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segunda-feira, 27 de abril de 2015

"Supremo deveria fazer análise realista do que pode de fato julgar"






O constitucionalista Eduardo Bastos Furtado de Mendonça passou um ano por dentro das engrenagens do Supremo Tribunal Federal, como assessor do ministro Luís Roberto Barroso. E afirma que ao menos metade de todo os recursos humanos do tribunal atuam no funcionamento de uma espécie de corte paralela, desconhecida da maioria dos brasileiros, focada na extensa quantidade de processos e na análise de questões repetidas.

“É humanamente impossível [para cada ministro] imprimir uma marca pessoal em tudo, já que existe um Supremo que engana a si mesmo e aceita um volume irreal de processos porque tem que prestar jurisdição”, afirma.

Para ele, o STF deveria ser mais rigoroso na análise de temas com repercussão geral e adotar um filtro mais realista daquilo que pode fazer. Grosso modo, deveria deixar de tentar abraçar tudo.

“Não adianta dizer que um caso é importante, mas só será julgado daqui a 10 anos”, avalia, afirmando que às vezes é mais importante ter um assunto julgado do que bem julgado. Mendonça concorda, por exemplo, com medidas que têm restringido o julgamento de pedidos de Habeas Corpus na corte.

Ele deixou o cargo de assessor em 2014 — brinca que cumpriu um ano de pena com bom comportamento, apressando-se em dizer que “a piada é boa, mas não é justa”, fazendo elogios à experiência.

Atualmente se dedica ao escritório Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados, que busca caminhar trilhos próprios desde a saída do ministro Barroso, e leciona no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) a disciplina Direito Constitucional — área que começou a se especializar ainda nos tempos de graduação, como monitor na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Na UniCEUB coordena o Centro Brasileiro de Estudos Constitucionais, idealizado pelo ministro Carlos Ayres Britto.

Assim como a Constituição “trata de tudo”, uma conversa com o advogado abrange vários temas, que passam pelo Direito Penal, pelo papel do Judiciário e por discussões políticas, como o financiamento privado de campanhas eleitorais e o que ele considera um “escândalo” que acabou passando despercebido: a aprovação da Emenda Constitucional 86, do chamado “orçamento impositivo”, que obriga o governo federal a repassar dinheiro público para parlamentares gastarem como quiserem.

Advogado em alguns casos do Google no Brasil, ele ainda fala sobre a liberdade de expressão e comenta a aplicação do direito do esquecimento, que tem sido mais conhecido desde que a gigante da internet foi obrigada a retirar de buscas nomes de cidadãos europeus.

Mendonça é autor do livro A Constitucionalização das Finanças Públicas no Brasil – Devido Processo Orçamentário e Democracia (Editora Renovar, 2010), mestre e doutor em Direito Público pela Uerj, com uma temporada de pesquisa na Humboldt Universität zu Berlin, na Alemanha. 

Leia a entrevista:

ConJur – O senhor atuou entre 2013 e 2014 como assessor de ministro. Algo o surpreendeu quando descobriu como funcionava por dentro o Supremo Tribunal Federal?
Eduardo Mendonça – É surpreendente a percepção de que existem dois Supremos: a corte constitucional, das causas importantes, e outra que busca manter sob controle um volume enorme de processos, com uma atividade quase industrializada. O Supremo que costumamos imaginar é a parte mais importante do trabalho, mas, em termos percentuais, é a menor parte. Se um ministro produz dez mil decisões no ano, é evidente que apenas a minoria recebeu atenção pessoal diferenciada. É humanamente impossível imprimir uma marca pessoal em tudo, já que existe um Supremo que engana a si mesmo e aceita um volume irreal de processos porque tem que prestar jurisdição.

ConJur – Como funciona esse julgamento sem a participação direta do ministro?
Eduardo Mendonça – Primeiro é preciso explicar que a maior parcela das ações no Supremo chega pela via recursal: Recurso Extraordinário, Agravo em Recurso Extraordinário... Dentro desse universo, a maioria não pode ser conhecida por razões formais — devido à jurisprudência defensiva que o próprio tribunal criou ao longo do tempo — ou repete o que já foi analisado. Isso gera um volume de decisões monocráticas de mérito que dão ou negam provimento, pois repetem decisões anteriores. O ministro então controla basicamente se a equipe enquadrou corretamente o caso específico na jurisprudência. O próprio andamento dos recursos ajuda a perceber isso. Se há uma quantidade enorme de Agravos Regimentais, certamente vai acender uma luz amarela de que possivelmente algo tem sido mal aplicado. Mesmo que bem feita, essa parte mecânica não deveria estar no STF. Não é saudável que o tribunal precise gastar uma quantidade enorme dos seus recursos humanos para isso. Se você olhar em cada gabinete, existem cerca de 40 pessoas atuando. Pelo menos 20 estão focadas em fazer a máquina girar em torno de repetições.

ConJur – Existem saídas para esse cenário?
Eduardo Mendonça – O exame de repercussão geral deveria ser realmente rigoroso, baseado na identificação de questões constitucionais importantes. Essa discussão já vem sendo feita no Supremo. Se você observar, a lógica da repercussão geral já era impedir que isso continuasse acontecendo, porque o tribunal decidiria uma questão paradigma que se aplicaria em massa. Só que, frequentemente, é reconhecida a repercussão geral em questões constitucionais nem sempre importantes, porque a Constituição de 1988 tratou de tudo.

ConJur – Nos Estados Unidos seria fácil fazer esse filtro, já que a Constituição americana trata de temas mais limitados...
Eduardo Mendonça – Muito mais fácil. Só que o Supremo adotou inicialmente um filtro muito brando. Nos primeiros anos, quase tudo teve repercussão geral reconhecida. Hoje em dia a quantidade caiu muito, mas ficou um acervo grande porque o Supremo inicialmente não exerceu esse poder de agenda. O ministro Barroso tem falado bastante sobre isso. A repercussão geral deve ser considerada à luz do que é viável julgar. Não adianta considerar um caso importante, mas só julgá-lo daqui a 10 anos.

ConJur – É como se fosse minha própria agenda: eu gostaria de fazer várias coisas, mas só tenho condições de resolver algumas?
Eduardo Mendonça – É escolher o que é importante dentro de uma análise realista do que é possível fazer. Não adianta dizer que uma questão é muito importante e deixá-la esperando por julgamento, com causas semelhantes sem jurisdição, recursos que não transitam nunca. Colocar uma questão hoje no final da fila da repercussão geral é dizer que ela é importante para ser julgada daqui a sete anos. Que importância é essa? Um estudo da CNI [Confederação Nacional da Indústria] concluiu que, para o empresariado, às vezes é mais importante ter um assunto julgado do que bem julgado. Uma questão tributária que fica sete anos pendente é pior do que se mal julgada em um ano, porque o sujeito ficará esse tempo sem conseguir fechar seu balanço. São sete anos que a empresa ficará na dúvida se podia investir aquele valor ou se tinha que provisionar para o caso de perder no final.

ConJur – O que é mais prejudicial: a insegurança jurídica ou a demora?
Eduardo Mendonça – Eu acho que a insegurança é uma demora qualificada, pela possibilidade de reversão. Fica muito pior quando vem dos tribunais superiores, porque a gente espera que esses tribunais estabilizem a jurisprudência.

ConJur – Sobre as tentativas de solução para o STF, a corte passou a rejeitar pedidos de Habeas Corpus substitutivos de recurso. O senhor considera a medida válida?
Eduardo Mendonça – Considero muito válida e acho louvável que a proposta tenha partido do ministro Marco Aurélio, um defensor ferrenho da dignidade do Habeas Corpus. Ele mesmo percebeu que era preciso cogitar alguma solução para que o HC não fosse deturpado, não virasse causa de entrave. A banalização do Habeas Corpus é ruim para todo mundo, até para quem tem um bom direito de liberdade a ser tutelado. Até nesse campo em que a percepção tradicional é de que não deve haver nenhuma formalidade que impeça o conhecimento, foi necessário fazer uma reflexão de que a disfunção estava prejudicando o tribunal e a própria efetividade do direito.

ConJur – Entre esses filtros, a Súmula 691 impede que o STF aprecie HCs quando outros tribunais ainda não julgaram o pedido em órgão colegiado. O problema é que os ministros acabam analisando cada caso para ver se há ou não flagrantes ilegalidades que derrubem a súmula. O advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira nos apontou que ministros gastam tempo para depois concluírem que não deveriam julgar. Isso faz sentido?
Eduardo Mendonça – Concordo que o filtro ficou esvaziado. Mas acho que isso tem a ver com a percepção de qual é o papel do Supremo em relação à tutela da liberdade. O Supremo pode ver a si mesmo como o guardião da liberdade em cada caso concreto, quando um dos direitos fundamentais mais básicos está sendo violado. Penso que essa é uma visão idealista, que reflete a convicção interna de muitos ministros, mas pessoalmente não considero funcional dentro da concepção de uma corte constitucional que funciona como corte de teses. Só faz sentido o Supremo analisar casos de Direito Penal com olho na fixação das teses gerais e eventualmente na correção da má aplicação de teses gerais que ele mesmo tenha fixado. E a jurisprudência penal do Supremo é o oposto disso: a maioria dos casos consiste em Habeas Corpus, sem nenhuma tese nova a ser discutida. Muitas vezes é até difícil julgar repercussão geral, porque se passa muito tempo e a matéria penal prescreveu ou já foi equacionada. Agora o Plenário começou a julgar a bagatela, uma tese constitucional importante. A 2ª Turma tem uma jurisprudência mais flexível do que a 1ª, então há um descompasso.

