívocos de que os dirigentes conheceriam os fatos e concordariam com eles. Ressalvou, entretanto, que Ayanna Tenório não teria condições de compreender o significado das operações envolvidas no esquema criminoso, de modo que não teria pleno domínio dos fatos.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)


AP 470/MG - 78

O Min. Celso de Mello, por sua vez, destacou que a peça acusatória, ao se referir à suposta negligência dos acusados na concessão de empréstimos às entidades envolvidas, não se referiria à prática do crime em questão na suposta modalidade culposa, inexistente no ordenamento. Os autos evidenciariam que o comportamento seria doloso. No tocante à coautoria de Vinícius Samarane, frisou que o réu produzira peças enganosas e procedera a incorretas classificações de risco das operações. Além disso, adotara medidas para frustrar a ação fiscalizadora do Bacen. Realizara, portanto, fragmento no plano operacional, a refletir atividade exercida em função de um projeto criminoso comum. Seu papel no iter criminis configuraria, assim, coautoria sucessiva. O Min. Ayres Britto, Presidente, a seu turno, lembrou que a tutela imediata do art. 4º, caput, da Lei 7.492/86 diria respeito à instituição financeira — com seu conjunto de acionistas, a qual deveria ser colocada a salvo de gestão tão desastrosa que significasse bancarrota —, ao passo que a proteção mediata remeter-se-ia ao próprio Sistema Financeiro Nacional (CF, art. 192), a ter resguardada sua credibilidade com o escopo de servir aos interesses da “coletividade”. No ponto, trouxe à baila precedente da Corte (HC 93.638/PR, DJe de 25.8.2011), consoante o qual a gestão fraudulenta encartar-se-ia na seara da má administração de instituição financeira e caracterizar-se-ia pela ilicitude dos atos praticados pelos responsáveis pela gerência empresarial, exteriorizada por manobras ardilosas e mediante prática consciente de fraudes. No que tange a Kátia Rabello, José Roberto Salgado e Vinícius Samarane, assentou que as práticas ilícitas destes retratariam muito mais que descaso ou descuido, pois revelariam o deliberado propósito de fraudar a gestão colegiada do banco. O Min. Marco Aurélio, no que se refere a Ayanna Tenório, assinalou que sua participação nos fatos não seria suficiente a respaldar título condenatório, a menos que se cogitasse de crime por presunção. Em relação a Vinícius Samarane, destacou ser subordinado a ela. Ademais, a mera subscrição de relatórios a versar sobre atividades do banco não seria suficiente para firmar a culpa do acusado. Sublinhou não haver, nos citados documentos, tentativa de encobrir atividade ilícita. Além disso, eles teriam sido assinados por diversas pessoas, que não estariam no polo passivo da ação. Após, o julgamento foi suspenso.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)

1ª parte Audio
2ª parte Audio
3ª parte Audio
4ª parte Audio
5ª parte Audio


Vídeo


PRIMEIRA TURMA



Estelionato: assistência judiciária gratuita e cobrança de honorários - 4

Em conclusão, a 1ª Turma, por maioria, concedeu habeas corpus para trancar ação penal ao fundamento de atipicidade de conduta (CP, art. 171, caput). Na espécie, o paciente supostamente teria auferido vantagem para si, em prejuízo alheio, ao cobrar honorários advocatícios de cliente beneficiado pela assistência judiciária gratuita, bem como forjado celebração de acordo em ação de reparação de danos para levantamento de valores referentes a seguro de vida. Aduzia a impetração que, depois de ofertada e recebida a denúncia, juízo cível homologara, por sentença, o citado acordo, reputando-o válido, isento de qualquer ilegalidade; que os autores não teriam sofrido prejuízo algum; e que os honorários advocatícios seriam efetivamente devidos — v. Informativo 576. Consignou-se não haver qualquer ilegalidade ou crime no fato de advogado pactuar com seu cliente — em contrato de risco — a cobrança de honorários, no caso de êxito em ação judicial proposta, mesmo quando gozasse do benefício da gratuidade de justiça. Frisou-se que esse entendimento estaria pacificado no Enunciado 450 da Súmula do STF (“São devidos honorários de advogado sempre que vencedor o beneficiário da justiça gratuita”). Vencidos os Ministros Marco Aurélio, que denegava o writ, e Cármen Lúcia, que o concedia parcialmente para trancar a ação penal apenas quanto à conduta referente à cobrança de honorários advocatícios de parte amparada pela gratuidade da justiça, ante a falta de justa causa para o seu prosseguimento. Por outro lado, denegava a ordem quanto à segunda conduta imputada ao paciente ao destacar que, na denúncia, teriam sido descritos comportamentos típicos quanto à forja na formalização de acordo, sendo factíveis e obviados os indícios de autoria e materialidade delitivas.
HC 95058/ES, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 4.9.2012. (HC-95058)

Art. 150, VI, b e c, da CF: maçonaria e imunidade tributária - 3
As organizações maçônicas não estão dispensadas do pagamento do imposto sobre propriedade predial e territorial urbana - IPTU. Essa a conclusão da 1ª Turma ao conhecer, em parte, de recurso extraordinário e, por maioria, negar-lhe provimento. Na espécie, discutia-se se templos maçônicos se incluiriam no conceito de “templos de qualquer culto” ou de “instituições de assistência social” para fins de concessão da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, b e c, da CF [“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: ... VI - instituir impostos sobre: ... b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”] — v. Informativo 582. Entendeu-se que o enquadramento da recorrente na hipótese de imunidade constitucional seria inviável, consoante o Verbete 279 da Súmula do STF (“Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”). Aludiu-se, ainda, à observância do art. 14 do CTN para que pudesse existir a possibilidade do gozo do benefício, matéria que não possuiria índole constitucional. Pontuou-se que a maçonaria seria uma ideologia de vida e não uma religião.
RE 562351/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 4.9.2012. (RE-562351)

Art. 150, VI, b e c, da CF: maçonaria e imunidade tributária - 4
Vencido o Min. Marco Aurélio, que dava provimento ao recurso para reconhecer o direito à imunidade tributária dos templos em que realizados os cultos da recorrente. Sustentava que, diversamente das isenções tributárias, que configurariam favores fiscais do Estado, as imunidades decorreriam diretamente das liberdades, razão pela qual mereceriam interpretação, no mínimo, estrita. Frisava não caber potencializar o disposto no art. 111, II, do CTN — que determinaria a interpretação literal da legislação tributária que dispusesse sobre outorga de isenção —, estendendo-o às imunidades. Destacava que a Constituição não teria restringido a imunidade à prática de uma religião, mas apenas àquele ente que fosse reconhecido como templo de qualquer culto. Asseverava que, em perspectiva menos rígida do conceito de religião, certamente se conseguiria classificar a maçonaria como corrente religiosa, que contemplaria física e metafísica. Explicava haver inequívocos elementos de religiosidade na maçonaria. Presumia conceito mais largo de religião, até mesmo em deferência ao art. 1º, V, da CF, que consagraria o pluralismo como valor basilar da República. Realçava que o pluralismo impediria que o Poder Judiciário adotasse definição ortodoxa de religião.
RE 562351/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 4.9.2012. (RE-562351)


Princípio da insignificância e furto em penitenciária - 3

Em conclusão de julgamento, a 1ª Turma, por maioria, deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus para aplicar o princípio da insignificância em favor de condenado pela tentativa de subtração de cartucho de tinta para impressora do Centro de Progressão Penitenciária, em que trabalhava e cumpria pena por delito anterior —v. Informativos 618 e 625. Afirmou-se que, embora o bem pertencesse ao Estado, seu valor poderia ser reputado ínfimo, quase zero, e a ausência de prejuízo que pudesse advir para a Administração Pública seria suficiente para que incidisse o postulado. Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, relator, e Marco Aurélio, que negavam provimento ao recurso. Asseveravam não poder ser considerado reduzido o grau de reprovabilidade da conduta do paciente que, não mais primário, tentara furtar bem público na constância do cumprimento de pena em estabelecimento penitenciário.
RHC 106731/DF, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 4.9.2012. (RHC-106731)



Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos
Pleno 5.9.2012 6.9.2012 1
1ª Turma 4.9.2012 — 125
2ª Turma — — —

C L I P P I N G D O D J E
3 a 6 de setembro de 2012

HC N. 103.686-RJ
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Habeas corpus. Lesão corporal (art. 209 do Código Penal Militar). Interrupção da prescrição pela publicação da sentença condenatória. Publicação e intimação da sentença de pronúncia (CPPM, art. 125, § 5º).
1. A publicação da sentença ocorre quando o escrivão a recebe do juiz (CPP, art. 389; CPPM, art. 125, § 5º, II), independentemente de qualquer outra formalidade.
2. A publicação da sentença prolatada por órgão colegiado da Justiça castrense se dá na própria sessão de julgamento, tal como previsto no art. 389 do CPP, e não se confunde com a intimação das partes, interrompendo a prescrição (CPM, art. 125, § 5º, II). Precedentes.
3. Habeas corpus deferido.

MS N. 30.488-MA
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. PENSÃO POR MORTE. DEFICIENTES VISUAIS. PROVA DA INVALIDEZ POSTERIOR AO ÓBITO DO INSTITUIDOR DA PENSÃO. REGISTRO NEGADO. ALEGADA AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA: IMPROCEDÊNCIA. VIOLAÇÃO À COISA JULGADA: OCORRÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO.
1. Não há falar, no caso em exame, em ofensa à garantia do contraditório e da ampla defesa no Tribunal de Contas da União, tendo em vista que o exercício da sua competência constitucional de controle externo se deu em prazo inferior a cinco anos. Precedentes.
2. A invalidez das Impetrantes, assentada em sentença judicial transitada em julgado antes do falecimento do instituidor da pensão, não pode ser afastada pelo Tribunal de Contas da União, sob pena de ofensa à coisa julgada. Precedentes.
3. Mandado de segurança concedido.

AG.REG.NO AI N. 762.589-RJ
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
EMENTA: CONTROLE CONCENTRADO – LEI LOCAL – INCONSTITUCIONALIDADE – CONVALIDAÇÃO – DECURSO DO TEMPO - INADEQUAÇÃO. A convalidação de atos praticados à luz de norma declarada incompatível com a Constituição implica estímulo à edição de leis à margem da Carta da República.

RHC N. 112.707-DF
RELATORA: MIN. ROSA WEBER
E M E N T A: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REPROVABILIDADE DA CONDUTA. REGISTROS CRIMINAIS PRETÉRITOS.
1. Avalia-se a pertinência do princípio da insignificância, em casos de pequenos furtos, a partir não só do valor do bem subtraído, mas também de outros aspectos relevantes da conduta imputada.
2. Não tem pertinência o princípio da insignificância se o crime de furto é praticado mediante ingresso subreptício na residência da vítima, com violação da privacidade e da tranquilidade pessoal desta.
3. A existência de registros criminais pretéritos contra o recorrente obsta por si só a aplicação do princípio da insignificância, consoante jurisprudência consolidada da Primeira Turma desta Suprema Corte (v.g.: HC 109.739/SP rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 14.02.2012; HC 110.951 rel. Min. Dias Toffoli, DJe 27.02.2012; HC 108.696 rel. Min. Dias Toffoli, DJe 20.10.2011; e HC 107.674 rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 14.9.2011). Ressalva de entendimento pessoal da Ministra Relatora.

AG. REG. NO AI N. 846.328-RS
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
EMENTA: Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Direito Administrativo. 3. Servidor público. Atividade notarial e de registro. Titularidade. Ausência de concurso público. Vacância ocorrida na vigência da Constituição Federal de 1988. 4. Direito Adquirido. Inexistência. Precedentes do STF. 5. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão recorrida. Agravo regimental a que se nega provimento.

AG. REG. NO RE N. 493.267-SC
RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO
EMENTAS: 1. TRIBUTO. Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. Creditamento pela aquisição de insumos tributados. Operação anterior à Lei nº 9.779/99. Repercussão geral reconhecida no RE nº 562.980 (Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI; Redador para o acórdão Min. MARCO AURÉLIO) - TEMA 49. A ficção jurídica prevista no artigo 11 da Lei nº 9.779/99 não alcança situação reveladora de isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI que a antencedeu.
2. RECURSO. Extraordinário. Admissibilidade. Jurisprudência assentada. Ausência de razões consistentes. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Nega-se provimento a agravo regimental tendente a impugnar, sem razões consistentes, decisão fundada em jurisprudência assente na Corte.

SEGUNDO AG. REG. NO RE N. 595.553-RS
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. CONSTITUCIONAL. FINANCEIRO. ADMINISTRATIVO. IMPOSIÇÃO DE MULTA. CONTROLE DE VALIDADE. RAZOABILIDADE, PROPORCIONALIDADE E CARÁTER CONFISCATÓRIO APURADOS SEGUNDO O CASO CONCRETO (NORMA INDIVIDUAL E CONCRETA). POSSIBILIDADE. COBERTURA CAMBIAL. DECRETO 23.258/1933.
A jurisprudência desta Suprema Corte entende plenamente cabível o controle de constitucionalidade dos atos de imposição de penalidades, especialmente à luz da razoabilidade, da proporcionalidade e da vedação do uso de exações com efeito confiscatório (cf., e.g., a ADI 551 e a ADI 2.010).
Está prequestionada a incompatibilidade da pena aplicada, por violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que o argumento foi expressamente abordado pelo Tribunal de origem, ainda que tenha prevalecido o fundamento que implicava a invalidade integral de qualquer punição (não recepção por contrariedade formal – processo legislativo).
Agravo regimental ao qual se nega provimento.

