Decisão da JT mineira garante indenizações por 
danos morais e materiais a viúva de trabalhador autônomo, morto em 
decorrência de acidente sofrido quando fazia instalação de equipamento 
na empresa contratante, que foi responsabilizada por não observar normas
 que garantem saúde e segurança no trabalho. 
 
 O
 Brasil tem hoje 11 milhões de desempregados e as demissões trazem cada 
vez mais trabalhadores para a informalidade, deixando-os mais 
vulneráveis a uma recessão que pode ser a pior em 25 anos. Desde 2015, 
1,5 milhão de pessoas que perderam seus empregos com carteira assinada 
começaram a trabalhar como autônomos, alguns vivendo de bicos, enquanto 
procuram uma nova oportunidade. O trabalho por conta própria, na maioria
 dos casos com rendimento inferior a R$ 1.300,00 por mês, já representa 
19,5% de todas as ocupações nas principais cidades do Brasil, maior 
nível em oito anos, segundo dados colhidos em 2015 pelo Instituto 
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).  
Diante
 da crise atual, é fato que muitos profissionais foram empurrados para a
 informalidade, a qual se espera que seja temporária.  Porém, por outro 
lado, o trabalho informal também pode ser a porta de entrada para muitos
 que querem empreender e inovar.  
Ser um trabalhador autônomo, 
como tudo, traz vantagens e desvantagens. Quem não gosta de ser o 
próprio patrão, de não se submeter às ordens de outra pessoa, podendo 
gerenciar o seu trabalho e a forma de executá-lo e, ainda, de poder 
ajustar o horário de trabalho à forma que melhor lhe convier. Assim é a 
vida do trabalhador autônomo. Mas, claro, existe o outro lado. O 
autônomo tem de arcar com as despesas do seu trabalho e com os riscos de
 seu empreendimento. E, por não trabalhar com vínculo de emprego, não 
tem os direitos trabalhistas assegurados aos empregados pela CLT, como: 
férias, 13º salário, FGTS, repousos semanais remunerados, adicional 
noturno, horas extras, intervalo intrajornada no mínimo legal, e por aí 
vai...  
Mas, e quanto às normas de segurança no trabalho? Elas se 
aplicam também ao trabalhador autônomo. Imagine, por exemplo, que um 
prestador de serviços, verdadeiramente autônomo, seja contratado por uma
 empresa para executar certo serviço e, quando em atividade, sofre um 
típico acidente de trabalho. Suponhamos ainda que essa empresa não se 
preocupou em adotar as medidas necessárias para que o profissional 
contratado realizasse seu trabalho com segurança e, em razão disso, o 
acidente deixou o prestador de serviços gravemente ferido. Nessa 
situação, surge a seguinte pergunta: A empresa contratante poderá ser 
responsabilizada pelos prejuízos morais e materiais que o acidente 
trouxe ao trabalhador, já ele trabalhava com autonomia e sem vínculo de 
emprego?  
Manifestando sua preocupação com a questão do trabalho 
informal, o juiz Valmir Inácio Vieira, titular da Vara do Trabalho de 
Itaúna, adota a tese segundo a qual a saúde e segurança no trabalho são 
direitos básicos do trabalhador que devem ser protegidos e respeitados, 
independentemente da existência do vínculo empregatício entre ele e a 
empresa para a qual presta seus serviços. Assim, a empresa tem 
responsabilidade civil diante do acidente de trabalho sofrido por um 
trabalhador autônomo. Essa também é a tese que predomina no TRT-MG.  
Essa
 NJ especial faz uma abordagem sobre o assunto, muito bem retratado na 
sentença do juiz Valmir Inácio Vieira, que trata do caso de um 
trabalhador autônomo falecido em decorrência de acidente de trabalho que
 sofreu quando prestava serviços para uma determinada empresa. Em sua 
decisão, o magistrado traz importantes esclarecimentos sobre a aplicação
 das normas de segurança ao trabalhador autônomo, abordando com minúcia e
 clareza as regras de segurança que devem ser observadas nessa 
modalidade especial de prestação de serviços, especificamente, nos 
serviços de reparos em máquinas e equipamentos, dado o perigo que 
envolve esse tipo de atividade. O juiz termina por reconhecer a 
responsabilidade e a culpa da empresa no acidente que vitimou o 
trabalhador autônomo. O julgador discorre ainda sobre a obrigatoriedade 
das empresas em observar as normas de segurança do trabalho, mesmo que o
 serviço que ela contratou seja realizado por profissional autônomo, sem
 vínculo de emprego.  
