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terça-feira, 28 de janeiro de 2014

PRAGMATISMO E CONHECIMENTO PRÁTICO EM WILLIAM JAMES

Pragmatismo e conhecimento prático em William James

 
O pensador norte-americano William James nasceu em Nova York no ano de 1842. Estudou nos Estados Unidos e na Europa. Graduou-se em Harvard, em 1869, quando terminou o curso de medicina. Travou sólidas relações de amizade com Charles Sanders Peirce e com Oliver Wendell Holmes Jr., com os quais se reunia no Metaphysical Club.
Viveu muitos anos atormentado pela ansiedade e pela depressão. Lecionou fisiologia, psicologia e filosofia, sempre em Harvard, além de ter feito várias palestras em Boston. James começou a sofrer do coração em 1898, morrendo em 1910. Quadros depressivos eram recorrentes na família de William James. É talvez esse pano de fundo que tanto tenha colaborado na formação de William James, como fino observador da alma humana.
William James reputava a filosofia como “a mais sublime e a mais trivial das empreitadas humanas”. Admitindo a inserção do pensamento filosófico em todos os campos da experiência, James afirmou que a filosofia “opera nas brechas mais estreitas e se abre para os mais vastos horizontes”.
Realista, ponderou que a filosofia “não enche barriga (...) mas pode inspirar nossas almas com coragem”. Na impressão de William James, necessitamos da filosofia na medida em que “repelente como suas maneiras, suas dúvidas e desafios, seus sofismas e dialéticas frequentemente o são para gente comum, nenhum de nós pode prosseguir sem a luz longínqua que espraia pelas perspectivas do mundo”. Em tom apocalíptico acrescentou que “esses clarões, pelo menos, e os efeitos contrastantes de mistério e escuridão que os acompanham, emprestam ao que diz um interesse que é muito mais do que profissional”.
A filosofia procura verdades ou pelo menos tenta explicar porque está atrás dessas supostas exatidões e realidades. A solução que James pretendia oferecer é uma “coisa singularmente chamada de pragmatismo como uma filosofia que pode satisfazer a ambas as espécies de procuras”. Espremido entre as tradições do racionalismo e do empirismo, da teologia ortodoxa e do ceticismo que remonta à tradição aporética inglesa, cuja linhagem radica em Hume, essa filosofia pragmática “pode permanecer religiosa como os racionalismos, mas, ao mesmo tempo, como os empirismos, pode preservar a intimidade mais rica dos fatos”.
O pragmatismo sugere um método. Para o pensador norte-americano, “o método pragmático é, primariamente, um método de assentar disputas metafísicas que, de outro modo, se estenderiam interminavelmente”. E James em seguida moteja de questões metafísicas, que oxigenam discussões intermináveis e improdutivas. Assim, “é o mundo um ou muitos? — predestinado ou livre? — material ou espiritual? — eis aqui noções, quaisquer das quais podem ou não ser verdadeiras para o mundo; e as disputadas em relação a tais noções são intermináveis”.
James preocupou-se com o resultado fático e com a prestabilidade concreta dos problemas com os quais a filosofia lida. E de tal modo, o “método pragmático nesses casos é tentar interpretar cada noção traçando as suas consequências práticas respectivas”. O sentido de consequência prática é o eixo sobre o qual se orienta o modelo pragmático e a própria cultura norte-americana, de modo mais amplo, e de forma mais específica no que tange ao realismo jurídico. Por isso, “que diferença prática haveria para alguém se essa noção, de preferência àquela outra, fosse verdadeira?”.
William James questionou e preocupou-se com aspectos concretos e realistas das pesquisas científicas e da indagação filosófica e nessa postura tem-se o núcleo do pensamento pragmático. Era recorrente sua indignação em relação à metafísica e à discussão estéril, Segundo James, “é espantoso de ver-se quantas e quantas disputas filosóficas dão em nada no momento em que as submetemos ao simples teste de traçar uma consequência concreta”. O referido teste de consequência concreta é o referencial mais comum do pragmatismo, que a toda reflexão antepõe questão aparentemente ingênua, mas de realidade eloquente, perguntando-se para quê?
O pragmatismo, segundo James, é marca do pensamento ocidental há muito tempo. Estaria em Sócrates, em Aristóteles (que o teria aplicado metodicamente), em Locke, em Berkeley e em Hume, que mediante o uso do modelo pragmático teriam, de acordo com James, propiciado incomensuráveis contribuições à causa da verdade.
 
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pós-doutor em Teoria Literária pela Universidade de Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 26 de janeiro de 2014

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

PARA O USO PRAGMÁTICO, ÉTICO E MORAL DA RAZÃO PRÁTICA



Para o uso pragmático, ético e moral da razão prática*



Texto publicado em Scielo. Clique aqui para fazer citação.

Jürgen Habermas





Tradução: Márcio Suzuki

Até os dias de hoje, as discussões teóricas sobre a moral são determinadas pelo confronto entre três posições: as argumentações transcorrem entre Aristóteles, Kant e o utilitarismo. Apenas as éticas da compaixão fazem valer um motivo diverso. Outras teorias, mesmo a hegeliana, podem ser entendidas como tentativas de síntese de iniciativas conhecidas. A ética do discurso (Diskursethik), que se põe como tarefa salientar o conteúdo normativo de um uso lingüístico orientado para a compreensão, não é a referida síntese. Ao tentar demonstrar, com os meios da análise da linguagem, que o ponto de vista do julgamento imparcial de questões prático-morais — o ponto de vista moral — surge em geral dos pressupostos pragmáticos inevitáveis da argumentação, ela se filia à tradição fundada pela Crítica da razão prática. Com essa tomada de partido em favor de Kant, ela não adota, porém, aquelas premissas que forçam a ressaltar unilateralmente a iniciativa deontológica, ou seja, excluindo as intuições nas quais, com um certo direito, se concentram as iniciativas concorrentes. No que se segue, importa para mim o direito relativo daqueles três aspectos sob os quais podemos fazer um uso, a cada momento diferençado, da razão prática. Gostaria de mostrar isso pela via de uma análise dos tipos de argumentação a eles correspondentes.

Assim como a ética moderna, a ética clássica parte da questão que se põe ao indivíduo que precisa de orientação, quando ele, numa situação determinada, encontra-se diante de uma tarefa a ser vencida de maneira prática: como devo comportar-me, que devo fazer? Esse "dever" (Sollen) guarda um sentido não-específico enquanto o respectivo problema e o aspecto sob o qual deve ser solucionado não sejam determinados mais de perto. Antes de tudo, gostaria de diferençar o uso da razão prática tendo como fio condutor os modos pragmático, ético e moral de pôr a questão. Sob os aspectos daquilo que é adequado a fins (Zwechnässiges), do bom e do justo, esperam-se, respectivamente, desempenhos diferentes da razão prática. De acordo com eles, altera-se a constelação entre razão e vontade nos discursos pragmáticos, éticos e morais. A formação da vontade individual encontra, por fim, seus limites no fato de abstrair da realidade da vontade alheia. Com os problemas fundamentais de uma formação racional da vontade coletiva entram em jogo os modos de pôr a questão a partir de uma teoria normativa do direito e da política.







I

Problemas práticos impõem-se-nos em diferentes situações. Eles "têm" (müssen) de ser contornados, pois do contrário surgem conseqüências que são importunas mesmo nos casos mais simples. É assim que, por exemplo, "temos de" (müssen) decidir o que fazer quando a bicicleta usada diariamente estraga, quando surgem complicações de saúde, quando falta dinheiro para poder satisfazer determinados desejos. Buscamos, então, fundamentos para uma decisão racional entre diferentes possibilidades de ação frente a uma tarefa que "temos de" (müssen) solucionar, se quisermos alcançar uma meta determinada. As metas também podem, elas mesmas, tornar-se problemáticas, por exemplo, quando um plano para as próximas férias fracassa, repentinamente, ou quando se tem de escolher a profissão. Viajar para a Escandinávia, para Elba ou ficar em casa; visitar cidades orientais, viajar de barco pelo Dordogne ou ficar na praia; iniciar imediatamente um curso universitário ou fazer, primeiro, um curso técnico; tornar-se médico ou profissional em editoração, isso depende, acima de tudo, de nossas preferências e opções que se nos abrem numa dada situação. Uma vez mais buscamos fundamentos para uma decisão racional — desta vez, entre as próprias metas.

Em ambos casos, aquilo que se "deve" (soll) fazer de uma maneira racional é determinado, em parte, por aquilo que se quer: trata-se de uma escolha racional dos meios a partir das metas dadas ou de uma ponderação racional das metas a partir das preferências existentes. Nossa vontade já está estabelecida faticamente por "desejos e valores; ela só está aberta a outras determinações no que concerne a alternativas quanto à escolha dos meios ou quanto à fixação de metas. Trata-se unicamente de técnicas apropriadas, seja para o conserto da bicicleta ou para o tratamento de doenças, seja de estratégia para levantar dinheiro, de programas para o planejamento das férias ou da escolha da profissão. Em casos complexos, "têm-se" (müssen) até de desenvolver estratégias para tomar decisões — e então a razão assegura-se de sua própria conduta e torna-se reflexiva, por exemplo, na figura de uma teoria da escolha racional. Enquanto a pergunta "Que devo fazer?" referir-se a tarefas pragmáticas, as observações e investigações, as comparações e ponderações, que, apoiados em informações empíricas, empreendemos sob a perspectiva da eficiência ou com auxílio de outras regras decisorias, são pertinentes. A reflexão prática transcorre aqui no horizonte da racionalidade de fins (Zweckrationalität), com a meta de encontrar técnicas, estratégias ou programas adequados. Ela leva a recomendações que, em casos simples, têm a forma semântica de imperativos condicionais. Kant fala de regras de habilidade e de conselhos de prudência, de imperativos técnicos e pragmáticos. Eles põem causas e efeitos em relação, segundo preferências de valor e fixação de metas. O sentido imperativo que expressam pode ser entendido como um "dever" (Sollen) relativo. As indicações para a ação dizem o que "se deve" (soll) fazer ou que "se tem" (muss) de fazer em vista de um problema determinado, se se quer realizar determinados valores ou fins. Decerto, se os próprios valores tornam-se problemáticos, a pergunta "Que devo fazer?" aponta além do horizonte da racionalidade de fins.

Em decisões complexas, como, por exemplo, a escolha da profissão, pode-se concluir que não se trata absolutamente de uma questão pragmática. Alguém que queira entrar no ramo editorial pode refletir se é mais adequado a esse fim (zwechnässiger) fazer primeiro um curso técnico ou cursar logo a faculdade; mas quem não sabe exatamente o que quer, está diante de uma situação de todo diferente. Aqui, a escolha da profissão, isto é, da orientação dos estudos, está ligada à questão das inclinações ou daquilo pelo que se interessa, de que tipo de atividade satisfaria a pessoa, etc. Quanto mais radicalmente essa questão se põe, tanto mais ela se exacerba no problema de saber que vida se gostaria de ter, e isso significa: que tipo de pessoa se é e, ao mesmo tempo, se gostaria de ser. Quem, em decisões de importância vital, não sabe o que quer, perguntará por fim quem ele é e quem ele gostaria de ser. Decisões triviais ou fracas sobre a preferência não exigem fundamentação; ninguém pede a si ou a outros justificativas pelas marcas de automóveis ou que tipo de pulôver prefere. Em contrapartida, chamamos, com Charles Taylor, de preferências "fortes" àquelas valorações que não concernem apenas às disposições e inclinações contingentes, mas também à compreensão de si (Selbstverständnis) de uma pessoa, ao tipo de vida que tem, ao caráter; tais valorações estão entrelaçadas com a identidade de cada um. Essa circunstância não empresta apenas um peso às decisões existenciais, mas também um contexto no qual elas são tanto carentes quanto capazes de fundamentação. Decisões de valor grave são tratadas, desde Aristóteles, como questões clínicas (klinisch) do bem viver. Uma decisão ilusória — o relacionamento com um parceiro errado, a escolha equivocada de alternativas profissionais — pode ter como conseqüência uma vida malograda. A razão prática, que neste sentido tem como objetivo não apenas o possível e o que é adequado a fins, mas também o bom, move-se então, se seguimos o uso clássico da linguagem, no âmbito da ética.