AG. REG. NO AI N. 540.892-SP
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
EMENTA: JUROS – MORATÓRIOS E COMPENSATÓRIOS – DÉBITO DA FAZENDA – ARTIGO 33 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS. O preceito do artigo 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias encerra uma nova realidade. Faculta-se ao recorrente a satisfação dos valores pendentes de precatórios, neles incluídos os juros remanescentes. Não observada a época própria das prestações, cabível a incidência dos juros no que pressupõem inadimplemento.

AG. REG. NO AI N. 820.065-GO
RELATORA: MIN. ROSA WEBER
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EXISTÊNCIA DE VAGAS E NECESSIDADE DO SERVIÇO. PRETERIÇÃO DE CANDIDATOS APROVADOS. DIREITO À NOMEAÇÃO.
Comprovada a necessidade de pessoal e a existência de vaga, configura preterição de candidato aprovado em concurso público o preenchimento da vaga, ainda que de forma temporária. Precedentes.
Agravo regimental conhecido e não provido.

AG. REG. EM MS N. 26.237-DF
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Agravo regimental em mandado de segurança. Tribunal de Contas da União. Anulação de ascensões funcionais concedidas aos empregados da ECT. Direito ao contraditório e à ampla defesa. Agravo não provido.
1. O Tribunal de Contas da União, nos processos de anulação de ascensões funcionais de empregados da ECT, deve assegurar aos interessados o exercício das garantias da ampla defesa e do contraditório. Súmula Vinculante nº 3. Precedentes.
2. Agravo regimental não provido.

ED EM MS N. 27.746-DF
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Embargos de declaração em mandado de segurança. Decisão monocrática. Conversão em agravo regimental. Negativa de registro de aposentadoria julgada ilegal pelo Tribunal de Contas da União. Inaplicabilidade ao caso da decadência prevista no art. 54 da Lei 9.784/99. Assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa.
1. Esta Suprema Corte possui jurisprudência pacífica no sentido de que o Tribunal de Contas da União, no exercício da competência de controle externo da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadorias, reformas e pensões (art. 71, inciso III, CF/88), não se submete ao prazo decadencial da Lei nº 9.784/99, iniciando-se o prazo quinquenal somente após a publicação do registro na imprensa oficial.
2. O TCU, em 2008, negou o registro da aposentadoria do ora recorrente, concedida em 1998, por considerar ilegal “a incorporação de vantagem de natureza trabalhista que não pode subsistir após a passagem do servidor para o regime estatutário”. Como o ato de aposentação do recorrente ainda não havia sido registrado pelo Tribunal de Contas da União, não há que se falar em decadência administrativa, tendo em vista a inexistência do registro do ato de aposentação em questão.
3. Sequer há que se falar em ofensa aos princípios da segurança jurídica, da boa-fé e da confiança, pois foi assegurado o ao recorrente o direito ao contraditório e à ampla defesa, fato apresentado na própria inicial, uma vez que ele apresentou embargos de declaração e também pedido de reexame da decisão do TCU.
4. Agravo regimental não provido.


Acórdãos Publicados: 265


TRANSCRIÇÕES

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Prefeito municipal – Contas – Rejeição – Câmara de Vereadores – Inobservância do devido processo legal – Nulidade da deliberação (Transcrições)

RE 682011/SP*

RELATOR: Min. Celso de Mello

EMENTA: JULGAMENTO DAS CONTAS DE EX-PREFEITO MUNICIPAL. PODER DE CONTROLE E DE FISCALIZAÇÃO DA CÂMARA DE VEREADORES (CF, ART. 31). PROCEDIMENTO DE CARÁTER POLÍTICO-ADMINISTRATIVO. NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA DA CLÁUSULA DA PLENITUDE DE DEFESA E DO CONTRADITÓRIO (CF, ART. 5º, LV). DOUTRINA. PRECEDENTES. TRANSGRESSÃO, NO CASO, PELA CÂMARA DE VEREADORES, DESSAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. SITUAÇÃO DE ILICITUDE CARACTERIZADA. CONSEQUENTE INVALIDAÇÃO DA DELIBERAÇÃO PARLAMENTAR CONSUBSTANCIADA EM DECRETO LEGISLATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.
- O controle externo das contas municipais, especialmente daquelas pertinentes ao Chefe do Poder Executivo local, representa uma das mais expressivas prerrogativas institucionais da Câmara de Vereadores, que o exercerá com o auxílio do Tribunal de Contas (CF, art. 31).
Essa fiscalização institucional não pode ser exercida, de modo abusivo e arbitrário, pela Câmara de Vereadores, eis que – devendo efetivar-se no contexto de procedimento revestido de caráter político-administrativo – está subordinada à necessária observância, pelo Poder Legislativo local, dos postulados constitucionais que asseguram, ao Prefeito Municipal, a prerrogativa da plenitude de defesa e do contraditório.
- A deliberação da Câmara de Vereadores sobre as contas do Chefe do Poder Executivo local há de respeitar o princípio constitucional do devido processo legal, sob pena de a resolução legislativa importar em transgressão ao sistema de garantias consagrado pela Lei Fundamental da República.

DECISÃO: O presente recurso extraordinário foi interposto por ex-Prefeito Municipal que se insurge contra acórdão emanado do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que lhe negou o direito de ver respeitadas, pelo Poder Legislativo local, em sede de julgamento de contas pela Câmara Municipal de Santos, as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
O aspecto central da decisão em referência, objeto do presente recurso extraordinário, acha-se consubstanciado em acórdão assim ementado (fls. 1.786):

“Ação anulatória – Município – pedido de anulação de decisão do Tribunal de Contas – rejeição das contas do ex-Prefeito de Santos do exercício de 2002 – oportunidade de defesa conferida ao autor pelo órgão vistor – desnecessidade de abertura de prazo para defesa na Câmara Municipal – edilidade que acolheu o parecer – verba honorária reduzida.” (grifei)

A parte ora recorrente, ao deduzir o presente apelo extremo, sustentou que a decisão questionada teria transgredido os preceitos inscritos no art. 5º, incisos LIV e LV, e no art. 93, inciso IX, ambos da Constituição Federal.
O Ministério Público Federal, em fundamentada manifestação da lavra do eminente Subprocurador-Geral da República Dr. RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, ao opinar pelo conhecimento e provimento do presente recurso extraordinário, formulou parecer que contém a seguinte ementa (fls. 1.948):

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. APRECIAÇÃO DAS CONTAS DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. PROCEDIMENTO DE CARÁTER POLÍTICO-ADMINISTRATIVO. INDISPENSABILIDADE DA PLENITUDE DE DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. CF, ARTS. 5º, LV E 31, § 2º.
…...............................................................................................
Reafirmação da orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal no sentido da indispensabilidade da observância da garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório no procedimento político-administrativo de controle parlamentar das contas do Chefe do Poder Executivo local. CF, arts. 5º, LV, e 31, § 2º.” (grifei)

Sendo esse o contexto, passo a apreciar o presente recurso extraordinário. E, ao fazê-lo, entendo assistir plena razão à douta Procuradoria-Geral da República, cujo parecer bem demonstra que o acórdão ora questionado diverge do entendimento que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em exame.
O controle externo das contas municipais, especialmente daquelas pertinentes ao Chefe do Poder Executivo local, representa uma das mais expressivas prerrogativas institucionais da Câmara de Vereadores, que o exercerá com o auxílio do Tribunal de Contas (CF, art. 31).
Essa fiscalização institucional, por sua vez, é desempenhada pelo Poder Legislativo do Município no âmbito de procedimento revestido de caráter político-administrativo, tal como acentuado, em preciso magistério, pelo saudoso e eminente HELY LOPES MEIRELLES (“Direito Municipal Brasileiro”, p. 608, 15ª ed., São Paulo, 2006, Malheiros Editores):

“A função de controle e fiscalização da Câmara sobre a conduta do Executivo tem caráter político-administrativo e se expressa em decretos legislativos e resoluções do plenário, alcançando unicamente os atos e agentes que a Constituição Federal, em seus arts. 70-71, por simetria, e a lei orgânica municipal, de forma expressa, submetem à sua apreciação, fiscalização e julgamento. No nosso regime municipal, o controle político-administrativo da Câmara compreende a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, através do julgamento das contas do prefeito e de suas infrações político-administrativas sancionadas com cassação do mandato.” (grifei)


Esse entendimento doutrinário – que enfatiza a imprescindibilidade da observância da garantia constitucional da plenitude de defesa e do contraditório (CF, art. 5º, LV) – reflete-se na autorizada lição de JOSÉ NILO DE CASTRO (“Julgamento das Contas Municipais”, p. 25/43, itens ns. 1-2, 3ª ed., 2003, Del Rey), que também adverte, a propósito do procedimento político-administrativo de controle parlamentar das contas do Prefeito Municipal, que a deliberação da Câmara de Vereadores sobre as contas do Chefe do Poder Executivo local, além de supor o necessário respeito ao postulado constitucional da ampla defesa, há de ser fundamentada, sob pena de a resolução legislativa importar em inaceitável transgressão ao sistema de garantias consagrado pela Constituição da República.
Cabe referir que essa mesma percepção do tema é revelada, em substancioso estudo, pelo eminente Professor EDUARDO BOTTALLO (“Julgamento de Contas de Prefeito e Princípio da Ampla Defesa”, “in” “Direito Administrativo e Constitucional – Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba”, vol. 2/334-338, 1997, Malheiros), cujo magistério, no tema, assim foi por ele exposto:

“a) a apreciação das contas de Prefeito, prevista no art. 31, § 2º, da Constituição da República, é tarefa que não se contém no âmbito do ‘processo legislativo’ de competência das Câmaras Municipais; trata-se, ao revés, de julgamento proferido dentro de processo regular, cuja condução demanda obediência às exigências constitucionais pertinentes à espécie;
b) não é correto o entendimento de que, no caso de apreciação de contas de Prefeito, o exercício do direito de defesa se dá apenas perante o Tribunal de Contas durante a fase de elaboração do parecer prévio, e isto porque esta instituição não julga, atuando apenas como órgão auxiliar do Poder Legislativo Municipal a quem cabe tal competência;
c) o julgamento das contas de Prefeito pela Câmara Municipal deve observar os preceitos emergentes do art. 5º, LV, da Constituição da República, sob pena de nulidade.” (grifei)

Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, considerada a essencialidade da garantia constitucional da plenitude de defesa e do contraditório, que a Constituição da República estabelece que ninguém pode ser privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus direitos sem a observância do devido processo legal, notadamente naqueles casos em que se estabelece uma relação de polaridade conflitante entre o Estado, de um lado, e o indivíduo, de outro.
Cumpre ter presente, bem por isso, que o Estado, em tema de restrição à esfera jurídica de qualquer cidadão (titular, ou não, de cargo público), não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois – cabe enfatizar – o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida imposta pelo Poder Público, de que resultem, como no caso, consequências gravosas no plano dos direitos e garantias individuais, exige a fiel observância do princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LV), consoante adverte autorizado magistério doutrinário (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 1/68-69, 1990, Saraiva; PINTO FERREIRA, “Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 1/176 e 180, 1989, Saraiva; JESSÉ TORRES PEREIRA JÚNIOR, “O Direito à Defesa na Constituição de 1988”, p. 71/73, item n. 17, 1991, Renovar; EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO, “O Direito à Defesa na Constituição”, p. 47/49, 1994, Saraiva; CELSO RIBEIRO BASTOS, “Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 2/268-269, 1989, Saraiva; MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Direito Administrativo”, p. 686/688, 25ª ed., 2012, Atlas; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 444/446, 9ª ed., 2008, Malheiros; HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 107/108 e 755/756, 38ª ed., 2011, Malheiros, v.g.).
A jurisprudência dos Tribunais, notadamente a do Supremo Tribunal Federal, tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa ou no âmbito político-administrativo, sob pena de nulidade da própria medida restritiva de direitos, revestida, ou não, de caráter punitivo (RDA 97/110 – RDA 114/142 – RDA 118/99 – RTJ 163/790, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 306.626/MT, Rel. Min. CELSO DE MELLO, “in” Informativo/STF nº 253/2002 – RE 140.195/SC, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – RE 191.480/SC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RE 199.800/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.):

“RESTRIÇÃO DE DIREITOS E GARANTIA DO ‘DUE PROCESS OF LAW’.
- O Estado, em tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida estatal - que importe em punição disciplinar ou em limitação de direitos - exige, ainda que se cuide de procedimento meramente administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido processo legal.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. Precedentes. Doutrina.”
(RTJ 183/371-372, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Isso significa, portanto, que assiste, ao cidadão, mesmo em procedimentos de índole administrativa ou de caráter político-administrativo, a prerrogativa indisponível do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, consoante prescreve a Constituição da República em seu art. 5º inciso LV.
O respeito efetivo à garantia constitucional do “due process of law”, ainda que se trate de procedimento político-administrativo (como no caso), condiciona, de modo estrito, o exercício dos poderes de que se acha investida a Pública Administração (a Câmara de Vereadores, na espécie), sob pena de descaracterizar-se, com ofensa aos postulados que informam a própria concepção do Estado democrático de Direito, a legitimidade jurídica dos atos e resoluções emanados do Estado, especialmente quando tais deliberações importarem em graves restrições à esfera jurídica do cidadão.
Esse entendimento – que valoriza a perspectiva constitucional que deve orientar o exame do tema em causa – tem o beneplácito de autorizado magistério doutrinário, tal como aquele expendido pela eminente Professora ADA PELLEGRINI GRINOVER (“O Processo em Evolução”, p. 82/85, itens ns. 1.3, 1.4, 2.1 e 2.2, 2ª ed., 1998, Forense Universitária):

“O coroamento do caminho evolutivo da interpretação da cláusula do ‘devido processo legal’ ocorreu, no Brasil, com a Constituição de 1988, pelo art. 5º, inc. LV, que reza:

‘Art. 5°, LV. Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.’