Mas o leitor deve atentar para o fato de que
 a matéria é polêmica e as posições não são unânimes. Embora em menor 
número, há decisões no sentido de que, diante da autonomia desses 
profissionais na forma de execução dos serviços, eles mesmos são 
responsáveis pela aplicação das regras de segurança, não podendo 
transferir essa obrigação à empresa tomadora dos serviços. Mais adiante,
 na parte de jurisprudência, veremos como as Turmas do TRT mineiro têm 
encarado a questão.  
Empresa que contrata autônomo deve adotar medidas para que o serviço seja executado com segurança"O
 mínimo existencial do trabalhador autônomo/informal, no tocante à saúde
 e à segurança no trabalho, deve ser obrigatoriamente observado por 
ocasião da prestação de serviços no interior da empresa tomadora e, por 
corresponder a direito ligado ao superprincípio da dignidade humana, 
exige também da contratante cuidados na sua observância, 
independentemente de cláusula contratual, expressa ou tácita, dispondo o
 contrário. O Poder Judiciário pode entender pela não prevalência de 
cláusula que estabeleça ser exclusivamente do trabalhador 
autônomo/informal a gestão de riscos ocupacionais". (Trecho da sentença do juiz Valmir Inácio Vieira, processo nº 0011685-18.2014.5.03.0062 - Publicação: 08/08/2015).  
Entendendo o casoA
 reclamante era viúva de um trabalhador autônomo que, como encarregado 
de manutenção, fazia reparos nas máquinas de produção da empresa ré, 
sempre que elas apresentavam defeitos. Em intervalos médios de três 
meses, o marido era solicitado para prestar seus serviços na empresa, 
onde permanecia por cerca de 15 dias. Até que um dia, quando estava na 
empresa reparando o motor de uma máquina de pré-moldados, ele sofreu um 
gravíssimo acidente: o motor despencou e o atingiu, ferindo-o 
gravemente. Chegou a ser hospitalizado, mas não resistiu aos ferimentos e
 morreu.  
Esse o trágico cenário encontrado pelo juiz Valmir 
Inácio Vieira, em sua atuação na Vara do Trabalho de Itaúna-MG, ao 
analisar a ação ajuizada pela viúva do trabalhador autônomo contra a 
empresa que contratou os serviços do marido.  Alegando a culpa da 
empresa no acidente, a reclamante pretendia que ela fosse condenada a 
lhe pagar indenização por danos materiais (sob a forma de pensão mensal,
 até a data em que o marido falecido completaria 75 anos de idade, a ser
 paga de uma só vez), além de indenização por prejuízos morais. E, em 
sua análise, o juiz deu razão à reclamante e deferiu os pedidos.  
Os dois lados da históriaVersão da reclamante - A
 esposa do trabalhador afirmou que, antes da morte do marido, foi 
necessário que se amputasse um dos seus pés, o que aumentou, em muito, o
 sofrimento de toda a família, que já não era pouco. Disse ainda que a 
empresa teve culpa no acidente que tirou a vida do trabalhador, tendo em
 vista que ele não usava qualquer equipamento de segurança quando se 
acidentou, fato que revela a negligência da empresa no cumprimento das 
normas de segurança do trabalho. Acrescentou que teve sua vida 
transformada com o acidente, pois tinha uma família tranquila e completa
 e, depois da morte do marido, passou a viver em constante estado de 
pânico e depressão, sendo obrigada a se sustentar com os parcos 
rendimentos de pensionista e a depender de favores de parentes e amigos,
 o que lhe traz enormes constrangimentos, totalmente ignorados pela 
empresa, a verdadeira culpada pelo infortúnio.  