ConJur – O senhor comentou que é melhor ser mal julgado rápido do que não julgado. Esse conflito é realmente necessário?
Eduardo Mendonça – Em um sistema ideal e bem equilibrado, você conseguiria julgar bem em tempo razoável. Mas também é lógico que a Justiça tem o tempo dela, necessário para a reflexão. O ministro [Luis Felipe] Salomão comentou, em uma palestra, sobre a diferença de tempo em questões que envolvem direito de liberdade de expressão, por exemplo. Naturalmente há um choque, pois o tempo do “furo” jornalístico é o tempo do imediato. Quando juízes se deparam com um caso em que a liberdade de expressão ou de imprensa entra em conflito com a privacidade e a honra, o impulso é conceder liminar para que não se produza o dano. Na contramão desse senso comum judicial, com toda razão, o ministro Celso de Mello declarou que a liberdade de expressão tem um caráter preferencial e, portanto, a concessão de liminares não pode virar pretexto para censura judicial. Se você suspende o jogo para evitar o dano, acaba julgando o caso antecipadamente; cala a notícia, pois o assunto perde todo o interesse jornalístico.

ConJur – E quando alguém quer ter o nome excluído de notícias com base no direito ao esquecimento, como evitar que haja censura?
Eduardo Mendonça – Primeiro vejo que há certa incompreensão do que seria direito ao esquecimento. O nome induz à ideia de que alguém pode ter o direito de suprimir publicações lícitas que tenham sido feitas em relação àquela pessoa. Não é isso exatamente.

ConJur – Nos parece uma coisa de 1984 [livro de George Orwell, no qual agentes do Estado apagavam notícias e mudavam informações do passado]...
Eduardo Mendonça – Pois é, costuma-se entender que alguém pode escolher qual será seu perfil público e considerar que notícias perfeitamente lícitas quando publicadas se tornem ilícitas, se mantidas em arquivo acessível. O direito ao esquecimento é muito mais uma limitação ao que os bancos de dados podem compilar, partindo da premissa de que essas ferramentas têm o poder de tornar determinado conteúdo mais acessível do que se não estivesse no banco de dados.

ConJur – O senhor se refere aos sites de buscas?
Eduardo Mendonça – Exatamente. Num caso célebre espanhol, a corte europeia mandou tirar informações de um cidadão do buscador [Google], mas não determinou a exclusão no veículo original. Se você for na publicação original, continuará achando os dados. E, mais ainda, se você usar o buscador para procurar informações com dados objetivos você até encontra. Só não aparece nada se você só colocar o nome da pessoa. Na verdade é mais um direito a não ser indexado, e menos um direito ao esquecimento. É a percepção de que, na realidade da internet, ampla como ela é, se a informação estiver solta ela quase é esquecida, ou pelo menos se perde com mais facilidade. E que os buscadores, de certa forma, são a memória da internet. Então, se eu tiro do buscador, isso por si só tem um impacto no alcance que aquela notícia teria. Não quer dizer que no Brasil vá prevalecer esse entendimento, mas o que se decidiu na Europa foi isso, nada além disso.

ConJur – E o que a gente teve de experiência com o direito ao esquecimento no Brasil?
Eduardo Mendonça – O tema aqui é muito embrionário. Houve duas decisões no Superior Tribunal de Justiça, e uma delas vai ser julgada pelo Supremo: a veiculação do caso Aída Curi, no [programa] Linha Direta Justiça. Pessoalmente acho que essas restrições devem ser hiperminimalistas, porque a liberdade de expressão e informação é preferencial pela relação direta com a democracia. Se eu crio um filtro, é potencialmente arbitrário, alguém vai ter que colocar a mão para dizer o que tem interesse público e o que não tem. Eu acho que isso é sempre potencialmente autoritário. É lógico que, se você opta por não ter filtro, abre margem para que sensibilidades legítimas sejam feridas, reputações sejam danificadas, ofensas à individualidade sejam de fato perpetradas. E também é verdade que muitas vezes fica difícil fazer a reversão disso. Mas acho sinceramente que qualquer filtro pressupõe que alguém tem o poder de dizer o que é interesse público, qualquer constrição cai no subjetivismo. O que claramente não tem interesse público? É lógico que existem zonas de certeza positivas e negativas. Se eu estou na minha casa, tomando banho, e um repórter resolve tirar uma foto e publicá-la, a conduta certamente não está protegida pela liberdade de expressão e de imprensa. Fora desses casos grosseiros, porém, um mercado realmente livre de ideias e informações é a única liberdade de expressão real. O ministro Marco Aurélio fala, com muita propriedade, que os eventuais excessos são o preço módico que se paga para viver em um Estado de Direito. É como eu vejo.

ConJur – Na prática, o direito ao esquecimento não chama mais atenção para os casos, gerando efeito inverso?
Eduardo Mendonça – Isso é conhecido como o “efeito Barbra Streisand” [quando a cantora norte-americana tentou retirar da internet fotos de sua casa em Malibu, acabou fazendo com que uma série de pessoas correrem ao local para clicá-lo]. Na maior parte dos casos, aquilo tende ao ostracismo naturalmente, porque não envolve matérias de interesse público mais amplo. Aquilo pode até “bombar” pontualmente na internet por ser engraçadinho, como dizer que a Luiza está no Canadá. Mas alguém fala disso hoje? Qual é a repercussão estável disso? Quase nenhuma. Então esse subproduto negativo é tão volátil, tão efêmero quanto a exposição que a internet proporciona.

ConJur – A princípio a gente só fala de liberdade de expressão relacionada a veículos de imprensa. Como é que isso gira em um mundo onde o cidadão é produtor de conteúdo, com publicações próprias no Facebook e no WhatsApp?
Eduardo Mendonça – O grande valor da internet é democratizar a produção de conhecimento e de informação. O usuário ao mesmo tempo pode ser o fornecedor de material e o editor, não só um receptor passivo de conteúdo. A licitude ou ilicitude da fonte original tem que ser apurada caso a caso. A retirada de conteúdo deve ser a mais cuidadosa possível e a mais pró-liberdade de expressão possível. Nos casos de revenge sex, quando um sujeito produz imagem íntima de outra pessoa com base na sua relação de confiança e depois coloca na internet, ninguém acha que isso seja lícito. O Marco Civil determina a retirada imediata desse tipo de material e também fala quando há responsabilidade do provedor.

Mas veja a diferença entre isso e o caso em que alguém se diz ofendido pelo conteúdo de um blog e pede ao provedor que retire o material supostamente ofensivo, sem indicar especificamente qual seria ele. Já vi empresas fazerem pedidos assim e alegarem que teria faltado “boa vontade” do provedor para ajudar na identificação do que seria ilícito. É um discurso equivocado, pois não tenho que pensar em um caso isolado, e sim que todo dia milhares de pessoas que se dizem ofendidas pedem isso aos provedores. Então, ou é razoável fazer isso em todos os casos ou não é razoável fazer em nenhum. Não posso ter o dever jurídico de fazer em um caso apenas porque foi judicializado. Ou o dever existe para todos os casos similares ou ele não existe. É como fixar o dever do Poder Público de fornecer medicamento ou tratamento a um cidadão apenas. Olhando cada caso isolado, o Estado sempre tem dinheiro para qualquer tratamento, por mais complexo que seja. Mas eu posso exigir que o Estado forneça esse tratamento em todos os casos similares? O Judiciário tem que pensar os deveres olhando o conjunto, se aquilo é universalizável ou não.

ConJur – Então, na sua opinião, os provedores não devem ser obrigados a fiscalizar publicações em suas plataformas?
Eduardo Mendonça – Indicar ofensas é ônus da parte. Se o provedor tiver que fazer esse exame em cada um dos milhares de casos em que se pede a retirada de conteúdo, judicializados ou não judicializados, inviabiliza-se a funcionalidade da internet. Mesmo que fosse possível, seria mal feito.

ConJur – Temos visto decisões que obrigam a retirada de conteúdo mesmo que a parte não indique a URL [endereço do site]...
Eduardo Mendonça – Ainda existe essa discussão. A 3ª Turma do STJ pacificou a tese de que só se deve retirar com a URL. O ministro [Luis Felipe] Salomão vinha entendendo que não seria necessário fornecer a URL porque seria atribuição do provedor fazer essa busca. Então bastaria, por exemplo, indicar a comunidade ou dizer que há vídeos ofensivos no YouTube. Mas ninguém melhor do que a parte para identificar o que considera ofensivo. Quando decisões judiciais genéricas mandam excluir ofensas, sem referências claras, a empresa acaba retirando do ar o que é ilícito e o que é lícito. Na dúvida, tira tudo, para evitar multas e outras punições. É o sufocamento da espontaneidade da internet. E isso pode ter efeitos sistêmicos graves, inclusive contra os interesses dos usuários. Veja o uso da internet para a proteção do consumidor, por exemplo. O consumidor que usa a internet para se proteger autonomamente e cobrar melhores serviços dos fornecedores, sem depender do Estado ou do Judiciário. Se o juiz concede ordens genéricas para retirar conteúdo que determinada empresa considera ofensivo, o resultado é que ela passa a ter um direito de silenciar o que se fala sobre ela. Ou seja, silencia-se seletivamente um importante canal de proteção autônoma do consumidor. Sem pensar na funcionalidade do sistema, cria-se uma falsa Justiça: os poucos que judicializam ganham e quem não judicializa perde.