Problemas práticos impõem-se-nos em diferentes situações. Eles "têm" (müssen) de ser contornados, pois do contrário surgem conseqüências que são importunas mesmo nos casos mais simples.







Valorações fortes inserem-se no contexto da compreensão de si (Selbstverständnis). O modo como alguém compreende a si mesmo não depende apenas de como ele se descreve, mas também dos modelos pelos quais se empenha. A identidade própria determina-se ao mesmo tempo segundo o modo como alguém se vê e como se gostaria de ver — isto é, tal como alguém se encontra e por que ideais projeta-se a si e a sua vida. Essa compreensão existencial de si é, no fundo, valorativa e tem, como toda valoração, uma cabeça de Jano. Nela estão mesclados estes dois tipos de componentes: os componentes descritivos da gênese da história de vida do eu e os componentes normativos do ideal do eu. Por isso, a elucidação da compreensão de si ou o asseguramento clínico da própria identidade requer um compreender apropriador — a apropriação da história da própria vida como também das tradições e dos contextos de vida que determinaram o processo de formação próprio. Se há ilusões em jogo, essa compreensão hermenêutica de si pode ser aguçada no tipo de reflexão que dissolve auto-ilusões. O tomar consciência crítica (Das kritische Bewusstmachen) da história da vida e de seu contexto formativo não leva a uma compreensão de si, neutra de valores; ao contrário, a descrição de si alcançada de maneira hermenêutica está ligada internamente a uma postura crítica em relação a si mesmo. Uma compreensão de si aprofundada modifica os posicionamentos que suportam ou, pelo menos, implicam um projeto de vida pleno de conteúdo normativo. Assim, as valorações fortes podem ser fundamentadas pela via da compreensão hermenêutica de si.

Será possível decidir com melhores fundamentos entre um curso superior de administração de empresas e uma preparação para teólogo, depois que se tenha tornado claro quem se é e quem se gostaria de ser. Questões éticas são, em geral, respondidas com imperativos incondicionais do seguinte tipo: "Tens de seguir uma profissão que te dê a sensação de ajudar outras pessoas". O sentido imperativo de proposições como esta pode ser entendido como um "dever" (Sollen) que não depende de fins e preferências subjetivas e, no entanto, não é absoluto. O que tu "deves" (sollst) fazer ou "tens de" (musst) fazer possui aqui o sentido de que, a longo prazo e no conjunto, é bom para ti agir dessa maneira. Aristóteles fala, neste contexto, de caminhos para a vida boa e feliz. Valorações fortes orientam-se por uma meta posta como absoluta para mim, vale dizer, pelo Bem Supremo de um modo de vida autárquico, que tem seu valor em si. A questão "Que devo fazer?" muda uma vez mais seu sentido assim que minhas ações afetem os interesses de outros e levem a conflitos que devem ser regulados de modo imparcial, portanto, sob pontos de vista morais. Uma comparação por contraste é instrutiva a respeito dessa nova qualidade que com isso entra em jogo.

Tarefas pragmáticas colocam-se da perspectiva de um agente que parte de suas metas e preferências. Deste ponto de vista, os problemas morais não podem surgir de maneira alguma, porque as outras pessoas têm apenas a importância de meios ou condições restritivas para a realização de um plano de ação respectivo a cada indivíduo. No agir estratégico os participantes supõem que cada um decide de maneira egocêntrica, segundo o critério de seus próprios interesses. Esse conflito pode ser decidido ou contido e posto sob controle, bem como apaziguado por um interesse mútuo. Sem uma mudança radical da perspectiva e da postura, contudo, um conflito interpessoal entre os envolvidos não pode ser percebido como um problema moral. Se posso conseguir o dinheiro que me falta apenas pela via da dissimulação de fatos relevantes, o único que conta entre os pontos de vista pragmáticos é o possível êxito de uma manobra de engodo. Quem, no entanto, problematiza a licitude desse ponto de vista, põe uma outra espécie de questão — ou seja, a questão moral de saber se todos poderiam querer que, em meu lugar, qualquer pessoa agisse segundo a mesma máxima.

No agir estratégico os participantes supõem que cada um decide de maneira egocêntrica, segundo o critério de seus próprios interesses. Esse conflito pode ser decidido ou contido e posto sob controle, bem como apaziguado por um interesse mútuo.

Também as questões éticas não exigem absolutamente uma ruptura completa com a perspectiva egocêntrica; elas referem-se ao télos de minha vida. Deste ponto de vista, outras pessoas, outras histórias de vida e esferas de interesse ganham significado apenas na medida em que estejam unidos ou entrelaçados à minha identidade, à minha história de vida e à minha esfera de interesse no âmbito de nossa forma de vida partilhada intersubjetivamente. Meu processo de formação completa-se num contexto de tradições que partilho com outras pessoas; minha identidade também é marcada pelas identidades coletivas, e a minha história de vida está inserida em contexto de histórias de vida que se entremeiam. Nesta medida, a vida que é boa para mim toca também as formas de vida que nos são comuns. Assim, o etos do indivíduo permanecia, para Aristóteles, referido e adstrito à pólis dos cidadãos. No entanto, as questões éticas têm uma direção inversa das questões morais: a regulação dos conflitos interpessoais entre as ações, os quais resultam de esferas de interesse contraditórias, ainda não é tema aqui. Se eu gostaria de ser alguém que, numa situação aguda de apuros, aplica também uma pequena fraude numa sociedade anônima de seguros, isso não é uma questão moral — pois aqui se trata do respeito que tenho por mim (Selbstachtung) e, eventualmente, do respeito (Achtung) que outros demostram para comigo, mas não do respeito (Respekt) igual para com todos, isto é, do respeito (achtung) simétrico que cada um demostra pela integridade de todas as outras pessoas.

Aproximamo-nos, com efeito, do modo de consideração moral assim que examinamos se nossas máximas são conciliáveis com as máximas de outros. Kant chama de máximas àquelas regras de ação próximas da situação (situationsnah) e mais ou memos triviais pelas quais a prática de um indivíduo se orienta habitualmente. Elas dispensam o autor do esforço cotidiano de tomar decisões e encaixam-se de maneira mais ou menos consistente numa prática de vida na qual se espelham o caráter e o modo de vida. Kant tinha ante os olhos sobretudo as máximas da sociedade burguesa em seus primórdios, que se diferençava segundo a posição profissional. Em geral, as máximas constituem as menores unidades de um entrelaçamento de hábitos praticados, nos quais se concretizam a identidade e o projeto de vida de uma pessoa (ou de um grupo) — elas regulam o curso do dia, o modo de tratamento, o jeito de lidar com problemas, de solucionar conflitos, etc. As máximas constituem o ponto de intersecção entre ética e moral, porque podem ser julgadas simultaneamente sob os pontos de vista ético e moral. A máxima de praticar também uma vez uma manobra de engodo pode não ser boa para mim — isto é, quando não se enquadra à imagem da pessoa que gostaria de ser e que, como tal, quero ser reconhecido. A mesma máxima pode, simultaneamente, ser injusta — isto é, se sua obediência universal não for igualmente boa para todos. Um exame das máximas, ou uma heurística formadora de máximas, que não se deixe guiar pela questão de como quero viver, toma a razão prática de uma maneira diferente da reflexão sobre se de meu ponto de vista uma máxima obedecida universalmente é apropriada a regular nossa vida em comum. Num caso se examina se uma máxima é boa para mim ou adequada à situação; no outro caso, se posso querer que uma máxima seja observada como lei universal para todos.

Kant chama de máximas àquelas regras de ação próximas da situação (situationsnah) e mais ou menos triviais pelas quais a prática de um indivíduo se orienta habitualmente.

Trata-se, lá, de uma reflexão ética; aqui, de uma reflexão de natureza moral — embora ainda num sentido restrito. Porque o resultado dessa reflexão sempre permanece preso à perspectiva pessoal de um determinado indivíduo. Minha perspectiva é determinada por minha compreensão de mim; e, conforme a maneira de como gostaria de viver, uma postura indolente para com manobras de engodo pode também ser aceitável se os outros portam-se da mesma forma em situações comparáveis, tornando-me ocasionalmente vítima de suas manipulações. Mesmo Hobbes conhece a "regra de ouro" segundo a qual uma máxima como esta poderia eventualmente ser justificada. Para ele, é uma "lei natural" que cada um conceda também aos outros os direitos que exige para si. De um teste de universalização levado a efeito de maneira egocêntrica não se segue ainda que uma máxima seja aceita por todos como fio de prumo moral de seu agir. Essa conclusão seria correta apenas se a minha fosse a fortiori congruente com a de todos os outros. Aquilo que de minha perspectiva é igualmente bom para todos residiria de fato no interesse igual de todos apenas se minha identidade e meu projeto de vida refletissem uma forma de vida universalmente válida.







O imperativo categórico, segundo o qual uma máxima é justa apenas se todos podem querer que ela seja seguida por cada um em situações comparáveis, é o primeiro a romper com o egocentrismo da "regra de ouro" ("Não faças a ninguém aquilo que não queres que te façam"). Cada um "tem de" (muss) poder querer que a máxima de nossa ação se torne uma lei universal. Apenas uma máxima capaz de universalização a partir da perspectiva de todos os envolvidos vale como uma norma que pode encontrar assentimento universal e, nesta medida, merece reconhecimento, ou seja, é moralmente impositiva. A questão "Que devo fazer?" é respondida moralmente com referência àquilo que se deve fazer (was man tun soll). Mandamentos, morais (moralische Gebote) são imperativos categóricos ou incondicionados que exprimem normas válidas ou fazem implicitamente referência a elas. Apenas o sentido imperativo desses mandamentos pode ser entendido como um "dever" (Sollen) que não é dependente nem de fins ou preferências subjetivos, nem da meta, para mim absoluta, de uma vida boa, uma vida de êxito ou não-malograda. Em contrapartida, o que se "deve" (soll) fazer ou o que se "tem de" (muss) fazer possui aqui o sentido de que é justo e, portanto, de que é dever (Pflicht) agir desta maneira.



II

Portanto, dependendo de como o problema se põe, a questão "Que devo fazer?" ganha um significado pragmático, ético ou moral. Em todos os casos se trata da fundamentação de decisões entre possibilidades alternativas de ação; as tarefas pragmáticas, porém, exigem um tipo de ação diferente das éticas e morais; as questões que lhe são correspondentes exigem um tipo de resposta diferente das respostas éticas e morais. A ponderação das metas orientada para valores e a ponderação dos meios disponíveis mediante a racionalidade de fins servem à decisão racional sobre como temos de intervir no mundo objetivo para provocar um estado desejado. Neste caso, trata-se essencialmente da elucidação de questões empíricas e de questões de escolha racional. O terminus ad quem de um discurso pragmático correspondente é a recomendação de uma tecnologia adequada ou de um programa exeqüível. Outra coisa é a preparação racional de uma decisão de valor grave que afeta a orientação de toda uma prática de vida. Neste caso, trata-se de uma elucidação hermenêutica da compreensão de si de um indivíduo e da questão clínica do êxito ou não de minha vida. O terminus ad quem de um discurso ético-existencial correspondente é um conselho para a orientação correta na vida, para a realização de um modo pessoal de vida. Uma outra coisa é, por sua vez, o julgamento moral de ações e máximas. Ele serve à elucidação de expectativas legítimas de comportamento em face de conflitos interpessoais que atrapalham o convívio regulado de interesses antagônicos. Neste caso, trata-se da fundamentação e da aplicação de normas que estabelecem deveres e direitos recíprocos. O terminus ad quem de um discurso prático-moral correspondente é uma compreensão sobre a solução justa de um conflito no âmbito do agir regulado por normas.

... dependendo de como o problema se põe, a questão "Que devo fazer?" ganha um significado pragmático, ético ou moral. (...) as questões que lhe são correspondentes exigem um tipo de resposta diferente das respostas éticas e morais.

O uso pragmático, ético e moral da razão prática tende, portanto, a indicações técnicas e estratégicas de ação, a conselhos clínicos e a juízos morais.