Versão da empresa - Ao
 se defender, a ré contou sua versão: a relação com o marido da 
reclamante era apenas comercial, já que ele nunca foi seu empregado, mas
 apenas lhe prestou serviços em algumas oportunidades. Na época do 
acidente, a empresa estava mudando um maquinário de local (unidade 
hidráulica de bombeamento de concreto) e, para seu transporte e fixação,
 contratou uma empresa especializada (Ita Montagens). O marido da 
reclamante foi contratado apenas para fazer regulagem e implantação da 
máquina, o que deveria ser feito apenas depois da fixação do equipamento
 pela Ita Montagens. Mas, quando o reservatório da unidade já estava 
sendo parafusado, o trabalhador pediu que aguardassem, dizendo que 
precisava terminar um procedimento. Foi aí que o prestador de serviço se
 desequilibrou e se apoiou, por reflexo, numa das mangueiras do 
reservatório, quando este acabou caindo sobre ele - e isso só ocorreu 
porque o próprio trabalhador solicitou que o reservatório não fosse 
fixado. Ele foi removido consciente pelo serviço de emergência e 
permaneceu no hospital João XXIII, em Belo Horizonte, por 24 dias, vindo
 a falecer, de acordo com a própria família, em consequência de uma 
infecção generalizada.  
A empresa sustentou ainda que o 
trabalhador estava usando capacete, mas, pelo peso do reservatório, isso
 não impediu que ele se machucasse gravemente, inclusive na cabeça. Para
 a defesa, o acidente ocorreu por culpa exclusiva do trabalhador, que 
solicitou que o reservatório não fosse fixado e iniciou seu trabalho de 
instalação das mangueiras antes do combinado, assumindo pessoalmente um 
risco desnecessário.  
Por fim, argumentou que não teve qualquer 
culpa no acidente, pois contratou o marido da reclamante, justamente, 
pela sua vasta experiência nesse tipo de trabalho e também porque, por 
ser autônomo, ele assumiu a responsabilidade e os riscos de entregar o 
serviço pronto, sem necessidade de ingerência ou coordenação da empresa.
 Finalizou dizendo que, por todas essas razões, o caso deve ser 
resolvido de acordo com as regras do Código Civil sobre o prestador de 
serviços autônomos, que lhe atribuem a responsabilidade sobre os riscos 
do seu trabalho, devendo entregá-lo realizado à contratante, de quem não
 se pode exigir as mesmas obrigações do empregador, inclusive a de 
fornecer e cobrar o uso de EPIs.  
Enfim, a reclamada afirmou que 
marido da reclamante atuava como patrão de si mesmo, sem submissão aos 
poderes de comando da contratante, razão pela qual não havia como a 
empresa exigir que ele usasse EPIs. Além de tudo, para a 
responsabilização da ré seria necessária prova clara de seu dolo ou 
culpa no acidente, o que não existiu, já que o acidente ocorreu por 
culpa exclusiva da vítima. E disse mais: era obrigação do próprio 
trabalhador autônomo se precaver e se equipar no intuito de evitar 
qualquer acidente e, portanto, não se pode exigir qualquer indenização 
da empresa.  
Entendimento do julgador: regras de segurança no trabalho também se aplicam ao trabalhador autônomoApós
 examinar as provas, o magistrado notou algo que lhe chamou atenção: a 
empresa tem a prática de fornecer EPIs a todas as pessoas que entram em 
seu estabelecimento (capacete, óculos de segurança e botina), inclusive 
aos prestadores de serviços autônomos - como era, de fato, o caso do 
marido da reclamante. Segundo o juiz, o procedimento da empresa não 
traduz excesso de cuidado, mas está de acordo com o artigo 196 da 
Constituição da República Federativa do Brasil, segundo o qual: "A 
saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
 sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de 
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços 
para sua promoção, proteção e recuperação". Além disso, o artigo 2º da Lei 8.080/1990 dispõe que: "A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício".  E, nos termos do parágrafo 2º dessa norma, "O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade".  
