terça-feira, 17 de julho de 2012

PROCESSO CONSTITUCIONAL: UMA ABORDAGEM A PARTIR DOS DESAFIOS DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Processo constitucional: uma abordagem a partir dos desafios do Estado Democrático de Direito

Dierle José Coelho Nunes e Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia
Dierle José Coelho Nunes
Doutor em Direito Processual (PUCMinas/Università degli Studi di Roma "La Sapienza"). Mestre em Direito Processual (PUCMinas), Professor permanente do Programa de Mestrado em Direito da Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM), Professor Adjunto na PUCMinas e UNIFEMM, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e da Comissão de Ensino Jurídico (OAB - Seccional Minas Gerais), Advogado.
Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia
Doutor e Mestre em Direito Constitucional (UFMG), Professor permanente do Programa de Mestrado em Direito da Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM), Professor Adjunto na Faculdade Batista de Minas Gerais. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Advogado.
Resumo: O texto apresenta os dilemas do estudo do processo constitucional no Brasil, reconstruindo o histórico do Direito Processual Constitucional, mostrando, ao mesmo tempo, sua realidade histórico-social - relacionada à consagração de sistemas normativos de proteção dos Direitos Humanos, e a científica, dimensões que a doutrina na atualidade tende a mesclar. Analisa a aplicação dos princípios constitucionais e a democratização do processo.
Palavras-chave: Processo constitucional - democratização processual - princípios - acesso à justiça - eficiência.

Abstract: The article presents the dilemmas of the study of the constitutional process in Brazil, rebuilding the Constitutional Procedural Law history, while demonstrating its social-historic reality - related to the recognition of normative systems for the protection of Human Rights, and the scientific one; dimensions that currently the doctrine tends to merge. Analyzes the application of constitutional principles and the democratization process.
Key-words: Constitucional process - principles - democratization process - access to justice- efficiency.
Sumário: Considerações iniciais: o "Processo Constitucional"; 1. Constitucionalização do Processo; 2. Alguns dilemas do acesso à justiça; 3. Os problemas de "eficiência" e a judicialização....; 4. Devido Processo Legal; Considerações Finais; Referências Bibliográficas.
Considerações iniciais: o "Processo Constitucional"
Como já se disse no I Congresso Ibero-americano de direito constitucional, ocorrido no México em 1975 "é necessária uma maior aproximação entre os constitucionalistas e os estudiosos do processualismo científico, com o objetivo de estudar com maior aprofundamento e de forma integral as matérias que correspondem a zonas de confluência entre ambas as disciplinas e que têm relação direta com a função do órgão jurisdicional".[1]
Essas breves palavras já demonstram a importância do estudo do direito processual constitucional, modelo constitucional de processo,[2] justiça constitucional,[3] processo constitucional ou qualquer outra nomenclatura atribuída a essa nova disciplina jurídica (cf. infra) delineada no curso do século XX e que vem gerando enormes ressonâncias para a compreensão e aplicação do direito em consonância com o Estado Constitucional democrático e com uma teoria adequada dos direitos fundamentais.
No entanto, como bem aponta Mac-Gregor, soa paradoxal o fato dos processualistas, em média, mostrarem-se pouco interessados no trato mais aprofundado das questões inerentes aos impactos do estudo do direito processual constitucional, em face da assertiva recorrente da constitucionalização do ordenamento jurídico e da criação de processos e órgãos jurisdicionais especializados na matéria constitucional; aspecto que conduziria a uma necessária aproximação do Processo com a Constituição.[4]
Nesse breve ensaio almeja-se resgatar as lições acerca da importância do Processo Constitucional no âmbito dos operadores e estudiosos do Direito e mostrar as confluências entre o Processo e a Constituição e sua interconexão na aplicação do direito a partir de uma perspectiva dinâmica dos direitos fundamentais.
Conforme mostrar-se-á adiante, o Processo Civil sofre uma ruptura paradigmática a partir do final do século XIX, quando num primeiro momento se autonomiza, se articula nos moldes do movimento pela socialização processual,[5] e a partir da década de 1920 se molda em perspectiva constitucional.
A incipiente constitucionalização jurídica ao alcançar o campo processual impõe uma reformulação na leitura de seus institutos eis que, como afirma Baracho[6], "os estudos dos institutos do processo não podem ignorar seu íntimo relacionamento com a Constituição, principalmente tendo em vista os instrumentos indispensáveis à garantia e modalidades de defesa dos Direitos Fundamentais do homem".
Desde texto publicado em 1956, na Revista "Justicia", passando pelo seu famoso ensaio da "Revista de Derecho Procesal" do Uruguai (posteriormente republicado pelo "Boletín Mexicano de Derecho Comparado", em 1977), FIX-ZAMUDIO, referindo-se ao trabalho de Couture, nos dá notícia do nascimento de uma nova disciplina, o "derecho constitucional procesal", surgido como "resultado de la confluencia de otras dos ramas de la ciencia jurídica: el derecho constitucional y el derecho procesal".[7] O jurista chama a atenção para a anterioridade e a repercussão dos trabalhos de Couture (especialmente o seu "Las Garantías Constitucionales del Proceso Civil") no âmbito processual mostrando a transcendência constitucional dos institutos processuais.[8]
A constatação é clara, "ação, jurisdição e processo" devem ser repensados desde uma perspectiva mais ampla: processual e constitucional.
En otras palabras, se está despertando la conciencia entre constitucionalistas y procesalistas, sobre la conveniencia de unir sus esfuerzos con el objeto de profundizar las instituciones procesales fundamentales, ya que no debe olvidarse, como ocurrió durante mucho tiempo, que poseen una implicación político-constitucional, y no de carácter exclusivamente técnico, y es en este sentido en que podemos hablar de la relatividad de los conceptos de jurisdicción y de proceso, en el sentido en que lo hiciera el inolvidable Calamandrei respecto de la acción".[9]
1. Constitucionalização do Processo
Tem-se falado muito hoje em dia em "Direito Civil Constitucional",[10] "Direito Penal Constitucional", e outras combinações entre os mais variados ramos do Direito e a Constituição (ou o Direito Constitucional). Essa é uma tendência bastante positiva, haja vista um aparente reconhecimento da importância e da primazia da Constituição sobre todo o Direito, nas suas mais variadas manifestações. [11]
Fator que também pode explicar a atual tendência, no Brasil, de se constitucionalizar o Direito, estaria no fato da Constituição Brasileira, mais do que qualquer outra anterior, além de tratar de matérias tradicionalmente afetas a uma Lei Maior - organização do Estado, dos poderes, da forma e regime de governo, além de um extenso e inigualável elenco de direitos e garantias -, trazer para seu seio disposições afetas ao Direito Civil, Comercial, Tributário, Penal, Processual (e outros) de maneira, por vezes pormenorizada.
Assim, quer se queira atualmente trabalhar em juízo com o Direito ou quer se queira simplesmente estudá-lo, dificilmente será possível fazê-lo no Brasil sem se reportar à Constituição da República Federativa de 1988.[12]
Isso se torna ainda mais complexo em uma Constituição com um elenco tão longo de direitos e garantias fundamentais[13]. De fato, a Constituição Brasileira de 1988 consagrou inúmeros direitos e garantias especificamente processuais, confirmando a tendência à constitucionalização do processo, dando a este (seja processo civil, penal, procedimentos administrativos e mesmo privados) uma nova conformação adequada ao Estado Democrático de Direito.[14] Só para citar alguns: inafastabilidade do controle jurisdicional (5º, XXXV); Juízo natural (5º, XXXVII); princípio da legalidade e anterioridade da norma penal (5º, XXXIX); devido processo legal (5º, LIV); direito ao contraditório e à ampla defesa (5º, LV); fundamentação racional das decisões e publicidade (art. 93, IX); duração razoável do processo (5°, LXXVIII) princípio da presunção de inocência (5º, LVII); além das garantias do habeas corpus (5º, LXVIII), mandando de segurança (5º, LXIX), mandado de injunção (5º, LXXI), habeas data (5º, LXXII) e a ação popular (5º, LXXIII).
Como se percebe desse breve levantamento, a partir de 1988 toda a processualística brasileira mudou; garantias foram ampliadas (com a criação, por exemplo, do mandado de segurança coletivo, recentemente normatizado pela lei 12.016/09) e novas garantias surgiram (como o mandado de injunção, o habeas data). Vários dispositivos dos Códigos de Processo Civil e Penal simplesmente não foram recepcionados.
A Constitucionalização do Processo é um capítulo à parte dentro da tendência apresentada. Inicia-se já quando a socialização processual começa a ser amplamente absorvida pelos textos legais (códigos e ordenanças processuais) e ganha força na forma de se interpretar e aplicar os institutos do processo.[15]
A partir disso os cultores do Direito passaram a olhar de forma diferenciada para o "processo", não mais como direito "adjetivo", mas sim, retomando antigas teorias acerca de escopos "metajurídicos" presentes nas ações judiciais[16]. Tal preocupação não passou desapercebida pelos que elaboraram as Constituições ao longo do século passado, pois, como já nos lembra,[17] estas "consagran expresamente los delineamientos de las instituciones procesales, ya que los constituyentes contemporáneos se han percatado de la necesidad de otorgar la debida importancia a la función jurisdiccional"[18]. Assim é que os três institutos básicos da teoria geral do processo (ação, jurisdição e processo) passaram a ser estudados também por constitucionalistas.[19]
Trata-se de uma mudança paradigmática na interpretação do processo. Como definiram Andolina e Vignera:[20] "[l]e norme ed i principi costituzionali riguardanti l'esercizio della funzione giurisdizionale, se considerati nella loro complessità, consentono all'interprete di disegnare un vero e proprio schema generale di processo, suscetibile di formare l'oggetto di una esposizione unitaria".
Dessa forma que o processo - como outros ramos do Direito, consoante anotado supra - também vai se tornando "Processo Constitucional", num desenvolvimento contínuo.
FIX-ZAMUDIO[21] estabelece, para alguns, o surgimento de duas disciplinas: "direito processual constitucional" e "direito constitucional processual"[22].
A primeira estaria relacionada à chamada "justiça constitucional"[23], isto é, uma nova concepção da jurisdição que busca dar efetividade à Constituição através do processo. O marco inicial desta disciplina estaria na obra de Kelsen e seus estudos sobre os meios processuais que garantiriam a efetividade da Constituição. Segundo Alcalá-Zamora y Castillo,[24] o processo constitucional possui, como antecedentes, de um lado,
la declaración judicial de ilegalidad de los reglamentos [a referência é à Lei de Organização Judicial española de 1870] (...) y, por otro, en la declaración de inconstitucionalidad de los Estados Unidos y de otros varios países americanos y en el recurso de amparo mexicano, bien entendido que (...) el derecho norteamericano desconoce la idea de una jurisdicción constitucional, que brota en la famosa Constitución austríaca de 1º de octubre de 1920, inspirada por Kelsen, a quien, por tanto, debemos considerar como fundador de esta rama procesal (…) y que transcendió al constitucionalismo de otros países, como España en 1931[25].
A segunda disciplina (direito constitucional processual) se relaciona ao que Fix-Zamudio chama de "constitucionalização da justiça", ou seja, o fenômeno da regulação constitucional das instituições.
O "direito processual constitucional" estuda os chamados "remédios constitucionais" (v.g., mandado de segurança, mandado de injunção, habeas corpus e habeas data), chamados de "jurisdição constitucional da liberdade" e a "jurisdição constitucional orgânica". Já o "direito processual constitucional" estuda, do ponto de vista do Direito Constitucional, os dispositivos (normas e princípios fundamentais) referentes ao processo, presentes nas Constituições. O grande referencial aqui, segundo FIX-ZAMUDIO é Couture[26].
Cattoni de Oliveira questiona a distinção que propõe a existência de duas disciplinas diferentes, já que todo Direito processual também é direito "constitucional" em nosso Ordenamento, uma vez que aquele se origina deste[27].
Assim, no Brasil e cada vez mais em toda parte, a Constituição estabelece um verdadeiro "modelo constitucional do processo", estruturante do Direito processual, que não pode ser desconsiderado, sob pena de inconstitucionalidade e até mesmo de descaracterização do instituto do processo enquanto tal (CATTONI DE OLIVEIRA, 2001, p. 212).
É importante assinalar as conseqüências disso: a partir do momento em que o Processo é visto como "Processo Constitucional", toda Justiça (e, pois, todo juiz/Tribunal) é Constitucional.
Quando se fala, hoje, pois, em Controle de Constitucionalidade como sinônimo de Jurisdição (ou Justiça) Constitucional, deve-se explicitar os supostos a partir dos quais são usados os termos[28]; principalmente se referido ao Brasil, onde todo e qualquer juiz está autorizado a deixar de aplicar uma lei que considere inconstitucional. De forma que "Jurisdição Constitucional" pode significar o mesmo que "Controle de Constitucionalidade" caso estejamos falando de sistemas de controle concentrado de normas (como o alemão): aí há uma jurisdição propriamente "constitucional" (executada exclusivamente por um "Tribunal Constitucional Federal" - Bundesverfassungsgericht) e outra "ordinária" (executada pelos demais juízes). Nesse sentido Fix-Zamudio[29] explica que a expressão "Jurisdição Constitucional" apenas se refere às atividades dos Tribunais Constitucionais, naqueles países nos quais aqueles decidem de forma exclusiva a questão do controle de constitucionalidade das leis. Já nos países que adotam controles políticos e os que conferem esse poder a juízes ordinários (como no Brasil), tal expressão não faria sentido.
O debate em torno do Processo constitucional ganha inúmeras nuances, não se resumindo tão somente à problemática do controle de constitucionalidade[30], mas, também se referindo ao necessário exercício de quaisquer poderes públicos e privados, servindo como pressuposto de participação e formação das decisões (provimentos).
Nessa tônica, o delineamento de uma perspectiva processual constitucional inicialmente concebida no marco do Estado Constitucional Social vocacionado ao reforço, especialmente após a segunda grande guerra, do papel do Poder Judiciário e na implementação de políticas públicas de ampliação do acesso à justiça, começa a ser problematizado em novos matizes com a crise do Welfare State e de uma reformulada concepção dos direitos fundamentais.
2. Alguns dilemas do acesso à justiça
Os mecanismos de acesso à Justiça, tão bem sintetizados no relatório do Projeto Firenze, dirigido por Cappelletti,[31] que deram a tônica de boa parte das reformas legislativas durante o final do século XX parece ter alcançado seu objetivo: trouxeram acesso. No entanto, com isso introduziram um problema, qual seja, o acesso defendido gerou o aumento exponencial de demandas e com esta a potencializaçao da questão em torno da celeridade. Assim, passa-se a uma nova fase: é preciso diminuir o acesso, primeiro aos Tribunais Superiores (v.g., com os mecanismos das Súmulas impeditivas de recursos, repercussão geral das questões constitucionais, [32] Súmulas Vinculantes etc.) e mais recentemente até ao primeiro grau (art. 285-A do CPC Brasileiro).
O próprio papel do Poder Judiciário necessita ser revisitado em face do aumento de sua participação em esferas políticas e da necessária contraposição entre vertentes ativistas e minimalistas (de auto-restrição) na aplicação do direito, porque tanto umas quanto outras não promovem adequadamente os direitos fundamentais porque partem ora das virtudes diferenciadas (e pessoais) dos magistrados,[33] ora acreditam numa neutralidade judicial mediante a objetivação dos conteúdos a serem aplicados.[34]
Como dito, o congestionamento dos tribunais tem ensejado a adoção de um grande número de medidas de restrição de acesso. Entretanto, a grande maioria dessas está sendo realizada sem respeitar as bases processuais constitucionais necessárias, que imporiam a busca de uma eficiência sem desrespeitar as garantias processuais constitucionais que asseguram a legitimidade da formação da decisão em uma renovada concepção do Estado Constitucional.
Nesse sentido, pode-se apontar uma coincidência nas várias reformas processuais que a America Latina vem sofrendo.
No final da década de 1980, os órgãos financeiros mundiais - FMI e Banco Mundial - pressionaram os países da América Latina a novas práticas de índole liberal.
Fora então proposto um conjunto de medidas, em novembro de 1989, por economistas de instituições financeiras baseadas em Washington (como o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos), fundamentadas num texto do economista John Williamsson, do "International Institute for Economy", de modo a implementar um "ajustamento macroeconômico" dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades.
Tal situação é sintetizada por Bandeira:
Solução viável não se percebia para o problema da dívida externa, com o qual os desinvestimentos conjugavam-se, devido a crescente fuga de capitais tanto estrangeiros quanto nacionais, carreando a estagnação econômica, em meio de incontrolável processo inflacionário. Essa crise, que começava a afetar seriamente os interesses dos Estados Unidos ao reduzir na América Latina a capacidade de importar e atender ao serviço da dívida externa, levou o Institute for International Economics a promover uma conferência, para a qual foram convidados economistas de oito países latino-americanos - Argentina, Brasil, Chile, México, Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia, com a finalidade de formular um diagnóstico e sugerir medidas de ajustamento para sua superação. Naquela oportunidade, o economista norte-americano John Williamson apresentou um documento, que continha dez propostas de reforma econômica sobre as quais havia amplo consenso em Washington, tanto entre os membros do Congresso e da Administração quanto entre os tecnocratas das instituições financeiras internacionais, agências econômicas do Governo norte-americano, Federal Reserve Board e think tanks. As propostas, visando a estabilização monetária e ao pleno restabelecimento das leis de mercado, consistiam em: 1 - disciplina fiscal; 2- mudanças das prioridades de gastos públicos; 3 - reforma tributária; 4 - taxas de juros positivas; 5 - taxas de câmbio de acordo com as leis de mercado; 6 - liberalização do comércio; 7 - fim das restrições aos investimentos estrangeiros; 8 - privatização das empresas estatais; 9- desregulamentação das atividades econômicas; 10- garantia dos direitos da propriedade (destacamos).[35]
Entretanto, um balanço dessas reformas processuais realizadas demonstra que elas foram pouco eficientes quanto aos objetivos de minorar o congestionamento judiciário. Mas, por que? A resposta de Bou i Novensà[36] é que políticas que não visem integrar, simultaneamente, reformas legais ao lado de aumento de mecanismos de acesso à jurisdição e de eficiência, terão muito poucas chances de êxito. Mais ainda, que a formulação destas políticas tem de contar com a participação e contribuição da sociedade civil organizada, não podendo ser tida como um assunto exclusivo de experts.[37]
Esse também é o diagnóstico de boa parte daqueles que têm se debruçado sobre as reformas judiciais na América Latina, como mostram Smulovitz e Urribarri:
Evaluaciones recientes del proceso de reforma judicial coinciden en señalar que éstas han enfrentado problemas que derivan de la inadecuación del diagnóstico acerca de los problemas que se debían atender (Hammergren, 1999 y 2004), de rumbos de acción contradictorios (Domingo y Seider, 2002), de información inadecuada e insuficiente respecto de qué era necesario reformar (Hammergren, 1999) así como de resistencias políticas y burocráticas que han impedido la implementación de las reformas.[38]
E ainda, Sorj e Martuccelli[39]:
los problemas del poder judicial son esencialmente ligados a una burocracia pública con dificultades para transformar "inputs" en "outputs", los análisis sobre su funcionamiento y las acciones públicas para remediar estas dificultades se concentraran en los cambios administrativos que podrían mejorar su desempeño (sobre todo medidas tendientes a disminuir la congestión judicial y el retraso en la resolución de las causas como, por ejemplo, el abandono del sistema inquisitivo y su reemplazo por un sistema acusatorio o semi-acusatorio) o bien reformas que propiciaron medidas tendientes a facilitar la representación legal pública. [40]
Cuarezma Terán, referindo-se às reformas judiciais na América Central, destaca que no:
contexto de este proceso complejo de reforma de la justicia, no debe sorprendernos que las reformas económicas, estructurales que se vienen llevando a cabo en muchos países en desarrollo impulsan a los de la región a abordar la reforma de la justicia como complemento necesario a la reforma económica y no como en lo que en realidad debe ser, un camino para el mejoramiento del Estado Social de Derecho y de la democracia y de mayor respeto para los derechos humanos (…). [Assim] la justicia, y particularmente la penal, que en su inicio postulaba como un requisito esencial para la promoción la tutela de los derechos humanos, comienza a verse en estrecha relación con el desarrollo económico, como un presupuesto para garantizar seguridad en la presencia de actores económicos y empresariales y promover las inversiones privadas nacionales y extranjeras.[41]
3. Os problemas de "eficiência" e a judicialização....