Chamamos de razão prática à capacidade (Vennögen) de fundamentar imperativos onde se modifique, conforme a referência à ação ou o tipo de decisões a serem tomadas, não apenas o sentido ilocutório do "ter de" (müssen) ou do "dever" (Sollen), mas também o conceito de vontade, que deve poder ser determinada a cada momento por imperativos fundamentados racionalmente. O "dever" (Sollen) das recomendações pragmáticas, relativizado nos fins e valores subjetivos, está voltado para o "arbítrio" (Willkür) de um sujeito que toma decisões prudentes com base nos posicionamentos e preferências, dos quais parte de maneira contingente: a capacidade de escolha racional não se estende aos próprios interesses e orientações de valor, mas os pressupõe como dados. O "dever" (Sollen) dos conselhos clínicos, relativizado no télos da vida boa, endereça-se ao esforço de auto-realização, portanto, á vontade do indivíduo que se decide por uma vida autêntica: a capacidade (Fähigkeit) de decisão existencial ou de auto-escolha radical opera sempre no âmbito de um horizonte da história de vida, a partir de cujos traços o indivíduo pode aprender quem ele é e quem gostaria de ser. Por fim, o "dever" (Sollen) categórico de mandamentos morais é direcionado para a vontade — em sentido enfático — livre de uma pessoa que age segundo leis que ela mesma se dá (nach selbstgegebenen Gesetzen): apenas esta vontade é autônoma no sentido de que se deixa determinar inteiramente pelo conhecimento moral. No âmbito de validade da lei moral, nem as disposições contingentes, nem a história de vida e a identidade pessoal põem limites à determinação da vontade pela razão prática. Apenas a vontade conduzida pelo conhecimento moral e inteiramente racional pode chamar-se autônoma. Nela, todos os traços heteronômicos do arbítrio ou da vontade são apagados numa vida única e, ainda assim, autêntica. Na verdade, Kant confundiu a vontade autônoma com a vontade onipotente: para poder pensá-la como uma vontade pura e simplesmente soberana, ele teve de transpô-la ao reino do inteligível. Todavia, no mundo tal como o conhecemos, a vontade autônoma alcança eficácia apenas na medida em que a força de motivação dos fundamentos bons pode afirmar-se contra o poder de outros motivos. É assim que, na linguagem realista do dia-a-dia (em alemão), chamamos a vontade informada corretamente, mas fraca, de vontade "boa".

Em resumo, a razão prática volta-se para o arbítrio do sujeito que age segundo a racionalidade de fins, para a força de decisão do sujeito que se realiza autenticamente ou para a vontade livre do sujeito capaz de juízos morais, conforme seja usada sob os aspectos do adequado a fins, do bom ou do justo. Com isso, alteram-se a cada momento a constelação entre razão e vontade, e o próprio conceito de razão prática. Com o sentido da questão "Que devo fazer?", não é apenas o receptor — a vontade do agente que busca uma resposta — que muda seu status, mas também o emissor - a própria capacidade (Vermögen) de reflexão prática. Para Kant, razão prática e moralidade coincidem; apenas na autonomia, razão e vontade são uma só. Para o empirismo, a razão prática resume-se a seu uso pragmático; com as palavras de Kant, ela reduz-se à utilização da atividade do entendimento segundo a racionalidade de fins. Na tradição aristotélica, a razão prática assume o papel de uma faculdade de julgar que esclarece o horizonte da história de vida de um etos que se tornou costumeiro. Em cada caso, atribui-se um desempenho diferente à razão prática. Isso se mostra nos diversos discursos em que ela se move.

... a razão prática volta-se para o arbítrio do sujeito que age segundo a racionalidade de fins, para a força de decisão do sujeito que se realiza autenticamente ou para a vontade livre do sujeito capaz de juízos morais...



III

Discursos pragmáticos, nos quais fundamentamos recomendações técnicas e estratégicas, têm uma certa afinidade com discursos empíricos. Eles servem para referir saber empírico às fixações de fim e às preferências hipotéticas, e valorar as conseqüências de decisões (informadas de modo incompleto) segundo máximas postas como fundamento. Recomendações técnicas ou estratégicas tiram sua validade do saber empírico no qual se apoiam. Sua validade é independente de se um receptor decide adotar as indicações para a ação. Discursos pragmáticos referem-se a contextos possíveis de aplicação. Eles estão em contato com a formação fática de vontade dos agentes apenas mediante suas fixações de fim e de suas preferências subjetivas. Não há nenhuma relação interna entre razão e vontade. Nos discursos ético-existenciais, essa constelação se modifica de maneira que as fundamentações constituam um motivo racional para a mudança de posicionamento.







Nos processos de compreensão de si, os papéis dos participantes do discurso e dos agentes entrecruzam-se. Quem quiser obter clareza sobre sua vida como um todo, quem quiser fundamentar decisões de valor grave e assegurar-se de sua identidade, não pode deixar-se substituir no discurso ético-existencial -nem enquanto pessoa de referência (Bezugsperson), nem enquanto instância comprobatória. Não obstante, trata-se de um discurso, pois também aqui os passos da argumentação não podem ser idiossincráticos, mas têm de permanecer exeqüíveis intersubjetivamente. O indivíduo só ganha distância reflexiva em relação à própria história de vida no horizonte de formas de vida que ele partilha com outros, e que formam, por sua vez, o contexto para os projetos de vida diferentes de cada um. Os integrantes de um mundo vivido em comum são participantes potenciais que assumem o papel catalisador do crítico desinteressado nos processos de compreensão de si. Esse papel pode ser distinguido no papel terapêutico de um analista, tão logo um saber clínico universalizável entre em jogo. Certamente, esse mesmo saber clínico só se forma em tais discursos.

A compreensão de si refere-se a um contexto específico da história de vida e leva a asserções valorativas sobre o que é bom para uma determinada pessoa. Tais valorações, que se apoiam na reconstrução de uma história de vida da qual ao mesmo tempo se tomou consciência e apropriou, têm um status semântico próprio. Pois "reconstrução" não significa apenas a apreensão descritiva de um processo de formação mediante o qual alguém se tornou aquilo que constata; ela significa, ao mesmo tempo, um exame crítico e uma ordenação reorganizadora dos elementos apreendidos, de sorte que o próprio passado (surge), à luz das possibilidades atuais da ação, como história de formação da pessoa que gostaria de ser e permanecer no futuro e, como tal, ser aceita. A figura do "projeto pro-jetado" (geworfener Entwurf) do pensamento existencialista ilumina o caráter de Jano daquelas valorações fortes que são fundamentadas pela via de uma apropriação crítica da própria história de vida. Aqui, gênese e validação já não se deixam separar uma da outra como nas recomendações técnicas e estratégicas. Quando conheço o que é bom para mim, já me aproprio também, de certa maneira, do conselho - este é o sentido de uma decisão consciente. Quando me convenço da justeza de um conselho clínico, também já me decido a uma reorientação aconselhada de minha vida. Por outro lado, minha identidade só é condescendente, e mesmo indefesa, diante da pressão reflexiva de uma compreensão de si modificada, se esta obedece aos mesmos critérios de autenticidade que o próprio discurso ético-existencial. Um tal discurso pressupõe já, por parte do receptor, o esforço por uma vida autêntica — ou a pressão sofrida por um paciente que percebe a "doença de morte" (Krankheit zum Tode). Nesta medida, o discurso ético-existencial permanece dependente do télos prévio de um modo de vida consciente.



IV

Nos discursos ético-existenciais, razão e vontade determinam-se mutuamente, de modo que permanecem inseridas no contexto que se toma tema deles. Nos processos de compreensão de si, os envolvidos não podem desprender-se da história ou da forma de vida nas quais se encontram faticamente. Discursos prático-morais exigem, ao contrário, o rompimento com todas as evidências (Selbstverständlichkeiten) da moralidade concreta tornada costumeira, como também o distanciamento em relação àqueles contextos de vida aos quais a própria identidade está indissoluvelmente ligada. A intersubjetividade de um grau mais alto (die höherstufige Intersubjektivität), que conjuga a perspectiva de cada um com a perspectiva de todos, pode constituir-se apenas sob os pressupostos comunicativos de um discurso ampliado universalmente, no qual todos os possivelmente envolvidos possam participar e tomar posição com argumentos numa postura hipotética em vista das pretensões à validade (tornadas problemáticas a cada momento) de normas e modos de ação. Esse ponto de vista da imparcialidade solapa a subjetividade da perspectiva própria de cada participante, sem perder o vínculo com o posicionamento pré-formativo dos mesmos. A objetividade de um assim chamado observador ideal obstruiria o acesso ao saber intuitivo do mundo vivido. O discurso prático-moral representa a ampliação ideal de nossa comunidade de comunicação a partir da perspectiva interior. Diante desse fórum, só podem encontrar assentimento fundamentado aquelas sugestões de norma que expressam um interesse comum de todos os envolvidos. Nesta medida, as normas fundamentadas discursivamente fazem valer a um só tempo duas coisas: o conhecimento daquilo que a cada momento reside no interesse geral de todos e, também, uma vontade geral que apreendeu em si sem repressão a vontade de todos. Neste sentido, a vontade determinada por fundamentos morais não permanece exterior à razão argumentativa; a vontade autônoma é completamente interiorizada na razão.

Nos discursos ético-existenciais, razão e vontade determinam-se mutuamente, de modo que permanecem inseridas no contexto que se torna tema deles.







Por isso, Kant acreditava que a razão prática volta inteiramente a si mesma e coincide com a moralidade apenas enquanto instância examinadora de normas. A interpretação teórico-discursiva (diskurstheoretisch) que demos ao imperativo categórico deixa reconhecer, no entanto, a unilateralidade dessa teoria que se concentra unicamente em questões de fundamentação. O problema de como normas fundamentadas dessa maneira podem em geral ser aplicadas torna-se mais agudo assim que as fundamentações morais apoiem-se num princípio de universalidade que constrange os participantes do discurso a examinar as normas discutíveis, separadamente das situações e sem consideração dos motivos subjacentes ou das instituições existentes. Tais normas devem sua universalidade abstrata à circunstância em que são aprovadas no teste de generalização apenas numa figura descontextualizada. Nesta versão abstrata, porém, as normas válidas só podem encontrar aplicação sem restrições naquelas situações padrões, cujos sinais já foram observados de antemão enquanto condições de aplicação dos componentes "se" (Wenn-Komponenten)) da regra. Ora, toda fundamentação de norma tem de operar sob as limitações normais de um espírito finito; portanto, ela não pode a fortiori tomar já explicitamente em consideração todos aqueles sinais que caracterizam as constelações do caso particular imprevisto. Por esse motivo, a aplicação da norma exige uma elucidação argumentativa de seu próprio direito. Neste caso, a imparcialidade do juízo não pode, por sua vez, ser assegurada mediante um princípio de universalização; em questões da aplicação "sensível ao contexto" (kontextsensibel), a razão prática tem, ao contrário, de ser validada por um princípio de adequação. Isto é, tem-se de mostrar aqui, à luz de todos os sinais relevantes da situação, apreendidos de forma a mais completa, qual das normas já pressupostas como válidas é a mais adequada a um caso dado.

Como os discursos de fundamentação, os discursos de aplicação permanecem, decerto, uma operação puramente cognitiva e não oferecem, por isso, nenhuma compensação à separação do juízo moral em relação aos motivos do agir. Mandamentos morais são válidos independentemente de se o receptor despende a força para fazer o que foi reputado como correto (das Für-Richtig-Gehaltene). A autonomia de sua vontade se mede certamente pelo fato de que se pode agir a partir do conhecimento moral; mas conhecimentos morais não provocam já um agir autônomo. A pretensão à validade que ligamos às proposições normativas tem certamente a força de um dever (verpflichtende Kraft). Dever (Pflicht) é, segundo a terminologia kantiana, a afecção da vontade pela pretensão à validade de mandamentos morais. Que os fundamentos que apoiam uma tal pretensão à validade não sejam ineficazes, isso se mostra na má consciência que nos atormenta quando agimos contrariamente a um saber mais abalizado. Sentimentos de culpa são um indicador palpável do não-cumprimento do dever. Mas neles se exprime apenas que sabemos que não temos melhores fundamentos para agir de maneira diferente. Sentimentos de culpa indicam uma cisão da vontade.