Assim, as garantias do contraditório e da ampla defesa desdobram-se hoje em três planos: a) no plano jurisdicional, em que elas passam a ser expressamente reconhecidas, diretamente como tais, para o processo penal e para o não-penal; b) no plano das acusações em geral, em que a garantia explicitamente abrange as pessoas objeto de acusação; c) no processo administrativo sempre que haja litigantes. (...)
É esta a grande inovação da Constituição de 1988.
Com efeito, as garantias do contraditório e da ampla defesa, para o processo não-penal e para os acusados em geral, em processos administrativos, já eram extraídas, pela doutrina e pela jurisprudência, dos textos constitucionais anteriores, tendo a explicitação da Lei Maior em vigor natureza didática, afeiçoada à boa técnica, sem apresentar conteúdo inovador. Mas agora a Constituição também resguarda as referidas garantias aos litigantes, em processo administrativo.
E isso não é casual nem aleatório, mas obedece à profunda transformação que a Constituição operou no tocante à função da administração pública.
Acolhendo as tendências contemporâneas do direito administrativo, tanto em sua finalidade de limitação ao poder e garantia dos direitos individuais perante o poder, como na assimilação da nova realidade do relacionamento Estado-sociedade e de abertura para o cenário sociopolítico-econômico em que se situa, a Constituição pátria de 1988 trata de parte considerável da atividade administrativa, no pressuposto de que o caráter democrático do Estado deve influir na configuração da administração, pois os princípios da democracia não podem se limitar a reger as funções legislativa e jurisdicional, mas devem também informar a função administrativa.
Nessa linha, dá-se grande ênfase, no direito administrativo contemporâneo, à nova concepção da processualidade no âmbito da função administrativa, seja para transpor para a atuação administrativa os princípios do ‘devido processo legal’, seja para fixar imposições mínimas quanto ao modo de atuar da administração.
Na concepção mais recente sobre a processualidade administrativa, firma-se o princípio de que a extensão das formas processuais ao exercício da função administrativa está de acordo com a mais alta concepção da administração: o agir a serviço da comunidade. O procedimento administrativo configura, assim, meio de atendimento a requisitos da validade do ato administrativo. Propicia o conhecimento do que ocorre antes que o ato faça repercutir seus efeitos sobre os indivíduos, e permite verificar como se realiza a tomada de decisões.
Assim, o caráter processual da formação do ato administrativo contrapõe-se a operações internas e secretas, à concepção dos ‘arcana imperii’ dominantes nos governos absolutos e lembrados por Bobbio ao discorrer sobre a publicidade e o poder invisível, considerando essencial à democracia um grau elevado de visibilidade do poder.
...................................................................................................
Assim, a Constituição não mais limita o contraditório e a ampla defesa aos processos administrativos (punitivos) em que haja acusados, mas estende as garantias a todos os processos administrativos, não-punitivos e punitivos, ainda que neles não haja acusados, mas simplesmente litigantes.
Litigantes existem sempre que, num procedimento qualquer, surja um conflito de interesses. Não é preciso que o conflito seja qualificado pela pretensão resistida, pois neste caso surgirão a lide e o processo jurisdicional. Basta que os partícipes do processo administrativo se anteponham face a face, numa posição contraposta. Litígio equivale a controvérsia, a contenda, e não a lide. Pode haver litigantes – e os há – sem acusação alguma, em qualquer lide.” (grifei)

Não foi por outra razão que a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal – ao examinar a questão da aplicabilidade e da extensão da garantia do “due process of law” aos processos de natureza administrativa – proferiu julgamento, que, consubstanciado em acórdão assim ementado, reflete a orientação que ora exponho na presente decisão:

“Ato administrativo – Repercussões – Presunção de legitimidade – Situação constituída – Interesses contrapostos – anulação – Contraditório. Tratando-se da anulação de ato administrativo cuja formalização haja repercutido no campo de interesses individuais, a anulação não prescinde da observância do contraditório, ou seja, da instauração de processo administrativo que enseje a audição daqueles que terão modificada situação já alcançada. (...).”
(RTJ 156/1042, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – grifei)

Cumpre salientar, ainda, que a colenda Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 261.885/SP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, que versava matéria idêntica à que ora se examina, decidiu nos mesmos termos ora expostos no presente ato decisório:

“PREFEITO MUNICIPAL. CONTAS REJEITADAS PELA CÂMARA DE VEREADORES. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DO DIREITO DE DEFESA (INC. LV DO ART. 5º DA CF).
Sendo o julgamento das contas do recorrente, como ex-Chefe do Executivo Municipal, realizado pela Câmara de Vereadores mediante parecer prévio do Tribunal de Contas, que poderá deixar de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Casa Legislativa (arts. 31, § 1º, e 71 c/c o 75 da CF), é fora de dúvida que, no presente caso, em que o parecer foi pela rejeição das contas, não poderia ele, em face da norma constitucional sob referência, ter sido aprovado, sem que se houvesse propiciado ao interessado a oportunidade de opor-se ao referido pronunciamento técnico, de maneira ampla, perante o órgão legislativo, com vista à sua almejada reversão.
Recurso conhecido e provido.” (grifei)

Impende ressaltar, por necessário, que essa orientação vem sendo observada em sucessivas decisões – monocráticas e colegiadas – proferidas, no âmbito desta Suprema Corte, a propósito da mesma controvérsia suscitada nesta causa (AC 2.085-MC/MG, Rel. Min. MENEZES DIREITO – RE 235.593/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RE 313.545/MG, Rel. Min. GILMAR MENDES – RE 394.634/MG, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – RE 367.562/MG, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – RE 447.555/MG, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE 459.740/RS, Rel. Min. AYRES BRITTO – RE 583.539/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE, v.g.):

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREFEITO MUNICIPAL. CONTAS REJEITADAS PELA CÂMARA MUNICIPAL. DIREITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. PRECEDENTES.
1. É pacífica a jurisprudência desta nossa Casa de Justiça no sentido de que é de ser assegurado a ex-prefeito o direito de defesa quando da deliberação da Câmara Municipal sobre suas contas.
2. Agravo regimental desprovido.“
(RE 414.908-AgR/MG, Rel. Min. AYRES BRITTO – grifei)

A análise da presente causa evidencia que se negou, à parte ora recorrente, o exercício do direito de defesa, não obstante se cuidasse de procedimento de índole político-administrativa em cujo âmbito foi proferida decisão impregnada de nítido caráter restritivo, apta a afetar a situação jurídica titularizada pelo ex-Prefeito Municipal.
O fato irrecusável é que a supressão da garantia do contraditório e o consequente desrespeito à cláusula constitucional pertinente ao direito de defesa, quando ocorrentes (tal como sucedeu na espécie), culminam por fazer instaurar uma típica situação de ilicitude constitucional, apta a invalidar a deliberação estatal (a resolução da Câmara Municipal, no caso) que venha a ser proferida em desconformidade com tais parâmetros.
Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, conheço do presente recurso extraordinário, para dar-lhe provimento (CPC, art. 557, § 1º - A), em ordem a julgar procedente, em parte, a “ação ordinária anulatória” ajuizada por **, observados, para tanto, os estritos limites que a própria parte ora recorrente delineou em seu pedido (fls. 1.845), invertidos os ônus da sucumbência.
Publique-se.
Brasília, 08 de junho de 2012.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão publicada no DJe de 13.6.2012
* nome suprimido pelo Informativo

OUTRAS INFORMAÇÕES
3 a 6 de setembro de 2012

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ)
Licitação – Registro – Preço
Portaria nº 322/CNJ, de 21.8.2012 - Regulamenta, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, a divulgação da intenção de registro de preços e dá outras providências. Publicada no DOU, Seção 1, p. 229 em 3.9.2012.



Secretaria de Documentação

Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de JulgadosCJCD@stf.jus.br

INFORMATIVO JURISPRUDENCIAL DO STF Nº. 677

Informativo STF

Brasília, 27 a 31 de agosto de 2012 - Nº 677.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

SUMÁRIO


Plenário
AP 470/MG - 41
AP 470/MG - 42
AP 470/MG - 43
AP 470/MG - 44
AP 470/MG - 45
AP 470/MG - 46
AP 470/MG - 47
AP 470/MG - 48
AP 470/MG - 49
AP 470/MG - 50
AP 470/MG - 51
AP 470/MG - 52
AP 470/MG - 53
AP 470/MG - 54
AP 470/MG - 55
AP 470/MG - 56
AP 470/MG - 57
AP 470/MG - 58
AP 470/MG - 59
AP 470/MG - 60
1ª Turma
CNMP e competência revisional - 1
CNMP e competência revisional - 2
CNMP e competência revisional - 3
CNMP e competência revisional - 4
Concurso público: mérito de questões e anulação - 5
Concurso público: conteúdo programático e anulação de questões - 4
Procuradoria da justiça militar e precedência do critério de remoção - 1
Procuradoria da justiça militar e precedência do critério de remoção - 2
Legitimidade do Ministério Público: ação civil pública e pontuação em concurso público - 3
2ª Turma
Dolo eventual e qualificadora da surpresa: incompatibilidade
Clipping do DJe
Transcrições
Estupro e presunção absoluta de violência (HC 105558/PR)
Inovações Legislativas
Outras Informações


PLENÁRIO

AP 470/MG - 41

O Plenário retomou julgamento de ação penal movida, pelo Ministério Público Federal, contra diversos acusados pela suposta prática de esquema a envolver crimes de peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta e outras fraudes — v. Informativos 673 a 676. Na sessão de 27.8.2012, os demais Ministros da Corte iniciaram a leitura de seus votos sobre o capítulo III da denúncia, atinente a “origens dos recursos empregados no esquema criminoso: crimes de corrupção (ativa e passiva), peculato e lavagem de dinheiro”. A Min. Rosa Weber, primeira a se manifestar, destacou que questões relativas a financiamento de gastos de campanha ou despesas de partido não integrariam o conjunto fático descrito na presente acusação. Salientou, ainda, que o pagamento de propina não seria feito sob holofotes, daí o realce do valor das presunções, bem como a admissão de maior elasticidade à prova acusatória nos delitos de poder, porquanto seus autores teriam mais facilidade em esconder o ilícito. Asseverou, ademais, que a manipulação do dinheiro objeto da propina caracterizaria meio para a consumação ou exaurimento das corrupções ativa e passiva. No ponto, discorreu que, na corrupção ativa, ambos os núcleos do tipo (“oferecer” e “prometer”) configurariam crime formal e que a percepção da vantagem indevida pelo corrompido constituiria exaurimento do delito. Já na corrupção passiva, o verbo “solicitar” indicaria crime formal, de maneira que o efetivo recebimento da propina representaria o exaurimento do delito, ao passo que “receber” indicaria crime material, cuja obtenção da vantagem ingressaria na fase consumativa do delito. Por outro lado, sinalizou que, na espécie, a ocultação ou dissimulação da lavagem de dinheiro significaria a ponta de esquema criminoso de proporções mais amplas, razão por que postergaria o exame sobre essas imputações a João Paulo Cunha e a Henrique Pizzolato para outro momento. Tendo em conta essas premissas teóricas acompanhou, em parte, o Min. Joaquim Barbosa, relator, dele divergindo em relação a João Paulo Cunha para absolê-lo do peculato decorrente da contratação da empresa IFT.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27, 29 e 30.8.2012. (AP-470)