ConJur – O senhor comentou do orçamento do Poder Público ao falar do direito à saúde e publicou um artigo com críticas ao chamado “orçamento impositivo”, incluído na Constituição pela Emenda 86. Qual o problema dessa medida?
Eduardo Mendonça – O termo “orçamento impositivo” passa a ideia de que o orçamento da União teria cumprimento obrigatório. O orçamento é resultado de um processo deliberativo muito complexo, em que o Executivo tem a iniciativa privativa e, portanto, faz uma pré-seleção das prioridades públicas, e o Legislativo confirma ou modifica essas prioridades. Portanto, o orçamento não é só um registro contábil. Em qualquer sistema em que haja escassez de recursos, e são todos, o orçamento é um momento de escolha material. Eu vou ter que saber se aplico mais em saúde, em educação, em defesa ou em segurança pública, quanto em cada área. Então, dizer onde vou gastar é uma escolha política muito relevante. Se eu não colocar no orçamento, não posso fazer.

Como é que acontece no mundo real? O orçamento é aprovado, mas o governo federal logo depois solta uma portaria dizendo que vai contingenciar X milhões de reais, sem motivação. Então, a política pública é decidida em conjunto e, unilateralmente, o Executivo não aplica. Como hoje em dia o governo não precisa explicar o motivo, a imprensa e a população não percebem.

Agora, a emenda do orçamento impositivo determina que as emendas individuais dos parlamentares passam a ser de execução obrigatória até 1,2% da receita corrente líquida do ano anterior. Impede-se apenas que o governo contingencie a verba que vai para redutos eleitorais de parlamentares. Se o governo continuar deixando de aplicar o previsto no restante do orçamento, tudo bem.

ConJur – Há uma previsão de que a União aplique parte do orçamento em saúde, como a Emenda Constitucional 29 fez com estados e municípios...
Eduardo Mendonça – A previsão é a seguinte: as emendas individuais precisam trazer pelo menos metade dos recursos para a saúde. Se as cotas somam R$ 10 milhões para cada um, R$ 5 milhões têm que ser aplicados em saúde. Isso é paroquial, porque significa dizer que cada deputado tem um poder administrativo de alocar R$ 5 milhões no que ele quiser em matéria de saúde. Não resolve a saúde como sistema. Acho isso um escândalo, é apropriação privada do orçamento: cada parlamentar tem uma cota pessoal de dinheiro público para aplicar como quiser. E o pior é que, como esse assunto é árido, não é de domínio público, nem a mídia percebe o quão bárbaro isso é.

ConJur – Esse orçamento impositivo poderia ser alvo de uma ADI?
Eduardo Mendonça – Acho que é uma má escolha política, mas inconstitucional não acho que seja. Sou contra a banalização do controle de emendas. Não se trata de defender ou criticar o ativismo, mas acho que o Supremo tem que concentrar seu capital institucional nas questões mais importantes, como a proteção de direitos humanos, e ser mais contido em questões econômicas e nas que envolvam a interrelação entre os Poderes. Mais ainda no âmbito do poder de emenda.

ConJur – O que o senhor define como ativismo?
Eduardo Mendonça – Nesse ponto não sou original. O ministro Barroso tem uma definição na linha de que ativismo é uma postura deliberada de não adotar interpretações formalistas, com o objetivo de expandir o sentido da Constituição. Você tem ativismo legítimo e ativismo ilegítimo. Por exemplo, quando o Supremo se dispõe a suprir uma omissão inconstitucional, está sendo ativista. Se há 20 anos está pendente a lei sobre o direito de greve do servidor e o STF ocupa esse espaço, avança na separação dos Poderes, mas não de forma ilegítima. É usar uma postura expansiva na interpretação para avançar um pouco a incidência da Constituição de forma justificada.

ConJur – Julgar o financiamento privado de campanhas eleitorais se encaixa em que tipo de ativismo?
Eduardo Mendonça – Para mim, é ativismo legítimo. Acho boa a versão que o ministro Barroso defende em seu voto, que é diferente dos outros cinco que consideram inconstitucional qualquer financiamento de empresa privada. Ele declara que o sistema atual é inconstitucional. Se o legislador quiser fazer outro melhor, ainda que traga financiamento de empresa, não será necessariamente inconstitucional. Qual é a diferença? O sistema atual coloca como limite 10% da renda auferida no ano anterior. A aplicação prática desse critério produz um resultado inconstitucional, porque retira a paridade de armas. Trata-se de um limite falso, nominal, porque é muito alto para empresas expressivas. Alguém espera que uma empresa que fature R$ 1 bilhão doe R$ 100 milhões? Dez por cento do faturamento de uma pequena empresa, esse sim é um limite real. Agora, dizer que a Constituição proíbe qualquer financiamento de empresa me parece um excesso. Muitas democracias aceitam esse tipo de doação e nem por isso são democracias compradas. É ilegítimo que uma empresa queira apoiar candidatos que defendem uma regulação menos incisiva da economia, mais de livre mercado? Sendo feito com transparência, não creio. Talvez não seja o melhor modelo imaginável, mas isso não significa que seja inconstitucional.

ConJur – Em geral, o Judiciário tem avançado muito em questões de outros Poderes?
Eduardo Mendonça – Tenho a visão de que a jurisdição constitucional deve ser entendida como parte do sistema institucional democrático, e não como uma intrusa na democracia. Não é uma salvadora da pátria sozinha, nem deve ser entendida como palavra final inquestionável. Tenho que pensar na jurisdição não como uma instância automaticamente certa, mas avaliar suas vantagens institucionais. Por exemplo: ser acessível às pessoas em geral e, portanto, permitir que minorias sem entrada no espaço político levem seus argumentos. Às vezes a jurisdição contribui mais dando elementos para o debate público do que decidindo concretamente um caso.

ConJur – Quando o STF julgou a Ação Penal 470, o processo do mensalão, auxiliou esse tipo de debate?
Eduardo Mendonça – Acho importante que o Supremo tenha conduzido o processo do mensalão, porque ajudou a desconstruir essa imagem de que poderosos no Brasil nunca são punidos. Isso é tão entranhado no nosso imaginário popular e é tão antirrepublicano que desconstruir essa visão tem um aspecto constitucional, embora discutir se houve ou não quadrilha seja apenas aplicação da lei penal. Sinceramente gostaria que uma emenda tirasse do Supremo essa competência, mas que bom que ela ainda não veio. O mensalão colocou em praça pública que o Supremo tem um papel relevante no equilíbrio dos Poderes. Hoje em dia, qualquer questão que o Supremo julga tem mais visibilidade do que tinha antes. O Supremo julgou a validade da cláusula de barreira [para partidos políticos] antes. Foi a mesma comoção que temos visto no julgamento do financiamento de campanha? Não estou comparando como se os temas tivessem o mesmo impacto, mas isso ajuda a demonstrar uma mudança radical na postura da sociedade em relação ao tribunal. O Supremo acabou ficando mais exposto e até foi acusado de ter atuado politicamente, o que não me parece justo. Mas a sociedade perceber que precisa acompanhar as atividades do tribunal, que a mídia tem que criticar o que acha que está errado, é um grande avanço institucional.


Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.

Felipe Luchete é repórter da revista Consultor Jurídico.



Revista Consultor Jurídico, 26 de abril de 2015, 9h30

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Ir contra o sigilo de fonte viola a autoridade do Supremo Tribunal Federal






Não é de hoje que nossa sociedade democrática se depara com uma vontade, quase patológica, dos Poderes constituídos de buscar saber a identidade das fontes jornalísticas, especialmente quando o material jornalístico divulgado diz respeito a abuso de poder das próprias autoridades públicas. Quem, pessoa ou órgão da administração pública, está a alimentar a imprensa com essas informações? Quando inquiridos, os jornalistas, a princípio convocados como colaboradores da investigação, são pressionados a revelar seus informantes e suas fontes.

É o Poder buscando estar acima da Justiça!

Um dos primeiros registros de debate constitucional a respeito da proteção ao sigilo da fonte se deu nos Estados Unidos, em 1957. A jornalista Marie Torre, colunista de televisão do New York Herald Tribune, havia publicado — citando que sua fonte seria um executivo da CBS, mas sem identificá-lo — que a atriz Judy Garland, então contratada pela CBS, não havia estreado seu novo programa porque estava gorda. A CBS teve contra si uma ação milionária e a jornalista foi instada a revelar quem seria a sua fonte. A jornalista não revelou a identidade de sua fonte e foi condenada a passar alguns dias detida. A Suprema Corte americana não analisou o caso.

Na Europa, a grande maioria dos países insere em suas constituições a tutela do direito ao sigilo da fonte. Portugal[1], Espanha[2] e Alemanha[3], por exemplo, contemplam em suas constituições a proteção ao sigilo da fonte. Também as diversas declarações internacionais de direitos humanos tratam de proteger o sigilo das fontes jornalísticas, a exemplo da Declaração de Chapultepec[4], da Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão da OEA[5] e da Convenção Europeia de Direitos Humanos[6]. No Brasil[7], o artigo 5º, XIV, segunda parte, da Constituição é quem garante, como direito fundamental, a proteção ao sigilo da fonte, na medida em que dispõe serassegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte.