Com
 base nessas regras, o julgador concluiu que a saúde é um direito de 
todos e, dessa forma, também alcança os trabalhadores autônomos, 
existindo, nas palavras dele, um "inexorável entrelaçamento entre o direito à saúde e o direito à saúde no trabalho". Tanto é assim que o parágrafo 1º. do art. 19 da Lei 8.2.13/91 é claro ao dispor que: "A
 empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e 
individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador", ressaltou.  
Em
 sua sentença, o juiz mencionou as seguintes normas previstas no Código 
de Saúde do Estado de Minas Gerais (Lei Estadual n. 13.317, de 
24.09.1999):  
"Art. 57. Para os efeitos desta lei, entende-se 
como saúde do trabalhador o conjunto de atividades destinadas à 
promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde do trabalhador 
submetido a riscos e agravos advindos das condições de trabalho.  
Art.
 58. Considera-se trabalhador aquele que exerça atividade produtiva ou 
de prestação de serviços no setor formal ou informal da economia".  
E, para o magistrado, todas essas normas legais mostram a intenção do legislador em "resguardar o mínimo existencial dos trabalhadores"
 - de todos eles, inclusive dos informais e autônomos - no que diz 
respeito à saúde e segurança no trabalho, o que fica ainda mais evidente
 pela obrigatoriedade da adoção de medidas preventivas de acidentes do 
trabalho, que guarda estreita ligação com a ética nas relações de 
trabalho e também com o princípio da dignidade da pessoa humana.  
  |  
 
Para
 reforçar seu entendimento, citando doutrina da área de ética e 
segurança no trabalho, o magistrado explicou que, no campo do direito, 
existe um dever básico, que é o de reconhecer a intangibilidade da vida 
humana, do qual decorre outros três: I - o respeito à integridade física
 e psíquica das pessoas; II - consideração pelos pressupostos materiais 
mínimos para o exercício da vida; III - respeito pelas condições mínimas
 de liberdade e convivência social igualitária (in artigo intitulado 
"Caracterização Jurídica da Dignidade da Pessoa Humana", Revista dos 
Tribunais, ano 91, volume 797, março de 2002. São Paulo: Editora Revista
 dos Tribunais, p. 19).  
Na sentença, também foram destacados os 
ensinamentos de Roldão Alves de Moura, segundo o qual a saúde é direito 
tutelado independentemente de vínculo empregatício (Ética no meio 
ambiente do trabalho. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004, p. 
43). No mesmo sentido, ressaltou-se o pensamento de Lenir Santos: "Assim,
 o indivíduo em sua atividade de trabalho tem o direito de não ser 
submetido a riscos, pouco importando se a atividade é executada no 
mercado formal ou informal, com ou sem carteira de trabalho, em ambiente
 urbano ou rural etc." (in artigo intitulado "Saúde do Trabalhador e
 o Sistema Único de Saúde: Conflito de Competência. União, Estados e 
Municípios. Interface Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério da 
Saúde e Ministério da Previdência Social". Revista de Direito do 
Trabalho. Volume 99, São Paulo: RT. 2000, p. 123).  
Nesse 
contexto, o julgador não teve dúvidas sobre a obrigatoriedade de se 
observar a aplicação da Norma Regulamentadora n. 12 a todas as situações
 de trabalho que envolvam, no interior da empresa, as máquinas e os 
equipamentos, qualquer que seja a atividade econômica (conforme o item 
12.1 da NR). E essa norma deve ser observada por todos, justamente 
diante da obrigação de se respeitar o mínimo existencial dos 
trabalhadores, incluindo os autônomos, como o era o marido da 
reclamante, frisou.  
"Não se trata, portanto, de liberalidade 
da ré o fato de a mesma dedicar cuidados preventivos aos trabalhadores 
que adentrem em suas dependências e, em decorrência desse acesso, 
estarão sujeitos aos perigos ali existentes. Tratam-se, semelhantes 
cuidados, nada mais do que dar cumprimento aos preceitos do ordenamento 
jurídico nacional que impõem o respeito ao mínimo existencial dos 
trabalhadores no tocante à saúde e à segurança no trabalho", destacou
 o magistrado. Por fim, ele acrescentou que, como gestora dos itens de 
segurança, a empresa tinha o poder e mesmo a legitimidade para exigir 
que os trabalhadores que entravam em seu estabelecimento, inclusive os 
prestadores de serviços autônomos, usassem os equipamentos de segurança e
 observassem as regras básicas de segurança no trabalho.  