AP 470/MG - 42

Os Ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia acompanharam integralmente o relator e acolheram a pretensão acusatória para condenar: a) João Paulo Cunha pelos delitos narrados no item concernente à “Câmara dos Deputados: contratação da agência SMP&B Comunicação - Corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e peculato” (III.1); b) Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz pelos crimes descritos no referido item, somado aos tópicos denominados “Desvio de recursos pertencentes ao Banco do Brasil, a título de bônus de volume” e “Corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e desvio de recursos do Banco do Brasil junto ao fundo de incentivo Visanet” (III.2 e III.3, respectivamente); e c) Henrique Pizzolato pelos tipos aludidos nos grupos III.2 e III.3 da denúncia. De igual modo, absolveram Luiz Gushiken. O Min. Luiz Fux, em acréscimo, enfatizou função demonstrativa e persuasiva da prova, em contraposição à verdade real e absoluta. Aduziu que o magistrado trabalharia com a verdade suficiente, contida nos autos, partindo de um fato conhecido para chegar a outro, desconhecido. Ter-se-ia, assim, atividade de reconstrução da realidade fática. Teceu comentários quanto à aplicação subsidiária do art. 333 do CPC, em âmbito processual penal, de maneira a caber ao parquet a prova de fato constitutivo de seu direito e à defesa, a contraprova. Consignou, além disso, a possibilidade da lavagem — cujas etapas seriam: encobrimento, circulação e transformação do dinheiro oriundo de ilícito em lícito — como delito autônomo à lavagem.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27, 29 e 30.8.2012. (AP-470)

AP 470/MG - 43

O Min. Dias Toffoli sufragou o voto do revisor para julgar parcialmente procedente o pleito formulado na denúncia a fim de: a) condenar Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Henrique Pizzolato pelos delitos narrados nos itens III.2 e III.3; b) absolver, com base no art. 386, VII, do CPP, João Paulo Cunha, Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz da imputação contida no item III.1; e c) absolver, com fundamento no art. 386, V, do CPP, Luiz Gushiken do crime descrito no tópico III.3. Afirmou que, para a condenação por lavagem de dinheiro, seria necessário que o coautor tivesse consciência de que dissimularia e ocultaria dinheiro, bens ou valores cuja procedência sabidamente estaria relacionada com a comissão de crimes previstos na Lei de Lavagem. Demais disso, o dolo configuraria elemento subjetivo do tipo, não havendo na legislação a figura culposa. Observou, ainda, que todas as condutas alternativas estariam intrinsecamente ligadas à intencionalidade de ocultar ou dissimular o patrimônio ilícito originário de crime antecedente, ainda quando se tratasse de colaboração que, na situação dos autos, não teria sido imputada a João Paulo Cunha. Nessa contextura, reputou que a acusação não comprovara a ciência, por parte do parlamentar, da origem espúria dos recursos a ele repassados, motivo pelo qual, embora acompanhasse o revisor quanto à absolvição, fazia-o por insuficiência de provas.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27, 29 e 30.8.2012. (AP-470)

AP 470/MG - 44

Na assentada do dia 29.8.2012, o Min. Cezar Peluso acompanhou o relator para julgar parcialmente procedente o pedido, dissentindo deste último apenas com o intuito de absolver João Paulo Cunha, com fulcro no art. 386, VII, do CPP, dos delitos de lavagem de dinheiro e de peculato, quanto à contratação da empresa IFT. Inicialmente, realizou digressão sobre indício, o qual, segundo doutrina geral do direito, seria prova indireta ou crítico-lógica, em contraposição às provas diretas ou histórico-representativas. Relembrou que, no sistema processual, a eficácia dos indícios seria a mesma das provas diretas ou histórico-representativas. Exemplificou os 3 sentidos que aquele vocábulo assumiria: a) “suspeita, ou dados de suspeita”, nos artigos 126, 134 e 312 do CPP; b) “indicações”, no art. 290, § 1º, b, do CPP; e, sobretudo, c) “indício”, meio ou modalidade de prova, no art. 239 do CPP, ou seja, espécie de documento, no sentido genérico, tudo o que ensinaria algo do passado, como meio de reconstituição historiográfica dos fatos, com o mesmo tipo de atividade lógica que desempenharia um historiador. Aduziu que a acepção corretamente emprestada à norma seria a da circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato que deveria ser atestado, autorizaria, por indução, concluir-se pela existência desse. Elucidou que o recebimento de alta quantia, em circunstâncias clandestinas, por si ou interposta pessoa, consubstanciaria fato ilícito. Mencionou que a acusação não precisaria comprovar a existência do comportamento ilícito, porque: a) ele se inferiria da experiência; b) o fato provado seria o indício. Nessa senda, asseverou que os fatos públicos e notórios independeriam de prova (CPC, art. 334, I).
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27, 29 e 30.8.2012. (AP-470)

AP 470/MG - 45

Acresceu que declarações prestadas a jornais e não desmentidas, bem como conclusões tiradas por comissões do Congresso Nacional, que, embora não submetidas ao contraditório, seriam, no fundo, afirmações de acontecimentos com caráter documental estrito, as quais poderiam ser invocadas pelo julgador, porquanto públicas e notórias. Verificou que as defesas dos réus teriam juntado vários documentos aos memoriais — os quais não submetidos ao contraditório —, com o intuito de que o julgador os levasse em conta. Após, passou a examinar os delitos atribuídos a João Paulo Cunha, a começar pelo de corrupção passiva. Consignou absolutamente inverossímil a alegação de que o montante recebido seria do PT para pagamento de pesquisas pré-eleitorais na região de Osasco, porque o réu : a) mentira sobre o recebimento, mas, se fosse dinheiro proveniente de seu partido, não teria motivo para fazê-lo; b) deteria conhecimento de que o partido estaria, àquela altura, insolvente; e c) não teria motivo para pedir pesquisas pré-eleitorais para campanha que se realizaria quase 2 anos depois. Outrossim, prelecionou que, ainda que por hipótese se tratasse de dinheiro do PT, o procedimento clandestino não se justificaria. Advertiu ser irrelevante o destino atribuído ao montante, haja vista que o crime seria formal em qualquer de suas 3 modalidades, inclusive na de “receber”. A respeito, descreveu ser inquestionável o ato do recebimento, porque confessado. Referiu que a única explicação possível para o recebimento clandestino do valor seria vantagem indevida, para obter a prática de atos de ofício que pudessem favorecer a SMP&B na licitação, da qual, aliás, ela fora vencedora, não obstante 2 anos antes tivesse sido desclassificada, porque não preenchera os requisitos mínimos para qualquer classificação. Realçou que essa empresa, revigorada na nova gestão, vencera esse procedimento licitatório.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27, 29 e 30.8.2012. (AP-470)

AP 470/MG - 46

Pronunciou que, para a configuração do crime em tela, bastaria que os atos ilícitos esperados da aceitação da propina não fossem praticados por qualquer motivo. Além disso, o resultado poderia ser obtido mediante a prática de atos lícitos do parlamentar, a denotar, nesse caso, a chamada corrupção imprópria, dado que a vantagem poria em dúvida a honorabilidade do Presidente da Câmara e a seriedade da sua função. No ponto, colacionou doutrina segundo a qual seria irrelevante que o ato funcional, comissivo ou omissivo, sobre o que versaria a venalidade, fosse lícito ou ilícito, ou seja, contrário ou não aos deveres do cargo ou função. Isso porque a não distinção entre licitude e ilicitude do ato ou abstenção visada pelo pacto de corrupção decorreria de que o motivo da tipificação penal na espécie — a pravidade, a malignidade do tráfico do comércio da função — acarretaria desprestígio da Administração ou a suspeita em torno desta, daí porque o delito se consumaria com a aceitação do dinheiro dos sócios da empresa que concorreria à licitação, ainda que o ato funcional não viesse a ser praticado.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27, 29 e 30.8.2012. (AP-470)

AP 470/MG - 47

De outro lado, acompanhou a Min. Rosa Weber no que absolvera João Paulo Cunha do delito de peculato, no tocante à contratação da empresa IFT, por falta de provas (CPP, art. 386, VII). Assim, com fulcro em depoimentos colhidos nos autos, que cuidariam da prestação de serviço pelo jornalista à Câmara, revelou que, na dúvida, não poderia deixar de decidir em favor do réu. No que concerne ao peculato da SMP&B, acompanhou integralmente o relator. Ponderou ter havido hipertrofia das despesas da Câmara com o resultado da licitação em que vencedora a SMP&B. Logo, essa discrepância, no fundo, seria justificação para a percepção de comissões pela SMP&B até para efeito da distribuição de dinheiro. Explanou haver confusão entre subcontratações verdadeiras e execução direta do contrato originário. Nesse diapasão, mencionou que a cláusula da avença seria expressa quanto à possibilidade de subcontratação de serviços de criação e produção, desde que guardasse preponderância na realização desse serviço. Aduziu que o critério editalício de melhor técnica, pelo qual a empresa vencera a licitação, destinar-se-ia a aferir a potencialidade e a habilidade de realização de serviços intelectuais, mas a agência somente teria executado 2,2% daquilo que contratado, de forma que não poderia ser considerada cumpridora do instrumento obrigacional.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27, 29 e 30.8.2012. (AP-470)

AP 470/MG - 48

No atinente ao crime de lavagem de dinheiro, dissentiu do relator ao negar a materialidade do fato e absolver o réu. Enfatizou que, com a finalidade de tentar descrever a natureza do delito de lavagem de capitais, comumente, distinguir-se-ia o processo em 3 etapas: ocultação, dissimulação e reintegração do capital com aparência de origem lícita. Relembrou que, pelo menos na legislação vigente à época dos fatos, todas seriam punidas pelo ordenamento brasileiro e que o pressuposto do crime de lavagem seria a existência de delito antecedente. Anotou que a matéria do concurso de crimes na lavagem de dinheiro seria problemática, pois o verbo “ocultar” poderia referir-se a ato posterior, independente do delito antecedente, como primeira etapa do processo de lavagem e branqueamento de capitais. Aludiu que se reportaria, também, à ocultação do próprio produto do crime como ato de comissão do delito antecedente, ou ainda como seu post factum. Essa última seria a imputação da denúncia julgada procedente pelos Ministros relator e revisor. Apontou que a imputação simultânea ao mesmo réu do delito antecedente do crime de lavagem configuraria hipótese possível, a depender da demonstração de atos diversos e autônomos daquele que comporia a realização do delito antecedente. Destarte, aclarou que a utilização de terceira pessoa para o saque de dinheiro ilícito não passaria de exaurimento do próprio delito originário, pelo que não haveria ações independentes entre os crimes de corrupção passiva e o de lavagem.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27, 29 e 30.8.2012. (AP-470)

AP 470/MG - 49

Relativamente os itens III.2 e III.3 da denúncia, assinalou haver 2 confusões. A primeira referir-se-ia ao bônus de volume, o que não seria relevante para o deslinde do caso, tendo em vista cláusula contratual clara sobre a obrigação da DNA de transferir integralmente ao banco todas as vantagens que decorressem da execução da avença. Preceituou que, em tema de direito obrigacional, os contraentes, no pleno exercício da autonomia negocial, poderiam estipular a transferência de benéficios ao Banco do Brasil - BB, independementemente de costume comercial. Articulou que o contrato seria ato jurídico perfeito e lei posterior poderia alterá-lo. Daí porque, não haveria propósito em excogitar-se de abolitio criminis, nem de levar em conta o que noutro sentido tivesse decidido o TCU. Ressaiu que a segunda confusão residiria em saber se os recursos do Fundo da Visanet seriam de caráter público ou privado. Aduziu que esse dinheiro pertenceria aos titulares das bandeiras e, no caso, ao BB, dado que quotista do fundo. Por fim, adiantou a dosimetria das penas, tendo em vista a proximidade de sua aposentadoria.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27, 29 e 30.8.2012. (AP-470)

AP 470/MG - 50

Na sequência, os Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello acolheram parcialmente a pretensão punitiva, divergindo do relator somente para absolver: a) João Paulo Cunha do delito de peculato, com relação à contratação da empresa IFT (CPP, art. 386, VII); e b) João Paulo Cunha e Henrique Pizzolato da imputação de lavagem de dinheiro tão só quanto ao tipo previsto no inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98. O Min. Gilmar Mendes afirmou que ônus da prova recairia sobre a acusação, a quem caberia demonstrar a autoria e a materialidade do delito. Assentou que essa premissa, contudo, não desobrigaria a defesa de comprovar, se suscitasse, a incidência de estado de necessidade, legítima defesa ou excludentes de fato, de ilicitude ou mesmo de culpabilidade (CPP, art. 156, caput). Observou, ainda, que as provas produzidas na fase de inquérito policial, ou parlamentar, deveriam ser recebidas cum grano salis, contudo não subtrairiam da parte a possibilidade do contraditório, sendo, na espécie, apenas diferido. Assim, toda e qualquer objeção, inclusive a contraprova, poderia ser judicializada.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27, 29 e 30.8.2012. (AP-470)