V

A vontade empírica cindida da vontade autônoma desempenha um papel digno de nota na dinâmica de nossos processos de aprendizado moral. Porque a cisão da vontade só é um sintoma de fraqueza da vontade se as exigências morais, contra as quais a vontade choca, são de fato legítimas e "cabíveis" (zumutbar) sob condições dadas. Na revolta de uma vontade discordante revelam-se muito freqüentemente, como sabemos, a integridade ferida da dignidade humana, a recusa de reconhecimento, o interesse negligenciado, a diferença negada. Visto que os fundamentos de uma moral tornada autônoma têm uma pretensão análoga à do conhecimento (erkenntnisanalog), a validação e a gênese separam-se de novo aqui, como no discurso pragmático. Assim, por trás da fachada de uma validação categórica, pode-se ocultar e abrigar um mero interesse capaz de impor-se. Essa fachada deixa-se construir tanto mais facilmente, uma vez que a correção dos mandamentos morais, ao contrário da verdade de recomendações técnicas ou estratégicas, não está numa relação contingente para com a vontade do receptor, mas a obriga racionalmente. Para quebrar as correntes de uma universalidade falsa, meramente presumida, de princípios universalistas criados seletivamente e aplicados de maneira sensível ao contexto (kontextsensibel angewendet), sempre se precisou, e se precisa até hoje, de movimentos sociais e de lutas políticas no sentido de aprender das experiências dolorosas e dos sofrimentos irreparáveis dos humilhados e ultrajados, dos feridos e dos mortos, que ninguém pode ser excluído em nome do universalismo moral — nem as classes subprivilegiadas, nem as nações exploradas, nem as mulheres tornadas domésticas (die domestizierten Frauen), nem as minorias marginalizadas. Quem exclui o outro, que lhe permanece um estranho, em nome do universalismo, trai sua própria idéia. O universalismo do respeito igual em relação a todos e da solidariedade com tudo o que tenha o semblante humano se comprova apenas na libertação radical de histórias individuais e de formas particulares de vida.

... Kant acreditava que a razão prática volta inteiramente a si mesma e coincide com a moralidade apenas enquanto instância examinadora de normas.

Essa reflexão ultrapassa já os limites da formação de vontade individual. Até agora investigamos o uso pragmático, ético e moral da razão prática, tendo como fio condutor a questão tradicional: "Que devo fazer eu?". Ora, quando o horizonte da questão se desloca da primeira pessoa do singular para a primeira do plural, modifica-se mais que o fórum da reflexão. A formação de vontade individual segue já, segundo sua idéia, uma argumentação publica que se realiza in foro interno1 . Não se trata de uma mudança de perspectiva da interioridade do pensamento monológico para o espaço público do discurso, mas de uma alteração na posição do problema: o que altera é o papel no qual o outro sujeito se encontra.

Com certeza, o discurso prático-moral desvincula-se da perspectiva à qual as reflexões pragmáticas e éticas ainda estão presas. Todavia, também para a razão que examina normas, o outro só surge como oponente numa argumentação "ao nível da representação" (in einer vorgestellten Argumentation). Assim que o outro apareça como um oposto (Gegenüber) com vontade própria, insubstituível, põem-se novos problemas. Naturalmente, também a formação de vontade individual está sob restrições contingentes; mas das condições de formação de vontade coletiva faz parte, sobretudo, a realidade da vontade alheia.

Dessa circunstância da pluralidade dos agentes e da condição de dupla contingência sob a qual a realidade de uma vontade coincide com a realidade da outra, resulta o problema da busca conjunta de metas coletivas, e o problema já conhecido da regulamentação da vida em comum põe-se de uma nova maneira sob a pressão da complexidade social. Quando o interesse próprio tem de ser posto em harmonia com o alheio, os discursos pragmáticos apontam a necessidade de compromissos. Nos discursos ético-políticos, trata-se da elucidação da identidade coletiva, que tem de deixar espaço para a multiplicidade de projetos individuais de vida. Nos discursos prático-morais, tem-se de examinar não apenas a validade e a adequação dos mandamentos morais, mas examinar também se são cabíveis (deren Zumutbarkeit). Com a implementação de metas e programas põem-se, enfim, questões da transferência e da utilização neutra do poder.







O direito racional moderno reagiu a esses modos de pôr o problema. Naturalmente, falta-lhe a natureza intersubjetiva de uma formação de vontade coletiva, a qual não pode ser representada como uma formação de vontade individual em formato ampliado. Temos de abrir mão das premissas da filosofia do sujeito (subjektphilosophisch) do direito racional. Com o problema da compreensão entre as partes cujas vontades e interesses se chocam, as operações da razão prática executadas in mente2 deslocam-se para o plano dos procedimentos e dos pressupostos comunicativos dos discursos e discussões que são levados realmente a termo.

A partir deste ponto de vista da teoria comunicativa (kommunikatiom-theoretische Sicht), deveríamos também encontrar uma resposta para a pergunta que há muito se põe por nossa análise até aqui. Podemos falar ainda da razão prática no singular, depois que ela foi desagregada em formas diversas de argumentação sob os aspectos do adequado a fins, do bom e do justo? É certo que todos esses argumentos referem-se à vontade de agentes possíveis; mas vimos que também os conceitos de vontade modificam-se com o tipo das perguntas e respostas. A unidade da razão prática já não se deixa fundamentar sem restrições na unidade da argumentação em geral, isto é, no procedimento da argumentação. Ou seja: não há um metadiscurso ao qual pudéssemos recuar para fundamentar a escolha entre formas diversas de argumentação. Não fica, então, à discrição de cada indivíduo ou, na melhor das hipóteses, à sua faculdade de julgar, a escolha se gostaria de apreender e tratar um dado problema sob o ponto de vista do adequado a fins, do bom ou do justo? O recurso a uma faculdade de julgar que examina se os problemas são de natureza estética ou econômica, teórica ou prática, ética ou moral, política ou jurídica, tem de ser insatisfatório para todo aquele que, como Kant, possui bons fundamentos para deixar de lado o conceito aristotélico não-claro da faculdade de julgar. Além disso, não se trata, neste ultimo, de uma faculdade de julgar reflexionante, que refere casos a regras, mas de uma aptidão para a classificação de problemas.

Tal como Peirce e o pragmatismo enfatizaram com justeza, os problemas têm sempre algo de objetivo; somos confrontados com problemas que vêm ao nosso encontro. Esses mesmos problemas têm uma força definidora de situação (eine situationsdefinierende Kraft) e requerem, por assim dizer, nosso espírito segundo a própria lógica deles. Não obstante, se a cada instante seguissem sua própria lógica, que não teria nenhum contato com a lógica do problema seguinte, toda nova espécie de problema puxaria nosso espírito numa outra direção. A razão prática, que encontrasse sua unidade no ponto cego de uma tal faculdade de julgar reativa, permaneceria uma formação (Gebilde) opaca, apenas explicável fenomenologicamente.

A unidade da razão prática pode fazer-se valer, de maneira inequívoca, apenas no contexto interno daquelas formas comunicativas nas quais as condições de formação racional da vontade coletiva tomam figura objetiva.





Jürgen Habermas é filósofo do Instituto de Pesquisa Social, em Frankfurt (Alemanha), e conferencista do mês de outubro, 1989 do IEA.
* Texto apresentado na Conferência do Mês (IEA/USP): "Zum pragmatischen, ethischen und moralise hen Gebrauch der praktischen Vernunft", realizada em outubro de 1989.
1 Assim no original. (N .T.)
2 Assim no original. (N.T.)Texto publicado no Scielo. Clique aqui para fazer citação.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

A Perspectiva Sistêmica na sociologia do Direito : Luhmann e Teubner


Marcelo Pereira de Mello


RESUMO




Este artigo se propõe a analisar de forma crítica as contribuições de Niklas Luhmann e Gunther Teubner para o desenvolvimento da Teoria Sistêmica do Direito (TSD). Sua hipótese principal é a de que os autores analisados convergem para uma crítica comum às teses fundamentais das teorias sociológicas clássicas que afirmam que o direito é um epifenômeno das relações sociais dos diversos agentes e seus interesses: indivíduos, classes, corporações, partido etc. A Teoria Sistêmica, ao contrário, afirma que o direito pode ser analisado como um subsistema social que, a partir da operação de um código próprio, imprime um sentido e um conteúdo às comunicações dos agentes da ação, de tal maneira que não apenas as relações sociais entre os agentes criam o direito, mas também o direito cria realidades orientadoras das ações dos agentes.


Palavras-chave: Direito; Teoria sociológica; Análise sistêmica; Subjetivismo; Historicismo; Autopoiesis.







MELLO, Marcelo Pereira de A Perspectiva Sistêmica na sociologia do Direito : Luhmann e Teubner . Tempo soc.[online]. 2006, vol.18, n.1, pp 351-373. ISSN 0103-2070.

Fonte: Scielo

quarta-feira, 6 de março de 2013

COMENTÁRIOS À OBRA “FUMAÇA DO BOM DIREITO: ENSAIOS DE FILOSOFIA E TEORIA DO DIREITO”



Geison de Oliveira Rodrigues

Advogado em Curitiba

Bacharel em Filosofia pela UFPr



O livro “Fumaça do Bom Direito”, a mais recente obra de um dos mais importantes pensadores brasileiros, autor de mais de vinte compêndios sobre filosofia jurídica, política e social, apresenta duas características que a tornam especialmente relevante.



Primeiramente, dada a motivação que a fez surgir (a comemoração dos vinte anos do Instituto de Pesquisas Jurídicas Bonijuris, de Curitiba), é sua importância histórica para o estudo do desenvolvimento do pensamento crítico no mundo ocidental. Tendo eclodido na Europa em torno dos movimentos da magistratura democrática na Itália e na Alemanha, e também nos EUA, expressado nas campanhas contra o “establishment” que convergiram para o que se denominou “Critical Legal Studies”, encontrou sua expressão latino-americana nos trabalhos de Luiz Fernando Coelho. Alguns foram publicados no Boletim Informativo e naRevista Bonijuris, e, reunidos no livro “Fumaça do Bom Direito”, revelam a evolução do pensamento crítico brasileiro através desses textos.



Num dos ensaios, História de Uma Crítica, o autor revela as fontes que o levaram a produzir sua obra mais expressiva, tese com a qual concorreu ao cargo de professor titular da Faculdade de Direito da UFPr. É a contribuição pessoal do autor ao que denomina “Juriscrítica”, cuja tarefa principal é demonstrar o alcance ideológico dos novos mitos que, sob o rótulo de flexibilizantes e desconstitucionalizantes, podem trazer em seu bojo verdadeiros atentados às conquistas históricas garantidoras da dignidade do ser humano individual e social. Lutar pela universalização e efetivação dos direitos humanos ainda é a melhor resposta contra as barbáries destrutivas que um estado totalitário pode estimular.



Outra peculiaridade relevante: ao contrário de inúmeros “tratados”; “cursos”; “manuais”; “elementos” e “compêndios” que versam temas de filosofia e teoria do direito com míninas variações de estilo, estes Ensaios têm um método próprio do professor Luiz Fernando Coelho: anuncia e debate desde o início temas jurídicos de extrema relevância social, os quais só podem ser concebidos doutrinariamente se conduzidos pela ponte intelectual de um profissional que não pense o direito apenas cartesianamente, mas sim, faça da sua lavra um elo construtivista entre filosofia e direito, em prol do progresso da sociedade.



Nos primeiros tópicos o autor já faz prova da contemporaneidade da obra ao incidir em temas pertinentes ao direito ambiental (In dubio pro natura e A Competência Concorrente em Direito Ambiental), traçando importantes comentários que podem ser vislumbrados à luz do texto do novo Código Florestal, ainda a ser publicado. Seguindo este mesmo rigor em todo o escrito. O autor discute, sob a forma de parecer, a problemática da competência comum e concorrente trazida pelos artigos 23 e 24 da Constituição Federal, explicitando os conflitos entre legislações dos Estados e da União. Na dúvida hermenêutica sobre os conflitos entre a proteção ambiental e os interesses privados, para o autor a solução será sempre a que favorecer a proteção ambiental. Registre-se que o brocardo “in dubio pro natura”, hoje utilizado de maneira recorrente, foi invenção do professor Coelho, que o lançou em memorável conferência perante os juízes federais reunidos em Santos/SP. Mesmo a expressão “direito ambiental” foi proposta de modo pioneiro pelo professor Coelho, em conferência para os diplomados da Escola Superior de Guerra. Outros ensaios reunidos no livro têm igual importância histórica e documental.



