O que é o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e quais são os requisitos para a sua admissibilidade? Esse foi o tema debatido pelo Tribunal Pleno do TRT mineiro ao analisar um pedido de instauração de IRDR. Atuando como redator do acórdão, o desembargador Júlio Bernardo do Carmo trouxe reflexões importantes sobre essa inovação do novo CPC e esclareceu o motivo da inadmissibilidade do IRDR, no caso dos candidatos aprovados no concurso público da Caixa para cadastro de reserva.
Conforme relatos desses candidatos, eles foram preteridos pela contratação ilícita de trabalhadores terceirizados. Nesse caso específico, o Tribunal Pleno não admitiu o IRDR, já que foi interposto por simples petição e não atendeu aos requisitos do artigo 976 do novo CPC. Mas, lembrou o redator que nada impede que novo IRDR venha a ser interposto, desde que observado o "figurino legal, ou seja, o irrestrito cumprimento de todos os seus requisitos jurídicos", como possibilita o artigo 976, parágrafo terceiro, do novo CPC.
Acompanhe, nesta NJ Especial, o detalhamento dessa decisão, providencialmente esclarecedora e útil à compreensão dessa novidade jurídica recém introduzida no mundo processualístico pátrio.
Conceito e histórico - Citando a lição de renomados juristas, o desembargador explicou, inicialmente, que o IRDR, inspirado no direito alemão, é um incidente de coletivização de ações. De acordo com o ensinamento do jurista citado pelo desembargador, Manoel Antônio Teixeira Filho, em seus comentários ao NCPC sob a perspectiva do Processo do Trabalho, na Alemanha ocorreu, em certa época, "um congestionamento de processos nos tribunais, em decorrência do ajuizamento de mais de treze mil ações pelos investidores do mercado de capitais, que se sentiram prejudicados ao adquirirem ações de certa companhia. Essas demandas repetitivas influenciaram o direito alemão na adoção de julgamentos coletivos".
Casos que deram origem ao IRDR - No caso, o juiz de 1º grau interpôs o IRDR por simples petição, na qual ele mencionou causas diversas e repetitivas que, ao lidar, na sua visão, com a mesma questão de direito, poderiam, em tese, ter julgamentos diferentes e diversificados, o que agrediria o principio constitucional da isonomia e o da segurança jurídica.
A fundamentação para instauração do incidente é a de que candidatos aprovados no concurso público para cadastro de reserva, conforme Edital nº 1, de 22.1.2014, requerem sua imediata nomeação e seu aproveitamento no emprego público, salários que estão por vencer e indenização por danos morais. Isso porque teriam sido preteridos pela contratação ilícita de trabalhadores terceirizados.
Em sua análise, o desembargador enfatizou que não se está diante de uma mesma questão unicamente de direito, porque o suposto direito de nomeação ou aproveitamento dos candidatos aprovados em cadastro de reserva pressupõe o desmembramento de questões de fato (matéria tipicamente fática) que são pertinentes a cada candidato aprovado, principalmente a situação fática de sua colocação no concurso, para se saber se, a rigor, houve ou não preterição de seu direito de aproveitamento.
Para tomar um exemplo prático, o desembargador propôs a seguinte reflexão: imaginemos que José foi aprovado em 56º lugar, e a CEF já nomeou 10 candidatos, quando, subitamente e em tese, ocorreu a terceirização considerada ilícita, ou seja, a de que a admissão terceirizada do chamado "técnico bancário novo", por ser atividade-fim da CEF, teria ludibriado as regras do Edital. O desembargador sugeriu a suposição de que 20 trabalhadores terceirizados tenham sido admitidos nessa função. Nesse caso, teriam sido preteridos os direitos dos candidatos de nº 11 ao 31, não alcançando ainda o candidato aprovado em 56º lugar. Nessa circunstância, como frisou o desembargador, seria diferente o exame do caso de José e do outro candidato que ficaria na posição nº 11, por exemplo, o que dificultaria o critério de aferição do direito a salários vincendos e a indenização por danos morais.
Conforme acentuou o desembargador, trata-se de típica questão fática que impede que a decisão piloto que vier a ser aplicada quando do exame de mérito do IRDR possa ser aproveitada irrestritamente em todos os casos individuais. De acordo com o entendimento do julgador, a questão jurídica contestada poderia ser melhor enfrentada no contexto de uma ação civil pública, onde seriam examinados os pressupostos fático-jurídicos relativos à suposta terceirização ilícita de atividade-fim da CEF. Sendo provada a ilicitude da intermediação de mão de obra, os contratos dos terceirizados admitidos na função de "técnico bancário novo" seriam nulos e rescindidos, o que geraria direito ao aproveitamento de candidatos aprovados no cadastro de reserva da CEF, conforme a ordem rigorosa de sua classificação no concurso.