Ademais, necessitamos perceber "qual" eficiência se adéqua a uma concepção de processo-constitucional.
Segundo Taruffo,[42] há dois tipos de "eficiência" no sistema processual: uma primeira perspectiva de eficiência "quantitativa", se definiria em termos de velocidade dos procedimentos e redução de custos, na qual quanto mais barata e rápida a resolução dos conflitos, maior eficiência seria obtida, sendo a qualidade do sistema processual e de suas decisões um fator de menor importância .[43]
Uma segunda perspectiva de eficiência (qualitativa) seria aquela na qual um dos elementos principais de sua implementação passaria a ser a qualidade das decisões e de sua fundamentação e que conduziria à necessidade de técnicas processuais adequadas, corretas, justas, equânimes[44] e, completaríamos, democráticas para aplicação do direito.
No Brasil predomina aquela primeira perspectiva quanto à eficiência, é dizer, eficiência processual como celeridade e busca de alta produtividade judicial.

Não se pode ainda olvidar que a partir da década de 1990, os governos Collor e Fernando Henrique Cardoso colocaram em curso boa parcela das medidas do Consenso de Washington, entre elas, uma ampla privatização dos serviços públicos, contra a qual o Poder Judiciário não exerceu grandes controles.[45]
Desse modo, as medidas governamentais tiveram que adequar a leitura que se fazia do texto da Constituição de 1988, recém promulgada, de modo a impedir os direitos nela assegurados.
Assim, não seria conveniente o uso do aparato jurisdicional e do processo como instituto de participação e controle da função estatal e nem mesmo o intervencionismo judicial da teoria socializadora do processo.[46]
Devido à ligação que os modelos processuais possuem com a organização socioeconômica e, especialmente, política dos Estados modernos, a tendência implementada geraria efeitos na estruturação processual e na leitura do processo constitucional.
A "síndrome de privatização da cidadania" (Syndrom des staatsbürguerlichen Privatismus) e a intervenção ilegítima do mercado, aludidas por Habermas,[47] que conduz o cidadão a um papel clientelístico (apático) e periférico, contaminam o sistema jurídico brasileiro, em face das inúmeras intervenções.
Ademais, o modelo defendido deveria assegurar: a) uma uniformidade decisional que não levaria em consideração as peculiaridades do caso concreto, mas asseguraria alta produtividade decisória, de modo a assegurar critérios de excelência e de eficiência requeridos pelo mercado financeiro; e/ou b) a defesa da máxima sumarização da cognição que esvaziaria, de modo inconstitucional, a importância do contraditório e da estrutura comparticipativa processual que garantem procedimentos de cognição plena para o acertamento dos direitos.[48]
Ao lado dessa perspectiva econômica,[49] foram defendidas e implementadas reformas no processo que reduziriam sua função fiscalizadora e construtora dos provimentos jurisdicionais.
Analisam-se o sistema processual e seus institutos como se esses, seu dimensionamento e sua interpretação pudessem se resumir ao cumprimento de funções econômicas, dentro da tônica que, face à globalização, ocorreria a imposição de modelos jurídicos pelos sujeitos econômicos dominantes,[50] sem qualquer compromentimento com a busca de legitimidade de um Estado democrático de direito e com a compreensão adequada das bases do processo constitucional.
Constata-se que nos países latino-americanos a magistratura não estabelece um contrapeso "aos abusos de poder por parte do executivo e do legislativo"[51] e que os juízes não se encontram, freqüentemente, preparados para o exercício de seu múnus.[52]
Nesse contexto, apesar de se afirmar que as reformas são realizadas de acordo com os princípios processuais constitucionais e com a perspectiva constitucional democrática e/ou socializadora, verifica-se que o discurso de boa parcela da doutrina processual brasileira[53] se deixou contaminar por concepções funcionais e de eficácia que não se preocupam com o viés público e garantista do sistema processual constitucional.
E, mais, qualquer discurso garantista,[54] fruto de uma perspectiva democrática constitucional, é visto e desnaturado pelo discurso dominante, como a defesa de uma perspectiva formalista e burocratizante, como se um processo democrático que respeitasse toda a principiologia processual-constitucional também não pudesse ser célere e funcional[55].