Em Principiologia do Direito, o autor pertinentemente propõe uma divisão dos princípios em dois grupos, um conceitual e outro pragmático, sistematização esta que, de maneira arejada, permite entender o que é o direito e também como realizá-lo na vida prática. Ainda neste tópico, o autor destaca vinte princípios gerais, na mesma linha conceitual e aplicativa, ressaltando que a partir desses pressupostos, numa visão crítica da realidade social, tornar-se-á possível fazer uma reconstrução do saber jurídico rumo à desalienação e libertação.



Inspirado por intenso ânimo crítico e especulativo, no tópico Jusfilosofia, Globalização e Teoria Crítica o autor discute dialeticamente a necessidade de reformas político-institucionais em face do surgimento de novas formas de organização social, estreitamente relacionadas com a integração ibero-americana já reflexa do fenômeno da globalização. Seguindo plano distributivo de exposição, o autor propõe como missão da jusfilosofia na sociedade globalizada o construtivismo de um pensamento agora focado numa sociedade comunitária, definido como socialismo de consciência comunitária.



Nos seus Fundamentos Fenomenológicos da Crítica Social, entendendo a fenomenologia como instrumento essencial norteador das categorias fundamentais do pensamento crítico, procura deduzir os conceitos de ser social, trabalho e práxis, compreendidos desde logo como núcleos da crítica social contemporânea. Inspirado em Edmund Husserl, o autor explica convincentemente que quando o objeto é o fenômeno social, o sujeito chega às verdades da razão unindo contato originário com vivência experimentada deste contato, decorrente aquela da retenção consciente deste; em outros termos, é da investigação subjetiva que vem o desvendar da essência de cada homem e de cada sociedade e por consequência do que lhes é mais apropriado.



Defrontando-se com o tema Filosofia do Direito e a Prova no Processo, o autor destaca, focado no processo do trabalho, que a cognição jurisdicional é transformadora, não podendo o magistrado desvincular-se da sociedade e mergulhar apenas no mundo do processo, na verdade formal. Propõe-se que a interpretação, a integração e a aplicação das normas jurídicas sejam feitas sempre de maneira metadogmática, principalmente na apreciação da prova que possa por termo à atividade jurisdicional no processo, sendo o bem maior a efetivação da justiça social.



No título Do Direito à Anarquia, o autor destaca seu inconformismo perante a insuficiência das soluções até então apresentadas como respostas aos magnos problemas da humanidade. A questão é problematizada através da ênfase a uma tese que propõe: mais do que um estado de direito, anseia-se por um estado de justiça no qual o homem social, após tantas decepções com a outorga do poder para um estado centralizado e a aplicação da norma heterônoma, possa de maneira construtiva entender que a solidariedade, o direito e a justiça efetivos vêm da vivência da libertação, e nunca de um conceito abstrato de liberdade. Ainda neste título, destaca pertinentemente que a alienação do homem social pode ser neutralizada por um único equipamento: a educação conscientemente ministrada.



No estudo sobre o Renascimento do Direito Comparado, o autor legitima a importância do tema destacando que da metodologia construída pelo direito comparado veio o preenchimento do hiato representado pelo vetusto ceticismo epistemológico que minimizou o caráter científico dos estudos jurídicos. Em visão historicista, destaca ainda que em períodos de divisão do poder e luta pela consolidação do mesmo, o direito comparado foi importante ferramenta tanto para consolidar direitos nacionais em formação quanto para transcender fronteiras geopolíticas, promovendo a colaboração e a solidariedade entre os povos sem esquivar-se das equivalências nem em desprezo das diferenças.



Tratando do tema Resgate do Culturalismo Egológico na Hermenêutica Constitucional Contemporânea, questiona o rumo tomado pela atividade legislativa atual, cada vez mais impregnada por metas ditadas pela economia em detrimento da política social, cabendo à jusfilosofia reativar debates que tenham como cerne delimitar o espaço das soluções econômicas e o espaço da proteção dos direitos humanos, o qual não pode ser preterido quando o tema for a balança do custo/benefício. Neste tema o autor pretende o resgate do culturalismo egológico ao propor uma primazia da conduta humana frente à norma jurídica conceitual, pois a essência do direito é a intersubjetividade das condutas sociais.



Em A Constituição Horizontal, propõe-se a desvendar os problemas atuais da interpretação constitucional e decifrar os principais conceitos explícitos e implícitos no texto respectivo. E defende posição no sentido de que a maior garantia de eficácia e respeito à constituição é situá-la no mesmo plano das outras normas sociais, pois o que a distingue numa sociedade heterogênea e complexa é a amplitude de sua eficácia normativa e não uma posição hierarquia artificial. Para o autor a constituição não paira acima das leis numa hierarquia analítica, mas situa-se no mesmo plano da normatividade que forma o complexo tecido das relações sociais. Somente respeitando as diferenças sociais torna-se possível a libertação dos oprimidos.



No tópico Sobre Ética e Corrupção o autor, em painel proposto pela Associação Mineira do Ministério Público, tece comentários sobre os prejuízos que os escândalos políticos em todos os Poderes do Estado podem gerar no comportamento da sociedade e na própria democracia. A obra adverte que democracia pressupõe politização e que esta pressupõe educação. Eis aí a primeira edição deste Livro publicado pela Editora Bonijuris, cuja meta única é fazer do bom direito um meio verossímil de satisfatividade das liberdades e garantias sociais.

(COELHO, Luiz Fernando. Fumaça do Bom Direito – Ensaios de Filosofia e Teoria do Direito. Curitiba: BONIJURIS / JM Livraria, 2011, 320 p.)

domingo, 17 de fevereiro de 2013

A ANÁLISE DE MONTESQUIEU SOBRE A TRIBUTAÇÃO



Em L’Espirit des Loix (O Espírito das Leis) Montesquieu dedicou o livro décimo terceiro para comparar modelos tributários. O referido excerto denomina-se Das relações que a arrecadação dos tributos e a grandeza das rendas públicas têm com a liberdade. Montesquieu comparou modelos de tributação para questionar imposições fiscais e exercício de liberdades. O ponto de partida identifica teorização referente às finanças públicas:
As rendas do Estado são uma parcela que cada cidadão dá de seu bem para ter a segurança da outra ou para fruí-la agradavelmente. Para fixar corretamente essas rendas, cumpre considerar as necessidades do Estado e as necessidades dos cidadãos. Não se deve tirar das necessidades reais do povo para suprir as necessidades imaginárias do Estado. Necessidades imaginárias são as exigidas pelas paixões e fraquezas dos que governam, a atração de um projeto extraordinário, o desejo doentio de uma glória inútil e uma certa impotência do espírito contra os caprichos. Amiúde, os que, com um espírito inquieto, estavam na direção dos negócios sob o governo do príncipe julgaram que as necessidades do Estado eram as necessidades de suas almas insignificantes. A sabedoria e a prudência devem regulamentar tão bem como a porção do que se retira e a porção que se deixa aos súditos (MONTESQUIEU, 1982, p. 241).
O filósofo francês investigou vários modelos tributários de modo a evidenciar alguns equívocos que se praticavam em solo francês. Montesquieu identificou circunstâncias que assinalou como casos semelhantes. O autor de O Espírito das Leis procurou tirar conclusões, a partir de juízos de comparação e assim, por exemplo:
Quando uma república reduziu uma nação a cultivar as terras para ela, não se deve permitir que o cidadão possa aumentar o tributo do escravo. Isso não era permitido na Lacedemônia [Esparta]; imaginava-se que os helotas cultivariam melhor as terras se soubessem que sua servidão não seria aumentada ainda mais; acreditava-se que os senhores seriam melhores cidadãos quando só aspirassem ao que estavam acostumados a possuir (MONTESQUIEU, 1982, p. 243). 
Observando as várias práticas exacionais que então se conhecia, Montesquieu desenhou quadro elegante da tributação em seu tempo, aparentemente buscando o que seria melhor para a França. Por exemplo:
Pedro I, pretendendo imitar a prática da Alemanha e arrecadar seus tributos em dinheiro, estabeleceu um regulamento muito sábio que ainda hoje é observado na Rússia. O gentil-homem cobra a taxa de seus camponeses e a paga ao czar. Se o número de camponeses diminui, ele pagará do mesmo modo; se o número aumentar, ele não pagará mais; está portanto interessado em não vexar seus camponeses (MONTESQUIEU, 1982, p. 243).
Ainda teoricamente, Montesquieu questionava as melhores fórmulas de tributação, adiantando-se em discussão contemporânea, relativa à tributação dos salários ou do consumo. Afirmou que em um Estado, quando todos os indivíduos são cidadãos, e quando cada um possui por seu domínio o que o príncipe possui por seu império, pode-se taxar as pessoas, as terras ou as mercadorias; duas delas ou todas as três (MONTESQUIEU, 1982, p. 243). O pensador francês também problematizou questões que lembram temas de tributação indireta. De tal modo,
Os direitos sobre as mercadorias são os que os povos menos sentem, porque não se lhe faz uma arrecadação formal. Podem eles ser tão sabiamente manipulados que o povo quase ignorará que os paga. Por isso, é muito importante que quem vende a mercadoria seja quem pague o direito. Ele saberá muito bem que não é ele quem paga e o comprador, que é quem efetivamente paga, o confunde com o preço. Alguns autores disseram que Nero suprimira o direito do vigésimo quinto escravo vendido; entretanto, não fizera ele outra coisa senão ordenar que seria o vendedor que o pagaria e não o comprador; este regulamento que conservara todo o imposto pareceu suprimi-lo(MONTESQUIEU, 1982, p. 244).
As observações de Montesquieu indicavam a necessidade de se implementarem modelos simplificados de arrecadação. Para o filósofo do iluminismo francês:
Os tributos devem ser facilmente compreendidos e tão claramente estabelecidos que não possam ser aumentados nem diminuídos pelos que os arrecadam. Uma porção sobre os frutos da terra, uma taxa por cabeça, um tributo por tanto por cento sobre as mercadorias, são os únicos convenientes (MONTESQUIEU, 1982, p. 246).
O método comparativo de Montesquieu avaliava também a prestabilidade das penas fiscais. É disso que trata o seguinte excerto:
É uma particularidade das penas fiscais serem, contra a prática geral, mais severas na Europa do que na Ásia. Na Europa, confiscam-se as mercadorias e, algumas vezes, inclusive os navios e os meios de transporte; na Ásia, não se faz nem uma coisa nem outra. É que na Europa os comerciantes têm juízes que podem garanti-los contra a opressão; na Ásia, os juízes despóticos são os próprios opressores. Que faria um comerciante contra um paxá que resolvesse confiscar-lhe as mercadorias? É a vexação que supera a si própria e vê-se constrangida a uma certa brandura. Arrecada-se, na Turquia, apenas um único direito de entrada; e depois disso, todo o país está aberto aos mercadores. Não implicam falsas declarações nem confisco, nem aumento dos direitos. Na China, não se abrem os fardos das pessoas que não são comerciantes. A fraude, entre os mongóis, não é punida com o confisco, mas com a duplicação dos direitos. Os príncipes tártaros, que na Ásia habitam as cidades, quase nada arrecadam sobre as mercadorias em trânsito. No Japão, o crime de fraude no comércio é considerado crime capital, é porque há motivos para proibir toda comunicação com os estrangeiros e porque a fraude é, aí, antes uma contravenção às leis de segurança do Estado do que às leis da segurança do Estado e às leis do comércio (MONTESQUIEU, 1982, p. 246).
Montesquieu interessava-se por todos os sistemas tributários que tinha notícias e em relação a eles montava interessante painel que lhe possibilitava pensar o sistema fiscal francês. Assim,
Regra geral: pode-se arrecadar tributos mais elevados, na proporção da liberdade dos súditos, e é-se forçado a moderá-los na medida em que a servidão aumenta. Isso sempre aconteceu e acontecerá sempre. É uma regra extraída da natureza que nunca varia; encontramo-la em todos os países, na Inglaterra e na Holanda e em todos os Estados em que a liberdade vai se degradando, até na Turquia. A Suíça parece ser uma exceção porque lá não pagam tributos. Não sabemos o motivo específico disso, mas esse país confirma também o que afirmo. Nas suas montanhas estéreis, os víveres são tão caros e o país tão povoado que um suíço paga quatro vezes mais à Natureza do que um turco paga a um sultão (MONTESQUIEU, 1982, p. 247).
Montesquieu abriu capítulo próprio para tratar da isenção de tributos e também para prever questões orçamentárias, conjeturando que:
A máxima dos grandes impérios do Oriente de dispensar do pagamento de tributos as províncias arruinadas, deveria ser muito imitada nos Estados monárquicos. Em alguns, de fato, ela já existe, porém oprime mais do que se não existisse porque, não arrecadando o príncipe nem mais nem menos, todo o Estado torna-se solidário. Para aliviar uma aldeia que paga com dificuldade, sobrecarrega-se outra que paga melhor; não se restabelece a primeira, destrói-se a segunda. O povo fica desesperado entre a necessidade de pagar, o medo das exações, o perigo de pagar e o temor das sobrecargas. Um Estado bem governado deve colocar, como primeiro artigo de sua despesa, uma soma regulamentada para os casos inesperados. Ocorre com o público a mesma coisa que ocorre com os indivíduos: arruínam-se quando despendem exatamente a renda de suas terras(MONTESQUIEU, 1982, p. 250).
Insistindo na formalidade e na boa organização do modelo de arrecadação, Montesquieu imaginava modelo fiscal marcado pela transparência e pela racionalidade:
A arrecadação oficial é a administração de um pai de família que obtém, ele próprio, com economia e ordem, as suas rendas. Pela arrecadação oficial, o príncipe está em condições de apressar ou retardar a arrecadação dos tributos, de acordo com suas necessidades, ou de acordo com a necessidade de seus povos. Pela arrecadação oficial ele poupa ao Estado os imensos lucros dos contratadores que o empobrecem de mil maneiras. Pela arrecadação oficial, poupa ao povo o espetáculo das fortunas súbitas que afligem. Pela arrecadação oficial, o dinheiro arrecadado passa por poucas mãos, indo diretamente ao príncipe e, consequentemente, retorna mais rapidamente ao povo. Pela arrecadação oficial, o príncipe poupa ao povo uma infinidade de leis nefastas que a avareza importuna dos contratadores sempre lhe exige, e que mostram uma vantagem presente nos regulamentos funestos do futuro (MONTESQUIEU, 1982, p. 251).
O contratador criticado por Montesquieu era quem comprava adiantadamente os direitos de cobrar impostos, enviando aos príncipes parcelas calculadas sobre os valores que seriam arrecadados. Contratadores eram figuras odiadas. O Brasil conheceu a figura do contratador das minas, que muita fúria promovia nas populações que pagavam tributos à coroa portuguesa, por meio do referido cobrador de impostos. Montesquieu não perdoava os contratadores e os atacava de forma veemente:
Tudo está perdido quando a profissão lucrativa dos contratadores consegue, por suas riquezas, ser uma profissão honrada. Isto pode ser conveniente nos Estados despóticos em que, amiúde, seu emprego é uma parte das funções dos próprios governantes. Mas não é conveniente na república; e algo semelhante destruía a república romana. Isso também não é melhor na monarquia; nada é mais contrário do que isso ao espírito desses governos. A mágoa apodera-se de todos os outros Estados; a honra perde toda sua consideração, os meios lentos e naturais de ascensão perdem seu prestígio e o governo é afetado em seu princípio (MONTESQUIEU, 1982, p. 252).
Montesquieu vinculou a cobrança dos tributos à atuação do homem público em relação ao bem comum. E assim encerrou o referido capítulo sobre tributação:
Há um prêmio para cada profissão. O prêmio dos que arrecadam os tributos são as riquezas, e as recompensas dessas riquezas são as próprias riquezas. A glória e a honra cabem a esta nobreza que só conhece, que só vê, que só sente como verdadeiro bem a honra e a glória. O respeito e a consideração cabem a esses ministros e magistrados que, só encontrando trabalho sobre trabalho, velam pela noite e dia pela felicidade do império (MONTESQUIEU, 1982, p. 252).
Montesquieu compreendeu a importância da tributação e, de certa forma, insinuou que o bom gasto público é, certamente, o antídoto mais potente e o termômetro mais fiel para todos os regimes tributários que há. E porque não há direitos sem recursos que os garantam, e nem serviços públicos sem fontes de financiamento, não se tem, até hoje, outra fórmula de obtenção de recursos, que não a tributação, ou a inflação. Nesta última, vinga o descontrole e a baixa-estima; naquela primeira, tem-se oportunidade para o controle e para a discussão pública. 
Bibliografia
MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, Barão de. O Espírito das Leis. Brasília: UnB, 1982.
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP.
Revista Consultor Jurídico, 17 de fevereiro de 2013