Os fatos - As normas aplicáveis ao caso específicoEm
 seu exame, o magistrado constatou que o acidente que tirou a vida do 
trabalhador autônomo ocorreu quando a empresa estava alterando a 
localização, ou seja, estava reinstalando o seguinte equipamento: bomba 
de concreto e o reservatório de óleo respectivo. E, conforme ressaltou, 
nesses casos, de instalação (ou reinstalação) de máquinas e 
equipamentos, a qual implica riscos ocupacionais de grande magnitude, a 
NR-12 (que, à época da decisão, ainda não havia sofrido as alterações 
publicadas em maio deste ano) é bastante minuciosa quanto às medidas que
 devem ser tomadas para evitar acidentes do trabalho, entre elas:  
-
 As máquinas devem estar estabilizadas, de forma que não se desloquem 
intempestivamente por vibrações, choques ou outras forças externas (item
 12.11);  
- A instalação deve observar os requisitos do fabricante ou projeto elaborado por profissional habilitado (item 12.11.1); 
 - Devem ser elaborados procedimentos de trabalho e segurança 
específicos, padronizados, com descrição detalhada de cada tarefa, passo
 a passo, a partir da análise de risco (12.130); - Os serviços 
devem ser planejados e realizados conforme os procedimentos de trabalho e
 segurança, sob supervisão e anuência expressa de profissional 
habilitado ou qualificado (12.132) e, ainda, precedidos de ordens de 
serviço específicas- O projeto deve levar em conta a segurança 
intrínseca da máquina ou equipamento, por meio das referências técnicas 
indicadas na NR-12, que devem ser observadas para garantir a saúde e a 
integridade física dos trabalhadores (item 12.133). Em 
sendo assim, segundo o magistrado, antes que o trabalhador iniciasse os 
reparos no reservatório, o equipamento deveria estar estabilizado para 
que não se deslocasse acidentalmente, o que não foi feito, tanto que o 
reservatório, de fato, caiu e atingiu o trabalhador. Além disso, 
conforme ressaltado pelo juiz, já que o próprio fabricante do maquinário
 não providenciou os requisitos necessários para a reinstalação, a 
empresa deveria ter buscado um projeto elaborado por profissional 
legalmente habilitado para a realização do serviço, o que também não 
cuidou de fazer, descumprindo a NR-12. "Constituía incumbência da ré,
 em observância à NR-12, ter providenciado o projeto de execução do 
serviço elaborado por profissional autorizado, em especial para a 
fixação do reservatório de óleo para os devidos ajustes. E essa medida 
preventiva obrigatória a ré não cumpriu", destacou o julgador. E 
mais. O perito do juízo informou que o serviço não foi precedido de 
projeto técnico de mudança do layout da unidade hidráulica.  
Todos
 esses fatos, na visão do magistrado, são suficientes para configurar a 
culpa da empresa no acidente, já que ela permitiu que um trabalhador 
atuasse em seu complexo industrial sem estar resguardado com toda a 
segurança possível e previsível. Em outras palavras, a empresa se omitiu
 quanto à observância das normas de segurança do trabalho.  
Isso 
porque, conforme registrado na sentença, para o tipo de serviço que 
seria realizado pelo trabalhador, a NR-12 exige projeto elaborado por 
profissional legalmente habilitado, considerado como tal alguém que 
tenha registro no conselho de classe, com formação específica, e que 
possa assumir essa responsabilidade técnica e emitir uma "Anotação de 
Responsabilidade Técnica". Dessa forma, não é suficiente a simples 
supervisão de profissional reconhecido na área, com experiência 
comprovada e capacitação, como, segundo afirmou a empresa, era o caso do
 marido da reclamante.  