Tal perspectiva de eficiência quantitativa permite a visualização do sistema processual tão somente sob a ótica da produtividade (art. 93, inc. II, alínea c, CRFB/88 com nova redação dada pela EC/45) e associa a figura pública do cidadão-jurisdicionado à de um mero espectador privado (consumidor) da "prestação jurisdicional", como se o poder-dever estatal representasse, e fosse, um mero aparato empresarial que devesse fornecer soluções (produtos e serviços) do modo mais rápido, à medida que os insumos (pretensões dos cidadãos) fossem apresentados (propostos).
O Judiciário não é visto prioritariamente como uma entidade que desempenha uma função estatal, mas, sim, como um mero órgão prestador de serviços. O conceito de racionalidade aqui presente é somente aquele instrumental, de custo-benefício.[56]
Perceba, no entanto, que o conceito contemporâneo de cidadania diz respeito a
[...] titularidade de direitos reciprocamente reconhecidos e que garantem através da institucionalização de procedimentos capazes de possibilitar a formação democrática da vontade coletiva, a formação imparcial de juízos de aplicação jurídico - normativa e execução de programas e de políticas públicas, sem impor-se um único modelo de vida boa, embora os mesmos devam garantir aos cidadãos, no exercício de sua autonomia pública, a possibilidade de realização de um projeto cooperativo de fixação de condições de vida recorrentemente mais justas.[57]

Não existe, nesses termos, a menor possibilidade de reduzir seu papel a de mero usuário de serviços.
A postura reducionista do papel do cidadão e a visão degenerada da atividade judiciária permitem o surgimento de entendimentos judiciais subjetivistas e particulares acerca da aplicação normativa (com o uso de jargões de fundamentação desprovidos de maior significado quando de sua aplicação, v.g., "proporcionalidade", "supremacia do interesse público", "dignidade da pessoa humana"), como se as decisões pudessem surgir de modo solitário e voluntarístico da cabeça de alguém.
O processo célere é entendido não como aquele que atende aos demais princípios processuais constitucionais dentro de um espaço-tempo suficiente para a implementação da participação de todos os envolvidos, mas, sim, aquele que termina o mais rápido possível na ótica de números.
Reformas que deveriam, na busca do acesso à Justiça, simplificar os procedimentos, vêm produzindo o aumento de sua complexidade, exigindo profissionais altamente "competentes", [58]contradizendo as próprias bases do movimento reformador.[59]
Sabe-se, que a defesa do reforço do poder judicial visa permitir que os cidadãos busquem respaldo do Estado-juiz na tentativa de obter direitos não garantidos pelo restante do aparato social devido a inoperância da administração pública.
Mas como se implementar tais direitos (fundamentais) sem a utilização de um aparato processual adequado ou, mesmo, enxergando-o como um entrave à sua obtenção?
O mais preocupante é que a lógica é demasiado perversa, uma vez que induz o próprio jurisdicionado a requerer uma geração de "produtos" (decisões jurisdicionais) em larga escala e em espaço-tempo quase inexistente, amalgamando ainda mais a concepção privatizante e pessoal do exercício da jurisdição.
O aumento da importância do Processo para o Direito Constitucional está intimamente relacionado com a mudança de paradigma quanto ao papel do Poder Judiciário: de mera bouche de la loi, no Estado Liberal e transição ao Estado de Bem-Estar[60], para agente "catalisador" de políticas públicas a partir do momento em que este entra em crise. De fato, a partir do momento em que a Administração Pública passa a redefinir suas funções, com o "encolhimento" do tamanho (e, logo, das prestações) do Estado - e, por outro lado, o Legislativo vem se mostrando incapaz de oferecer respostas rápidas aos inputs/interferências vindos da periferia[61] -, o Judiciário despontou como a grande caixa de ressonância dos anseios por "concretização" de direitos (e cumprimento das promessas previstas constitucionalmente)[62].
Um dos melhores exemplos desse tipo de atuação do Judiciário é a chamada "judicialização da saúde": diante da falta de remédios e/ou tratamentos no sistema público de saúde, avolumam-se no Judiciário ações pretendendo forçar o Estado à prestação desse direito social fundamental (arts. 6º e 196 da CR/88), que, como tal, tem aplicação imediata (art. 5º, §1º CR/88), o que, não necessariamente, significa o direito a prestações públicas positivas e imediatas do Estado.[63] Tais ações têm causado grande discussão no meio jurídico face, v.g., aos impactos que decisões individuais dadas nessas ações podem ter sobre o orçamento público e, logo, sobre a prestação global de saúde (além de casos de abusos e corrupção); além disso, há a grande discussão sobre os limites de atuação do Judiciário como "realizador de políticas públicas"[64].
Frente a isso o STF teve recentemente oportunidade de tratar da matéria em decisão monocrática às STA 178 e 244: munido de dados trazidos por Audiência Pública realizada perante o Tribunal em março de 2009, o Ministro Gilmar Mendes procurou estabelecer parâmetros para a questão: "O primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não, de política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte". Segundo o Ministro, verifica-se que, na maior parte dos casos submetidos ao Judiciário, o SUS já possui políticas públicas referentes ao que é pleiteado, logo, a questão estaria na omissão ou má prestação de protocolos já estabelecidos (e não de interferência judicial quanto à discricionariedade da Administração Pública) frente a um direito líquido e certo do administrado.
Outra é a situação quando "a prestação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do SUS", pois que aí o Judiciário deve avaliar se tal fato "decorre de uma omissão legislativa ou administrativa, de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou de uma vedação legal a sua dispensação"[65] (o que pode acontecer, e.g., quando certo remédio pleiteado não é reconhecido pela ANVISA, quando, salvo casos excepcionais, não pode o Estado ser compelido à prestação). Assim, o "segundo dado a ser considerado é a existência de motivação para o não fornecimento de determinada ação de saúde pelo SUS".[66]
A decisão ultrapassa os limites impostos em manifestação anterior do STF na ADPF 45[67] na qual o Ministro Celso de Mello colocou como parâmetros para a intervenção judicial a análise da "reserva do possível", do "mínimo existencial" e do "princípio da proporcionalidade". O precedente do Ministro Gilmar começa a perceber a necessidade de se "processualizar" a saúde, uma vez que exige a discussão das nuances do caso numa estrutura processual-constitucional:
Portanto, independentemente da hipótese levada à consideração do Poder Judiciário, as premissas analisadas deixam clara a necessidade de instrução das demandas de saúde para que não ocorra a produção padronizada de iniciais, contestações e sentenças, peças processuais que, muitas vezes, não contemplam as especificidades do caso concreto examinado, impedindo que o julgador concilie a dimensão subjetiva (individual e coletiva) com a dimensão objetiva do direito à saúde.[68]
A defesa de uma processualização como contraponto à judicialização conduziria à redefinição do papel do processo e dos próprios sujeitos processuais para além do dogma do protagonismo (das partes ou do juiz) inaugurando uma perspectiva comparticipativa, policêntrica e interdependente entre os atores sociais que participam da formação das decisões[69].

4. Devido Processo Legal


No atual estágio de desenvolvimento do processo constitucional um dos princípios que merece destaque é o do devido processo legal (due process of law - giusto processo).
O devido processo legal, segundo a doutrina, tem sua origem na Magna Carta inglesa, associado ao chamado "law of the land": "nullus liber homo capitur vel imprisonetur (...) nisi per legale judicium parium suorum vel per legem terrae".
Esta garantia, passada aos Estados Unidos - primeiramente constante de algumas Constituições das ex-colônias até ser consagrada na V e XIV[70] Emendas da Constituição Federal -, significou um grande avanço na dogmática processual, representando não mais propriamente o law of the land, mas os usos e modos de procedimento estabelecidos.
Tal é a importância da garantia do due process nos Estados Unidos, que assim afirma Lêda Boechat Rodrigues:
Nos Estados Unidos, praticamente até 1895, foi ela entendida nesse sentido estrito [de garantia processual e não material], com a única exceção do caso Dred Scott, julgado em 1857, nas vésperas da Guerra de Secessão. Dando à cláusula do 'due process', da 5a. Emenda Constitucional, o significado de direitos substantivos, declarou a Corte, pela segunda vez em sua história, a inconstitucionalidade de uma lei do Congresso: a seção 8ª do Missouri Compromise Act, de 1850, que proibira a escravidão nos territórios[71].
A partir do momento em que, ao lado de se configurar em uma garantia processual, passa a ser também uma garantia material, o due process impõe limites ao exercício dos poderes do Estado. O Judiciário não pode julgar e condenar alguém sem que a este sejam garantidos voz e meios para se defender. Doutro lado, o Legislativo (e o Executivo) não podem adotar medidas que venham a ferir o núcleo de direitos fundamentais do cidadão - nessa época circunscritos a direitos individuais contra a ingerência do Estado.
Após esse primeiro momento, vários paradigmas vão se suceder - o Estado é chamado a intervir e o elenco de direitos se amplia - contudo, a garantia do devido processo permanece em sua dupla dimensão.
Por outro lado, no período em que Earl Warren foi Chief Justice (1953-1969) houve um novo período de atuação positiva na Suprema Corte na afirmação do devido processo substantivo como resposta à luta pelos direitos civis. Foi durante a Corte de Warren que se decidiu Brown v. Board of Education of Topeka (1954) e também (sobre igualdade racial) McLaughlin v. Florida; Loving v. Virginia (1967) e Baker v. Carr (1961)[72].
Mesmo depois de sua saída em 1969 a Suprema Corte ainda teria pelo menos uma decisão ativista importante: Roe v. Wade (1973) quando o Tribunal definiu em que períodos da gravidez o aborto seria ou não tolerado. Este precedente, no entanto, não logrou manter a estabilidade esperada. Assim é que a Suprema Corte o relativizou ao decidir, em Casey v. Pennsylvania, que os Estados poderiam legislar opondo "exceções" aos princípios enunciados em Roe[73].
Desde os anos 1980 a Suprema Corte sofreu uma guinada conservadora, entendendo, por exemplo, que cabe aos Estados decidir questões relativas à "moralidade", como a pena de morte. Essa atitude conservadora tem também reforçado o federalismo em favor dos Estados.[74]
De fato, como mostra Michel Rosenfeld, a Suprema Corte dos Estados Unidos tem vivido uma virada no asseguramento do due process. Segundo ele,[75] no período 1998-1999, decisões extremamente divididas da Suprema Corte apontam "un recul de la protection des droits individuels", isto porque, estas decisões
ébranlent un principe essentiel du droit constitutionnel américain, considéré comme sacro-saint depuis le début du dix-neuvième siècle, à savoir qu'il est dans na nature même d'un droit constitutionnel individuel d'entraîner la possibilité de recourir à la justice s'il est violé.