AP 470/MG - 51

Reputou desncessária a precisão descritiva do ato impugnado para configurar o delito, mas, apenas demonstração do nexo de causalidade entre o ato imputado ao funcionário e o plexo de atribuições inerentes ao seu cargo. Frisou que, na situação dos autos, o ato imputado a João Paulo Cunha ocorreria em inequívoco favorecimento à empresa vencedora do procedimento licitatório. Lembrou que a expressão ato funcional não se empregaria no sentido técnico de ato administrativo; significaria qualquer conduta posta em prática pelo funcionário no exercício de suas funções, compreendendo providências, atos devidos, propostas, requerimentos, pareceres e demais operações de natureza material ou omissiva. No que concerne à arguição da defesa de que o relatório de controle interno do TCU seria desqualificado, porquanto confeccionado por servidor que supostamente nutriria inimizade com o Diretor da Secom, consignou que antipatias, controvérsias e desavenças não bastariam para gerar suspeição que, a rigor, deveria ser qualificada (CPP, art. 254, I). Outrossim, o que eventualmente se colocaria sob suspeita seriam as valorações, juízos subjetivos sobre os fatos e não aqueles acontecimentos objetivamente exteriorizados. Nessa quadra, o citado relatório não se invalidaria como elemento de prova, tendo em conta que arrolaria circunstâncias fáticas perceptíveis objetivamente, mediante simples exame documental. Registrou, em relação ao delito de branqueamento de capitais, que a Corte já assentara a possibilidade de o autor do crime antecedente responder pelo crime de lavagem de dinheiro. Sumarizou que o mero proveito econômico do produto do crime não configuraria a lavagem de dinheiro, a pressupor a prática das condutas de “ocultar” ou “dissimular”. Sublinhou que a lavagem de dinheiro não seria descrita como conduta objetiva; seria juízo de valor sobre várias condutas. Se visasse ocultar ou dissimular, qualquer ação que fosse, a conduta estaria tipificada como crime de lavagem. Quanto ao segundo delito de peculato (empresa IFT), acompanhou a Min. Rosa Weber para absolver o réu por insuficiência de provas. Entendeu que o parquet não se desincumbira do ônus de comprovar que o jornalista prestara serviços a João Paulo Cunha e não à Câmara dos Deputados.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27, 29 e 30.8.2012. (AP-470)

AP 470/MG - 52

O Min. Celso de Mello, por sua vez, acentuou que o processo penal só poderia ser concebido como instrumento de salvaguarda da liberdade do réu. Enfatizou, assim, que a exigência de comprovação dos elementos que dariam suporte à acusação penal recairia por inteiro sobre o órgão ministerial. Apontou que os membros do poder, quando atuassem em transgressão às exigências éticas que deveriam pautar e condicionar a atividade política, ofenderiam o princípio da moralidade, que traduziria valor constitucional de observância necessária na esfera institucional de qualquer dos Poderes da República. A seu turno, não acolheu a pretensão punitiva do Estado, no que se refere ao inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98. Repeliu a aplicação da Convenção de Palermo quanto ao estabelecimento de diretrizes conceituais sobre criminalidade organizada. Reputou prevalecer sempre, em matéria penal, o postulado da reserva constitucional absoluta de lei em sentido formal. Pronunciou não ser possível invocar-se, para efeito de incriminação, norma consubstanciada em pactos ou em convenções internacionais, ainda que formalmente incorporados ao plano do direito positivo interno. No tocante ao crime de lavagem de dinheiro, observou possível sua configuração mediante dolo eventual, notadamente no que pertine ao caput do art. 1º da referida norma, e cujo reconhecimento apoiar-se-ia no denominado critério da teoria da cegueira deliberada ou da ignorância deliberada, em que o agente fingiria não perceber determinada situação de ilicitude para, a partir daí, alcançar a vantagem prometida. Mencionou jurisprudência no sentido de que o crime de lavagem de dinheiro consumar-se-ia com a prática de quaisquer das condutas típicas descritas ao longo do art. 1º, caput, da lei de regência, sendo pois, desnecessário que o agente procedesse à conversão dos ativos ilícitos em lícitos. Bastaria mera ocultação, simulação do dinheiro oriundo do crime anterior sem a necessidade de se recorrer aos requintes de sofisticada engenharia financeira.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27, 29 e 30.8.2012. (AP-470)

AP 470/MG - 53

O Min. Marco Aurélio julgou procedente, em parte, o pedido, divergindo do relator para absolver os réus João Paulo Cunha e Henrique Pizzolato dos delitos de lavagem de dinheiro. Quanto aos crimes de corruções passiva e ativa, asseverou que os parágrafos desses dispositivos revelariam causa de aumento, nas quais se cogitaria de dever funcional. Se houvesse compreensão, na própria cabeça dos artigos, da exigência, em si, da prática de ato de ofício, não haveria razão para concluir-se pela causa de aumento. Anotou decorrer da lei que a lavagem pressuporia a ocultação, dissimulação da origem do bem ou numerário, e o objeto do ato estaria ligado a bens, valores e direitos, colimando-se ocultar ou dissimular natureza, origem, disposição, movimentação ou propriedade. No ponto, aduziu a desnecessidade de autoria do crime antecedente para ser alcançado por regra definidora da lavagem de dinheiro. Para tanto, deveria haver a ciência e a aparência de licitude quanto ao bem ou ao numerário. Por fim, o Min. Ricardo Lewandowski, revisor, reajustou a parte dispositiva de seu voto, sem prejuízo da fundamentação, para absolver João Paulo Cunha, referentemente à contratação da empresa IFT (item III.1), com base no art. 386, VII, ao invés do 386, III, do CPP. Explanou que haveria consignado a existência de provas conflitantes.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27, 29 e 30.8.2012. (AP-470)

AP 470/MG - 54

Na assentada de 30.8.2012, o Min. Ayres Britto, Presidente, acompanhou integralmente o voto do relator quanto ao capítulo III da denúncia. Acrescentou que o simples fato de pessoas se reunirem em sociedade comercial, com o objetivo de praticar atos empresariais lícitos, não configuraria formação de quadrilha ou bando na eventualidade de perpetrar crimes contra a Administração Pública e o sistema financeiro nacional. Esclareceu que, ao revés, seria possível a existência de associação de pessoas para cometerem atos empresariais lícitos e, paralelamente, delitos. Mencionou que este seria o núcleo das imputações feitas contra Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz. No que concerne às imputações de peculato, ressaltou a divergência entre laudo do instituto de criminalística e acórdão do TCU. Aduziu que, conquanto os tribunais de contas fossem órgãos de estatura constitucional, não seriam propriamente judicantes, de modo a não se confundir a instância de contas e a penal. Ressaiu o aproveitamento de elementos probatórios colhidos em processo de contas, inquéritos policiais e comissões parlamentares de inquérito, desde que a título de corroboração de provas coligidas no processo penal. Destacou que, se a instância penal concluisse pela inexistência de ato delituoso, a de contas não poderia afirmar o contrário e que a recíproca não seria verdadeira. No ponto, entendeu que o quadro factual devidamente provado em âmbito penal deveria prevalecer. Em arremate, registrou que a cláusula de proibição de repasse de toda e qualquer vantagem concedida à DNA Propaganda constaria não só do contrato, mas do próprio edital de procedimento licitatório. Logo, consubstanciaria ato jurídico perfeito, inalcançável por suposta autorização retroativa conferida na Lei 12.232/2010.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27, 29 e 30.8.2012. (AP-470)

AP 470/MG - 55

Em seguida, o Tribunal proclamou o resultado provisório do julgamento, no sentido de acatar, em parte, o pedido formulado pelo Ministério Público para, em relação ao item III.1, condenar João Paulo Cunha pelos delitos de: a) corrupção passiva, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, revisor, e Dias Toffoli; b) lavagem de dinheiro, vencidos os Ministros revisor, Dias Toffoli, Cezar Peluso e Marco Aurélio, com a ressalva dos Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes, que também o condenavam, exceto no que se refere ao inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98; c) peculato quanto à empresa SMP&B, vencidos os Ministros revisor e Dias Toffoli. Por outro lado, absolvê-lo da imputação de peculato no concernente à empresa IFT, vencidos os Ministros Joaquim Barbosa, relator, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Presidente. Condenar Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz por corrupção ativa e peculato, vencidos os Ministros revisor e Dias Toffoli. No tocante ao tópico III.2, condenar Henrique Pizzolato, Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz por peculato. Relativamente ao grupo III.3, condenar: a) Henrique Pizzolato por corrupção passiva e peculato, e, por maioria, vencido o Min. Marco Aurélio, condená-lo por lavagem de dinheiro, com a ressalva já referida pelos Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes; e b) Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz por corrupção ativa e peculato. Alfim, absolver Luiz Gushiken da imputação de peculato, com base no art. 386, V, do CPP. A Min. Rosa Weber deliberou votar posteriormente no que pertine à lavagem de dinheiro.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27, 29 e 30.8.2012. (AP-470)

AP 470/MG - 56

O relator passou, então, a analisar o capítulo V da denúncia, no qual imputados crimes de gestão fraudulenta de instituição financeira (Lei 7.492/86, art. 4º) a Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório, todos detentores de cargos executivos no Banco Rural à época dos fatos (“núcleo financeiro”). Lembrou que a peça acusatória descrevera o fato criminoso da seguinte forma: a) concessão de empréstimos simulados, tanto para financiar o esquema delituoso narrado quanto para lavar valores ilícitos movimentados pela suposta quadrilha; e b) uso de mecanismos fraudulentos, como celebração de sucessivos contratos de renovação de empréstimos fictícios, para encobrir o caráter simulado das operações. Ressaltou que a tese acusatória apoiar-se-ia em diversos laudos, os quais revelariam violação de normas legais e infralegais aplicáveis à espécie, sobretudo no tocante às operações realizadas com o PT, a SMP&B e a Graffiti Participações. Anotou que o Banco Rural não observaria sequer as exigências relativas aos cadastros de clientes, notadamente as pessoas jurídicas mencionadas, ao deixar de verificar, por exemplo, sua capacidade financeira por ocasião das sucessivas renovações de empréstimos. Avaliou que teriam sido apresentadas, ademais, informações contábeis falsas quando da obtenção desses empréstimos, sem o registro da real posição de endividamento bancário por parte das contraentes. Apontou que o referido banco elaborara análise econômico-financeira com base nessas informações falsas, embora devesse e tivesse condição de saber que seriam inidôneas, tendo em conta o vultuoso aumento das dívidas para com a instituição financeira. Assim, esta descumpriria conscientemente normas de combate à lavagem de dinheiro do Sistema Financeiro Nacional.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27, 29 e 30.8.2012. (AP-470)

AP 470/MG - 57

No que se refere a empréstimos concedidos ao PT, observou que laudo pericial demonstraria a existência de mútuo ao partido sem cadastro da agremiação, das pessoas físicas responsáveis ou de avalistas. Quanto às renovações, a instituição financeira permanecera omissa, sem exigir qualquer garantia real. No tocante aos empréstimos feitos pela SMP&B, o laudo apontara que analista do Banco Rural emitira parecer técnico, no qual não recomendava a reforma do limite para concessão de crédito. A respeito da Graffiti, também relataria não deter informações econômicas e financeiras suficientes a seu respeito, a possibilitar a liberação de expressiva operação de empréstimo. Em relação a Cristiano Paz, o cadastro existente no banco apresentaria incompatibilidades relativas a declaração de IRPF apresentada. O laudo informaria discrepâncias também acerca de Ramon Hollerbach e Marcos Valério. O relator reputou que os cadastros existentes sequer eram atualizados, estavam instruídos com documentação falsa e, quando apareciam deficiências, eram ignoradas pelo banco. A instituição financeira não exigiria atualização documental periódica do grupo de pessoas físicas e jurídicas vinculadas a Marcos Valério, na contratação e renovação de empréstimos. Frisou que, em decorrência da realização de operações de crédito em desacordo com os princípios da seletividade, garantia e liquidez, o Banco Central do Brasil - Bacen instaurara processo administrativo, em que apuradas 2 infrações de natureza grave: a) deixar de constituir provisões para créditos de difícil liquidação, a resultar na remessa, ao Bacen, de demonstrações financeiras que não refletiriam a real situação econômico-financeira da instituição; e b) aprovar demonstrações financeiras que não refletiriam essa mesma situação. Registrou que, após apuradas essas infrações, o Bacen comunicara ao Ministério Público que verificara indícios de ocorrência, em tese, dos delitos previstos nos artigos 4º, caput; 6º; 10 e 17, todos da Lei 7.492/86. Sublinhou que o Bacen estabelecera critérios de classificação das operações de crédito e regras para constituição de provisão de créditos de liquidação duvidosa. Para tanto, as instituições deveriam classificar as operações em ordem crescente de risco. Outra obrigação delas seria a manutenção dos documentos relativos à sua política e a seus procedimentos para a concessão, renovação e classificação das operações, no intuito de evidenciar o tipo e os níveis de risco administrados, as exigências para a celebração dos mútuos e o procedimento de autorização.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27, 29 e 30.8.2012. (AP-470)