Essas constatações, na visão do 
magistrado, afastam a alegação da empresa sobre a culpa exclusiva da 
vítima na ocorrência do acidente. "Diante da ausência de observância 
às medidas preventivas mínimas que constariam em projeto elaborado por 
profissional legalmente habilitado, as alegações da empresa sobre a 
culpa do trabalhador não passam de simples conjectura", frisou o 
magistrado. Ele também registrou que empresa não comprovou a existência 
do ajuste prévio no sentido de que o trabalhador apenas faria a 
instalação das mangueiras após a fixação do reservatório. Além do mais, 
não houve notícia sobre qual a orientação a empresa Ita Montagens teria a
 respeito. Dessa forma, para o juiz, as alegações da empresa de que o 
trabalhador teve culpa exclusiva no acidente, por não ter esperado um 
técnico experiente e seguido as regras de segurança, não passam, 
igualmente, de simples conjectura. "Portanto, não há como concluir 
que a empresa realmente observou todos os procedimentos de prevenção e 
segurança, como havia afirmado na sua defesa", ressaltou o juiz.  
Mas,
 o magistrado foi além. Na visão dele, ainda que se entendesse que todas
 as medidas de segurança para a execução do serviço, no momento do 
acidente, estivessem sob a batuta do trabalhador, dada a sua condição de
 autônomo, mesmo assim estaria presente a negligência da empresa no 
ocorrido. É que, para a segurança naquele tipo de atividade, seria 
necessário adotar medidas preventivas mínimas, em especial uma prévia e 
séria análise de riscos, como determina a NR-12 (observância a normas da
 ABNT, inclusive), com a adoção de uma metodologia correta. E, ao 
contratar o serviço com o trabalhador autônomo, a empresa não exigiu 
dele o compromisso de seguir todos os parâmetros mínimos de segurança 
estabelecidos na NR-12, além de ter falhado na sua obrigação de 
fiscalizar a prestação de serviços para garantir, pelo menos, nas 
palavras do magistrado, "o mínimo observável, o mínimo existencial do trabalhador autônomo".  
Para
 finalizar, o juiz sentenciante registrou que, caso existisse cláusula 
contratual, expressa ou tácita, no contrato de prestação de serviços 
entre a empresa e o trabalhador, estabelecendo que ele assumiria prestar
 os serviços sem observar as medidas mínimas de prevenção a acidente do 
trabalho previstas na NR-12, estaríamos diante de uma clara cláusula 
infringente ao princípio da função social do contrato (art. 421 do 
Código Civil) e que, portanto, não poderia prevalecer. Isso porque a 
própria Constituição Federal condiciona a liberdade de iniciativa e o 
direito de propriedade à sua função social (artigos 1º, III, 170, III, 
182, § 2º, e 186). "E, de acordo com a Constituição, o Código Civil 
enaltece a função social do contrato, pela sua repercussão coletiva, 
impondo às partes contratantes a observância dos princípios da probidade
 e da boa-fé no exercício da autonomia, aspectos esses que têm alta 
relevância nas relações que envolvem trabalhadores autônomos", explicou o magistrado. "Ao
 Poder Judiciário incumbiria fazer prevalecer de modo diferente essa 
cláusula, com a aplicação dos artigos 187 ou 157, ambos do Código Civil,
 diante da caracterização de abuso de direito ou de lesão", arrematou.  
Por
 tudo isso, a conclusão do magistrado foi a de que os parâmetros mínimos
 de segurança estabelecidos na NR-12 não estavam sendo observados por 
ocasião da prestação de serviços do trabalhador acidentado, sendo a ré 
omissa nesse ponto, daí sua culpa no acidente do trabalho que tirou a 
vida do marido da reclamante.  
As indenizações Danos materiais - O
 julgador entendeu que, no caso, estão presentes os pressupostos da 
responsabilidade civil por danos (materiais e morais) decorrentes de 
acidente do trabalho, ou seja, o ato ilícito, consubstanciado no erro de
 conduta da empresa (omissão quanto ao respeito às regras mínimas de 
segurança do trabalho - NR-12), a ofensa a um bem jurídico ou dano (a 
morte do trabalhador e os prejuízos morais e materiais que isso trouxe à
 vida da reclamante) e a relação de causalidade entre a conduta ilícita e
 o dano causado.  