Parcela da doutrina e o próprio Supremo Tribunal Federal brasileiro (STF) costumam afirmar que o devido processo legal em sua dimensão material oferta a base normativa para a aplicação do denominado princípio da proporcionalidade.
Tal princípio traria uma fórmula de controle do conteúdo das decisões (em geral), quando os princípios (vistos como bens ou valores) estivessem em conflito, buscando respeitar ao máximo o mais adequado e desrespeitando o mínimo o(s) outro(s) princípio(s) confrontante(s).
Devido à ausência de previsão expressa da proporcionalidade como princípio constitucional, o STF costuma afirmar que ele teria como uma de suas bases normativas o devido processo legal.[76]
Segundo os defensores da adoção do princípio da proporcionalidade,[77] este seria aplicado tomando por base a adequação e exigibilidade ao caso concreto. Isso quer dizer que na análise dos princípios deveriam se tomar por base os fins pretendidos pela(s) norma(s), escolhendo o meio mais idôneo exigível, que agredisse em menor grau os bens e valores constitucionalmente protegidos que estejam em colisão. Além disso, o meio a ser empregado deve ser o mais vantajoso entre aqueles em conflito, garantindo a manutenção mínima daqueles princípios agredidos (proporcionalidade em sentido estrito).
Porém, é de se discutir a viabilidade constitucional da aplicação do princípio da proporcionalidade para resolver possíveis concorrências entre princípios eis que a aproximação dos princípios aos valores retira deles o seu caráter deontológico e acaba por chancelar concepções ativistas dos magistrados, que passam a aplicar a normatividade de acordo com seus juízos (muitas vezes pessoais e subjetivos) de preferência. A defesa do devido processo substantivo permite, nessa ordem de ideias, que ao Judiciário seja dado fazer não apenas o controle da constitucionalidade das leis, mas também o controle das preferências do legislador, de acordo com que o Tribunal entenda ser ou não razoável, a partir de princípios que ele mesmo cria sem qualquer lastro normativo.
Isso não se traduz numa crítica tout court na utilização do substantive due process para o controle conteudístico das decisões, mas, desde que se respeite o próprio conteúdo normativo do princípio e a busca de uma real correção normativa do sistema a partir dos pressupostos extraídos de uma leitura dinâmica dos direitos fundamentais, e não das preferências do aplicador; o que implica a correta compreensão dos princípios como "codificações deontológicas" e não, axiologicamente, como "comandos de otimização"[78].
Habermas[79] procura mostrar que os princípios, como normas jurídicas, possuem um caráter obrigatório, codificado de forma binária (direito/não-direito, válido/inválido). Valores, ao invés, concorrem entre si. Ao contrário de serem "valores", "bens" ou "interesses" (ou de se moverem sob a mesma lógica destes), os princípios, tais quais as regras, são normas, portanto, contêm valores e, num caso concreto, ou são aplicados in totum ou não (por não serem "adequados"). Os princípios não se movem por critérios de preferência (relação custo-benefício) ou de "atratividade", mas de obrigatoriedade (normativa), logo, "não podem ser negociada a sua 'aplicação'"[80].
Logo, a diferença dos princípios face às regras consiste em que, num caso concreto onde haja conflito entre dois princípios válidos, a não aplicação de um não implica sua "eliminação" (dois princípios contrários podem coexistir num ordenamento), ao contrário das regras, onde apenas uma delas pode ser "válida". Não é, pois, que haja um verdadeiro conflito entre direitos. O Direito é formado por normas (válidas) que formam um sistema íntegro. Qualquer "conflito" será percebido apenas na aplicação e será sempre aparente, pois que, através de um juízo de adequabilidade, ver-se-á que apenas um deles era adequado e não o outro.[81]
Há de se pontuar ainda, um problema recorrente da aplicação do princípio do devido processo legal no âmbito do processo jurisdicional, eis que a situação de sua ofensa é concebida pelo STF, de modo recorrente, como uma hipótese de ofensa reflexa,[82] algo que impediria o correto e legítimo controle das decisões jurisdicionais. Felizmente começam a surgir precedentes que possibilitam a discussão da ofensa ao due process como hipótese de ofensa direta, como se pode ler abaixo:
PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL - NORMAS LEGAIS - CABIMENTO. A intangibilidade do preceito constitucional que assegura o devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da tese de que a ofensa à Carta da República suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo apreciar a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto do Diploma Maior, muito embora se torne necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito: o da legalidade e o do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais. (Destacamos) [83]