AP 470/MG - 58

Delineou que, em flagrante descumprimento de preceitos normativos, os então principais dirigentes do Banco Rural — em questionadas operações de crédito formalmente realizadas com a SMP&B, em mútuo e suas sucessivas renovações — procederam à rolagem de dívidas com a incorporação de encargos; realizaram, nas diversas renegociações, estornos de valores relativos aos ônus financeiros devidos em virtude de atrasos; e mantiveram a classificação de risco dos contratos anteriores, com registro de receitas provenientes dessas novas avenças. Além disso, o Banco Rural teria acatado garantia inválida (cessão dos direitos sobre o contrato da DNA Propaganda com o BB), conforme apontado por seu próprio departamento jurídico, também oferecida e aceita em outro empréstimo contratado com a Graffiti, igualmente “rolado” mediante sucessivas renovações, muitas delas com parecer contrário dos analistas de crédito daquela instituição financeira. Pontuou ter havido diversas repactuações do mencionado contrato com a SMP&B, apesar de pareceres técnicos a alertar o alto risco das operações e o fato de não haver dados contábeis atualizados. Em uma delas, membro de comitê do Banco Rural acrescentaria tratar-se de risco de alçada da administração central. Constatou que, em linhas gerais, o mesmo ocorrera com o mútuo contraído pela Graffiti.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27, 29 e 30.8.2012. (AP-470)

AP 470/MG - 59

As ilegalidades, de forma genérica, repetir-se-iam no empréstimo celebrado entre a instituição financeira em comento e o PT, via cédula de crédito bancário objeto de diversas renovações, tendo como garantia, unicamente, os avais de Delúbio Soares e Marcos Valério, no contrato inicial, e os de Delúbio Soares e José Genoíno, nos seguintes. Especificou que diversas repactuações foram aprovadas ou por José Roberto ou por Kátia Rabello. Reportou à consignação expressa, em 2 renovações, de componente do Banco Rural no sentido de que envolveriam “risco banqueiro”, a necessitar de voto de ambas as autoridades, que ocupariam elevados cargos na instituição. Explicitou constar de laudo que: a) a primeira ficha cadastral do partido possuiria data bastante posterior à realização do ato; b) a ausência de informações fiscais dos avalistas (declaração de imposto de renda) nos dossiês de empréstimos ; c) o contrato não conteria qualquer tipo de documento referente à análise de crédito, procedimento obrigatório para concessão de mútuo; e d) a veracidade das notações contábeis de planilhas eletrônicas não poderia ser atestada. Na sequência, repisou que as garantias admitidas pela instituição reforçariam o caráter simulado das operações de crédito adversadas, haja vista que ou seriam inválidas ou insuficientes, ante os vultosos valores disponibilizados. A par disso, acresceu que a verba da cessão de direitos, carecedora de validade jurídica, do contrato entre a DNA e o BB seria, inclusive, significativamente inferior aos empréstimos concedidos, consoante demonstrado em laudo. Ao seu turno, os patrimônios dos fiadores seriam inaptos a assegurar o montante pactuado. Identificou, outrossim, que procedimentos previstos nos manuais internos do Banco Rural foram descumpridos.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27, 29 e 30.8.2012. (AP-470)

AP 470/MG - 60

O relator assinalou ter o laudo revelado que a então diretoria do Banco Rural concedera empréstimos não obstante a impontualidade nas amortizações e a existência de operações em prejuízo; bem assim desconsiderara falta de garantias ou liquidez destas. De igual modo, o banco classificara as operações de crédito das pessoas jurídicas ligadas a Marcos Valério com diferentes riscos, apesar de o grupo econômico ser o mesmo; e mantivera o “rating” das operações com o PT, embora sem adimplemento dos mútuos “rolados” sucessivas vezes. Complementou que, no laudo, discorrer-se-ia ter a instituição, com o fito de esconder a realidade, omitido registros e livros contábeis; manipulado esses eventos contábeis para simulação de fatos jurídicos; e, ao sonegar informações requisitadas pelo STF, tentado dissimular a real situação de sua contabilidade, pois não possuiria, à época, as devidas transcrições nos livros diários, somente providenciados posteriormente, no bojo das investigações. Remataria que o banco não obedecera a determinação dos Códigos Comercial e Civil, da legislação fiscal, das especificações existentes no Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional - Cosif e omitira os registros de suas transações financeiras sob a alegação de extravio ou problemas operacionais. Verificou, à luz do acervo probatório, que o banco somente decidira cobrar os valores após a divulgação do escândalo pela imprensa. Em abono, o Bacen teria identificado ilicitudes como: a) práticas irregulares/falhas de controle; b) procedimentos a impedir que as operações apresentassem atrasos; c) geração de resultados fictícios; d) falhas no processo de classificação. Após, o julgamento foi suspenso.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27, 29 e 30.8.2012. (AP-470)

1ª parte Audio
2ª parte Audio
3ª parte Audio
4ª parte Audio
5ª parte Audio
6ª parte Audio


Vídeo


PRIMEIRA TURMA


CNMP e competência revisional - 1

A 1ª Turma, por maioria, concedeu mandado de segurança impetrado por Ministério Público estadual contra ato do Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP, para invalidar decisão deste órgão. No caso, o parquet aplicara pena de demissão a servidor público de seu quadro, em virtude de conduta irregular de natureza grave e de insubordinação caracterizada por violação de dever funcional, tendo em vista o uso de equipamento do serviço para fins estranhos e alheios ao interesse público e o exercício da advocacia concomitante ao da função pública. O CNMP, após reclamação do servidor, anulara a sanção demissionária por considerá-la desproporcional e carente de razoabilidade, motivo pelo qual determinara que outra pena fosse aplicada. Preliminarmente, afastou-se pleito de extinção do processo, formulado por litisconsorte passivo, ante suposto vício de citação. Ocorre que a Min. Cármen Lúcia, relatora, determinara sua intimação para que ele se manifestasse, o que se dera com apresentação de contestação. Em seguida, reconheceu-se a legitimidade ativa dos Ministérios Públicos estaduais para atuar originariamente no STF. Além disso, em votação majoritária, rejeitou-se proposta, formulada pelo Min. Marco Aurélio, de afetação dos autos ao Plenário, vencidos o suscitante e o Min. Dias Toffoli.
MS 28827/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 28.8.2012. (MS-28827)

CNMP e competência revisional - 2

No mérito, esclareceu-se que a questão em julgamento restringir-se-ia ao exame da possibilidade de revisão, pelo órgão de controle externo, de penalidade administrativa imposta por Ministério Público estadual a seus servidores. Consignou-se que a Constituição trataria da matéria no art. 130-A, § 2º (“§ 2º Compete ao Conselho Nacional do Ministério Público o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros, cabendo-lhe: ... II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Ministério Público da União e dos Estados, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência dos Tribunais de Contas; III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Ministério Público da União ou dos Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional da instituição, podendo avocar processos disciplinares em curso, determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; IV - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de membros do Ministério Público da União ou dos Estados julgados há menos de um ano”).
MS 28827/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 28.8.2012. (MS-28827)

CNMP e competência revisional - 3

Aduziu-se que o inciso III do referido dispositivo cuidaria de competência disciplinar e correicional originária contra membros e serviços auxiliares do parquet, classificação em que inseridos os servidores que dariam suporte administrativo necessário ao funcionamento e ao desempenho das funções dos membros do órgão ministerial. Assinalou-se que a possibilidade de tramitação originária de procedimento disciplinar dirigido, ao CNMP, contra servidor do Ministério Público seria realçada no inciso I do § 3º do mesmo art. 130-A (“§ 3º ... I - receber reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos membros do Ministério Público e dos seus serviços auxiliares”). No entanto, a competência revisional do CNMP estaria prevista no inciso IV do § 2º do preceito em comento (“rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de membros do Ministério Público da União ou dos Estados julgados há menos de um ano”). Inferiu-se que para a solução da controvérsia, dever-se-ia levar em consideração o princípio elementar de que a lei, e mais ainda a Constituição, não conteria disposições inúteis. O alcance conferido pela autoridade coatora ao inciso II do § 2º do art. 130-A da CF, no sentido de submeter quaisquer atos administrativos ao controle do CNMP, tornaria despiciendas as regras de competência subsequentes. Aludiu-se que a Constituição teria resguardado o Conselho da eventualidade de se tornar mera instância revisora de processos administrativos disciplinares instaurados em órgãos correicionais competentes contra servidores auxiliares do parquet. Somente as ilegalidades perpetradas por membro do Ministério Público dariam ensejo à competência revisora do Conselho, exatamente por envolver a atuação de agentes estatais com vínculo político-institucional.
MS 28827/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 28.8.2012. (MS-28827)

CNMP e competência revisional - 4

Reputou-se que entender de modo diverso resultaria em diminuir a importante missão constitucionalmente atribuída ao CNMP, sobrecarregando-o com a revisão de processos disciplinares de menor importância institucional e resolvidos pelos órgãos correicionais competentes. Concluiu-se que eventuais abusos e arbitrariedades dos órgãos correicionais estaduais poderiam ser aventados nos Judiciários locais, garantida a inafastabilidade de jurisdição, a preservar o Supremo de se tornar espécie de tribunal administrativo de última instância para discussão de matérias de índole pessoal. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli, que denegavam a segurança. Este, ao fundamento de que a competência do CNMP não seria apenas para condenar, mas também para rever aquilo que o órgão disciplinar de origem fizera administrativamente. Aquele, por avaliar que o inciso IV do §2º do art. 130-A da CF refletiria prazo decadencial, de modo que o Conselho pudesse atuar em processo contra servidor se não houvesse preclusão maior da decisão administrativa.
MS 28827/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 28.8.2012. (MS-28827)

Concurso público: mérito de questões e anulação - 5

Em conclusão de julgamento, a 1ª Turma, por maioria, concedeu, em parte, mandado de segurança a fim de anular questões objetivas de concurso público para provimento de cargo de Procurador da República, em virtude de equívoco na elaboração destas — v. Informativos 658 e 660. Afirmou-se que, observada erronia no gabarito da prova objetiva, deveria ser reapreciada a situação jurídica do impetrante pela comissão do concurso. Destacou-se precedente da 2ª Turma segundo o qual, em que pese a máxima de que o Judiciário não poderia substituir a banca examinadora, a verificação de erro grosseiro levaria ao reconhecimento de ilegalidade. Por fim, mantiveram-se os efeitos da liminar concedida, que assegurava a participação do candidato nas demais fases do certame e reservava vaga em caso de aprovação final. Vencidas as Ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia. Esta destacava a impossibilidade de o Poder Judiciário fazer o controle jurisdicional de mérito do ato administrativo, que, no caso, seria da alçada das bancas examinadoras.
MS 30859/DF, rel. Min. Luiz Fux, 28.8.2012. (MS-30859)

Concurso público: conteúdo programático e anulação de questões - 4

Em conclusão, a 1ª Turma, após retificar a proclamação anteriormente proferida, denegou mandado de segurança no qual pretendida anulação de questões objetivas de concurso público destinado ao provimento de cargo de Procurador da República, porquanto em suposta desconformidade com o conteúdo programático de direito internacional previsto no edital. O impetrante sustentava que fora eliminado na 1ª fase do certame, visto que não atingira o percentual mínimo exigido em um dos grupos em que dividida a prova e que sua inabilitação decorreria desse desacordo — v. Informativos 658 e 660. Ressaltou-se a jurisprudência do STF no sentido de que o Poder Judiciário seria incompetente para substituir-se à banca examinadora de concurso público no reexame de critérios de correção das provas e de conteúdo das questões formuladas. Assentou-se que, existente previsão de um determinado tema, cumpriria ao candidato estudar e procurar conhecer, de forma global, os elementos que pudessem ser exigidos nas provas, de modo a abarcar todos os atos normativos e casos paradigmáticos pertinentes. Do contrário, significaria exigir-se das bancas examinadoras a previsão exaustiva, no edital de qualquer concurso, de todos os atos normativos e de todos os cases atinentes a cada um dos pontos do conteúdo programático do concurso, o que fugiria à razoabilidade. Ademais, reputou-se que estaria comprovada pela autoridade impetrada a congruência entre as questões impugnadas e o disposto no edital do concurso. Assim, os conhecimentos necessários para a indicação das respostas corretas estariam acessíveis em ampla bibliografia, o que afastaria a possibilidade de anulação em juízo. Por fim, cassou-se a liminar anteriormente deferida.
MS 30860/DF, rel. Min. Luiz Fux, 28.8.2012. (MS-30860)