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

APEL VERSUS HABERMAS: COMO DISSOLVER A ÉTICA DISCURSIVA PARA SALVAGUARDÁ-LA JURIDICAMENTE




Delamar José Volpato Dutra
Departamento de Filosofia da UFSC, CNPq. djvdutra@yahoo.com.br




RESUMO
A relação entre direito e moral é a clef de voûte do problema da justificação do direito. De fato, a ocupação filosófica com a justificação do direito porta conexão com a moral, como, por exemplo, em Kant, Dworkin, Alexy, Rawls. Pretende-se apresentar o papel desempenhado pela ética discursiva na fundamentação do direito proposta por Habermas. Apesar de Habermas dispor de uma moral cognitivista e ter apresentado uma fundamentação para o princípio de universalização próprio para a mesma, tal princípio parece ter desaparecido do empreendimento tardio de fundamentação da correção jurídica. Tal acusação é endereçada a Habermas exemplarmente por Apel, Kettner e Heck. Pretende-se sustentar, no presente trabalho, especialmente contra Apel, que a moral discursiva não desaparece do empreendimento de fundamentação do direito, sendo apenas redefinido o papel que ela desempenha nesta tarefa, embora em um sentido mais forte do que Habermas pretende reconhecer. De fato, Habermas parece atribuir à moral um papel negativo na justificação do direito. Pretende-se defender que os direitos morais não cumprem uma função somente negativa no procedimento de justificação do direito, por mais importante que seja tal função assim concebida, seja porque tais direitos passam, de alguma forma, a compor a forma jurídica e mesmo os direitos básicos, seja porque a própria tese da complementaridade parece exigir que o direito positive a moral.
Palavras-Chave: Habermas, Apel, Filosofia do direito, Moral, Direito

ABSTRACT
The connections between the law and morality are the clef de voûte of law justifying problem. The philosophic preoccupation with those connections is well exemplified in the works of Kant, Dworkin, Alexy, Rawls. This paper aims to show the role discursive ethics plays in the foundation of the law, according to Habermas' perspective. Although Habermas had established a cognitivist morality and shown an argument for the principle of universalization, it seemed to have disappeared form his later intent of juridical correction foundation. This accusation, addressed to Habermas, was equally supported by Apel, Kettner and Heck. This article intends, especially against Apel's point of view, to demonstrate that discursive morality did not disappear, but have just traversed a period of conceptual modifications. Indeed, for Habermas, morality seems to play a negative role in the law justification process. Despite this underestimation of morality, the paper defends the relevance of moral rights for this process, which increases, even more, the importance of the connections between the law and morality in the discussion of Habermas' complementarity thesis.
Keywords: Habermas, Apel, Legal Philosophy, Morality, The law