Considerações Finais


Nesse breve ensaio, explicou-se como a origem do Processo Constitucional veio suprir a lacuna gerada pela constitucionalização do processo, o que forçou a uma releitura nem sempre bem percebida pelos juristas. De fato, a observação de Mac-Gregor é particularmente precisa quanto ao Brasil, é dizer, a despeito da antiguidade das discussões sobre o processo constitucional e das disposições constitucionais sobre a temática, doutrina e jurisprudência, em sua maior parte, parecem ainda não terem atentado para as profundas consequências do fenômeno.
Isso é particularmente preocupante em um momento, como o que se vivencia, no qual, diante da inércia do Legislativo, reivindicações políticas cada vez mais "batem às portas" do Judiciário, o que aumenta seu papel no jogo político (e, com isso, expõe-no ao debate político). Com isso, ao invés de luta pelo acesso (tal qual vinha ocorrendo nas últimas décadas), verifica-se hoje no Brasil (como de resto, na América Latina) movimento contrário de reformas tendendo à restrição, seja a Tribunais Superiores, seja mesmo às instâncias ordinárias; reformas estas motivadas, no mais das vezes, por razões de natureza econômica (nem sempre coincidentes com as garantias constitucionais do processo).
Diante dos postulados do Processo Constitucional, os Tribunais devem ter em conta, ao proferir suas decisões, a atuação de todos os princípios constitucionais e as (possíveis) implicações de suas decisões. Não que os Tribunais devam (ou mesmo possam) decidir levando em conta desdobramentos (repercussões gerais) que sua decisão irá produzir para além das partes, mas sim que, de alguma forma, aquela contribui para o desenvolvimento da construção hermenêutica (no sentido apontado por Dworkin, do Direito), ou, como quer Häberle, de uma sociedade aberta de intérpretes da Constituição.
Considerando-se que no Brasil, todo juiz é constitucional (e, pois, também a jurisdição como um todo), a cada nova decisão os sujeitos do processo encontram-se diante da oportunidade de também contribuir para a "realização" dos preceitos constitucionais, reconstruindo os postulados e garantias previstos na Lei Maior. O compromisso para com a Constituição é dever de todo magistrado, seja qual for o processo (ou procedimento administrativo) que tiver diante de si.
Ademais há de se perceber que princípios processuais presentes na Constituição de 1988 assumem um papel fundamental, já que, em um Estado Democrático de Direito, não são mais concebidos como mero instrumento hermenêutico de preenchimento de lacunas, mas como normas, estando na base de qualquer teoria acerca da argumentação jurídica contemporânea; de forma que os princípios constitucionais do processo não estão à disposição do intérprete (legislador, administrador, juiz ou qualquer outro cidadão que toma para si a defesa de um direito fundamental violado) como se pudessem ser ou não aplicados (ou se sua aplicação pudesse se dar em "graus"). Todos eles têm, por força da Constituição, aplicação imediata (art. 5º, §1º - CR/88) e, caso não sejam observados, tornam nulas decisões que forem tomadas.
Percebe-se, pois, que os desafios da democratização processual e do seu processo constitucional ultrapassam, em muito, o mero estudo dogmático e passam a analisar o fenômeno processual sob uma ótica macro-estrutural que transborda o trabalho dos "operadores do direito" e passa a se tornar, ao mesmo tempo, a fonte e o dilema para uma cidadania participativa.
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[1] Tradução livre - FIX-ZAMUDIO, 1977, p. 318.
[2] ANDOLINA; VIGNERA, 1990.
[3] cf. MAC-GREGOR, 2008, p. 529-657.
[4] MAC-GREGOR, 2008, p. 537 e 2009.
[5] KLEIN, 1958, p. 15; BÜLOW, 2003; NUNES, 2008.
[6] BARACHO, 1980-82, p. 59.
[7] FIX-ZAMUDIO, 1977, p. 315.
[8] FIX-ZAMUDIO, p. 317. Para compreensão da importância do pensamento de Couture no desenvolvimento do estudo da ciência processual constitucional cf. MAC-GREGOR,2008, p. 597 et seq.
[9] FIX-ZAMUDIO, 1977, p. 318.
[10] PERLINGIERI, 2007.
[11] O fenômeno da "constitucionalização" do Direito ocorre, como lembra SARMENTO (2009), com a nova configuração das Constituições que surgem após a 2ª Guerra, quando elas deixam de ter um papel apenas inspirativo (isto é, não vinculante do legislador e, logo, não judicializável) e passam a conter um extenso catálogo de (novos) direitos fundamentais que reclamam a atuação do Estado, espraiando seu alcance por sobre todas as áreas do Direito. Diante do descumprimento de boa parte dos "programas" previstos nas Constituições, com a crise do Estado de Bem-Estar (principalmente em países subdesenvolvidos), cresce a importância do Poder Judiciário, o que irá importar "na adoção de novas técnicas e estilos hermenêuticos, ao lado da tradicional subsunção" . SARMENTO, 2009, p. 15. Cf. também BAHIA, 2004.
[12] Aqui não poderia deixar de fazer uma consideração: Os processualistas devem se abrir para os ganhos da teoria do direito, da Constituição e da filosofia. Essa afirmação não advoga o retorno a posturas conceitualistas próprias do inicio da ciência processual, mas, ao ver ainda, manifestações de "desprezo" aos avanços do constitucionalismo, da filosofia, da sociologia e, mesmo, das ciências gerenciais percebemos a repetição de posturas e preleções típicas dos praxistas (dos idos tempos) como se ao falar de processo nos reduzíssemos a falar de formas e formalidades de um mecanismo técnico neutro, ou pior, de um mecanismo aberto às concepções pessoais de cada aplicador.
[13] Como observa ALEXY, referindo-se especificamente à Constituição brasileira de 1988: "Os problemas de interpretação jurídico-fundamentais que aparecem em toda a parte são, por meio dessa regulação relativamente detalhada, abafados em parte ampla mas não eliminados; em alguns casos nascem até novos. Assim o artigo 5º, IV, declara a manifestação dos pensamentos como livre. Isso quer dizer que todas as manifestações de opinião são permitidas, também tais que violam a honra de outros e tais com conteúdo racista?" (1999, p. 63).
[14] cf. BARACHO, 1985, p. 60 e 2000, p. 13-14.
[15] NUNES, 2008, p. 88 et seq.
[16] As primeiras referências a escopos políticos, sociais e econômicos ao processo se encontram nas obras de Menger e Klein (cf. NUNES, 2008, p. 79 et seq.) Sobre a retomada dessas ideias na atualidade ver Dinamarco (2001).
[17] FIX-ZAMUDIO, 1977, p. 317.
[18] Já ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, 2000, p. 103-104 mostrava a dificuldade de se tentar enquadrar a jurisdição como pertencente ao direito processual ou ao constitucional. O autor inclusive lembrava que Couture, ao tratar dos "fundamentos do direito processual" não tratou da jurisdição, o que foi objeto de críticas no meio processual. Cf. também FIX-ZAMUDIO (1977, p. 317) e SANTOS, 1994.
[19] FIX-ZAMUDIO, 1977, p. 318.
[20] ANDOLINA E VIGNERA , 1990, p. 13.
[21] 1977, p. 320ss
[22] Cf. também CATTONI DE OLIVEIRA, (2001, p. 211 et seq.
[23] Noutro texto Fix-Zamudio (1968, p. 12) explica que o termo "Justiça Constitucional" corresponde ao que noutros países se denominou "judicial review", "processo (ou jurisdição) constitucional", "controle de constitucionalidade". Entretanto, entende mais adequado aquele outro termo, já que, filosoficamente, representaria melhor o estágio em que nos encontraríamos (à época), no qual as normas fundamentais trariam um caráter marcadamente axiológico (isto é, seriam "normas programáticas").
[24] ALACALÁ ZAMORA Y CASTILLO, 2000, p. 214-216
[25] FIX-ZAMUDIO (1977, p. 321) acrescenta a influência da obra de Kelsen sobre Constituições européias pós-2ª Guerra. Cf. também MARTÍNEZ ESTAY (2005b).
[26] Por influência de Couture, as "Primeiras Jornadas Latino-americanas de Direito Processual", ocorridas em 1957 (assim como as subsequentes) deliberaram, entre suas conclusões, vários temas referentes a "garantias constitucionais do processo" (cf. FIX-ZAMUDIO, 1977, p. 323-324).
[27] Anota também outra razão: para CATTONI DE OLIVEIRA (2001, p. 212), o meio ordinário de controle de constitucionalidade no Brasil é o difuso, o que faz com que em todo processo a "questão constitucional" esteja sempre presente. Nesse sentido também BAHIA (2005b). Em sentido contrário, e.g., MENDES (1998).
[28] Essa associação é recorrente no Brasil. Só para citar um exemplo, observe-se o título de um dos livros de MENDES (1998): "Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha".
[29] FIX ZAMUDIO, 1968, p. 207
[30] Mesmo a respeito do controle de constitucionalidade há que se observar a emergência do controle no nível de entidades supranacionais. É o caso da União européia, onde já se fala em um sistema comunitário de controle de "constitucionalidade". Cf. a respeito MARTÍNEZ ESTAY (2005a).
[31] CAPPELLETTI, 1978.
[32] Cf. THEODORO JÚNIOR; NUNES; BAHIA (2009).
[33] NALINI, 2006.
[34] SUNSTEIN, 1999.
[35] BANDEIRA, 2002, p. 135.
[36] BOU I NOVENSÀ, 2004.
[37] cf. BAHIA, 2007, p. 150.
[38] SMULOVITZ E URRIBARRI, 2008, p. 10.
[39] Cf. também Relatório do IFES, produzido por Henderson e Autheman (2003, p. 25-26).
[40] SORJ E MARTUCCELLI, 2008, p. 163.
[41] CUAREZMA TERÁN, 2004, P. 117-131.
[42] TARUFFO, 2008. p. 185 et seq.
[43] TARUFFO, 2008, p. 187.
[44] TARUFFO, 2008, p. 187-188.
[45] OLIVEIRA, 2005.
[46] NUNES, 2008.
[47] HABERMAS, 1994, p. 105.
[48] NUNES (2008). Na busca de eficiência e máxima rapidez procedimental o discurso de neoliberalismo processual permite a defesa da máxima sumarização cognitiva, com redução do espaço discursivo processual. Um dos possíveis frutos desse movimento se consubstancia na tentativa de introdução de nova técnica processual, por razões eminentemente pragmáticas, mediante um anteprojeto de reforma que visa introduzir a denominada estabilização da tutela antecipada derivada da référé-provision francesa (CADIET, 200, p. 564) e dos provvedimenti cautelares a contenuto antecipatorio dos art. 23 e 24 da normatização do rito societário italiano (D. legs. de 17 de janeiro de 2003, n.5) que permitirá, caso aprovada, a obtenção, em cognição sumaríssima, de antecipação de tutela em procedimento antecedente (Art.273 A, CPC, projetado), similar as cautelares preparatórias, que poderá obter a força de coisa julgada (art. 273 C, parágrafo único, projetado). O instituto, tipicamente neoliberal, distorce a tônica socializadora de nossa "antecipação" e fere de morte o modelo constitucional brasileiro que garante, como o italiano, um contraditório dinâmico implementado em procedimentos de cognição plena. Para uma visão crítica da questão na Itália cf. (LANFRANCHI; CARRATA, 2005). Não se pode ainda esquecer que nos moldes que o instituto brasileiro está sendo delineado, a decisão alcançará a autoridade da coisa julgada material, algo negado nos institutos de direito comparado.
[49] As colocações aqui realizadas somente visam demonstrar as deficiências de uma suposta atividade compensadora de desigualdades pelo juiz e não a de se realizar ou acatar posições de "Análise Econômica do Direito" (Economic Analysis of Law) típica do movimento do "Direito e Economia" (Law and Economics). Tais posições pragmatistas que buscam "moldar o direito para ajustá-lo às normas econômicas" (POSNER, 2007, p. 35), em perspectiva "instrumental" (POSNER, 2007, p. 40-43), e que almejam a "maximização da riqueza" através de uma intervenção judicial (POSNER, 2007, p. 477), que busca máxima eficiência com o fim de reduzir os custos sociais (POSNER, 2007, p. 483), são constitucionalmente inadequadas já que sua adoção implicaria o descumprimento dos objetivos assumidos por nosso Texto maior (art. 3º, CRFB/88).
[50] TARUFFO, 2002, p. 25
[51] DAKOLIAS, 1996, p. 10.
[52] "O ensino jurídico e o treinamento são fundamentais para a reforma do judiciário, incluindo treinamento para estudantes, educação continuada para advogados, treinamento jurídico para magistrados e informações legais para a população em geral. A qualidade dos cursos de direito tem se deteriorado e, conseqüentemente, existe a necessidade de aperfeiçoar o nível educacional universitário, bem como promover treinamento continuado para profissionais. Na maioria dos países da América Latina as universidades públicas não exigem requisitos para admissão onde cada estabelecimento educacional fixa seus próprios critérios. Devido a baixos salários, os professores de direito não trabalham em dedicação integral, e conseqüentemente, tem pouco tempo para se dedicar a pesquisa. Como resultado, freqüentemente os juízes não estão preparados para a magistratura" (DAKOLIAS, 1996, p. 13).
[53] De modo exemplificativo cf. as recentes defesas funcionais da constitucionalidade do art. 285 A, CPC: CAMBI (2006) e TESHEINER et al (2006).
[54] O termo "garantista" guarda aqui correlação com a defesa comparticipativa ligada a uma aplicação dinâmica dos princípios processuais constitucionais, nos moldes do marco téorico habermasiano adotado. Não existe qualquer filiação ou análise em perspectiva neopositivista ou de "positivismo crítico" com v. g. a de FERRAJOLI (2004, p. 270 et seq.).
[55] Até porque, a eliminação de garantias constitucionais do processo, ao invés de celeridade, gera potencialmente mais recursos, e, logo, maior atraso na solução da lide (cf. NUNES; BAHIA, 2009). A busca da democratização processual não negligencia os problemas pragmáticos do sistema jurídico brasileiro, como a diversidade de litigiosidades e a necessidade de se criar técnicas processuais idôneas e adaptadas para esta diversidade. Sobre isso conferir: THEODORO JUNIOR; NUNES; BAHIA (2009) e NUNES (2010).
[56] cf. BAHIA, 2009 e NUNES, 2008.
[57] CATTONI DE OLIVEIRA, 2007, p. 150.
[58] CHAUI, 2006, p. 30.
[59] V. g. verificar tão-somente as reformas do sistema recursal e executivo e as centenas de polêmicas em sua aplicação.
[60] FIX-ZAMUDIO (1968, p. 10 et seq.) lembra que as Constituições pós-2ª Guerra tratam de forma pormenorizada tanto dos Direitos Sociais quanto da chamada "Justiça Constitucional". A combinação desses dois elementos fez com que mais do que mera "racionalização do poder", esse constitucionalismo seja caracterizado por uma forte "corriente axiológica del Estado y del Derecho, que podemos calificar como justificación del poder", isto é, que os órgãos judiciais devem atuar de forma a estarem submetidos às "exigencias supremas de la justicia". Num outro texto, FIX-ZAMUDIO (1977, p. 319 et seq.) referindo-se às mudanças do Poder estatal passando do Estado Liberal para o Estado de Bem-Estar. Este seria um Estado da Justiça (a referência é Perticone), "es decir, el Estado de Derecho en el cual la mera legalidad formal puede ser sustituida o acompañada de consideraciones sobre el contenido, apoyadas no en valores del individuo aislado, sino en los de la persona asociada, los cuales pueden constituirse en un orden basado en la solidaridad" (FIX-ZAMUDIO, 1977, p. 320); o que gera duas implicações: submeter os órgãos do Estado à Justiça (ou melhor, ao processo) e, por outro, é preciso "otorgar poder a la justicia, es decir, darle efectividad y hacerla accesible a los gobernados, con apoyo en uno de los derechos humanos más importantes de nuestra época, o sea el derecho a la justicia o a la jurisdicción" (FIX-ZAMUDIO, 1977, p. 320). Tais afirmacoes devem ser relidas na atualidade com parcimonia haja vista alguns frutos nefastos do ativismo e protagonismo judicial em alguns exemplos de sua implementacao, tais como, o ativismo da magistratura alema a partir da Segunda grande Guerra ou os modelos socialistas de processo.
[61] Cf. BAHIA, 2005a; SIMIONI, 2008.
[62] Cf. GARAPÓN, 2001.
[63] CANOTILHO, 2004.
[64] Tal temática está intimamente ligada com a questão da litigiosidade coletiva e repetitiva (serial) que vem clamando pela construção de uma dogmática própria. Cf. CUNHA, 2010 e NUNES, 2010.
[65] BRASIL, STF, 2009.
[66] BRASIL, STF, 2009.
[67] BRASIL, STF, 2004.
[68] BRASIL, STF, 2009.
[69] Em relação à defesa da processualização, cf. NUNES, 2008, CATTONI DE OLIVEIRA, 2008, STRECK, 2009 e BAHIA, 2009.
[70] Sobre a importância que teve nos Estados Unidos as Reconstruction Amendments (como a citada XIV), ver BARACHO, 1999b.
[71] RODRIGUES, 1958, p. 92. Ver também BARACHO, 1999a, p. 97-98 e SLERCA, 2002.
[72] cf. BARACHO JR., 2003, p. 325. O autor ainda cita alguns outros casos importantes do período: "Sobre os direitos dos acusados em processos criminais, a Corte decidiu, em Mapp v. Ohio, que as provas obtidas ilegalmente pelo Estado não podem ser usadas em julgamentos. Em Escobedo v. Illinois [1964] a corte assegurou aos acusados o direito de consultar um advogado. Em Miranda v. Arizona [1966] a corte assegurou que os suspeitos sejam avisados de seus direitos antes de serem interrogados. Em Gideon v. Wainwright [1963] a corte assegurou um advogado aos indigentes, quando a acusação possa acarretar-lhes a prisão" (BARACHO JR., 2003, p. 325).
[73] Com isso a Corte também suplantou outro precedente sobre o tema também do ano de 1973, Doe v. Bolton, em que se proibira aos Estados estabelecer normas restritivas ao aborto (cf. BARACHO JR., 2003, p. 326-327 e VIEIRA, 2002, p. 85 et seq.).
[74] BARACHO JR., 2003, p. 328-329.
[75] ROSENFELD, 2000, p. 1329.
[76] O Supremo Tribunal Federal possui vários precedentes definindo como uma das bases normativas da aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, no Direito brasileiro, o devido processo legal em sua dimensão material (substantive due processo of law) como mecanismo de controle de legitimidade do conteúdo das decisões. Conferir: (BRASIL, STF, Rel. Min. Celso de Mello, RE 374.981/RS, 2005)
[77] Informa-se, no entanto, que os autores da presente obra não acreditam no aludido princípio para a promoção de um controle do conteúdo das decisões, eis que existem teorias hermenêuticas que permitem a formação procedimental das decisões, que não necessitam, como na teoria da proporcionalidade, de se utilizar de uma visão dos princípios como valores ou bens ponderáveis, além de outras razões.
[78] Habermas mostra que não se trata de um mero "jogo de palavras", mas que, ao contrário, o que se discute aqui é o respeito às diferentes formas de vida, de forma que as decisões judiciais não podem ser "decisões axiológicas" (i.é., fundadas em valores), já que, ao fazer prevalecer um valor em detrimento de outros, se privilegia uma forma de vida excluindo (ou ao menos subjugando) outras. "A diferença entre o modelo de princípios e o de valores evidencia-se no fato de que é apenas em um caso único que se mantém o ponto de referência de uma reivindicação à validade "incondicionada" ou codificada de forma binária: as proposições normativas gerais empregadas (entre outras) pelo tribunal para a justificação de uma sentença (singular) valem aqui como razões cuja tarefa é autorizar-nos a considerar correta a decisão que se dê ao caso. Se por outro lado, as normas justificadoras forem entendidas como valores que se trazem ad hoc para dentro de uma ordem transitiva por uma eventualidade qualquer, então a sentença resulta de uma ponderação de bens. Logo, a sentença é ela mesma uma sentença de valor e reflete de maneira mais ou menos adequada uma forma de vida que se articula no âmbito de uma ordem concreta de valores" (HABERMAS, 2002, p. 357).
[79] HABERMAS, 2002, p. 355 et seq.
[80] CATTONI DE OLIVEIRA, 2002, p. 90. Caso fossem movidos por critérios de preferência, a normatividade da Constituição, por exemplo, estaria à disposição da valoração dos juízes, o que implicaria uma situação de perigo para a mesma e para os direitos nela garantidos (cf. SAMPAIO, 2002, p. 69). Cf. também Habermas (1998, p. 328). Em sentido semelhante podemos também afirmar, a partir de categorias estabelecidas por R. Dworkin (2001, p. 101), que Alexy, a despeito de pretender diferenciar as regras e os princípios, acaba confundindo estes com as "diretrizes políticas", isto é, desdiferenciar entre estas normas (que prescrevem que direitos os cidadãos possuem num determinado sistema constitucional) e as "políticas" públicas (que tratam de como promover melhor o bem-estar geral). Segundo ainda Dworkin (2001, p. 107), o processo legislativo se move em torno de questões de "política" (discursos de justificação). No entanto, ao ser levantada em juízo (discurso de aplicação) o é como uma questão de princípio, isto é, de direitos, não de "políticas".
[81] cf. GÜNTHER, 1993; BAHIA, 2004.
[82] "O Supremo Tribunal Federal deixou assentado que, em regra, as alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da "prestação jurisdicional" podem configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição, circunstância essa que impede a utilização do recurso extraordinário. Precedentes". (BRASIL, STF, 2a T., AgRAI 360.265, Rel. Celso de Mello, 2002). No mesmo sentido: "[...] esta Corte firmou entendimento no sentido de que, em regra, a análise da ofensa aos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal ensejaria o exame da legislação infraconstitucional. A ofensa à Constituição Federal, se existente, seria reflexa". (BRASIL, STF, RE 405321/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2005). "A violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa não dispensa o exame da matéria sob o ponto de vista processual, o que caracteriza ofensa reflexa à Constituição e inviabiliza o recurso extraordinário" (BRASIL, STF, 1ªT, RE-AgR 491923/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2006). Sobre o tema ver BAHIA, Alexandre. Interesse Público e Interesse Privado nos Recursos Extraordinários. Cit., p. 96 et seq.
[83] BRASIL, STF, 1ª T, RE 428.991/RS, j. 26/08/2008, p. DJe n.206, 30/10/208.