Procuradoria da justiça militar e precedência do critério de remoção - 1

A 1ª Turma, por maioria, denegou mandado de segurança impetrado por promotora da Justiça Militar contra ato em que promovido concurso de remoção para o cargo de Procurador da Justiça Militar em Porto Alegre e, na sequência, abrira concurso de promoção por antiguidade para a referida vaga. Na espécie, a impetrante alegara afronta a direito líquido e certo com base nos artigos 93, II, d; e 129, § 4º, da CF (“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: ... II - promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antiguidade e merecimento, atendidas as seguintes normas: ... d) na apuração de antiguidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros, conforme procedimento próprio, e assegurada ampla defesa, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação”; “Art. 129 ... § 4º - Aplica-se ao Ministério Público, no que couber, o disposto no art. 93”). Primeiramente, destacou-se que o ato inquinado de ilegal e lesivo ao direito da impetrante teria sido ratificado pelo Procurador-Geral da República, como Presidente do Conselho de Assessoramento Superior do Ministério Público da União, o que o tornaria detentor de legitimidade passiva neste mandamus. Por consequência, competente o STF para processar e julgar o writ. Asseverou-se que a LC 35/79 (Loman), ao regular os critérios de promoção e remoção, apenas teria sido explícita em relação à magistratura estadual. Ademais, nos termos de seu art. 81 (“Na Magistratura de carreira dos Estados, ao provimento inicial e à promoção por merecimento precederá a remoção”), teria considerado somente a promoção por merecimento. Salientou-se que, na mencionada regra, o legislador não teria sido categórico quanto à promoção por antiguidade preceder à remoção. Além disso, a Constituição teria permitido a aplicação daqueles dispositivos somente no que coubesse, tendo-se em consideração a lei orgânica regedora da carreira da impetrante (LC 75/93).
MS 25125/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 28.8.2012. (MS-25125)

Procuradoria da justiça militar e precedência do critério de remoção - 2

Pontuou-se que a lei ordinária teria previsto a faculdade de o membro do Ministério Público mover-se e, no caso, teriam sido rigorosamente observados todos os critérios exigidos na norma. Aduziu-se que, em decorrência do princípio da legalidade, a Administração Pública ficaria vinculada às permissões legais, não autorizada a fazer distinções onde a lei não as fizera. Ressaltou-se que privilegiar a promoção de concorrente por antiguidade em detrimento da remoção de membro da carreira que estivesse em nível superior da carreira seria desrespeitar o princípio da igualdade de tratamento jurídico, assegurado pela Constituição, pois não se poderia dar tratamento isonômico a pessoas em condições distintas. Vencido o Min. Marco Aurélio, que concedia a ordem. Enfatizava que, nos autos, discutir-se-ia a possibilidade de critério de remoção prejudicar promoção por antiguidade. Frisava que a situação concreta estaria regida pela Constituição na redação anterior à EC 45/2004 e, à época, a remoção não teria disciplina legal, o que acarretaria a preferência pela promoção por antiguidade.
MS 25125/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 28.8.2012. (MS-25125)

Legitimidade do Ministério Público: ação civil pública e pontuação em concurso público - 3

O Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública sobre direitos individuais homogêneos quando presente o interesse social. Essa a orientação da 1ª Turma que, em conclusão de julgamento e, por maioria, proveu recurso extraordinário no qual discutida a legitimidade ativa ad causam daquele órgão. No caso, Ministério Público estadual ajuizara ação civil pública em torno de certame para diversas categorias profissionais de determinada prefeitura, em que asseverara que a pontuação adotada privilegiaria candidatos os quais já integrariam o quadro da Administração Pública Municipal — v. Informativo 545. Salientou-se que a matéria cuidada na ação proposta teria a relevância exigida a justificar a legitimidade do Ministério Público estadual. Vencido o Min. Menezes Direito, que desprovia o recurso.
RE 216443/MG, rel. orig. Min. Menezes Direito, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 28.8.2012. (RE-216443)


SEGUNDA TURMA

Dolo eventual e qualificadora da surpresa: incompatibilidade

São incompatíveis o dolo eventual e a qualificadora da surpresa prevista no inciso IV do § 2º do art. 121 do CP (“§ 2° Se o homicídio é cometido: ... IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido”). Com base nesse entendimento, a 2ª Turma concedeu habeas corpus para determinar o restabelecimento da sentença de pronúncia, com exclusão da mencionada qualificadora. Na espécie, o paciente fora denunciado pela suposta prática dos crimes previstos no art. 121, § 2º, IV, c/c o art. 18, I, ambos do CP, e no art. 306 da Lei 9.503/97 porque, ao conduzir veículo em alta velocidade e em estado de embriaguez, ultrapassara sinal vermelho e colidira com outro carro, cujo condutor viera a falecer. No STJ, dera-se provimento a recurso especial, interposto pelos assistentes de acusação, e submetera-se a qualificadora da surpresa (art. 121, § 2º, IV) ao tribunal do júri. Considerou-se que, em se tratando de crime de trânsito, cujo elemento subjetivo teria sido classificado como dolo eventual, não se poderia, ao menos na hipótese sob análise, concluir que tivesse o paciente deliberadamente agido de surpresa, de maneira a dificultar ou impossibilitar a defesa da vítima.
HC 111442/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 28.8.2012. (HC-111442)


Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos
Pleno 29.8.2012 27 e 30.8.2012 1
1ª Turma 28.8.2012 239
2ª Turma 28.8.2012 409















T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Estupro e presunção absoluta de violência (Transcrições)

HC 110558/PR*

RELATORA: Min. Rosa Weber

EMENTA: HABEAS CORPUS. ESTUPRO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PRETENSÃO À ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO PROBATÓRIO. VÍTIMA MENOR DE CATORZE ANOS. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA. CRIME COMETIDO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI 12.015/09. CONTINUIDADE DELITIVA. MAJORAÇÃO MÁXIMA DA PENA. COMPATIBILIDADE COM O NÚMERO DE CRIMES COMETIDOS. PRECEDENTES.
1. O habeas corpus não se presta ao exame e à valoração aprofundada das provas, não sendo viável reavaliar o conjunto probatório que levou à condenação criminal do paciente por crimes de estupro e atentado violento ao pudor.
2. O entendimento desta Corte pacificou-se quanto a ser absoluta a presunção de violência nos casos de estupro contra menor de catorze anos nos crimes cometidos antes da vigência da Lei 12.015/09, a obstar a pretensa relativização da violência presumida.
3. Não é possível qualificar a manutenção de relação sexual com criança de dez anos de idade como algo diferente de estupro ou entender que não seria inerente a ato da espécie a violência ou a ameaça por parte do algoz.
4. O aumento da pena devido à continuidade delitiva varia conforme o número de delitos. Na espécie, consignado nas instâncias ordinárias terem os crimes sido cometidos diariamente ao longo de quase dois anos, autorizada a majoração máxima.

Relatório: Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de **, contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça, em que se deu provimento ao recurso especial interposto pelo Ministério Público para aumentar a pena do acusado em dois terços em razão do reconhecimento da continuidade delitiva no crime de atentado violento ao pudor.
O paciente foi condenado em primeiro grau de jurisdição a oito anos e nove meses de reclusão no regime fechado por infringir os artigos 213 combinado com o 224, alínea “a” e 226, inciso I, na forma do 71 do Código Penal, e absolvido da imputação pelos artigos 214, caput, combinado com o 224, alínea “a”, e 226, inciso II, na também na forma do 71 do Código Penal.
Em síntese, o paciente teria abusado sexualmente de sua enteada, **, quando esta tinha de dez a doze anos de idade, com ela praticando, reiteradamente, conjunção carnal e atos libidinosos. Apesar da prática dos atos libidinosos, esses foram reputados absorvidos pelo crime de estupro.
A condenação teve presente a redação dos mencionados dispositivos legais antes das alterações determinadas pela Lei nº 12.015/2009.
Interpostas apelações pela defesa e pelo parquet, o Tribunal de Justiça do Paraná manteve a sentença, verbis:

EMENTA: APELAÇÃO CRIME - ESTUPRO - VIOLÊNCIA PRESUMIDA - VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE, NA ESPÉCIE - CONJUNTO EFICAZ - PALAVRA DA VÍTIMA - RELEVÂNCIA - CONTINUIDADE DELITIVA - QUANTIDADE DOS CRIMES - INCERTEZA - ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - ABSORÇÃO - DÚVIDA QUANTO À UNIDADE DE DESÍGNIOS - IN DUBIO PRO REO - RECURSOS NÃO PROVIDOS. Nos crimes contra os costumes, porque invariavelmente cometidos às ocultas, a palavra da vítima possui inegável preponderância probatória, mormente quando relata fidedignamente toda a cadeia seqüencial dos fatos, e reconhece seu algoz, de forma categórica e incontestável. O conjunto probatório é sólido e eficaz quando esclarece a autoria e a materialidade dos delitos de atentado violento ao pudor e estupro, imputados ao agente, notadamente com base na prova testemunhal. O delito de atentado violento ao pudor, em regra, constitui crime autônomo, devendo, contudo, ser absorvido pelo delito de estupro, se paira a dúvida sobre a existência de unidade de desígnios do agente, em praticar o ato libidinoso diverso da conjunção carnal, na mesma circunstância fática. Para a aplicação da continuidade delitiva, também deve prevalecer o princípio do in dubio pro reo, quando se instaura a dúvida acerca da efetiva quantidade de delitos praticados em continuidade, pelo agente.” (Doc.3, fls. 48/49).

Foram opostos embargos declaratórios pelo Ministério Público por duas vezes, os quais foram rejeitados sob o fundamento de inexistir obscuridade ou omissão no julgado.
Contra essa decisão, o Ministério Público interpôs recurso especial, ao qual foi dado provimento nos termos da ementa:

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR ABSORVIDO PELO CRIME DE ESTUPRO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. CONTINUIDADE DELITIVA. AUMENTO MÁXIMO. REITERAÇÃO DA PRÁTICA DELITUOSA, DIARIAMENTE, DURANTE DOIS ANOS. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Os embargos de declaração têm como objetivo sanear eventual obscuridade, contradição ou omissão existentes na decisão recorrida, o que não ocorre quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão. (REsp 737.997/RS, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 26/9/05).
2. A não-absorção do crime de atentado violento ao pudor pelo estupro configura reexame do conjunto fático-probatório, vedado pela Súmula 7/STJ.
3. O aumento relativo à continuidade delitiva deve guardar compatibilidade com o número de infrações cometidas. Para crimes praticados diariamente, durante aproximadamente dois anos, necessário o aumento da pena na fração de 2/3.
4. Recurso especial conhecido e parcialmente provido para determinar o aumento da pena imposta na fração de 2/3, em virtude da continuidade delitiva.”

No presente writ (doc. 1), a Impetrante alega que a prova indica não ser a hipótese “um caso clássico de estupro, seja praticado com violência real ou presumida. A suposta vítima já havia mantido relações sexuais com outras pessoas” (fl. 5). Afirma que a vítima estaria mentindo para afastar o padrasto de sua mãe, o que estaria corroborado por depoimentos de testemunhas, pedindo a absolvição e a relativização da presunção de violência no caso concreto (fls. 9/11). Destaca a impossibilidade de aumento da pena em dois terços pela continuidade delitiva, sob o argumento de que “há um único bem jurídico protegido, independentemente da forma da agressão sexual” (fl. 14). Liminarmente, pede a suspensão dos efeitos da decisão da Corte Superior, sob a alegação de “poderá causar enormes prejuízos ao paciente” (fl. 15). No mérito, requer “a absolvição do paciente, por falta de provas suficientes à sua condenação” ou a exclusão do aumento da pena pela continuidade delitiva (fls. 15/16).
O pedido liminar foi indeferido pela eminente Ministra Ellen Gracie verbis:
“(...)
Com efeito, da leitura do acórdão impugnado na inicial, verifico que o ato se encontra devidamente motivado, apontando as razões de convencimento da Corte.
5. Ressalto que, para fins de apreciação do pedido de medida liminar, é necessário avaliar se o acórdão atacado teve o condão de caracterizar patente constrangimento ilegal. Na hipótese dos autos, as razões do aresto hostilizado mostram-se relevantes e, num primeiro exame, sobrepõem-se aos argumentos lançados no writ. Desse modo, não vislumbro a presença do requisito do fumus boni iuris para a concessão da tutela pleiteada.
6. Ante o exposto, indefiro o pedido de liminar.” (doc. 9, fl. 3).

O Ministério Público Federal exarou parecer pela denegação da ordem (doc. 11).
Autos redistribuídos.
É o relatório.