Habermas, no prefácio a FG, ao mencionar a reformulação de sua própria teoria concernente ao tema da complementaridade entre direito e moral se refere à posição de Apel, do que se pode concluir que o estudo das divergências entre ambos é um bom método para poder tornar mais clara a própria posição defendida por Habermas em FG. Por isso, utilizar-se-ão as discordâncias de Apel em relação a Habermas como uma matriz daquilo que o autor de FG está provavelmente recusando como sendo a maneira correta de entender a mencionada complementaridade.
A discordância principal de Apel com relação a Habermas reside na neutralização moral do princípio do discurso operada em FG, o que teria levado a uma dissolução [Auflösung] da ética discursiva. Desta tese da neutralidade se seguem consequências das quais Apel discorda. A primeira delas pode ser vislumbrada na acusação feita de que, assim concebida a arquitetônica de FG, um dos intentos principais de Habermas, a saber, fundamentar o direito, resultaria contraditório. A segunda consequência é vislumbrada na acusação de que o próprio empreendimento da ética discursiva visando à fundamentação do princípio de universalização se tornaria impossível.
A primeira acusação pode ser encontrada no texto Auseinandersetzungen in Erprobung des transzendentalpragmatischen Ansatzes1 de 1998. Segundo Apel, Habermas pretende encontrar a base normativa do direito em um princípio do discurso moralmente neutro, mas, ao mesmo tempo, sustenta haver uma dependência da validade normativa do direito em relação à moral,2 visto Habermas sustentar que "o sentido universalista do princípio do direito" requer "um ponto de vista genuinamente moral".3 Nesse sentido, não é clara a conexão entre o sistema de direitos básicos e os direitos morais. Isso sem contar a tese de que o direito deve estar em harmonia com a moral. Esses pontos deverão se tornar mais claros a seguir.
A segunda objeção pode ser encontrada no texto "Regarding the relationship of morality, law and democracy: on Habermas's Philosophy of Law (1992) from a transcendental-pragmatic point of view".4 Para Apel, se Habermas partir da formulação dada ao princípio do discurso em FG, ele não poderá deduzir o princípio de universalização, porque aquele é neutralizado moralmente.5
No seu texto, Apel menciona, por duas vezes, a nota 4 do prefácio a FG. Na primeira menção ele afirma: "a minha tentativa de uma fundamentação do Direito, como implicação da parte B da ética do discurso, foi refutada por Habermas em Direito e democracia: entre faticidade e validade, na críptica nota 4".6 No contexto desta passagem, Apel é simpático, embora com reservas, à posição de Habermas nas Tanner Lectures. A sua ressalva tem conexão com a segunda menção que faz à referida nota 4. Nessa alusão posterior, Apel se reporta à seguinte afirmação de Habermas: "tentarei clarificar as determinações formais do direito, lançando mão da relação complementar entre direito e moral. Esta clarificação é parte integrante de uma explicação funcional, não de uma fundamentação normativa do direito. Pois a forma jurídica não é um princípio que possa ser 'fundamentado' epistêmica ou normativamente".7 Assim se pronuncia Apel:
aparentemente esta explicação um tanto repentina e abrupta guarda relação mais estreita com a minha exigência expressa de uma fundamentação normativa, e não só com a exigência de uma explicação funcional, da forma específica das normas jurídicas exigíveis por meio da coação estatal [...] Na nota de rodapé 4 (da "Introdução") de Direito e democracia, Habermas afastou esta minha exigência e, com ela, simultaneamente também, imagino, a sua própria posição anterior nas Tanner Lectures de 1986, como "abordagem normativa" do problema da relação entre Moral e Direito. No entanto, a minha irritação, no contexto atual do problema, não reside no rechaço (pretendido também, imagino, na nota de rodapé) de uma fundamentação moral da forma específica das normas jurídicas como normas de coerção (que, entretanto, considero necessária), mas no rechaço - que, ao que parece, vai além disso - de qualquer "fundamentação normativa" da "forma jurídica".8
A correta interpretação da afirmação da nota 4 depende da correta interpretação das Tanner Lectures, principalmente. Nesse ponto, Apel, por querer fundamentar normativamente a própria forma jurídica, interpreta equivocadamente as Tanner Lectures. Na verdade, a abordagem normativa das Tanner Lectures que é revisada em FG é outra e não aquela denotada por Apel. Ao que parece Habermas nunca pensou em uma justificação moral da forma jurídica, nem no contexto das Tanner Lectures. Tal rechaço parece ser uma constante em sua obra. O ponto de Habermas é que "a pretensão de validade deontológica de mandamentos morais seria relativizada e ligada a condições de sucesso do agir estratégico [...] caso o cuidado 'político' em sentido amplo para com o 'sucesso aproximativo do elemento moral em geral' (na figura de um outro princípio da responsabilidade ética, por exemplo) fosse incorporado à própria moral".9 Para ele, a política não se deixa moralizar diretamente, de tal forma que o único caminho aberto para uma reforma moral do nosso comportamento, ou melhor, para a civilização das condições de vida é o da domesticação do poder via juridificação controlada democraticamente, o que denota grande confiança no direito e mais ainda na democracia.
Outro ponto importante destacado por Apel se relaciona à definição do princípio do discurso. Ele observa, corretamente, que o "princípio do discurso pode e precisa ser formulado de modo tão neutro que nem sequer se mencionaria que nele haveria 'normas de ação' a serem fundamentadas; é que o princípio do discurso compõe também a base do discurso de formação do consenso, referente à verdade, da filosofia teórica".10 De fato, Habermas apresenta uma formulação do princípio do discurso que parece excluir sua aplicação às proposições teóricas, já que a formulação dada opera no âmbito da razão prática - "D: são válidas todas as normas de ação às quais todos os possíveis atingidos poderiam dar o seu assentimento, na qualidade de participantes de discursos racionais"11 -, embora não seja difícil encontrar formulações mais gerais do mesmo, como a seguinte: "sob a rubrica 'discurso' introduzo a forma de comunicação caracterizada pela argumentação, na qual se tornam tema as pretensões de validade que se tornaram problemáticas e se examina se são legítimas ou não".12 No entanto, o que é importante, para Habermas, é a independência do princípio do discurso em relação à moral, seja em qual formulação for, ao contrário de Apel, para quem "o princípio do discurso não é 'moralmente neutro'; ele pressupõe o reconhecimento da igualdade de direitos".13 Na verdade, a tese de Apel é que o princípio do discurso não só inclui o princípio de universalização da ética discursiva como também uma justificação da própria forma jurídica. Ele afirma: "parto da premissa de que o princípio do discurso - que, no modo de pensar, é irrecorrível - de fato já inclui, como conteúdo, o princípio moral primordial, e de que esse princípio moral, por sua vez, não só contém o princípio 'U' [...] mas, além disso, também um princípio de responsabilidade",14 sendo que este último daria uma justificação normativa para a própria forma jurídica. Dito claramente, "o princípio moral primordial, do qual a pragmática transcendental toma o seu ponto de partida como ética do discurso, é, a bem da verdade, uma pressuposição necessária de qualquer ato sério de argumentação, mas não é uma mera 'regra de argumentação'".15
Com relação a esse particular, o problema geral de Apel é confundir regras lógicas com conteúdos morais: "as tentativas feitas, até agora, para fundamentar uma ética discursiva, padecem do fato de que as regras da argumentação são curto-circuitadas com conteúdos e pressupostos da argumentação - e confundidas com princípios morais enquanto princípios da ética filosófica".16 Isso é um ataque frontal à formulação de Apel de que a lógica pressupõe uma ética. De fato, Apel afirma: "neste sentido também não se pode dizer que a lógica implica numa ética. Pode-se afirmar, no entanto, que a lógica - e com ela também todas as ciências e tecnologias - pressupõe uma ética como sua condição de possibilidade".17 Na verdade, o ponto é que se trata de duas ordens categorialmente distintas. Ou seja, é preciso distinguir a normatividade no sentido transcendental da normatividade no sentido deontológico.18 Quiçá, um dos possíveis motivos da confusão de Apel ocorra em razão - faute de mieux - da linguagem jurídica usada para descrever as condições de possibilidade do discurso ou da comunidade ideal de comunicação, fazendo com que seja sugerida uma leitura ética do que deveria ser uma condição de possibilidade lógica - embora pragmática - da racionalidade comunicativa.
Um outro aspecto importante do texto de Apel é apontar para o que parece ser um verdadeiro problema em Habermas. Apel, tendo em vista a afirmação contida em FG, a saber,
ele [Rousseau] não pode explicar a possibilidade de uma mediação entre a requerida orientação pelo bem comum dos cidadãos e os interesses sociais diferenciados das pessoas privadas, ou melhor, não sabe dizer como é possível mediar, sem repressão, entre a vontade comum, construída normativamente, e o arbítrio dos sujeitos singulares. Para que isso acontecesse, seria preciso um ponto de vista genuinamente moral, a partir do qual poderia ser avaliado se o que é bom para nós é do interesse simétrico de cada um. No final da versão ética do conceito de soberania popular [que Habermas imputa a Rousseau], perde-se o sentido universalista do princípio do direito,19
sustenta a proposição de que o próprio Habermas permaneceu caudatário da tese de uma relação positiva da moral na determinação da justificação do direito, pois, como conciliar a afirmação contida na citação "seria preciso um ponto de vista genuinamente moral", somada à afirmação segundo a qual "uma ordem jurídica só pode ser legítima, quando não contrariar princípios morais",20 com a tese da neutralidade? Sugere-se, neste estudo, um modo de ler o texto que permite admitir "um ponto de vista genuinamente moral", sem que com isso seja necessário abandonar a tese da neutralidade ou subordinar completamente, sob o ponto de vista normativo, o direito à moral. O que a construção de Habermas parece excluir são formulações como a de Kant, que sustentam o seguinte conjunto de teses:

  • tese da subsunção do direito à moral. De fato, Kant sustenta que "a doutrina do direito e a doutrina da virtude se distinguem, então, bem menos por deveres diferentes que pela diferença de legislação que associa à lei um móbil antes que um outro".21 Ademais, ele faz afirmações como as seguintes: (a) "o conceito do direito, enquanto relacionado a uma obrigação correspondente (i. e., seu conceito moral), diz respeito [...]";22 (b) "o direito como faculdade (moral) de obrigar outros, i. e., como um fundamento legal para os últimos (titulum), tem por divisão superior aquela entre direito inato e adquirido".23 Guido de Almeida chega a sustentar que para Kant as leis jurídicas são uma subclasse das leis morais.24 No mesmo diapasão Heck conclui: "deveres de direito não passam, para Kant, de uma subclasse da categoria dos deveres morais".25
  • tese do conhecimento moral da liberdade: "mas por que a doutrina dos costumes (moral) é ordinariamente (particularmente por Cícero) intitulada a doutrina dos deveres e não também dos direitos, dado que uns se referem aos outros? - O fundamento é este: Nós só conhecemos nossa própria liberdade (de que procedem todas as leis morais, portanto também todos os direitos tanto quanto os deveres) através do imperativo moral, que é uma proposição que ordena um dever, a partir do qual pode ser desenvolvida posteriormente a faculdade de obrigar os outros, i. e., o conceito do direito".26
A tese da subsunção Habermas a critica pelo seu viés platônico, ou seja, "subjaz a essa construção a ideia platônica segundo a qual a ordem jurídica copia e, ao mesmo tempo, concretiza no mundo fenomenal a ordem inteligível de um 'reino dos fins'".27 Com relação à segunda tese, Habermas propugna um autêntico conhecimento jurídico da liberdade e não um conhecimento moral.
Pretende-se argumentar no sentido de demonstrar que a filosofia do direito de Habermas se situa entre o caminho da completa subordinação normativa do direito à moral seguido por Kant e Apel e o caminho decisionista da completa separação seguido por Weber e Kelsen, de tal forma que o legislador mantenha sua autonomia, sem, contudo, poder contrariar normas morais. Portanto, é possível uma via intermediária que conecta a normatividade moral e a jurídica, sem que esta última seja reduzida à primeira. Nesse sentido, ele afirma no posfácio a FG que "a nau da teoria do discurso navega entre os escolhos do direito natural e do positivismo jurídico".28
Assim, se o princípio do discurso coincidisse com o princípio de universalização, então, "o princípio moral, oculto no princípio do discurso, passaria a ser novamente a única fonte de legitimação para o direito".29 Ainda que para Habermas os direitos humanos possam ser fundamentados como direitos morais,30 um dos pontos interessantes de sua obra é o de conseguir basear parte dos direitos humanos independentemente da moral, justamente partindo da análise das características formais do direito, de tal forma que o código do direito já "implica, ao mesmo tempo, a garantia de liberdades subjetivas".31 Ora, justamente as liberdades subjetivas são o coração de parte dos direitos humanos,32 sendo, quiçá, sua parte fundamental. O princípio do discurso, por sua vez, tem a função de dar conta de uma repartição igualitária desses direitos subjetivos, mormente por meio do procedimento democrático. É só assim que os direitos humanos não são impostos ao legislador de forma paternalista.
O que se poderia aduzir como possíveis razões que Habermas parece apontar para a defesa da tese da neutralidade avançada acima, como (1) a indeterminação dos princípios morais, carentes de um significado semântico melhor definido, e (2) a recusa do paternalismo moral com relação ao legislador político, parecem não ser motivos suficientes. Com relação ao ponto da indeterminação, Habermas - vale mencionar -, embora afirme em FG que, sob o ponto de vista conceitual, o princípio da moral e o princípio da democracia se expliquem reciprocamente,33 oblitera discretamente a positivação de princípios morais importantes e olha com certa desconfiança posições como a de Dworkin, por agudizarem a problemática da indeterminação do direito,34 pois dão eficácia plena a tais princípios, ainda que vagos no seu conteúdo. O próprio Habermas, com relação a este último ponto, não descarta os princípios morais mais importantes. Tanto é verdade que os mesmos, ou algo bem semelhante a eles, são alavancados como compondo o próprio código do direito e, portanto, como condição de possibilidade da própria formulação jurídica da democracia. Ou seja, os princípios morais mais importantes parecem ser elevados a princípios possibilitadores da ordem jurídica enquanto tal. De fato, liberdade privada e liberdade pública são pensadas como cooriginárias. Ainda que Habermas desafie a conotação moral de tais direitos, buscando conferir-lhes uma estirpe estritamente jurídica, ecoam pelo seu texto as semelhanças entre liberdade privada e direitos humanos ou direitos morais.
Veja-se que o próprio Habermas afirma que a complementaridade do direito, mesmo ao modo da neutralidade, não implica uma neutralidade moral do mesmo, justamente a acusação que Apel e outros parecem endereçar à nova posição em FG. Eis o que sustenta o autor de FG: "a relação complementar, no entanto, não significa uma neutralidade moral do direito".35 Tal caráter complementar não significa que o direito seja moralmente neutro, pois a moral adentra no processo legislativo e o direito não pode contrariar a moral.36 Ou seja, Habermas dilui a ética discursiva no interior do direito, seja no sistema de direitos, seja pelo caráter permeável do procedimento democrático que permite a livre circulação dos argumentos morais - embora não possa obrigar a tal -, seja na interdição dos produtos do procedimento democrático contrariar princípios morais. Sem contar que o direito é chamado a suprir os déficits cognitivos e institucionais da moral. O ponto é que a correção jurídica não se identifica mais à correção moral.37 No entanto, será que Apel chega a ponto da identificação? Se procedesse assim, como poderiam ser regradas as matérias carentes de consenso moral, como o aborto, a eutanásia, a clonagem?
A plausibilidade desta interpretação que dilui a ética discursiva para melhor preservá-la pode ser vislumbrada no modelo do processo da formação política racional da vontade apresentado a seguir. Nele, parece estar claro o papel de destaque que a moral desempenha, uma função mais importante seja do que o próprio Habermas parece explicitamente sustentar ao longo do texto, posto atribuir a ela apenas uma função negativa, seja do que os seus intérpretes o acusam. Pelo esquema a seguir, todos os argumentos têm que passar pelo "filtro" do discurso moral. Ou seja, "para que o princípio do discurso seja levado em conta por todos sem exceção, é preciso supor a combinalidade [Vereinbarkeit] de todos os programas negociados ou obtidos discursivamente com aquilo que pode ser justificado moralmente".38 Mas como operaria tal discurso? Ele só reteria o que com ele fosse incompatível, operando negativamente? Ele faria exigências de positivação, já que Habermas fala de transferências segundo o esquema a seguir?39 Tais pontos são importantes, inclusive tendo em vista a argumentação de que o direito depende de fontes de legitimidade que ele não tem à sua disposição.40