domingo, 15 de julho de 2012

ENTREVISTA COM O PRESIDENTE DO TST - "Tudo mudou, exceto a legislação trabalhista"

"Tudo mudou, exceto a legislação trabalhista"

A Petrobras é a estatal que mais resiste a pagar ações ganhas pelos trabalhadores. A afirmação é do presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro João Oreste Dalazen. Em entrevista ao jornal O Globo, publicada neste domingo (15/7), ele revela-se frustrado com o “imobilismo” do Estado, que “se volta contra o próprio Estado sob a forma de milhões de ações trabalhistas”.
Na conversa, ele defendeu a revisão da CLT. “Primeiro, porque é uma regulação rígida e fundada na lei federal, que praticamente engessa toda relação entre patrão e empregado; segundo, é excessivamente detalhista e confusa, o que gera insegurança jurídica, e, inevitavelmente, descumprimento, favorecendo o aumento de ações na Justiça; e terceiro, está cheia de lacunas. O mundo e a sociedade evoluíram”, disse.
“A legislação penal brasileira está em descompasso com o conceito universal de trabalho escravo, que considera como tal os casos em que o trabalhador tem sua liberdade de ir e vir comprometida por força de uma opressão física ou psicológica. Isso deve ser punido de forma severa. Não conheço um caso de condenação criminal por trabalho forçado no Brasil”, critica.
Leia a entrevista completa:
Como o senhor avalia a legislação trabalhista diante dos gargalos estruturais que o país enfrenta?João Oreste Dalazen: A CLT cumpriu um papel importantíssimo no período em que foi editada, na década de 40 do século passado, na transposição de uma sociedade agrícola e até escravocrata para o nível industrial. Mas hoje deixa muito a desejar. Primeiro, porque é uma regulação rígida e fundada na lei federal, que praticamente engessa toda relação entre patrão e empregado; segundo, é excessivamente detalhista e confusa, o que gera insegurança jurídica, e, inevitavelmente, descumprimento, favorecendo o aumento de ações na Justiça; e terceiro, está cheia de lacunas. O mundo e a sociedade evoluíram. Tudo mudou, exceto a legislação trabalhista.
O que falta na CLT?Dalazen: Nós nos ressentimos de leis sobre terceirização, despedida em massa ou coletiva, de lei federal sobre assédio moral e sexual. De uma lei que adote no país novos tipos de contratos trabalho. Na Espanha, há o trabalho autônomo economicamente dependente de outro. É uma forma de prestação de trabalho em que não há vínculo empregatício, mas tem direitos específicos em função da forma como o serviço é prestado. Podíamos pensar na adoção de outros tipos de contrato como uma forma de inclusão no mercado de trabalho de milhões de trabalhadores informais.
Quais pontos da CLT precisam ser alterados?Dalazen: A CLT é minudente, como na fixação de uma hora noturna reduzida. Das 22h às 5h, você não trabalha sete horas, mas oito, porque a hora noturna é de 52,5 minutos. Outro dispositivo, que trata da função de confiança bancária, é um dos maiores fatores de litígio entre bancários e bancos. A jornada normal do bancário é de seis horas, mas esse dispositivo diz que se ele for designado para uma função de chefia a jornada passa a ser de oito horas, sem direto a hora extra, com uma gratificação de função. Há designação fraudulenta de bancários para exercer função de confiança, que, na prática, não se demonstra. Ele é chefe de si mesmo.
Qual sua avaliação sobre o projeto de flexibilização da CLT sugerido pelo Sindicato do ABC e defendido pela CUT?
Dalazen: Essa proposta me entusiasma. O que se quer é regulamentar o comitê sindical de empresa, que é a antiga comissão de fábrica, ou seja, a representação dos empregados pelo local de trabalho. Permitir que, no próprio local de trabalho, haja eleição direta de representantes dos empregados e que ali se inicie e se trave, diariamente, uma negociação válida sobre direitos trabalhistas. É uma forma de agilizar a solução dos conflitos, diminuir a litigiosidade e atenuar o rigor da CLT, que gera hoje situações desconcertantes.
Que tipo de situações?
Dalazen: Empresas e sindicatos não podem negociar o fracionamento das férias em três pagamentos; não podem negociar a redução do intervalo do descanso do almoço para 45 minutos e, em contrapartida, encerrar o expediente 15 minutos antes. As empresas ficam sujeitas a multa e pagamento de hora extra caso o empregado reclame na Justiça. Esses acordos não têm validade porque a CLT teima em afirmar que só por autorização do ministro do Trabalho se pode reduzir o intervalo entre as jornadas.
A exigência do ponto eletrônico pelo Ministério do Trabalho é um avanço ou um retrocesso?Dalazen: Em alguns casos, o ponto eletrônico é impraticável, tanto que houve sucessivos adiamentos na vigência da portaria do Ministério do Trabalho para esse fim. É mais um entrave para o funcionamento das empresas. Claro que se faz necessário, de alguma forma, um controle de ponto para se saber qual foi a jornada prestada pelos empregados. É do interesse dos empregados e das empresas. Agora, a forma de fazer esse controle tem que ser estudada de maneira mais adequada.
Porque é tão difícil mexer na CLT?Dalazen: Quando se fala na reforma trabalhista, pensa-se em pôr abaixo toda legislação, como se tudo fosse inútil e pernicioso. Não, a regulação das leis do trabalho tem que ter um cunho protecionista por natureza, porque é da índole do direito do trabalho, mas não exclusivamente protecionista, como é hoje. É preciso que se abra campo para uma negociação entre o capital e o trabalho. De imediato, além de suprirmos as lacunas, pois em vários pontos a legislação é omissa, deveríamos revisar e atualizar a CLT para permitir, pelo menos, uma ampliação da autonomia dos sindicatos para negociar com as empresas sob determinadas condições. Eles são os interlocutores que melhor conhecem a realidade econômica e social e poderiam fixar normas apropriadas e adequadas para determinados segmentos.
O governo pode ser forçado a mexer na CLT?Dalazen: O que se vê hoje é esse imobilismo do Estado em promover a reforma voltar-se contra o próprio Estado sob a forma de milhões de novas ações trabalhistas a cada ano, que só oneram a máquina pública. À medida que se propõe novas ações, faz-se necessário o crescimento no número de cargos e salários para juízes e servidores, prédios, varas, tribunais. Não surpreende que o Brasil seja o campeão mundial em processos trabalhistas. Só no ano passado, a Justiça recebeu 2,15 milhões de novos processos. Esse modelo já se esgotou e mostrou-se insatisfatório.
Na falta de iniciativa do Executivo, o que o TST pode fazer? Dalazen: O Tribunal vai suspender os julgamentos por uma semana em setembro para rever várias jurisprudências e propor projetos de lei para tornar aJustiça do Trabalho mais eficiente e rápida. Dentro dos assuntos a serem reexaminados está a questão do teletrabalho.
Por que menos de um terço dos trabalhadores que ganham ações trabalhistas na Justiça consegue receber? Dalazen: Uma das causas é a legislação processual trabalhista, da década de 40, que, como a CLT, é inadequada, anacrônica e ineficiente. O TST apresentou ao Congresso um projeto que adota meios de coerção mais enérgicos para a cobrança do crédito trabalhista. Por exemplo, estabelece multa para o empresário que não cumprir a decisão no prazo fixado por lei (como já previsto no processo civil); possibilidade mais ampla de execução na pendência de um recurso; e o parcelamento do pagamento de dívida. Hoje, só pode parcelar se fizer acordo.
Na lista dos maiores devedores do TST, as estatais estão no topo. Por quê?Dalazen: Há uma resistência injustificada de certos devedores no cumprimento das sentenças trabalhistas definitivas, em especial de algumas estatais, principalmente a Petrobras. A empresa é uma das que mais resistem ao pagamento de dívidas trabalhistas, além de ser uma das que mais interpõem recursos. Há execução trabalhista da Petrobras que se iniciou em 1980 e ainda tramita na Justiça. São 660 execuções da estatal iniciadas há mais de dez anos. Esses dados indicam que, no fundo, a União é o seu próprio tormento: por que uma empresa do porte e prestígio da Petro-bras mantém essa postura de exacerbado amor à litigiosida-de? Isso vem em detrimento da própria União, que suporta todos os encargos de custear uma máquina pesada como a da Justiça do Trabalho só para dar satisfação ao crédito. Para não falar na frustração de um credor que aguarda décadas para receber de uma empresa estatal, que deveria dar o exemplo.
Como o senhor vê a atuação do Estado contra o trabalho infantil? Dalazen: O Brasil se comprometeu internacionalmente a erradicar o trabalho infantil até 2020. Mas, apesar de termos observado uma pequena queda no número de trabalhadores infantis e jovens (entre 10 e 17 anos), de aproximadamente 13%, houve um significativo aumento na faixa dos 10 aos 13 anos. São cerca de quatro milhões de crianças e adolescentes que prestam serviço, em geral informal, perigoso ou insalubre, quando não criminoso. Recebi ano passado uma denúncia de que, em Minas Gerais, indústrias de cerâmica obtiveram autorização, por alvará da Justiça estadual, para o trabalho infantil. São deferimentos equivocados, contrariam a lei, compromissos internacionais, usurpando uma competência da Justiça do Trabalho.
O que deveria ser feito? Dalazen: É necessário que o Ministério do Trabalho reveja uma portaria em que franqueia, de forma excessiva, o trabalho de menores aprendizes. Por exemplo, considera-se menor aprendiz cortador de cana-de-açúcar e empacotador de supermercado. É uma infeliz diretriz abraçada pelo ministério. Também espero que o STJ equacione o conflito de competência entre a Justiça estadual e a Justiça do Trabalho.
Uma das críticas da OIT ao Brasil é que o país não pune trabalho escravo... Dalazen: No Brasil, a lei penal é inadequada para a responsabilização dos infratores. Falta clareza, também, ao qualificar como crime de condição análoga à escravidão a submissão do empregado a uma jornada exaustiva ou em situação degradante. A legislação penal brasileira está em descompasso com o conceito universal de trabalho escravo, que considera como tal os casos em que o trabalhador tem sua liberdade de ir e vir comprometida por força de uma opressão física ou psicológica. Isso deve ser punido de forma severa. Não conheço um caso de condenação criminal por trabalho forçado no Brasil. O Executivo pode e deve resolver essa questão. Há um projeto de lei antigo, já aprovado no Senado, que está na Câmara, que resolve essa questão, extirpando do conceito de trabalho escravo a ideia de jornada exaustiva e em condições degradantes.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 15 de julho de 2012

quinta-feira, 12 de julho de 2012

GLOBALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

Globalização dos movimentos sociais: a resposta social à Globalização Corporativa Neoliberal