Admissibilidade - Nos termos do artigo 976 do novo CPC, é cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente: I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Conforme destacou o desembargador, nos termos do artigo 977 do NCPC, parágrafo único, o incidente deverá ser instruído com todos os documentos que demonstrem o atendimento aos pressupostos exigidos por lei, e sendo a inicial desacompanhada de quaisquer documentos, inviabiliza-se a aferição dos requisitos jurídicos de sua admissibilidade.
No caso analisado, o desembargador frisou que o incidente foi suscitado por simples petição. Entretanto, o procedimento traçado no novo CPC exige que ele seja suscitado no bojo de um processo trabalhista, seja uma ação originária do Tribunal ou um recurso de sua competência derivada. Além disso, de acordo com a análise do desembargador, as questões que se procura solucionar no incidente suscitado pelo juiz de 1º grau exigem o revolvimento de fatos e provas. Entretanto, acentuou o magistrado que o novo CPC prevê que o IRDR pode ser admitido somente quando ocorrer efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito, e que, ao mesmo tempo, ofereça risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.
Acompanhando o ensinamento de ilustres juristas, o desembargador enfatizou que não é fácil distinguir questão de direito de questão de fato, pois não há divisão pura e simples, já que direito e fato estão sempre relacionados. Em síntese, o que importa, na visão do magistrado, é a predominância das questões de fato ou das questões de direito. Ainda citando a lição de doutrinadores, o desembargador esclareceu que enquadra-se como questão de direito a qualificação de um fato, ficando de fora a apreciação do fato e o exame da prova. Partindo desse raciocínio, o julgador entende que a questão relativa à interpretação de texto de lei será sempre questão de direito, como também o é, saber qual norma deve ser aplicada ao caso concreto.
Ele dá um exemplo clássico e recorrente em ações trabalhistas: indagar a responsabilidade ou não dos Bancos pela recomposição dos valores existentes na conta vinculada do FGTS, dos aumentos nos chamados planos econômicos, Collor, Bresser (expurgos inflacionários). Ressaltou o desembargador que, em exemplos como esse, havendo multiplicidade instigante de demandas individuais correndo em separado, perante juízos diferentes, nada mais salutar do que ser detonado o incidente de resolução de demandas repetitivas, quando a decisão paradigmática a ser proferida pelo tribunal será automaticamente aplicada a todos os demais processos, evitando-se decisões conflitantes, lotéricas ou prejudiciais à isonomia.
"Em suma e para melhor compreensão, o IRDR só pode ser invocado no âmbito de determinada ação piloto, de onde poderá irradiar, atendidos os seus pressupostos jurídicos, uma decisão paradigma que se amolde a todos os demais processos de idêntica natureza, previamente suspensos, alcançando-se assim o objetivo de obter uma decisão judicial que atenda com rigor aos princípios da isonomia e da segurança jurídicas, porque sendo única a tese de direito discutida na causa piloto e nas demais que sejam similares, chega-se a uma solução jurisdicional uniforme da demanda, onde todos os litigantes participem da mesma sorte, seja vencendo ou perdendo a demanda, sem correr o sério risco de decisões tipicamente lotéricas", finalizou.
Assim, uma vez não atendidos os requisitos formais previstos na lei processual, o desembargador concluiu que a consequência é a inadmissibilidade do processamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. O Tribunal Pleno acompanhou esse entendimento.
PJe: Processo nº 0010721-46.2016.5.03.0000 (Pet) - Acórdão em 14/07/2016
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Para saber mais sobre o tema, confira AQUI o artigo de autoria do jurista Luiz Guilherme Marinoni, disponível na JusLaboris - Biblioteca Digital da Justiça do Trabalho.
Confira a RESOLUÇÃO 235, DE 13 DE JULHO DE 2016, do CNJ, que trata da matéria.
Veja AQUI os 7 temas de processos em que foi acolhida a proposta de incidente de recurso repetitivo, ainda pendentes de julgamento no TST.
Clique AQUI e confira decisões do TST sobre o tema
Fonte: TRT3 |
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