O bem jurídico protegido pelo legislador constituinte é a identidade da fonte da notícia, devendo ser compreendido não só a identidade dos indivíduos que abastecem os jornalistas com informações, mas também os materiais, os documentos, as gravações, os registros telefônicos e tudo o mais utilizado como elemento para a construção de uma notícia. A origem da informação pode envolver tanto pessoas como coisas.

O objetivo dessa tutela estatal é assegurar ao profissional de comunicação, bem como ao veículo difusor da informação, a possibilidade do desenvolvimento jornalístico sem interferência e com independência.

Também há de se registrar que o legislador constituinte, ao inserir o resguardo do sigilo da fonte logo após a garantia fundamental de acesso à informação, buscou reforçar o entendimento de que a preservação da identidade da fonte jornalística constitui elemento indispensável para a garantia de acesso da sociedade à informação e, sobretudo, do direito de a sociedade ser informada, sem interferência do Poder Público.

A interpretação da tutela estatal do resguardo ao sigilo, sem exceção, já foi há muito enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal, que, instado, a pedido do procurador da República do Distrito Federal, a quebrar o sigilo telefônico de quatro jornalistas de uma revista semanal paulista, que publicaram reportagens sobre corrupção envolvendo servidores do Banco Central e dirigentes de bancos privados, assim se posicionou, na voz do ministro Celso de Mello:

“(...) nenhum jornalista poderá ser compelido a indicar o nome de seu informante ou a fonte de suas informações. Mais do que isso, esse profissional, ao exercer a prerrogativa em questão, não poderá sofrer qualquer sanção, direta ou indireta, motivada por seu silêncio ou por sua legítima recusa em responder às indagações que lhe sejam eventualmente dirigidas com o objetivo de romper o sigilo da fonte” (Inquérito 870-2, RJ, relator ministro Celso de Mello, 8 de abril de 1996)

Muito embora o direito ao resguardo do sigilo da fonte esteja positivado na Constituição Federal brasileira, também inserido nas Declarações Internacional dos Direitos Humanos em que o Brasil é signatário, bem como já tenha sido objeto de decisão da Corte Suprema brasileira, volta e meia esse valor democrático é, podemos dizer, testado.

Exemplo disso é que no final do ano passado, por conta de matérias jornalísticas publicadas no jornal Diário da Região, de São José do Rio Preto, interior paulista, que diziam respeito a uma operação da Polícia Federal, intitulada Operação Tamburutaca, destinada a investigar suposto esquema de corrupção na Delegacia do Trabalho local, o Ministério Público Federal requereu, e foi concedido, autorização de quebra de sigilo do jornalista autor do texto e do referido jornal que publicou as matérias.

Mais recentemente, o jornal paranaense Gazeta do Povo também teve contra si e seus jornalistas pedido de quebra de sigilo de fonte. Por conta de uma série de reportagens feitas, intitulada Polícia fora da lei, que denunciava desvios de conduta de agentes policiais, os autores dos textos estão sendo sistematicamente chamados para prestar depoimentos e inquiridos a revelar as fontes da reportagem. 

Como já escrevemos em artigos anteriores, a democracia não se efetiva com amarras à imprensa. A liberdade jornalística é condição imanente de qualquer Estado Democrático e o Brasil positivou essa condição política em seu Texto Constitucional, de modo que há de se respeitar esses valores.

As tentativas de se revelar o sigilo da fonte constituem verdadeiros atentados à liberdade de expressão e à atividade jornalística, bem como violações à autoridade da decisão do Supremo Tribunal Federal proferida por conta do julgamento da ADPF 130, cuja decisão tem eficácia vinculante eerga omnes.

Na oportunidade, o Supremo, reiterando posicionamento já declarado há muito, deixou bastante clara a proteção constitucional ao sigilo da fonte como direito fundamental a se sobrepor a qualquer outro em eventual rota de colisão:


“Como se sabe, nenhum jornalista poderá ser constrangido a revelar o nome de seu informante ou a indicar a fonte de suas informações, sendo certo, ainda, que não poderá sofrer qualquer sanção, direta ou indireta, quando se recusar a quebrar esse sigilo de ordem profissional.

Na realidade, essa prerrogativa profissional qualifica-se como expressiva garantia de ordem jurídica, que, outorgada a qualquer jornalista em decorrência de sua atividade profissional, destina-se, em última análise, a viabilizar, em favor da própria coletividade, a ampla pesquisa de fatos ou eventos cuja revelação se impõe como consequência ditada por razões de estrito interesse público.

(...)

Com a superveniência da Constituição de 1988, intensificou-se, ainda mais, o sentido tutelar dessa especial proteção jurídica, vocacionada a dar concreção à garantia básica de acesso à informação, consoante enfatizado pelo próprio magistério da doutrina (Walter Ceneviva, Direito Constitucional Brasileiro, p. 52, item n. 10, 1989, Saraiva; Manoel Gonçalves Ferreira Filho,Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 1/39, 1990, Saraiva).

Essa é a razão pela qual a Carta Política, ao proclamar a declaração de direitos, nela introduziu – enquanto verdadeira pauta de valores essenciais à preservação do Estado democrático de direito – a explícita referência à indevassabilidade da fonte de informações, qualificando essa prerrogativa de ordem profissional como expressão de um dos direitos fundamentais que claramente limitam a atividade do Poder Público”
Celso de Mello, folhas 179-181

Como bem assentado, a tutela especial da proteção ao sigilo da fonte constitui garantia ao desenvolvimento livre e independente da imprensa, na sua função principal que é revelar assunto de interesse público, representando uma via alternativa à versão oficial dos fatos.

Esse valor democrático deve ser preservado e garantido pelos poderes constituídos, ainda que o profissional da imprensa venha a publicar notícias que desagradem as autoridades e eventualmente exponham as mazelas do setor público. Esse é um dos papéis de vigilância da imprensa. Os brilhantes trabalhos jornalísticos realizados no mundo somente foram possíveis pela proteção dada ao profissional de imprensa de não revelar a sua fonte, podendo ser citado como exemplo, dentre tantos outros, o caso Watergate, que culminou com a renúncia do presidente norte-americano Richard Nixon.

É argumentado, com o propósito de restringir a atividade jornalística e suas garantias democráticas, que a Constituição Federal priorizou o indivíduo, vez que traz na abertura do texto constitucional a dignidade humana como valor fundamental.

Evidentemente que a Constituição Federal brasileira valoriza o indivíduo como premissa interpretativa de todos os direitos. O equívoco, a meu ver, está em não considerar o direito à liberdade de expressão como um valor individual e de dignidade da pessoa humana. Não são valores adversos, contrários, mas sim complementares, na medida em que quanto menor a possibilidade de liberdade do indivíduo, menor a sua dignidade. Sem discorrer a respeito do assunto, que poderá ser pauta no futuro, a conquista das liberdades sociais, e, em especial, da liberdade de expressão, constitui valor individual da pessoa humana, de modo que não confronta com o artigo 1º da CF, ao contrário, corrobora.

Portanto, os Poderes constituídos e seus representantes devem respeitar as garantias constitucionais, os valores democráticos e as decisões da Justiça, em especial da Corte Suprema que, por mais de uma vez, declarou, interpretando a Constituição, ser valor inexpugnável o resguardo da fonte jornalística.

E como sempre nos ensina Rui Barbosa: A Justiça não se enfraquece, quando o Poder lhe desatende. O Poder é que se suicida, quando não se curva à Justiça.



[1] Constituição da República Portuguesa, arts. 37.1 e 38.2 b


[2] Constituição Espanhola, art. 20, 1, d


[3] Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, art. 5, 1, 1ª fase, 2ª parte


[4] III – As autoridades devem estar legalmente obrigadas a pôr à disposição dos cidadãos, de forma oportuna e equitativa, a informação gerada pelo setor público. Nenhum jornalista poderá ser compelido a revelar suas fontes de informação.


[5] 8. Todo comunicador social tem o direito de reserva de suas fontes de informação, apontamentos, arquivos pessoais e profissionais.


[6] Artigo 10. Liberdade de expressão (...) 2. O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.


[7] A Lei de Imprensa (5.250/67) já trazia previsão de resguardo do sigilo da fonte (art. 7º e 71):

Art. 7º. No exercício de manifestação do pensamento e de informação não é permitido o anonimato. Será, no entanto, assegurado e respeitado o sigilo quanto às fontes ou origem de informações recebidas ou recolhidas por jornalistas, rádio-repórteres ou comentarias.

Art. 71. Nenhum jornalista ou radialista, ou em geral, o responsável pela divulgação, poderão ser compelidos ou coagidos a indicar o nome de seu informante ou a fonte de suas informações, não podendo seu silencio, a respeito, sofrer qualquer sanção, direta ou indireta, nem qualquer espécie de penalidade.


Revista Consultor Jurídico, 22 de abril de 2015, 8h00Alexandre Fidalgo é advogado e sócio do escritório Espallargas Gonzalez Sampaio Fidalgo Advogados.

sábado, 21 de março de 2015

Que critérios devem orientar as escolhas para a Suprema Corte dos EUA?