Social movement globalization: the social response to Corporate Neoliberal Globalization


Guilherme Franco Netto
Funasa. guilherme.netto@funasa.gov.br


A tese central do artigo "A globalização dos movimentos sociais: resposta social à Globalização Corporativa Neoliberal", de autoria de Carlos Eduardo Siqueira, Hermano Castro e Tânia Araújo, é que, em resposta aos diversos impactos negativos da Globalização Corporativa Neoliberal, apresentada como o modelo hegemônico do capitalismo no final do século 20, os movimentos sociais internacionais têm tecido uma nova forma de luta, por meio da construção de redes, que coordenam e conduzem as suas ações via internet.
A Globalização Corporativa Neoliberal é caracterizada, de acordo com a revisão bibliográfica realizada pelos autores, como uma forma particular de capitalismo, onde, a partir do Consenso de Washington, a tese do Estado de Bem-Estar Social foi abandonada pelos países do Primeiro Mundo e pelos organismos financiadores internacionais, apresentando-se como alternativa um conjunto de princípios de reordenamento do mercado, caracterizado pela necessidade de estabilização das economias e do controle inflacionário; reformas estruturais do Estado, incluindo a sua redução e a privatização; e abertura da economia. A isso, soma-se uma nova onda de aprimoramento tecnológico, tendo como base a microeletrônica e o microprocessamento, determinando profundos impactos, principalmente nas áreas de informação, transporte e telecomunicações, possibilitando a automação e a flexibilização da produção, facilitando, por seu turno, a intensificação da concentração global do poder e do capital.
Os autores evidenciam que este modelo foi aplicado em quase toda a América Latina e África, e em menor grau na Ásia, gerando diversos impactos negativos no ambiente, na economia, na vida social e na saúde. Interessante observar que considerando a relação dos "indicadores" negativos apresentados pelos autores: poluição ambiental; expansão da pobreza e da desigualdade; enfraquecimento das relações trabalhistas; ciranda especulativa do mercado financeiro; e, erosão da democracia, a deterioração de alguns destes foi extremamente evidente em nosso país ao longo das últimas duas décadas. Entretanto, vale destacar que alguns outros graves problemas mundiais, embora não citados pelos autores, devam ser considerados como resultantes da Globalização Corporativa Neoliberal, em particular a violência social urbana, que no Brasil, como exemplo, é responsável por grande parte da mortalidade, principalmente entre homens jovens.
Como resposta a esse estado de coisas, os autores apresentam uma breve discussão sobre as bases filosóficas e teóricas que explicam a "construção" das redes mundiais de movimentos sociais antiglobalização, que são redes anti-hegemônicas à Globalização Corporativa Neoliberal, que coordenam e conduzem ações via internet. Citam como exemplos de êxito desta forma de ação o Fórum Social Mundial, nas suas três versões – cujo lema é "Um outro mundo é possível" – bem como o que se caracterizou como a Revolta dos Zapatistas e a Batalha de Seattle.
Identificam que essas redes têm algumas características comuns, tais como a organização policêntrica; flexibilidade, fluidez e autonomia – aqui também incluiria a volatilidade, uma vez que podem ser fenômenos temporais, não necessariamente contínuos; táticas foquistas; desafiadoras de limites geopolíticos e de legalidade; e apresentam tipologias variadas. São também discutidos potenciais mecanismos de avaliação dessas redes.
Ao indagar a natureza dessas redes, ou seja, a favor do que elas se mobilizam, os autores apresentam alguns princípios ou eixos agregadores, os quais aqui estão parcialmente modificados: 1) direitos humanos, ambientais e sociais; 2) fortalecimento da democracia representativa e participativa; 3) equidade (por uma nova ordem econômica internacional); 4) sustentabilidade socioecológica; 5) prosperidade como resultado da satisfação das necessidades humanas e ambientais, e 6) controle da especulação e da ganância do capital.
Carlos Eduardo Siqueira, Hermano Castro e Tânia Araújo concluem o artigo destacando que a humanidade caminhará nas próximas décadas dependendo do resultado do embate entre esses dois grandes blocos de força, a Globalização Corporativa Neoliberal e as Redes Mundiais de Movimentos Sociais Anti-Globalização. Entretanto, também afirmam que, acerca do Fórum Social Mundial, ainda é cedo, no entanto, para avaliar até que ponto esta praça (o Fórum Social Mundial) permitirá a construção de plataformas comuns de luta e unidade entre setores sociais e grupos políticos com propostas político-ideológicas distintas e muitas vezes divergentes.
Considero o artigo sob debate uma excelente oportunidade para que os leitores de Ciência & Saúde Coletiva possamos identificar subsídios para compreender o contexto no qual essas redes estão sendo germinadas e construídas, bem como investigar suas naturezas e objetivos.
Por fim, o artigo suscitou-me a curiosidade de refletir se, no processo de construção, consolidação e ampliação da reforma sanitária brasileira, temos, de alguma forma, construído vínculo com essas redes. Se sim, onde e como? Se não, por quê?

Disponível em: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232003000400004&lang=pt

quarta-feira, 11 de julho de 2012

PRAZO PARA IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA SE INICIA DO DEPÓSITO JUDICIAL, INDEPENDENTE DE INTIMAÇÃO

Prazo para impugnação ao cumprimento de sentença se inicia do depósito judicial, independente de intimação

O prazo de 15 dias para o devedor contestar o cumprimento de sentença conta a partir do depósito judicial do valor objeto da execução. A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que o depósito realizado pelo próprio executado (devedor) “é prova contundente de que foi atingido o fim almejado pela norma que determina a intimação da penhora, qual seja, a ciência do devedor para, se quisesse, manifestar seu inconformismo”.
O relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, explicou que a realização do depósito judicial do valor da execução proposta é uma espécie de “penhora automática”, independente da lavratura do respectivo termo e consequente intimação. O prazo para a apresentação de impugnação ao cumprimento de sentença se inicia a partir de então.
“O dinheiro é o bem que se encontra em primeiro lugar na lista de preferência do artigo 655 do CPC e, quando depositado para garantia do juízo, não expõe o credor a vicissitudes que justifiquem eventual recusa da nomeação”, ainda esclareceu o relator.
No recurso levado a julgamento na Quarta Turma, um escritório de advocacia ajuizou ação de execução referente à verba de sucumbência obtida em ação de indenização proposta por um cliente seu. No curso da execução, após a determinação de realização de penhora on line, a empresa executada requereu a substituição do bloqueio on line pelo depósito judicial, o que foi autorizado.
O prazo para ajuizamento de embargos à execução passou sem que houvesse manifestação da empresa e o juízo determinou o desbloqueio das contas. Foi então que a empresa apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, alegando que deveria ter sido intimada, de acordo com a Lei 11.232/2005, vigente à época do depósito (30 de junho de 2006). O juízo recebeu a impugnação no efeito suspensivo.
O escritório recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que manteve o efeito, porque haveria, no seu entender, dano irreparável. Para o tribunal paulista, “o prazo [para impugnação] deverá ser contado a partir da efetiva intimação do devedor”.
No STJ, a Quarta Turma proveu o recurso do escritório de advocacia. A impugnação da empresa foi, portanto, considerada intempestiva.

Fonte: STJ

domingo, 8 de julho de 2012

ESPECIAL SOBRE PLÁGIO: QUANDO A CÓPIA VIRA CRIME


ESPECIAL
Plágio: quando a cópia vira crime
Copiar de um autor é plágio; copiar de vários é pesquisa, criticou uma vez o cronista e dramaturgo estadunidense Wilson Mizner. Roubar uma ideia é como roubar um bem e o novo Código Penal (CP), em discussão no Congresso Nacional, deve endurecer as punições contra ofensas ao direito autoral, inclusive criando um tipo penal para o plágio.

O ministro Gilson Dipp, presidente da comissão que elaborou a proposta do novo código, afirmou que o objetivo é evitar a utilização indevida de obra intelectual de outro para induzir terceiros a erro e gerar danos. “O direito autoral estará melhor protegido com esses novos tipos penais e com a nova redação do que está hoje na lei vigente”, avaliou. O novo tipo define o delito como “apresentar, utilizar ou reivindicar publicamente, como própria, obra ou trabalho intelectual de outrem, no todo ou em parte”.

Atualmente, a legislação não oferece critérios específicos para definir juridicamente o plágio, e sua caracterização varia conforme a obra – músicas, literatura, trabalhos científicos etc. O tema é tratado principalmente na esfera civil ou enquadrado como crime contra o direito autoral, como descrito no artigo 184 do Código Penal, alterado pela Lei 10.695/03. O professor Paulo Sérgio Lacerda Beirão, diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde e presidente da Comissão de Integridade e Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), destaca que a própria definição do plágio tem mudado ao longo da história, confundindo-se com a inspiração.

“Por exemplo, o dramaturgo inglês Willian Shakespeare foi acusado de ter plagiado Romeu e Julieta de outro autor. Na verdade, na época, haveria cinco versões diferentes do drama, com pequenas alterações e novos personagens, sendo uma prática comum na época”, contou. Outro escritor clássico, o espanhol Miguel de Cervantes, autor de Dom Quixote de La Mancha, chegou a escrever ao rei da Espanha contra as cópias e versões que sua obra sofria.

Segundo o professor, se o caso de Shakespeare ocorresse nos dias de hoje, provavelmente acabaria nos tribunais.

Música
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem tratado dessa temática em alguns julgamentos que envolvem personalidades artísticas conhecidas. É o caso do Agravo de Instrumento (Ag) 503.774, no qual foi mantida a condenação de Roberto Carlos e Erasmo Carlos por plágio de obra do compositor Sebastião Braga. A Justiça fluminense considerou que a música O Careta, supostamente composta pela dupla da Jovem Guarda, repetiria os dez primeiros compassos da canção Loucura de Amor, de Braga, evidenciando a cópia. A decisão foi mantida, em 2003, pelo ministro Ruy Rosado, então integrante da Quarta Turma do STJ.

Já o Recurso Especial (REsp) 732.482 dizia respeito a processo em que o cantor cearense Fagner foi condenado a indenizar os filhos do compositor Hekel Tavares, criador da música Você. Fagner adaptou a obra, denominando-a Penas do Tié, porém não citou a autoria. No recurso ao STJ, julgado em 2006, a defesa do cantor afirmou que não havia mais possibilidade de processá-lo, pois o prazo para ajuizamento da ação já estaria prescrito, e alegou que o plágio da música não foi comprovado.

Porém, a Quarta Turma entendeu, em decisão unânime, que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que examinou as provas do processo, tratou exaustivamente da questão da autoria, constatando a semelhança da letra e musicalidade, devendo Fagner indenizar os herdeiros do autor. A Turma determinou apenas que o TJRJ definisse os parâmetros da indenização.

Televisão
Empresas também disputam a exclusividade de produções televisivas, como na querela entre a TV Globo, detentora dos direitos do Big Brother Brasil, e o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), responsável pelo programa Casa dos Artistas. A Globo acusou o SBT de plágio, alegando que tinha a exclusividade no Brasil do formato do programa criado pelo grupo Edemol Entertainment International.

Em primeira instância, conseguiu antecipação de tutela para suspender a transmissão da segunda temporada de Casa dos Artistas, mas o SBT apelou e a decisão foi cassada. Em 2002, a Globo recorreu ao STJ com uma medida cautelar (MC 4.592) para tentar evitar a apresentação.

Porém, a ministra Nancy Andrighi, relatora do processo, considerou que a verificação de ocorrência de plágio e de quebra de contrato de exclusividade esbarram nas Súmulas 5 e 7 do STJ, que impedem a interpretação de cláusula de contrato e a reanálise de prova já tratadas pela primeira e segunda instâncias. Não haveria, ainda, fatos novos que justificassem a interrupção do programa, que já estava no ar havia dois meses.

Coincidência criativa
No mundo da publicidade há vários casos em que a semelhança entre anúncios é grande, especialmente se o produto é o mesmo. Todavia, no caso do REsp 655.035, a Justiça considerou que houve uma clara apropriação de ideia pela cervejaria Kaiser e sua agência de publicidade. No caso, em 1999, a empresa lançou a campanha “Kaiser, A Cerveja Nota 10”, com o número formado pela garrafa e pela tampinha.