E, segundo o juiz, os prejuízos que o acidente 
causou à vida da reclamante, como esposa do trabalhador falecido, são 
evidentes, o que confere a ela o direito às indenizações pleiteadas. "O prejuízo financeiro decorreu da perda da ajuda financeira que o marido da reclamante dava à família", destacou o juiz. Mas, ele acrescentou que, de qualquer forma, conforme ensina Sebastião Geraldo de Oliveira, "...na
 pensão decorrente de ato ilícito, não se questiona sobre a necessidade 
ou não de alimentos por parte dos dependentes do morto porque o objetivo
 é reparar o prejuízo da perda da renda familiar. Ainda que os 
prejudicados tenham posses suficientes para manter o padrão de vida 
anterior ao óbito, o ressarcimento é devido como reparação do dano 
causado. O fato gerador da pensão é o ato ilícito ... e não a 
necessidade de prover alimentos" (in Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doenças Ocupacionais, São Paulo: Ltr, 2006, p. 213).  
Quanto ao nexo causal entre a conduta culposa da ré e os danos 
decorrentes do acidente, o julgador considerou ter sido claramente 
demonstrado pela prova documental, colocando uma pá de cal sobre as 
alegações da empresa de que uma suposta negligência do hospital pode ter
 ocasionado a morte do trabalhador, e não o ferimento em si. Isso porque
 o laudo de necropsia como da certidão de óbito registraram como "causa 
mortis" do trabalhador o "choque hipovolêmico" decorrente do trauma de 
face, crânio e tórax causados pelo acidente. Além disso, o Hospital João
 XXIII, onde o trabalhador permaneceu internado e veio a falecer, 
apresentou relatório médico contendo o histórico do paciente na unidade 
hospitalar, revelando que a infecção e posterior "sepse", são 
decorrentes das complicações e do manejo do paciente devido à condição 
em que ele se encontrava por causa do trauma.  
"De qualquer 
forma, o dever de indenizar não exige nexo de causalidade exclusivo, 
sendo que a presença de um só elemento de responsabilidade do réu a 
causar dano é suficiente ao reconhecimento do nexo causal e do dever de 
indenizar. No caso, a atitude omissa da ré atuou, à evidência, como 
concausa para o acidente do trabalho verificado, gerador dos danos à 
reclamante", destacou o juiz sentenciante.  
Ele concluiu que o
 dano material seria suficientemente remunerado com o pagamento de 
indenização, em cota única, de acordo com o art. 950, parágrafo único, 
do CPC, no valor de R$ 21.600,00 (R$ 400,00 mensais, correspondente a 
2/3 da média dos valores que, razoavelmente, eram auferidos mensalmente 
pelo marido da reclamante, levando em conta o que ele recebia da ré e, 
também, das outras empresas para as quais prestava serviços). Esse valor
 foi multiplicado por 9 anos, conforme atual expectativa de vida que 
teria o trabalhador, segundo tabela do IBGE (108 meses), tudo dividido 
por dois, o que, para o juiz, se justifica porque o pagamento em cota 
única descapitaliza a empresa e, por outro lado, possibilita à 
reclamante efetuar aplicações financeiras que lhe trazem ganhos mensais 
correspondentes à pensão mensal.  
 Danos morais - Quanto à 
indenização por danos morais, o magistrado frisou que o sofrimento 
psicológico da reclamante, decorrente da perda de um ente querido 
(esposo) oriunda do acidente do trabalho, não pode ser colocado em 
dúvida, sendo evidentes os reflexos altamente negativos para o seu 
bem-estar e paz interior.  "No caso, o dano moral corresponde a essa 
lesão a interesses não patrimoniais da autora, sendo que embora se saiba
 que o sentimento do homem seja algo intangível, a despeito de não ser 
palpável, é tutelado pelo Direito (no art. 5º., V e X, da Constituição 
Federal, estão protegidos os valores da intimidade)", destacou, na decisão.  