Não raro se lê na imprensa norte-americana o argumento de que a Suprema Corte não reflete a diversidade do país. Seria, inicialmente, um órgão formado exclusivamente por tecnocratas jurídicos, sem vivência política, faltando-lhe pluralismo de visão do fenômeno político-constitucional.[1]

Por outro lado, contando com três juízes judeus (Ginsburg, Breyer e Kagan) e seis católicos (Roberts, Scalia, Kennedy, Thomas, Alito e Sotomayor), representaria somente uma minoria da população dos Estados Unidos, que se vincula majoritariamente a denominações religiosas cristãs protestantes.[2] Não haveria, na mais alta instância judiciária, diversidade religiosa.

Outros alegam que falta diversidade de formação jurídica entre os justices, já que seriam todos oriundos de faculdades de Direito de elite. Três formados em Yale (Thomas, Alito e Sotomayor), cinco em Harvard (Roberts, Scalia, Kennedy, Breyer e Kagan) e uma em Columbia (Ginsburg, que, porém, iniciou seus estudos de direito em Harvard).[3]

Também as diversidades racial e étnica têm sido objeto de discussão nos Estados Unidos, sendo comum a afirmação de que os juízes Thomas e Sotomayor são, respectivamente, os únicos representantes de negros e latinos na Suprema Corte, populações que correspondem, respectivamente, a 13% e 17% dos americanos.[4]

Nesse quadro de debates sobre a diversidade da Suprema Corte, a questão que exsurge como necessária diz com a relação entre a origem profissional, religiosa, acadêmica ou étnica de um juiz e sua forma de interpretar a constituição, contribuindo desta ou daquela maneira para a composição das decisões do tribunal. E essa questão leva a outra: qual a importância que a diversidade deve ter na escolha de juízes da Suprema Corte?

A história recente da Suprema Corte americana responde essas perguntas de modo claro: não existe relação direta entre os critérios ordinariamente indicativos de diversidade e as posições dos juízes nas mais diferentes matérias, o que leva à conclusão de que tais elementos têm um papel secundário, quando muito, na composição das maiorias.

O que importa para a formação dos juízos acerca das mais polêmicas matérias postas a julgamento da Suprema Corte é a compreensão que têm os juízes acerca do modo como a constituição deve ser interpretada, do papel do Judiciário na organização dos poderes nos Estados Unidos, da extensão das garantias constitucionalmente consagradas, da autonomia dos Estados frente ao poder federal e também (last, but not least) as preferências político-ideológicas dos magistrados.

A experiência mostra que as decisões da Suprema Corte são divididas por esses referenciais e não por aspectos profissionais, religiosos, acadêmicos ou étnicos. E isso basta para diminuir significativamente o peso dessa pretensa diversidade na composição da corte e na escolha de seus magistrados.

Em 1991, quando pela primeira vez se considerou seriamente a possibilidade de a Suprema Corte rever o precedente do caso Roe v. Wade, por meio do qual se reconheceu, em 1973, o direito de as mulheres fazerem abortos, essa revisão foi evitada pelo voto do justice Anthony Kennedy, um católico indicado por Ronald Reagan.

Ao julgar o caso Planned Parenthood v. Casey, Kennedy, apesar do magistério da Igreja Católica, formou com outros quatro juízes (todos eles WASPs, sigla em inglês para brancos, anglo-saxões e protestantes) uma maioria que reafirmou o direito ao aborto, ainda que admitindo regulações pela legislação dos Estados.[5]

Já em Grutter v. Bollinger, de 2002, a Suprema Corte americana considerou constitucional o programa de ação afirmativa na seleção dos alunos da Faculdade de Direito da Universidade de Michigan, restando vencido o único juiz negro do colegiado, Clarence Thomas, que considerava o programa contrário a cláusula da equal protection under law.

Para Thomas, “a Constituição repudia classificações baseadas em critérios raciais, não só por que essas classificações podem prejudicar raças favorecidas ou são baseadas em motivos ilegítimos, mas também por que, toda vez que o governo coloca os cidadãos em registros raciais e torna o critério ‘raça’ relevante para a distribuição de ônus ou privilégios, ele diminui a nós todos”.[6]

Em outro tema polêmico, o reconhecimento de direitos dos homossexuais, novamente o critério religioso não orientou a decisão da Corte. Inicialmente, em 2003, a Suprema Corte considerou, julgando Lawrence v. Texas, inconstitucional a criminalização de relações sexuais entre homens. Mais uma vez, o voto fundamental para a formação da maioria foi o do católico Kennedy, responsável inclusive pela redação da decisão.[7]

Também é de Kennedy a decisão que, em 2013, considerou inconstitucional a definição legal de casamento como a união entre um homem e uma mulher, no julgamento do caso United States v. Windsor,[8] abrindo espaço para o reconhecimento pleno dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo.


Por fim, para concluir os exemplos, é possível ainda citar a posição do justiceAntonin Scalia, católico praticante indicado por Reagan, que é um dos mais fortes defensores da pena de morte nos Estados Unidos. Seu entendimento favorável à execução de criminosos pode ser depreendido dos incisivos votos dissidentes proferidos nos casos Atkins v. Virginia (2002)[9] e Roper v. Simmons (2005),[10] em que a Suprema Corte considerou inconstitucional a 


aplicação da pena capital a deficientes mentais e a menores de idade.


Esses poucos exemplos indicam que a experiência profissional, a crença religiosa, as origens acadêmicas, étnicas ou geográficas não são fatores determinantes na formação das maiorias, para elas contribuindo aspectos muito mais específicos e técnicos, que acabam superando as diferenças naqueles quesitos.


Tal constatação, portanto, diminui a força do argumento de que, nas indicações para a Suprema Corte, deve-se considerar a diversidade, mantendo-se necessariamente a pluralidade de religiões, etnias, naturalidades ou gêneros.[11] O que importa, como antes destacado, é a compreensão que tem o indicado do papel institucional da Corte, da função do ordenamento jurídico na sociedade ou da hermenêutica constitucional, pouco importando os elementos ordinariamente associados com a diversidade.


Esses aspectos fundamentais, entretanto, não raro são ofuscados pelo destaque que se dá na imprensa às questões de diversidade; o que se verifica não só nos Estados Unidos, mas também no Brasil.


Com uma vaga aberta no Supremo Tribunal Federal há aproximadamente oito meses, as discussões em torno dos eventuais candidatos têm enfatizado menos os aspectos fundamentais[12] e mais os indícios de uma suposta diversidade na composição da Corte. Têm sido frequentes as manifestações que defendem a nomeação ora de um negro, ora de um nordestino, ora de uma mulher, ora de um nortista, ora de um homossexual, ora de um membro do Ministério Público, entre tantas outros grupos e categorias que se consideram no direito de se verem representados na mais alta instância do Poder Judiciário brasileiro.


Ainda que legítimas tais aspirações, o fato é que a discussão em torno dos “rótulos” acima citados simplifica de modo deletério a complexa equação de composição da Suprema Corte, afastando os órgãos de poder responsáveis pela seleção do novo magistrado – e também a população, que deveria efetuar um controle social desse processo – dos aspectos verdadeiramente essenciais, que acabam se revelando, no futuro, como surpresas, boas ou ruins, para governantes e governados.


Esta coluna é produzida pelos membros do Conselho Editorial do Observatório da Jurisdição Constitucional (OJC), do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Acesse o portal do OJC (www.idp.edu.br/observatorio).






[1] Essa questão já foi analisada nesta ConJur, mais especificamente na coluna “Análise Constitucional”: http://www.conjur.com.br/2013-nov-17/analise-constitucional-preciso-deliberacao-supremo-tribunal-federal
[3] Michael McGouch. “How to diversify the Ivy League club that is the Supreme Court”. Los Angeles Times, 28.10.2014:http://www.latimes.com/opinion/opinion-la/la-ol-supreme-court-diversity-ivy-league-20141028-story.html
[5] Para a íntegra da decisão da Corte em Planned Parenthood v. Casey, redigida pelos justices Kennedy, O’Connor e Souter e chancelada pelosjustices Blackmun e Stevens, ver:http://www.law.cornell.edu/supremecourt/text/505/833
[6] Para a íntegra do voto dissidente do justice Thomas, ver:http://www.law.cornell.edu/supct/html/02-241.ZS.html
[11] A relativa relevância de tais fatores foi enfatizada pelo primeiro juiz negro da Suprema Corte americana. Na entrevista coletiva que concedeu quando do anúncio de sua aposentadoria, em 1991, Thurgood Marshall, o lendário advogado do movimento de direitos civis indicado para a corte por Lyndon Johnson em 1967, foi perguntado se considerava que o Presidente George H. W. Bush tinha a obrigação de nomear outro negro para a vaga. O episódio é assim narrado por Jeffrey Toobin: “So Marshall’s resignation in 1991, a week before his eighty-third birthday, came as a surprise. ‘I’m getting old, and coming apart’, he explained at a freewheeling press conference the next day, where he sat slumped ove in a chair, looking disheveled. He was asked whether he thought President Georg H. W. Bush had an obligation to appoint another minority justice in his place. ‘I dont’t think that should be a ploy’, he answered, ‘and I don’t think it should be used as an excuse, one way or the other’. A reporter followed up, ‘An excuse for what?’ Marshall’s answer seemed directed at his most likely successor. ‘Doing wrong’, he said. ‘Picking the wrong Negro... My dad told me way back... there’s no difference between a white snake and a black snake. They’ll both bite’” (cf. Jeffrey Toobin. The Nine. Inside the secret world of the Supreme Court, New York: Anchor Books, 2007, Kindle edition, position 408).
[12] Como também já indicado nesta ConJur, na coluna “Análise Constitucional”: http://www.conjur.com.br/2014-out-26/legado-proximo-presidente-pais-indicacoes-stf


Carlos Bastide Horbach é advogado em Brasília, professor doutor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da USP e professor do programa de mestrado e doutorado em Direito do UniCEUB.