Voto: Em síntese, no presente habeas requer a impetrante a absolvição do paciente, argumentando não restar provado o crime contra a liberdade sexual ou insubsistente a presunção de violência, e, em caráter subsidiário, o afastamento do aumento em dois terços da pena devido à continuidade delitiva.
O paciente foi denunciado e condenado por ter abusado sexualmente de sua enteada, quando esta tinha de dez a doze anos idade, com ela praticando, reiteradamente, conjunção carnal e atos libidinosos.
Consta da denúncia que “em datas e horário não especificados nos autos, sendo que entre os anos de 2003 a dezembro do ano de 2004, na residência localizada na Rua ***, e em outros locais diversos, nesta cidade e Comarca de Centenário do Sul, o denunciado **, consciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, por reiteradas vezes, vale dizer, em continuidade delitiva, constrangeu a vítima, sua enteada **, desde os dez anos de idade e mediante violência presumida e grave ameaça de matar a genitora e a irmã da mesma caso esta não atendesse aos seus instintos sexuais, à conjunção carnal” e “atos libidinosos diversos da conjunção carnal” (doc. 5, fl. 3).
A denúncia foi julgada procedente, com a condenação do paciente por crime de estupro, sendo neste reputado absorvido o crime de atentado violento ao pudor.
No que tange à suposta falta de prova, transcrevo trecho do acórdão do Tribunal de Justiça Estadual:

“A materialidade do crime se comprova através do inquérito policial, às fls. 06 e seguintes, boletim de ocorrência, às fls. 24, e laudo de exame de conjunção carnal, às fls. 25.
A autoria, por sua vez, é certa e recai sobre a pessoa do apelante, notadamente no confronto entre sua solitária versão, e a robusta prova testemunhal.
A vítima **, ouvida em juízo declarou:
‘(...) então, ela passou a ter relações sexuais com o acusado; as relações sexuais começaram quando contava com dez anos de idade; saiu com doze anos da casa em que morava, razão pela qual deve ter durado dois anos as relações sexuais; o acusado colocava o pênis em sua vagina; (...) então, o acusado logo a chamava para ir para a cama dele...’ fls. 94/96.
Neste aspecto, convém reforçar a importância de seu depoimento que, mormente pela tenra idade, narra os fatos fidedignamente, sem ilações ou invencionices, revelando o dolo do agente em realizar as condutas descritas na norma.
Ademais, em se tratando de crimes contra os costumes, cometidos, no mais das vezes, às escondidas, a palavra da vítima ganha proeminência, na busca pelo esclarecimento dos fatos.” (doc. 3, fl. 51)

Deste entendimento, não discrepou o Superior Tribunal de Justiça, ao registro de que “o Tribunal de origem pronunciou-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão”.
Não cuidou a Impetrante de juntar cópia da sentença, na qual presume-se existir avaliação circunstanciada das provas.
De todo modo, não é viável em habeas corpus proceder a exame e a valoração aprofundada das provas, o que seria necessário para apreciar a alegação da Impetrante de que o paciente seria inocente.
Nesse sentido os precedentes desta Corte: HC 105.798/GO, Min. Celso de Mello, DJe 23.05.2011; HC 98.681/SP, Min. Joaquim Barbosa, DJe 18.04.2011; HC 98.949/MS, Min. Joaquim Barbosa, 01.02.2011 e HC 96.784/BA, Min. Ellen Gracie, DJe 05.02.2010.
No que se refere à alegação de que a violência não poderia ser presumida, pois a vítima supostamente já teria experiência sexual, destaco ter sido o paciente condenado nas penas dos artigos 214 combinado com o 224, alínea “a”, do Código Penal, com redação anterior à vigência da Lei 12.015/09, que alterou o capítulo referente aos crimes contra a liberdade sexual.
Quanto ao tema, o entendimento desta Corte pacificou-se no sentido de ser absoluta a presunção de violência nos casos de estupro contra menor de catorze anos, ainda que tenha havido o consentimento da vítima, conforme os seguintes julgados:

“HABEAS CORPUS. ESTUPRO. VÍTIMA MENOR DE QUATORZE ANOS. CONSENTIMENTO E EXPERIÊNCIA ANTERIOR. IRRELEVÂNCIA. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA. CARÁTER ABSOLUTO. ORDEM DENEGADA. 1. Para a configuração do estupro ou do atentado violento ao pudor com violência presumida (previstos, respectivamente, nos arts. 213 e 214, c/c o art. 224, a, do Código Penal, na redação anterior à Lei 12.015/2009), é irrelevante o consentimento da ofendida menor de quatorze anos ou, mesmo, a sua eventual experiência anterior, já que a presunção de violência a que se refere a redação anterior da alínea a do art. 224 do Código Penal é de caráter absoluto.” (HC 97052/PR, Min. Dias Toffoli, Dje 14.9.2011).

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. VÍTIMA MENOR DE QUATORZE ANOS. AUMENTO DE PENA PREVISTO NO ART. 9º DA LEI 8.072/90. BIS IN IDEM: INOCORRÊNCIA. LEI Nº 12.015/09: REPERCUSSÃO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA: MATÉRIA NÃO SUBMETIDA À INSTÂNCIA ANTECEDENTE. QUESTÃO, ADEMAIS, DE COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO. SÚMULA Nº 611 DO STF. 1 - Não constitui bis in idem o aumento de pena previsto no art. 9º da Lei 8.072/90, por ser a vítima do atentado violento ao pudor menor de 14 (quatorze) anos. Precedentes do STF. 2. - No estupro e no atentado violento ao pudor não é a idade da vítima que compõe o tipo, mas o emprego, para lograr a prática sexual incriminada, de grave ameaça ou de violência, o qual, na verdade, a regra de extensão do art. 224 – antes de presumi-lo existente -, equipara à incapacidade de consentir da vítima, entre outras razões, pela presunção legal extraída de não ser ela maior de quatorze anos.” (HC 14.12.2010, Min. Dias Toffoli, DJe 7.4.2011).

“HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. CARÁTER ABSOLUTO. 1. Ambas as Turmas desta Corte pacificaram o entendimento de que a presunção de violência de que trata o artigo 224, alínea “a” do Código Penal é absoluta.” (HC 101456/MG, Min. Eros Grau, DJe 9.3.2010).

Assim, a pretensão do Impetrante encontra óbice na jurisprudência consolidada desta Corte sobre as normas vigentes ao tempo dos fatos.
E a legislação posterior, inaugurada pela Lei 12.015/2009, sepultou a questão jurídica, tipificando, como estupro de vulnerável (art. 215-A), a prática, com ou sem violência ou ameaça, de conjunção carnal ou de ato libidinoso com menor de 14 anos.
Ademais, de todo inapropriada a defesa apresentada considerando que a vítima teria tenros dez anos de idade quando iniciaram os abusos sexuais.
Não creio que se possa qualificar a manutenção de relação sexual com criança de dez anos de idade como algo diferente de estupro ou entender que não seria inerente a ato da espécie a violência ou a ameaça por parte do algoz.
Portanto, impossível acolher o pleito para relativizar a presunção de violência contra vítima com dez anos de idade à época dos fatos.
Acerca do aumento da pena devido à continuidade delitiva, o Tribunal de Justiça consignou que “o aumento aplicado em virtude da continuidade delitiva me parece correto, em face da incerteza quanto à quantidade de vezes que o delito tenha sido perpetrado pelo agente. Com base no depoimento da vítima, não ocorreu de forma isolada, mas faltam elementos para o preciso balisamento” (doc. 3, fl. 59).
A Corte Superior, noutro turno, deu provimento ao recurso especial interposto pelo Parquet para aumentar de um terço fração cominada na sentença e mantida pelo Tribunal de Apelação - para dois terços a pena aos seguintes fundamentos:

Extrai-se da sentença condenatória que o recorrido, constantemente, durante dois anos, abusou sexualmente das menores. Confira-se (fls. 190/191):

Do bojo processual, infere-se que foram reiteradas as condutas praticadas pelo agente, em desfavor da vítima. Ou seja, diversos foram os estupros perpetrados pelo acusado, sendo que os posteriores, em virtude das condições de tempo, lugar, modo de execução, etc., são tidos como continuação do inaugural.
Forçoso salientar que os pressupostos para a configuração do instituto se configuraram, eis que houve pluralidade de crimes do mesmo tipo penal, as condições objetivas se mostraram similares e se notabilizou a unidade de desígnios do agente.
Corroborando, no que cá é de maior realce, leia-se a palavra da vítima **, em seu depoimento judicial (fls. 94/96):
“(...) as relações sexuais começaram quando contava com dez anos de idade; saiu com doze anos da casa em que morava, razão pela qual deve ter durado cerca de dois anos as relações sexuais; (...) as relações sexuais eram diárias;” (grifamos)
....................................................................................................

Como desfecho, ** (fls. 106):

“ (...) ** disse que ** colocou o pênis na vagina, tentou colocar atrás e também colocou na boca; ** não falou quantas vezes isso ocorreu, mas disse que foram várias vezes;” (grifamos)

Consoante o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o aumento relativo à continuidade delitiva deve guardar compatibilidade com o número de infrações cometidas.
Precedente: HC 28.940/SC, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, Sexta Turma, DJ 22/9/08.
Assim, no caso, para crimes praticados diariamente, durante aproximadamente dois anos, necessário o aumento da pena na fração de 2/3.

Nesse aspecto, verifico que o acórdão ora atacado fundamentou o aumento da pena na fração máxima em face da prova oral na qual arrimada a sentença, em que reconhecida a prática das conjunções carnais pelo réu contra a vítima diariamente e pelo período aproximado de dois anos, sendo portanto, arrazoada e proporcional a elevação no patamar máximo.
Embora não consignada a quantia exata de delitos, evidente que foram numericamente suficientes a justificar a majoração máxima, em razão do longo lapso temporal em que perpetrados. Assim já decidiu esta Corte:

“CONTINUIDADE DELITIVA - MAJORAÇÃO DA PENA - PERCENTAGEM. A eleição do percentual de acréscimo - de um sexto a dois terços - há de fazer-se considerado o número de delitos. Exsurge inidônea a modificação do percentual máximo de dois terços o fato de, em relação a sete dos quarenta e cinco perpetrados, haver sido reconhecida a prescrição da pretensão punitiva do Estado. Razoabilidade da manutenção dos dois terços.”(HC 73446/SP, Min. Marco Aurélio, DJ 19.3.1996).

No mesmo sentido: HC 332597/SC, Min. Sepúlveda Pertence, DJ 11.2.2004, HC 69.033, Min. Marco Aurélio, DJ 13.3.92.
Considerando ainda a longa duração dos abusos sexuais perpetrados contra a vítima, enquanto esta tinha a idade de dez a doze anos, o aumento da pena em dois terços não pode ser, nem de longe, qualificado como arbitrário, observando que seria até possível não se reconhecer qualquer continuidade delitiva, de duvidosa pertinência diante de reiterados abusos sexuais, sempre produto de desígnios autônomos, ainda que contra a mesma vítima.
Pelo exposto, descabe igualmente a redução pretendida da pena.
Ante o exposto, voto pela denegação da ordem.

* acórdão publicado no DJe de 11.6.2012
** nomes suprimidos pelo Informativo
*** endereço suprimido pelo Informativo

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS
27 a 31 de agosto de 2012

Lei nº 12.712, de 30.8.2012 - Altera as Leis nos 12.096, de 24 de novembro de 2009, 12.453, de 21 de julho de 2011, para conceder crédito ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, 9.529, de 10 de dezembro de 1997, 11.529, de 22 de outubro de 2007, para incluir no Programa Revitaliza do BNDES os setores que especifica, 11.196, de 21 de novembro de 2005, 7.972, de 22 de dezembro de 1989, 12.666, de 14 de junho de 2012, 10.260, de 12 de julho de 2001, 12.087, de 11 de novembro de 2009, 7.827, de 27 de setembro de 1989, 10.849, de 23 de março de 2004, e 6.704, de 26 de outubro de 1979, as Medidas Provisórias nos 2.156-5, de 24 de agosto de 2001, e 2.157-5, de 24 de agosto de 2001; dispõe sobre financiamento às exportações indiretas; autoriza a União a aumentar o capital social do Banco do Nordeste do Brasil S.A. e do Banco da Amazônia S.A.; autoriza o Poder Executivo a criar a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias S.A. - ABGF; autoriza a União a conceder subvenção econômica nas operações de crédito do Fundo de Desenvolvimento da Amazônia - FDA e do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste - FDNE; autoriza a União a participar de fundos dedicados a garantir operações de comércio exterior ou projetos de infraestrutura de grande vulto; revoga dispositivos das Leis nos 10.637, de 30 de dezembro de 2002, 10.865, de 30 de abril de 2004, e 12.545, de 14 de dezembro de 2011; e dá outras providências. Publicada no DOU, Seção 1, p. 1, em 31.8.2012.

Lei nº 12.711, de 29.8.2012 - Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Publicada no DOU, Seção 1, p. 1, em 30.8.2002.

Medida Provisória nº 577, de 29.8.2012 - Dispõe sobre a extinção das concessões de serviço público de energia elétrica e a prestação temporária do serviço, sobre a intervenção para adequação do serviço público de energia elétrica, e dá outras providências. Publicada no DOU, Seção 1, p. 2, em 30.8.2012.

OUTRAS INFORMAÇÕES
27 a 31 de agosto de 2012

Decreto nº 7.796, de 30.8.2012 - Altera a redação de Notas Complementares aos Capítulos da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - TIPI que menciona, aprovada pelo Decreto nº 7.660, de 23 de dezembro de 2011. Publicado no DOU, Seção 1, p. 5-6, em 31.8.2012.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)
Prazo Processual – Feriado
Portaria nº 299/STF, de 28.8.2012 - Comunica que não haverá expediente na Secretaria do Tribunal no dia 7 de setembro de 2012 (sexta-feira) e os prazos que porventura devam iniciar-se ou completar-se nesse dia ficam automaticamente prorrogados para o dia 10 subsequente (segunda-feira). Publicada no DJE/STF, n. 171, p. 183 em 30.8.2012.


Secretaria de Documentação
Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de JulgadosCJCD@stf.jus.br

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...