Porém, ideia muito semelhante foi elaborada e registrada no INPI, três anos antes, por um publicitário paranaense, que nada recebeu da agência ou da Kaiser por sua criação. Em primeira instância, as empresas foram condenadas a indenizar pelo plágio da obra inédita, mas o Tribunal de Justiça do Paraná reformou a sentença por entender que não haveria prova do conhecimento da existência da obra anterior e, portanto, do plágio.

O publicitário paranaense recorreu ao SJT. O caso foi julgado em 2007. O ministro Humberto Gomes de Barros (falecido recentemente), relator do processo, entendeu que, mesmo que fosse mera coincidência criativa, a empresa, após ser informada da existência de campanha registrada anteriormente, deveria ter entrado em contato com o publicitário para obter sua autorização. Para o relator, a empresa assumiu o risco de criar uma campanha idêntica se já sabia da existência de uma campanha com o mesmo tema. A indenização foi fixada em R$ 38 mil.

Texto técnico 
O diretor da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Ceará (OAB-CE) e presidente da Comissão de Direitos Culturais da entidade, Ricardo Bacelar Paiva, destaca que ainda há muitos temas relacionados ao plágio não tratados judicialmente. Ele avalia que o STJ tem tido um papel importante na fixação de jurisprudência sobre a matéria. E cita o caso do REsp 351.358, julgado em 2002, em que se discutiu se havia plágio na cópia de uma petição inicial.

A questão foi analisada sob a vigência da Lei 5.988/73. Essa lei definia como obra intelectual, além de livros etc., também "outros escritos”. O relator do processo, ministro Ruy Rosado, agora aposentado, considerou que o plágio ocorreria em textos literários, artísticos ou científicos, com caráter nitidamente inovador. A petição judicial seria um texto técnico e utilitário, restringindo a possibilidade de reconhecer a criação literária.

O ministro destacou que a regra da lei antiga apenas protegia os pareceres judiciais (e neles incluindo a petição inicial e outros arrazoados), "desde que, pelos critérios de seleção e organização, constituam criação intelectual". Para o ministro, havia, portanto, uma condicionante. “Não basta a existência do texto, é indispensável que se constitua em obra literária”, afirmou.

Ricardo Bacelar, recentemente, enviou uma proposta de combate ao plágio à OAB nacional, com diretrizes que já foram adotadas por várias instituições, como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Ele afirma que há um “comércio subterrâneo na internet”, que negocia trabalhos escolares e universitários. O advogado também elogiou as propostas de reforma do CP sobre o assunto, afirmando que, se aprovadas, transformarão a legislação brasileira em uma das mais duras contra o plágio.

Outro entendimento do STJ sobre o plágio foi fixado no REsp 1.168.336. A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, entendeu que o prazo de prescrição em ação por plágio conta da data em que se deu a violação, não a do conhecimento da infração. No caso, foi considerado prescrito o direito de um autor acionar uma editora que reproduziu diversos trechos de seus livros em apostilas publicadas pela empresa. Alegando divergência com julgados da Quarta Turma, o autor levou a questão à Segunda Seção do STJ, mas o caso ainda está pendente de julgamento (EREsp 1.168.336).

Academia 
No meio acadêmico, o plágio tem se tornado um problema cada vez maior. O professor Paulo Sérgio Beirão diz que, quando o CNPq detecta ou recebe alguma denúncia de fraude, há uma imediata investigação que pode levar ao corte de bolsas e patrocínios. Também há um reflexo muito negativo para a carreira do pesquisador.

“Deve haver muito cuidado para diferenciar a cópia e o plágio do senso comum. Por exemplo num trabalho sobre malária é senso comum dizer que ela é uma doença tropical grave com tais e tais sintomas”, destacou. Outro problema que ele vê ocorrer na academia é o uso indevido de material didático alheio.

Isso ocorreu no caso do REsp 1.201.340. Um professor teve seu material didático indevidamente publicado na internet. Ele havia emprestado sua apostila para um colega de outra instituição de ensino e o material foi divulgado na página dessa instituição, sem mencionar a autoria. O professor afirmou que tinha a intenção de publicar o material posteriormente e lucrar com as vendas. Pediu indenização por danos materiais e morais.

A magistrada responsável pelo recurso, ministra Isabel Gallotti, entendeu que, mesmo se a escola tivesse agido de boa-fé e não soubesse da autoria, ela teve benefício com a publicação do material didático. A responsabilidade da empresa nasceria da conduta lesiva de seu empregado, sendo o suficiente para justificar a indenização.

Em outro exemplo de plágio acadêmico, o ministro Arnaldo Esteves Lima, no Conflito de Competência (CC) 101.592, decidiu qual esfera da Justiça – estadual ou federal – tem competência para tratar do delito cometido em universidade federal. Um estudante da Universidade Federal de Pelotas apresentou como seu trabalho de conclusão de curso um texto de outro autor, apenas alterando o título. O ministro Esteves Lima concluiu que, como não houve prejuízo à União ou uma de suas entidades ou empresas públicas, e sim interesse de pessoa privada, ou seja, o autor do texto, a competência para julgar a ação era estadual.

Além dos simples prejuízos financeiros, muitos veem consequências ainda mais sérias no plágio. Para Ricardo Bacelar, a prática do plágio pode ser prejudicial até para a estruturação da personalidade e conduta ética e moral. “Diante de uma tarefa de pesquisa, não leem sobre o assunto, não raciocinam, não exercitam a formação de uma ideia. Não sabem escrever, pensar e desenvolver o senso crítico. Absorvem o comportamento deplorável de pegar para si o que não lhes pertence”, destacou.

O advogado admitiu a importância da inspiração e até o uso de trechos de outros trabalhos para a produção de conhecimento novo, mas isso não justifica o roubo de ideias. Como disse outro americano, o cientista e político Benjamin Franklin, há muita diferença entre imitar um bom homem e falsificá-lo. 

Fonte: STJ


sexta-feira, 6 de julho de 2012

DÍVIDA DE VALOR PEQUENO NÃO PODE PROVOCAR FALÊNCIA DE SOCIEDADE EMPRESARIAL

Dívida de valor pequeno não pode provocar falência de sociedade comercial

O princípio da preservação da empresa impede que valores inexpressivos de dívida provoquem a quebra da sociedade comercial. A decretação de falência, ainda que o pedido tenha sido formulado na vigência do Decreto-Lei 7.661/45, deve observar o valor mínimo de dívida exigido pela Lei 11.101/05, que é de 40 salários mínimos.
Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso especial interposto por empresa que pretendia ver decretada a falência de outra, devedora de duplicatas no valor de R$ 6.244,20.
O pedido de falência foi feito em 2001, sob a vigência do Decreto-Lei 7.661, cujo artigo 1º estabelecia: "Considera-se falido o comerciante que, sem relevante razão de direito, não paga no vencimento obrigação líquida, constante de título que legitime a ação executiva."
Mudança
A Lei 11.101 trouxe significativa alteração, indicando valor mínimo equivalente a 40 salários mínimos como pressuposto do requerimento de falência.
O juízo de primeiro grau extinguiu o processo, visto que o valor da dívida era inferior ao previsto na nova legislação falimentar. A decisão foi mantida em segunda instância, entendendo o tribunal que deveria incidir o previsto na Lei 11.101.
No recurso especial interposto no STJ, a empresa alegou que a falência, de acordo com o artigo 1º do Decreto-Lei 7.661, era caracterizada pela impontualidade no pagamento de uma obrigação líquida e não pela ocorrência de circunstâncias indicativas de insolvência.
O ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso especial, analisou a questão sob o enfoque intertemporal e entendeu que a nova lei especificou que, se a falência da sociedade fosse decretada na sua vigência, seriam aplicados os seus dispositivos. "Assim, no procedimento pré-falimentar, aplica-se a lei anterior, incidindo a nova lei de quebras somente na fase falimentar", disse.
Entretanto, ele explicou que a questão não deveria ser analisada simplesmente sob o prisma do direito intertemporal, mas pela ótica da nova ordem constitucional, que consagra o princípio da preservação da empresa.
Repercussão socioeconômica
"Tendo-se como orientação constitucional a preservação da empresa, refoge à noção de razoabilidade a possibilidade de valores insignificantes provocarem a sua quebra, razão pela qual a preservação da unidade produtiva deve prevalecer em detrimento da satisfação da uma dívida que nem mesmo ostenta valor compatível com a repercussão socioeconômica da decretação da falência", sustentou Luis Felipe Salomão.
Para ele, a decretação da falência de sociedade comercial em razão de débitos de valores pequenos não atende ao correto princípio de política judiciária e, além disso, traz drásticas consequências sociais, nocivas e desproporcionais ao montante do crédito em discussão, tanto para a empresa, quanto para os empregados.
Por fim, o ministro explicou que o pedido de falência deve ser utilizado somente como última solução, sob pena de se valer do processo falimentar com propósitos coercitivos

Fonte: Editora Magister

quarta-feira, 4 de julho de 2012

IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA - PENHORA NÃO ATINGE BEM DE FAMÍLIA QUE GARANTE DÍVIDA DE EMPRESA PERTENCENTE A UM DOS CÔNJUGES

PENHORA NÃO ATINGE BEM DE FAMÍLIA QUE GARANTE DÍVIDA DE EMPRESA PERTENCENTE A UM DOS CÔNJUGES

O imóvel onde a família vive é impenhorável no caso de ter sido oferecido como garantia de dívida de terceiro (ainda que seja empresa com a qual a família tenha vínculo) e não como garantia de dívida da entidade familiar. Esse foi o entendimento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do recurso especial interposto por um casal que teve seu imóvel penhorado.
O Banco Tricury, de São Paulo, moveu ação de execução contra o casal, pretendendo receber o imóvel onde residiam como pagamento do empréstimo feito pela empresa da qual um dos cônjuges era sócio.
Avalistas do empréstimo, eles haviam assinado o contrato com o banco autorizando que seu imóvel fosse colocado como garantia hipotecária. Na fase de execução, requereram a desconstituição da penhora. O juiz negou o pedido.
Único bem
No recurso de apelação para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o casal sustentou que o imóvel era o único bem da família, portanto, impenhorável. Afirmou que a hipoteca foi dada em garantia de dívida da empresa e não em garantia de dívida da entidade familiar.
O TJSP entendeu que a penhora seria possível com base no artigo 3º, inciso V, da Lei 8.009/90: "A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar."
Além disso, para manter a decisão do magistrado de primeiro grau, o TJSP se apoiou também no fundamento de que não foi comprovado que o imóvel era o único bem da família no momento da penhora.
Prova suficiente
Diante da negativa daquele tribunal, o casal interpôs recurso especial no STJ, sustentando que tanto a doutrina quanto a jurisprudência entendem que o bem de família é aquele no qual reside o casal ou a família, bastando essa prova para que a proteção legal seja aplicada.
Por fim, eles afirmaram que houve divergência em relação ao entendimento do STJ, segundo o qual a exceção do artigo 3º, inciso V, da Lei 8.009 é aplicado apenas no caso em que a dívida é do casal ou da família. Segundo eles, o empréstimo foi concedido pelo banco à empresa da qual um deles é sócio e não a eles, pessoas físicas.
"Nos termos da jurisprudência desta corte, não é necessária a prova de que o imóvel onde reside o devedor seja o único de sua propriedade para o reconhecimento da impenhorabilidade do bem de família, com base na Lei 8.009", disse o ministro Raul Araújo, relator do recurso especial.
Dívida de terceiro
Ele levou em consideração que a garantia foi prestada para assegurar dívida de terceiro, no caso, a empresa. Citou precedente do STJ, segundo o qual "a possibilidade de penhora do bem de família hipotecado só é admissível quando a garantia foi prestada em benefício da própria entidade familiar, e não para assegurar empréstimo obtido por terceiro" (Ag 921.299).
Com base em vários precedentes, o ministro sustentou que não se pode presumir que a garantia foi dada em benefício da família, para afastar a impenhorabilidade do bem, com base no inciso V do artigo 3º da lei referida.
A Quarta Turma deu provimento ao recurso especial para anular o acórdão do TJSP e afastar a penhora sobre o imóvel. Ficaram vencidos os ministros Antonio Carlos Ferreira e Isabel Gallotti.
REsp 988915

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...