Revista Consultor Jurídico, 21 de março de 2015, 8h01

terça-feira, 3 de março de 2015

"Aprovação da PEC da Bengala não é boa para o país", diz Luis Roberto Barroso



O ministro do Supremo Tribunal Federal Luis Roberto Barroso declarou ser contrário à PEC da Bengala (PEC 457/2005), que pretende aumentar para 75 anos a idade para a aposentadoria compulsória no serviço público.

Fazendo a ressalva de que sua opinião é “estritamente doutrinária, e não política”, uma vez que a decisão sobre proposta cabe ao Congresso Nacional, Barroso afirmou que a “aprovação da PEC da Bengala não seria boa para o país” por três razões.

A primeira é que, embora a Constituição Federal de 1988 não tenha estabelecido mandatos para os membros de tribunais superiores, a aposentadoria aos 70 anos acaba criando um “mandato natural”. Isso porque “a nomeação normalmente se dá entre os 55 e 60 anos, fazendo com que o ministro fique no cargo entre dez e 15 anos, que é uma média boa”.

O segundo motivo de Barroso é que a aposentadoria aos 75 anos iria tornar a magistratura menos atrativa, pois os novos juízes demorariam mais para se tornarem desembargadores. Para o ministro, isso afastaria os melhores profissionais da carreira.

Já a terceira razão busca preservar o STF, que é, de acordo com Barroso, “uma instituição consolidada, que serve bem ao país”. Assim, segundo ele, eventuais mudanças no funcionamento da corte deveriam “ter motivação institucional, e não politico-partidária”.

Medo do PT
A PEC da Bengala está sendo apoiada por congressistas da oposição ao governo Dilma Rousseff, que temem a possibilidade de o STF ter dez de seus 11 ministros indicados pelo PT em dezembro de 2018.

A proposta é defendida pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), que pretende submetê-la a votação em meados de março.


Revista Consultor Jurídico, 3 de março de 2015, 11h50

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Princípio da dignidade humana não justifica usucapião de bens públicos



DIREITO CIVIL ATUAL



Segundo o artigo 102 do Código Civil; o artigo 191, parágrafo único, e o artigo 183, parágrafo 3º, ambos da Constituição da República; bem como, segundo a Súmula 340 do Supremo Tribunal Federal, os bens públicos em geral jamais serão objeto de usucapião, nem móveis, nem imóveis, sejam de uso comum do povo, de uso especial ou dominicais.

Há quem defenda, apesar disso, a ideia de que os imóveis públicos vagos, principalmente as terras devolutas, seriam passíveis de usucapião com base no princípio da função social da propriedade e no princípio da dignidade humana. A proibição do parágrafo único do artigo 191 da Constituição estaria a contrariar princípios por ela mesma erigidos. Se o Estado se mostra inerte diante da ocupação de algum de seus imóveis, não haveria razão para não se admitir o usucapião.

Os que admitem essa possibilidade invocam a função social da propriedade, que também os imóveis públicos deveriam cumprir, e a dignidade humana do usucapiente de imóvel público. Uma proibição de caráter patrimonial não poderia se sobrepor à dignidade que há de ser garantida a todo cidadão, por força já do artigo 1º da própria Constituição, quanto mais tratando-se de imóvel público.

Os que propugnam pela tese tradicional, apontam para o fato de que não se pode invocar um princípio, numa interpretação parcial e unilateral, para se invalidar proibição expressa do texto constitucional. Além disso, o fato de o imóvel ser público torna-o imune ao usucapião, pela simples razão de que um indivíduo não poderia se apropriar de propriedade de todos e rigorosamente sua também. Ademais, à Administração Pública não podem ser exigidos o mesmo zelo e, principalmente, a mesma eficiência no dever de vigiar seus milhares de imóveis, mormente as terras devolutas, que às pessoas de Direito Privado. Mais ainda, admitir usucapião de terras devolutas seria fraudar a reforma agrária, a que se destinam, atentando-se, aqui também, contra os princípios da função social da propriedade e da dignidade humana, em última instância.

Por ora, vem prevalecendo a tese tradicional, não admitido, pois, o usucapião de bens públicos, sejam móveis ou imóveis.

Sobre esse tema, no fim do ano passado, noticiou-se no mundo jurídico que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais havia, em decisão histórica (Apelação Cível 1.0194.10.011238-3/001 – comarca de Coronel Fabriciano), admitido o usucapião de imóvel público. Muita gente comemorou, como uma vitória da dignidade humana sobre o patrimônio. A este respeito, gostaria de tecer alguns poucos comentários:

1. Em primeiro lugar, o TJ-MG não admitiu o usucapião de imóvel público, pura e simplesmente. Tratava-se de imóvel do Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER/MG), em que várias famílias de ex-funcionários se assentaram, formando-se um vilarejo no local, com igreja, asfalto, luz e tudo o mais. Ademais, a doação do terreno pelo DER ao município, para fins de urbanização, já fora autorizada por lei. Segundo o acórdão,


O que acontece neste caso, é que os moradores (ex-funcionários do DER/MG), pouco a pouco foram edificando suas casas no local do acampamento. Com o tempo, as famílias foram crescendo, criando-se vínculo com a propriedade e desde então se passaram aproximadamente 30 anos. Hoje, uma pequena vila, dotada de infraestrutura como: asfalto, energia elétrica, mina e uma pequena igreja. Esta área ocupada pelos moradores, corresponde aproximadamente a 26% do imóvel. O restante encontra-se livre. Assim, aquele que por mais de trinta anos, como no presente caso, tem como seu o imóvel, tratando-o ou cultivando-o, tornando-o útil, não pode ser compelido a desocupá-lo à instância de quem o abandonou. Na espécie, os réus demonstraram a aquisição da posse do imóvel há mais de trinta anos, sem qualquer oposição do DER. Destarte, demonstrado está que os réus, ora apelados, não detinham apenas a mera detenção do bem, mas verdadeiramente sua posse, como se donos fossem. Ademais, cumpre ressaltar que malgrado os bens públicos não sejam passíveis de aquisição por usucapião (art. 183, § 3º, da CF; art. 102, do Código Civil) o imóvel usucapiendo não está incluído em área de domínio público, tanto que, conforme corretamente decidiu o d. Magistrado a quo: ‘Importa salientar que, no caso concreto dos autos, a viabilidade de se declarar a prescrição aquisitiva se encontra ainda mais evidente, porque já existe uma lei em vigor autorizando expressamente o DER a doar os imóveis em comento ao Município de Antônio Dias, justamente para que este lhes dê uma destinação social, promovendo o assentamento das famílias que estão no local, conforme se verifica às fls. 264/266’.

Fica mito claro, pois, que não se tratava de um imóvel público qualquer, como festejado. Aliás, o acórdão é muito claro ao afirmar não ser possível o usucapião de bens públicos.

2. Em segundo lugar, admitir o usucapião de imóveis públicos com esteio no princípio da dignidade humana, é analisar o problema por uma ótica unilateral. Sem dúvida, todo usucapiente possui dignidade, como, aliás, qualquer um de nós, até os mais crápulas. Por outro lado, os imóveis públicos desocupados têm destinação, seja específica, para atender a eventuais necessidades da Administração Pública, seja genérica, reservando-se, precipuamente, ao planejamento urbano ou à reforma agrária. Em ambos os casos, a destinação também terá como escopo primordial a promoção da dignidade humana. Assim, a se aceitar o usucapião de imóveis públicos, contrariando frontalmente a Constituição e o Código Civil, com fundamento na dignidade do usucapiente, estar-se-á olvidando a dignidade dos destinatários da reforma agrária, do planejamento urbano e dos eventuais beneficiários da utilização que eventualmente a Administração Pública venha a conferir ao imóvel.

3. Em terceiro lugar, muitos grileiros hão de se aproveitar da situação. Segundo noticia Luiz Nassif,:


Para se ter uma ideia do que se trata e não sei como ele conseguiu, mas recentemente foi divulgada a notícia de que o pai do Aécio Neves, finado ex-deputado federal Aécio Cunha, teria adquirido as terras da sua fazenda em Montezuma através de ‘usucapião’ de terras públicas do Estado de Minas Gerais (o que a Constituição proíbe).

É nessas horas que entendo um velho ditado da minha querida e falecida avó mineira, que dizia: ‘Na sombra de cachorro, galinha bebe água!’

Na desculpa do uso social da terra e com o apelo de atender aos mais necessitados, muitas raposas felpudas poderão passar por essa brecha e além de tomarem água, vão pôr as galinhas no bucho. (Disponível em: http://jornalggn.com.br/noticia/polemica-sentenca-em-minas-reconhece-usucapiao-de-bem-publico. Acesso em: 7 de fevereiro de 2015)

De fato, sem os cães (Constituição e Judiciário) a vigiar, as galinhas (patrimônio público/povo em geral) estarão, como nunca, à mercê das raposas. É isso que queremos?