Foi
 lembrado ainda que a necessidade da reparação nasce com o evento danoso
 e dispensa a comprovação do prejuízo, que deriva do próprio infortúnio.
 E, ressaltando que a indenização não pode servir de pretexto para o 
empobrecimento de um e enriquecimento de outro, mas que deve ser fixada 
da forma mais severa possível, atendendo às finalidades punitiva, 
preventiva e compensatória, o magistrado fixou em R$60.000,00 a 
indenização por danos morais a ser paga pela empresa à reclamante.  
O Recurso
 - A empresa recorreu da decisão, que ficou integralmente mantida pela 
Terceira Turma do TRT de Minas, inclusive quanto ao valor das 
indenizações. O relator do recurso, desembargador Luis Felipe Lopes 
Boson, fez questão de ressaltar que a perícia técnica realizada no 
processo detectou falhas no sistema de segurança da ré, no que tange à 
construção da plataforma, já que esta não possui sistema de proteção 
contra queda, conforme determina a NR-8.3.6.  
Ainda segundo pontuou o relator, "não
 há como prevalecer a tese defensiva de culpa exclusiva da vítima, 
tampouco de culpa concorrente, tendo em vista que as testemunhas apenas 
ouviram dizer que o reclamante teria pedido para que o reservatório não 
fosse parafusado".  
Assim, o julgador entendeu configurada a 
culpa da empresa pelo acidente, uma vez que este ocorreu pelos riscos 
existentes no local, conforme conclusão pericial, e pelo risco criado 
pela não fixação do reservatório. Com isso, o relator afastou a tese, 
levantada pela ré, de que a sua condenação estaria fundada na 
responsabilidade objetiva, já que ficou demonstrada a culpa da empresa, 
decorrente da não observação das normas relativas à saúde e segurança no
 trabalho, as quais se estendem, sim, aos trabalhadores autônomos.  
Ele considerou irrelevante que familiares trabalhador falecido tenham informado que a morte decorreu de infecção generalizada: "Essa
 infecção, evidentemente, foi mera decorrência da causa principal, 
informada na certidão de óbito, conforme necropsia realizada pelo 
Instituto Médico Legal", pontuou.  
Por fim, corroborando o entendimento da sentença, o acórdão cita lição de Sebastião Geraldo de Oliveira, que vale registrar:  
O
 dever de redução dos riscos no local de trabalho previsto no art. 7º, 
XXII, da Constituição da República, não se restringe ao trabalhador 
empregado, mas beneficia a todos os trabalhadores urbanos e rurais. 
Aliás, nesse sentido há previsão expressa do art. 8.2 da Convenção 167 
da OIT: 'Quando empregadores ou trabalhadores autônomos realizarem 
atividades simultaneamente em uma mesma obra terão a obrigação de 
cooperarem na aplicação das medidas prescritas em matéria de segurança e
 saúde que a legislação nacional determinar.'" 
[...] para 
os acidentes ocorridos com os trabalhadores autônomos ou eventuais, em 
princípio, não cabe atribuir culpa ao contratante pelos riscos inerentes
 aos serviços contratados, salvo se ficar caracterizada a sua culpa por 
ter criado, por ação ou omissão, um risco adicional que gerou o acidente
 (ou risco alheio aos serviços contratados)". (Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 7ª ed. - São Paulo: LTr, 2013, p. 445 e 446-verso).  
0011685-18.2014.5.03.0062 - Sentença em: 28/08/2015 - Acórdão em: 11/11/2015
 
 
Confira outras Notícias Jurídicas sobre o tema
 
- 06/07/2012 - Fazendeiro deverá indenizar mãe de trabalhador rural autônomo que morreu em acidente de trator
 
 
- 05/07/2012 - Sócios de empresa são condenados a garantir indenizações por danos causados a trabalhador autônomo
 
 
- 06/12/2010 - Trabalhador autônomo também tem direito a medidas de saúde e segurança no trabalho
 
 
- 01/03/2007 - Mera alegação da condição de autônomo não exime 
empregadora da responsabilidade por acidente que levou à morte do 
empregado
 
 
 
Clique  AQUI e confira a jurisprudência do TRT-MG sobre a matéria |