Cabe mencionar que a interpretação avançada - qual seja, a de que em FG Habermas vincula de alguma forma os conteúdos resultantes do procedimento moral e do procedimento jurídico, cuja base se encontra na sua afirmação, já exposta acima, de que uma ordem jurídica não pode contrariar princípios morais - encontra nesse modelo do processo da formação política racional da vontade também uma dificuldade, pois nele se sugere que uma matéria sobre a qual o legislador deve se pronunciar passaria, primeiro, pelo crivo dos discursos de negociação, pragmático e ético-político; em seguida, passaria pelo crivo do discurso moral para, então, provada a sua compatibilidade com argumentos morais, adentrar no discurso jurídico. Tal dificuldade pode configurar uma outra hipótese interpretativa, segundo a qual haveria uma sucessão de procedimentos pelos quais a matéria carente de juridicização deveria passar, sendo um deles o moral, no qual apenas se avaliaria sua compatibilidade ou não com uma argumentação moral, sendo os argumentos decisivos para sua legitimação avançados pelos outros discursos. O problema dessa hipótese é que ela só parece encontrar guarida na apresentação do próprio modelo, sendo que as demais menções à questão sugerem uma formulação mais substantiva que esta.
Outrossim, o modelo poderia querer apenas sugerir como o controle da moralidade do direito poderia operar, ou seja, processualmente, através do próprio discurso moral, e não solitária ou monologicamente. Mesmo essa formulação parece contrariar outras segundo as quais o processo jurídico faria uma combinatória de argumentos, como a que segue: "a relação complementar, no entanto, não significa uma neutralidade moral do direito. Pois o processo legislativo permite que razões morais fluam para o direito. E a política e o direito têm que estar afinados [Einklang] com a moral".42 Tal afirmação não parece albergar a interpretação de uma sucessão de procedimentos. Ademais, a própria ideia de complementaridade explicitamente sustentada por Habermas sugere uma relação entre direito e moral menos entrelaçada processualmente e mais mesclada funcionalmente, ainda que sob o ponto de vista do observador.43
Seja como for, o entrelaçamento entre direito e moral é enfraquecido em FG, melhor dito, ele será entendido de forma diferente, pois não se tratará mais de atar o procedimento jurídico ao moral, mas justamente de diferenciá-los. De sorte que a moral, neste texto, não pairará sobre o ordenamento jurídico como uma camada superior, mas emigrará para o direito sem, no entanto, implicar na perda da identidade deste último. A tese aqui sustentada é a de que, como contraponto a essa diferenciação, será forçada uma nova união ou novo entrelaçamento entre os produtos que resultam dos respectivos procedimentos, embora nada impeça que argumentos morais possam aflorar já diretamente no próprio nível do discurso jurídico de legislação.
Finalmente, então, as objeções de Habermas contra o fundamentalismo da posição de Apel podem ser assim compreendidas: (a) Apel visaria a fundamentar diretamente normas morais básicas sem passar pelo crivo discursivo da fundamentação de um princípio de universalização,44 visto que o conteúdo normativo das pressuposições gerais da argumentação possuiria um sentido deontologicamente obrigatório, ou seja, seria hábil a fornecer elementos concretos para uma inferência direta da reciprocidade e da igualdade de direitos exigidas fora da prática da argumentação. Habermas, por seu turno, nega ser possível extrair da substância normativa das pressuposições gerais da argumentação algo para exigências deontológicas concernentes à ação.45 Ou seja, "no final das contas, Apel confia, apesar de tudo, nas evidências infalíveis de um acesso direto, pré-analítico, às intuições de um participante da argumentação, já treinado na reflexão".46 Ademais, (b) Apel pretenderia "complementar a moral por meio de uma obrigação para a realização histórica da moral (ética da responsabilidade)".47
Tais críticas ao fundamentalismo de Apel, a saber, (a) à tese do caráter moral do conteúdo normativo das pressuposições gerais da argumentação que daria um acesso privilegiado à normatividade deontológica e (b) à tese da ética da responsabilidade que torna uma obrigação existencial realizar juridicamente a moral, constituem-se, portanto, em pontos de partida para se poder avançar uma compreensão melhor de como se deve compreender a relação entre a moral e o direito, discursivamente concebidos.

Referências
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Recebido em 12/02/2009.
Aprovado em 10/02/2010.




1 APEL, Karl-Otto. Auseinandersetzungen in Erprobung des transzendentalpragmatischen Ansatzes. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1998. Tal problema se encontra no cap. 13 do referido texto, cujo título é "Auflösung der Diskursethik? Zur Architektonik der Diskursdifferenzierung in Habermas' Faktizität und Geltung. Dritter, transzendentalpragmatisch orientierter Versuch, mit Habermas gegen Habermas zu denken". Este capítulo foi traduzido por Luiz Moreira e publicado no livro APEL; OLIVEIRA; MOREIRA, 2004, p. 201-321. Será usada a mencionada tradução para o vernáculo com a indicação da página da edição original.
2 APEL, 1998, p. 734-735.
3 TrFG1, p. 137 [FG, p. 132-133].
4 APEL(1992), 2002, p. 22.
5 No texto a seguir há uma tentativa de provar que tal é possível: VOLPATO DUTRA, 2002.
6 APEL; OLIVEIRA; MOREIRA, 2004, p. 208 [APEL, 1998, p. 737].
7 TrFG1, p. 147 [FG, p. 143].
8 APEL; OLIVEIRA; MOREIRA, 2004, p. 224 [APEL, 1998, p. 750].
9 HABERMAS, 2007, p. 111; HABERMAS, 2005, p. 103.
10 APEL; OLIVEIRA; MOREIRA, 2004, p. 210 [APEL, 1998, p. 738].
11 TrFG1, p. 142 [FG, p. 138].
12 HABERMAS, 1984, p. 130.
13 APEL; OLIVEIRA; MOREIRA, 2004, p. 210 [APEL, 1998, p. 738].
14 APEL; OLIVEIRA; MOREIRA, 2004, p. 273 [APEL, 1998, p. 794].
15 APEL; OLIVEIRA; MOREIRA, 2004, p. 278 [APEL, 1998, p. 798].
16 HABERMAS, 1989, p. 116-117.
17 APEL, 1994, p. 119. O texto foi originalmente publicado no livro Transformation der Philosophie.
18 "Quando nós, na base de uma distinção entre sentido transcendental e sentido deontológico de normatividade, entendemos que o potencial de racionalidade insertado de modo geral em discursos não é obrigatório em sentido deontológico, é possível interpretar o juízo imparcial sobre a consensualidade de normas, exigido de modo não-específico por 'D', como algo que ainda é 'neutro do ponto de vista da moral e do direito'" [HABERMAS, 2007, p. 104; HABERMAS, 2005, p. 96].
19 TrFG1, p. 137 [FG, p. 132-3]. Citado por Apel à p. 826 de seu texto Auseinandersetzungen in Erprobung des transzendentalpragmatischen Ansatzes.
20 TrFG1, p. 140-1 [FG, p. 137].
21 AA VI 220.
22 AA VI 230.
23 AA VI 237.
24 ALMEIDA, 2006, p. 209-222 passim. Wood sustenta uma posição diferente. Para ele: "Kant coloca o 'direito' à frente da 'ética', na sua exposição, para enfatizar que as duas partes são distintas e que deveres de direito não são meramente uma subclasse de deveres éticos, da mesma forma que D não pode ser derivado da FA, da FH, ou da FLU ou qualquer outra formulação do princípio da moralidade" [WOOD, 2005, p. 145]. Wood chega mesmo a sustentar que o princípio universal do direito não é um padrão moral, mas um padrão puramente jurídico de permissibilidade, implicando que "ações corretas, nesse sentido, incluem somente ações que, de acordo com os padrões fundados pelo princípio D, não podem ser coercitivamente obstados, mesmo se forem contrários a deveres morais" [WOOD, 2005, p. 144]. Uma razão que ele parece apontar para isso é que o princípio do direito "produz uma similaridade verbal superficial com a FLU, mas a diferença entre este e todas as formas do princípio da moralidade são muito mais significantes do que as similaridades" [WOOD, 2005, p. 144].
25 HECK, 2000, p. 61.
26 AA VI 239.
27 TrFG1, p. 140 [FG, p. 136]. Embora esteja suficientemente claro o sentido do termo platonismo aqui usado, ou seja, como hierarquia de normas, é necessário, porém, esclarecer que o ajuizamento da ética kantiana como um certo platonismo de forma alguma implica uma concepção substancial do bem, até porque Habermas tende a interpretar Kant, na linha de Rawls, como um processualista.
28 TrFG2, p. 313-4 [FG, p. 668]. Posfácio.
29 TrFG2, p. 321 [FG, p. 676].
30 FG, p. 670. Nesse sentido, Maria Clara Dias sustenta que os direitos básicos são princípios morais, imputando a sua satisfação como uma condição de possibilidade da democracia [DIAS, Maria Clara. O que pode a ética na política: considerações acerca do conceito de democracia. In: HECK; BRITO, 1997, p. 291].
31 TrFG2, p. 316 [FG, p. 671].
32 A formulação kantiana do direito à liberdade parece atender a este requisito de ser um direito subjetivo, já que ela é definida como a faculdade de buscar a felicidade a seu próprio modo: "ninguém me pode constranger a ser feliz à sua maneira (como ele concebe o bem-estar dos outros homens), mas a cada um é permitido buscar a sua felicidade pela via que lhe parecer boa" [AA VIII 290].
33 "Begrifflich erläutern sich Moral - und Demokratieprinzip wechselseitig" [FG, p. 123].
34 "Em todos os níveis de jurisprudência [Rechtsprechung], entram em jogo princípios que envolvem uma interpretação construtiva do caso particular, no sentido de Dworkin" [TrFG1, p. 303] [FG, p. 298].
35 TrFG2, p. 313 [FG, p. 667]. Posfácio.
36 FG, p. 667-8. Nachwort.
37 FG, p. 677. Nachwort.
38 TrFG1, p. 209 [FG, p. 206-207].
39 FG, p. 207.
40 "A compreensão discursiva do sistema dos direitos conduz o olhar para dois lados: de um lado a carga da legitimação da normatização jurídica das qualificações dos cidadãos desloca-se para os procedimentos da formação discursiva da opinião e da vontade, institucionalizados juridicamente. De outro lado, a juridificação da liberdade comunicativa significa também que o direito é levado a explorar fontes de legitimidade das quais ele não pode dispor" [TrFG1, p. 168]. "Andererseits bedeutet die Verrechtlichung der kommunikativen Freiheit auch, daß sich das Recht Quellen der Legitimation erschließen muß, über die es nicht verfügen kann" [FG, p. 165].
41 FG, p. 207.
42 TrFG2, p. 313 [FG, p. 667-8]. Posfácio. Na citação a seguir também parece haver uma concomitância da argumentação, antes que uma sucessão, ao menos nas três argumentações principais: "a formação política da opinião e da vontade, ultrapassando o nível pragmático, onde se procura saber o que podemos fazer em função de tarefas concretas, precisa esclarecer, em primeira linha, três questões, a saber: a que subjaz à formação de compromissos, onde se discute a possibilidade de harmonizar entre si preferências concorrentes; a questão ético-política acerca de nossa identidade pessoal e dos ideais que acalentamos realmente; e a questão prático-moral que nos leva a inquirir sobre o modo de agir para sermos justos" [TrFG1, p. 225] [FG, p. 222].
43 TrFG2, p. 313 [FG, p. 667-8]. Posfácio.
44 HABERMAS, 2007, p. 113; HABERMAS, 2005, p. 105.
45 HABERMAS, 2007, p. 112; HABERMAS, 2005, p. 103.
46 HABERMAS, 2007, p. 114; HABERMAS, 2005, p. 105.
47 HABERMAS, 2007, p. 113; HABERMAS, 2005, p. 105.






DUTRA, Delamar José Volpato. Apel versus Habermas: como dissolver a ética discursiva para salvaguardá-la juridicamente. Kriterion [online]. 2010, vol.51, n.121, pp. 103-116. ISSN 0100-512X.


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