4. Nessa mesma esteira, caberia um comentário mais político que jurídico; talvez um desabafo. Num país em que bem comum é bem nenhum, em que o patrimônio público é achacado cotidianamente por aqueles que deveriam zelar por ele, em que “se mete a mão” sem o menor pudor nos bens que deveriam servir ao público, num país assim, defender o usucapião de bens públicos, é muito natural e muito triste, data maxima venia.

De todo modo, é bom que se avalie cada situação individualmente. Talvez, tenha sido feliz a decisão, no caso do acórdão em comento, dadas as suas várias peculiaridades. Mas isso não significa que se possa defender, sem mais aquela e frontalmente contra legem, o usucapião de bens públicos, numa visão unilateral e perigosa do princípio da dignidade humana.

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Lisboa, Girona, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF e UFC).


César Fiuza é advogado e professor na Universidade Federal de Minas Gerais, na PUC-MG e na Universidade FUMEC.



Revista Consultor Jurídico, 23 de fevereiro de 2015, 8h00

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Julgamento de ADIs pelo Supremo promove centralização federativa







Não é novidade para ninguém que a federação brasileira se revela altamente centralizada, chegando às raias do federalismo meramente nominal. De um lado, isso se deve à engenharia constitucional no tocante à distribuição de competências (vide artigos 21 a 24 da Constituição de 1988) e, de outro, à contundente atuação do Superior Tribunal Federal ao exercer o controle de constitucionalidade de lei ou ato federal e estadual, especialmente o controle concentrado[1].

É o que mostram duas pesquisas realizadas em grupos diferentes e sem prévio contato, sendo uma elaborada por professores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e outra por docentes da Universidade de Brasília (UnB).

No estudo de Tomio e Robl Filho[2] são levantadas algumas hipóteses para se verificar se o STF tem ou não poder de veto no processo decisório legislativo.

O propósito é justamente verificar se o STF tem uma tendência maior a declarar inconstitucional uma norma emitida pela União ou pelos Estados. Isso influi diretamente na criação normativa determinada pela organização de competências no Brasil.

No levantamento realizado no período entre 1988 e 2012, Tomio e Robl Filho detectaram uma maior incidência no número de leis estaduais sujeitas ao controle por via de ADI do que leis federais. De um total de 4.751 ações desta natureza em 24 anos, 2.991 foram relativas a alguma lei ou ato normativo produzido pelos Estados, o que corresponde a 63% de todas as ações[3].

Os governadores são os legitimados que mais propõem ADIs contra leis estaduais (664), seguidos de associações (504) e o procurador-geral da República - PGR (398). São números bem diferentes e inferiores em comparação à propositura de tais ações cujo objeto sejam as leis federais, respectivamente 28, 331 e 117.

Além do número de ADIs propostas, verifica-se que 36% das que questionam a constitucionalidade no processo decisório estadual foram julgadas a favor do requerente, sendo que 23% foram totalmente procedentes. É um número mais que três vezes maior que os 11% de decisões favoráveis ao requerente em ADIs cujo objeto era uma lei federal.

Em comparação aos legitimados, os governadores, além de serem os que mais propõem ações, são os que têm a maior percentagem de sucesso (34%) e “utilizam, principalmente, como fundamentação constitucional às ADIs os artigos da CF 88 que tratam da distribuição de competências legislativas: artigo 61, parágrafo 1º, competências privativas do Executivo; artigo 22, competências privativas da União”[4]. Esse percentual é seguido proximamente pelo Procurador-Geral da República (30%), pelas Assembleias Legislativas e pela OAB (22%). 

Tais dados podem levar a uma prévia conclusão: os governadores utilizam a ADI como instrumento de derrubar leis aprovadas pelas Assembleias Legislativas de seus Estados – provavelmente pela ausência de apoio político ou da maioria da Casa ser de oposição ao governo – e também para impedir determinadas normas emitidas por outras unidades federativas.

Em razão disso, a propositura dessas ADIs pelos governadores é uma forma de interferir por meios processuais naquilo que deveria ser um debate político, seja entre Casa Legislativa e Governo Estadual, seja entre estados que fazem leis para seu benefício e que algumas vezes podem gerar efeitos negativos em outros (umas das razões que leva à chamada guerra fiscal). Isso pode ser reforçado pelo alto número de procedências de tais ações propostas pelas Assembleias, que podem usar o meio processual também como forma derrubar decisões políticas dos governadores oposicionistas.

Além do STF ter o poder de legislador negativo, pelo que os dados apresentam, há uma significativa interferência no processo legiferante estadual (ainda que em momento posterior), devido à percentagem de ações que são decididas a favor do requerente.

A propositura das ADIs com tal finalidade é mais uma forma institucional de alimentar a judicialização da política, uma vez que transfere para o STF um encargo de dar a última palavra sobre uma decisão de cunho político. É claramente uma forma do uso de um importante instrumento de estabilização constitucional – e diga-se, essencial a qualquer Estado de Direito – com finalidades que não sejam apenas de contestar sua constitucionalidade, mas sim de vencer pela via do direito uma batalha já perdida na política.

Alexandre Araújo Costa e Juliano Zaiden Benvindo, autores de outra pesquisa com objetivo semelhante[5], possuem uma posição bem realista a respeito do interesse de algum legitimado mover uma ADI: “este sistema somente pode ser movido quando há um interesse concreto dos agentes legitimados para invocar essa forma de controle. Mover uma ADI é uma opção política, e não uma necessidade lógico-jurídica.”[6].

Devido à organização federativa peculiar do Brasil, o uso da ADI para tais fins pelos governadores aumenta a dependência que os Estados têm da União, uma vez que, por de ser um órgão do judiciário nacional a dar a última palavra sobre uma lei estadual, o grau de autonomia diminui drasticamente.

Certamente essa situação acaba contribuindo para reforçar a inter-relação de dependência jurídica, política e econômica dos Estados-Membros. Esse problema é, ao mesmo tempo, uma das grandes consequências centralizadoras e uma causa centralizadora: distribuição desigual das competências administrativas/legislativas, além do caráter exclusivo/privativo da União na maioria delas.

Nesse contexto, as pesquisas deixam claro que a ADI foi largamente usada para fins de reafirmar a centralização causada pela distribuição das competências. Ao intervir como ator de veto nos processos legislativos com grande participação diretamente no âmbito estadual, o Supremo Tribunal se torna fiador da concentração dos poderes nas mãos do Governo Central.

[1]Tratei do tema de maneira mais profunda no seguinte artigo, escrito em co-autoria com o doutorando Leonam Baesso Liziero:MARRAFON, Marco Aurélio. LIZIERO, Leonam Baesso da Silva. Competencias constitucionais da Uniãoo e Supremo Tribunal Federal: fiadores da centralização no federalismo brasileiro. In: Octavio Campos Fischer; Scheila Barbosa dos Santos. (Org.). Federalismo fiscal e democracia. 1ed.Curitiba: Instituto Memória, 2014, v. , p. 26-47.
[2]TOMIO, Fabricio Ricardo de Limas; ROBL FILHO, Ilton Norberto. Empirical Legal Research: Teoria e Metodologia para a Abordagem do Processo Decisório de Controle de Constitucionalidade no STF. In: SIQUEIRA, Gustavo Silveira; VESTENA, Carolina Alves. Direito e Experiências Jurídicas.Vol.2: Debates Práticos. Belo Horizonte: Arraes, 2013, pp. 96-117.
[3]Ibidem, p. 109.
[4]TOMIO, Fabricio Ricardo de Limas; ROBL FILHO, Ilton Norberto. Empirical... Op. cit, p. 114.
[5] COSTA, Alexandre Araújo; BENVINDO, Juliano Zaiden,(orgs.). A Quem Interessa o Controle Concentrado de Constitucionalidade? O Descompasso entre Teoria e Prática na Defesa dos Direitos Fundamentais. Disponível neste link (Relatório) e neste link (Gráficos). Acesso em setembro de 2014.
[6]Ibidem, p. 18


Marco Aurélio Marrafon é presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), professor de Direito e Pensamento Político na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).



Revista Consultor Jurídico, 27 de janeiro de 2015, 21h11

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Charlie Hebdo: liberdade e tolerância para as ideias que odiamos





Quem poderia imaginar que o Século XXI ainda teria que arrastar as mesmas e renovadas amarras do obscurantismo da história humana?

Não obstante o avanço das novas tecnologias de informação e o livre trânsito do conhecimento e das ideias, somos confrontados cotidianamente com as características de uma sociedade incrivelmente paradoxal: quanto mais informação, mais desinformados nos encontramos; quanto mais expandidas ou desenvolvidas as sociedades, mas limitados e retrógrados se mostram os indivíduos que as compõem; quanto mais abertura e diversidade, mais enclausurados nos revelamos em nossos preconceitos. 

Em seu livro “Estado, Sociedade, Liberdade” (Staat, Gesellschaft, Freiheit, 1976, p. 60), Ernst-Wolfgang Böckenförde, professor da Universidade de Freiburg e ex-juiz do Tribunal Constitucional alemão, como já tive ocasião de lembrar aqui mesmo na Conjur, formulava assim o que ficou conhecido como o “Dilema de Böckenförde” (Böckenförde-Diktum): “O Estado liberal (democrático) e secular vive de pressupostos que ele mesmo não pode garantir”.

No dizer de Böckenförde, esse é o grande dilema que o Estado democrático e sua Constituição inevitavelmente teriam que enfrentar em nome da liberdade: de um lado, o Estado democrático de direito só pode existir quando a liberdade religiosa que promove e garante tem existência a partir “de dentro”, isto é, a partir da ordem constitucional da própria comunidade nacional; de outro, se quiser garantir essa mesma liberdade das crenças religiosas, o Estado democrático não pode se valer dos meios de coerção ou de intervenção de autoridade sem correr o risco de abrir mão de sua “liberalidade” e da distância secular como Estado laico.

Por trás do dilema, a seguinte encruzilhada: ou o Estado democrático ignora completamente a religião e corre, com isso, o risco de perder, além do “controle” sobre o próprio exercício da liberdade religiosa, a força inegável de coesão social que revelam as religiões, ou passa a promover com algumas intervenções a garantia da liberdade religiosa, correndo o risco, contudo, de comprometer sua distância e laicidade.

De fato, esta é uma das verdadeiras aporias da contemporaneidade: será que as sociedades democráticas e tolerantes darão conta de seus guetos de intolerância ou serão por eles consumidas ou colonizadas? Uma resposta fácil ao problema será sempre uma resposta de ingênuos. Aqui, mais uma vez a inteligência do sábio: “Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada”.

Em consideração a tudo isso e em razão dos trágicos acontecimentos recentemente ocorridos na França, um dos berços do Iluminismo e da liberdade que deram feição às modernas democracias ocidentais, aproveito as minhas férias para dedicar a todas as vítimas da intolerância religiosa, que incrivelmente vai encontrando revigorada força em todo o mundo, artigo que publiquei em 25 de fevereiro de 2013, no qual se discute o valor essencial da liberdade de expressão para os espíritos verdadeiramente democráticos. Vamos a isso.

Liberdade e tolerância
“Liberdade é o direito de dizer às pessoas o que elas não querem ouvir”, lembrava George Orwell, um dos maiores defensores da democracia, da liberdade e da tolerância entre os povos. Desde a morte do autor de 1984 e A Revolução dos Bichos, entretanto, o mundo foi se tornando mais complexo e, infelizmente, penso eu, mais intolerante. A ironia está, precisamente, no fato de que a intolerância não parece recuar mesmo num quadro de maior liberdade.

Dizendo de outro modo e falando do ocidente, nunca as pessoas tiveram tanta possibilidade de escolher e manifestar opiniões e crenças diferentes daquelas que conformam as ideias predominantes na sociedade. Paradoxalmente, contudo, essa maior diversidade de opiniões, absolutamente benfazeja, não tem sido acompanhada, como seria de se esperar, de uma maior tolerância entre as pessoas.

No mundo todo, assiste-se a uma escalada de intolerância. Mesmo no Brasil, tradicionalmente pacato no recrudescimento ou mesmo na defesa de princípios e opiniões, somos testemunhas cotidianas de agressões — as mais inconcebíveis — dirigidas contra pessoas por fatos tão prosaicos como manifestar uma opção sexual diferente, pertencer a outro partido político, professar outra religião ou crença, ou mesmo por simplesmente torcer para um clube de futebol concorrente. Isso para não falar do nefasto bullyingentre adolescentes e crianças — às vezes agride-se alguém por ser alto, às vezes por ser baixo; às vezes porque a criança estuda muito, às vezes por estudar pouco; às vezes por ser gordo, às vezes por ser magro; e às vezes por não ser nem uma coisa nem outra.

De fato, é um estranho paradoxo o fato de as pessoas tornarem-se intolerantes, precisamente, quando mais têm liberdade para divergir.

No país da liberdade de expressão, a Suprema Corte, no caso West Virginia State Board of Education vs. Barnette, 319 U.S. 624 (1943), o juiz Robert Jackson, que anos mais tarde se tornaria também o procurador-chefe nos julgamentos de Nuremberg, afirmava que "a liberdade não deve se limitar a coisas que não têm muita importância. Isso seria uma mera sombra da liberdade. O teste de sua substância é o direito de divergir quanto às coisas que tocam o coração da ordem existente".

Oliver Wendell Holmes, em conhecida passagem, no caso United States vs. Schwimmer, 279 U.S. 644 (1929), já ensinara, bem antes de Robert Jackson, que a liberdade de expressão e pensamento deve consistir em liberdade "não para aqueles que concordam conosco, mas a liberdade para as ideais que nós odiamos" (not free thought for those who agree with us but freedom for the thought that we hate). No caso, a recorrente, uma mulher de mais de 50 anos, Rosika Schwimmer, de origem húngara, teve negada a nacionalidade norte-americana, porque, numa palestra, como ativista do pacifismo, houvera deixado claro que não pegaria em armas para defender um país contra pessoas, já que considerava todos os seres humanos membros de uma mesma família. Holmes, em voto divergente, lembrava que a mulher, além de revelar inteligência e caráter “mais do que o ordinariamente desejável a um cidadão dos Estados Unidos”, tinha mais de 50 anos, pelo que não enxergava em que a sua determinação “de não pegar em armas”, pudesse comprometer a defesa da sonhada pátria norte-americana.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos também já teve ocasião de decidir que a liberdade de expressão, como fundamento essencial de uma sociedade democrática, deve abranger não apenas ideias e informações que são “recebidas favoravelmente ou consideradas inofensivas”, mas também as ideias que “ofendem, chocam ou incomodam”.

Isso obviamente, não quer dizer que alguém possa expressar-se de qualquer forma, em qualquer lugar e a todo tempo o que bem entenda. É célebre a imposição da mais tolerante jurisprudência sobre liberdade de expressão — a dos Estados Unidos —, ao proibir que alguém coloque em perigo imediato as outras pessoas, por exemplo, incitando um tumulto ao gritar “fogo!” num ambiente fechado.

Ninguém consentiria, por outro lado, que, a título de defender a liberdade de expressão, se concebesse a divulgação por servidor público de informações e atos processuais recobertos por sigilo judicial. Além disso, os servidores públicos e alguns profissionais, como advogados, estão proibidos de divulgar informações que tenham obtido em razão do cargo ou ofício, sob pena de praticar o crime de violação de sigilo funcional ou profissional.

Não deixa, pois, de ser outra ironia que, à semelhança de tudo em Democracia, também a liberdade deva ser exercida com algumas restrições. Essa, de fato, é uma das mais difíceis lições dos regimes democráticos. Normalmente, queremos tolerância máxima para as nossas ideias e comportamentos, mas estamos sempre predispostos a impor censura e limitações às ideias e comportamentos dos nossos semelhantes.

John Stuart Mill, no seu famoso ensaio Sobre a Liberdade, justificava a tolerância em relação às ideias que odiamos com quatro argumentos que considero indisputáveis (cito)[1]:

(I) Em primeiro lugar, se uma opinião é compelida ao silêncio, essa opinião pode, pelo menos naquilo que nós podemos conhecer com certeza, ser verdadeira. Negar isso é afirmar nossa própria infalibilidade (our own infallibility).

(II) Em segundo lugar, embora a opinião silenciada seja um erro, ela pode conter, e muito comumente contém, uma parcela da verdade; e desde que a opinião geral ou predominante sobre algum tema raramente ou nunca é a verdade por inteiro, é apenas pelo choque ou colisão de opiniões adversas que uma porção da verdade tem alguma chance de ser produzida.

(III) Em terceiro lugar, mesmo se a opinião for não apenas parcialmente verdadeira, mas a verdade inteira, a menos que se submeta, de forma atual, vigorosa e seriamente, a contestações, muitos dos que a recebem a manterão na forma de um preconceito (prejudice), com pouca compreensão ou sentimento de seus fundamentos racionais.

(IV) E, quarto, não apenas isso, mas o significado da própria doutrina correrá o perigo de se perder ou enfraquecer, ou ser privada do efeito vital sobre o caráter e a conduta das pessoas: o dogma torna-se uma profissão meramente formal, ineficaz para produzir o bem, mas obstruindo o fundamento e impedindo o crescimento de toda e qualquer convicção verdadeira e honesta, seja da razão seja da experiência pessoal.

Infelizmente, como professor e profissional do Direito, tenho observado o quanto somos talhados para a intolerância. Ideias tão simples e já tão antigas como a de Stuart Mill têm encontrado mais divulgação do que prática; mais proselitismo do que ação. As pessoas transformam permanentemente argumentos corporativos, preconceitos ou opções pessoais em imperativos categóricos e, o que é mais terrível, transformam suas crenças e ideologias em fundamento para a “inocente e bem intencionada” exclusão do outro. Saber estar no mundo com ideias que, muito frequentemente, não serão iguais às nossas, contudo, é um predicado essencial ao espírito democrático.

Assim, buscando concluir esse pequeno artigo em forma de algum conselho prático, quando começamos a ver no outro um inimigo, simplesmente, porque ele não compartilha conosco uma ideia, ou uma mesma convicção, obviamente, isso não é um sinal para dispararmos nossa violência ou agressão. Simplesmente, está na hora de procurarmos um bom psicanalista.


Logicamente, o título deste artigo foi inspirado na obra de Anthony Lewis,Freedom for the Thought That We Hate.

[1] John S. Mill. On Liberty. Ed. Kindle, a public domain book, location 1024-1050.
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Néviton Guedes é desembargador federal do TRF da 1ª Região e doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.



Revista Consultor Jurídico, 13 de janeiro de 2015, 15h50

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