quarta-feira, 30 de novembro de 2016

JT é competente para julgar direito à nomeação de candidato aprovado em concurso público celetista




Após ser aprovado em um concurso de Técnico Bancário da Caixa Econômica Federal, um candidato ingressou na Justiça do Trabalho buscando o reconhecimento de seu direito à nomeação. Disse que, no curso da vigência do concurso, a CEF fez uso de diversos terceirizados para realização de tarefas exclusivas dos técnicos bancários, em afronta ao edital, à legislação e à jurisprudência.

A CEF defendeu-se, afirmando que a Justiça do Trabalho é incompetente para apreciar a causa, já que não há relação de trabalho envolvida e a discussão sobre o concurso público diz respeito a fase anterior à investidura no emprego público, razão pela qual a competência seria da Justiça Comum.

Ao examinar o pedido, na titularidade da 21ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, o juiz Cléber Lúcio de Almeida reconheceu a competência da Justiça do Trabalho para julgar a causa. O julgador esclareceu que a demanda gira em torno da formação do vínculo de emprego e envolve discussão sobre a obrigatoriedade da CEF de contratar o candidato, ou seja, o objeto da ação é a própria formação do contrato de trabalho. Assim, concluiu, o exame da matéria, relativa à relação de emprego em seu nascedouro compete, sim, à Justiça do Trabalho.

"Ressalto que a efetiva existência da relação de emprego não é essencial para definir a competência da Justiça do Trabalho, pois essa se verifica também quando se discute a observância das condições negociais da promessa de contratar (fase pré-contratual) e até mesmo quando já tenha sido dissolvida a relação de trabalho (fase pós-contratual)", pontuou o julgador, frisando que, no caso, a questão não é a legalidade do concurso, mas o direito à nomeação de um candidato a emprego público, sob regime celetista. Ou seja, a lide encontra-se na fase pré-contratual. Assim, no entender do magistrado, é irrelevante, para se determinar a competência, que a relação de emprego não se tenha ainda concretizado, sendo a controvérsia de índole nitidamente trabalhista, e não administrativa.

Portanto, o magistrado rejeitou a preliminar de incompetência suscitada pela CEF. Da decisão ainda cabe recurso.
PJe: Processo nº 0010323-36.2016.503.0021.Para acessar a decisão, digite o número do processo em: https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam

Fonte: TRT

JT-MG nega indenização substitutiva do vale transporte a trabalhador que morava próximo ao trabalho




O vale transporte constitui benefício de natureza não salarial, instituído pela Lei nº 7.418/85, que o empregador, pessoa física ou jurídica, antecipa ao empregado para utilização efetiva em despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa, via sistema de transporte público coletivo (artigo 1º). O patrão participa com ajuda de custo equivale à parcela que exceder a 6% do salário-base (artigo 4º, parágrafo único).
A explicação é do juiz convocado Cléber Lúcio de Almeida, ao apreciar, na 7ª Turma do TRT de Minas, um recurso envolvendo o tema. No caso, o empregado insistia no direito à indenização substitutiva correspondente aos valores gastos nos deslocamentos entre sua residência e a oficina mecânica onde trabalhava. No entanto, após constatar que o empregado residia próximo ao trabalho, o magistrado não deu razão a ele.
De acordo com a defesa, as partes combinaram que o empregado se deslocaria a pé para o trabalho, em razão da proximidade de locais. Essa versão foi presumida verdadeira, uma vez que o trabalhador não compareceu à audiência de instrução. Ao caso, foi aplicada a chamada "confissão ficta".
De todo modo, o relator considerou plausível o alegado pela ré. É que os dados das partes registrados no processo demonstraram que, tanto a residência do trabalhador como a sede da empresa, estão situadas no Bairro Serra. Por sua vez, mapas juntados aos autos revelaram que a residência dele fica a 21 minutos de caminhada do local de trabalho, compreendendo ao todo 1,6 km.
Conforme ponderou o julgador, o deslocamento via transporte público demandaria, comparativamente, até mais tempo. Diante de todo o contexto apurado, concluiu não existir margem para pagamento de indenização substitutiva de vale-transporte. Segundo o magistrado, essa possibilidade só existiria diante da efetiva utilização do sistema de transporte público coletivo ou da frustração indevida do benefício.
Acompanhando o voto, a Turma de julgadores negou provimento ao recurso e manteve a sentença que indeferiu a pretensão.

PJe: Processo nº 0010235-10.2016.5.03.0114 (RO). Acórdão em: 01/09/2016Para acessar a decisão, digite o número do processo em: https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam

Fonte: TRT3

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Por que, contra a lei, juíza acha que pode autorizar revista coletiva?




Por Lenio Luiz Streck


Os leitores entenderão as razões pelas quais a juíza — do título da coluna — acha que pode mais do que a lei. Ao trabalho. O jusfilósofo alemão Mathias Jestaedt, um destacado positivista, escreveu um texto que poderia ter sido escrito para o Brasil. Chama-se Verfassungsgericht Positivismus. Die Ohnmacht des verfassung gesetzgebers im verfassungsgerichtlichen Jurisdiktionsstaat.[1] (Positivismo do Tribunal Constitucional. A impotência do legislador constituinte ante a jurisdição constitucional do Estado). Na verdade, se substituirmos no texto a referência ao Bundesvesfassunsgericht por Supremo Tribunal Federal pouco mudaria, com a diferença de que ao menos o tribunal alemão usou (e usa) uma certa coerência na sua atuação realista, a começar pelo fato de que, já de início, disse a que veio, epitetando a Lei Fundamental de Ordem Concreta de Valores — objektive Wertordnung.

Pronto. Dei spoiler. É exatamente disso que fala o jurista alemão. Ele mostra — numa denúncia mais filosófica que aquela famosa de Ingeborg Maus (sobre o Tribunal Constitucional como superego da nação) — que o tribunal incorporou uma tese segundo a qual o Direito se forma apenas ex post, isto é, não há Direito anterior à decisão judicial. Nesse tipo de jurisprudencialismo, diz o professor, o juiz cria o Direito para o caso concreto sem estar vinculado a nada antes dele. Jestaedt diz ainda que esse atuar é uma forma de realismo jurídico.[2] Empirismo. Correta a crítica, que pode ser estendida ao trabalho do Supremo Tribunal Federal do Brasil e também ao que os tribunais fazem cotidianamente (o que é isto — a construção de enunciados?). O que Jestaedt [3] quer dizer é que o tribunal põe novo direito. Logo, constrói um fato social. Que vale. Daí o título do texto, autoexplicativo, denunciando a impotência do Estado diante da transformação do TC em legislador. Qual seria a diferença do que denuncia Jestaedt daquilo que fez o STF em ações como as ADCs 43 e 44 ou quando um ministro diz que a suprema corte é a vanguarda iluminista da nação? Ou quando um tribunal, contra o Código Civil, concede metade da herança para a amante? Ou quando os tribunais dizem que “aqui o CPC é só cumprido em parte”?

No Brasil não é só o tribunal constitucional (no caso, o STF) que “põe o direito”. Todo o “sistema judiciário” pratica esse realismo (ou essa espécie de realismo tupiniquim) tão bem denunciado por Jestaedt no que pertine ao tribunal constitucional alemão. Já não temos mais Direito legislado. Temos uma Ohnmacht (impotência) diante do Judiciário. Já não temos Constituição. O que temos é o que os juízes e tribunais pensam, de forma pessoal, subjetiva e solipsista, sobre o direito. Popper chama a isso de “racionalidade teológica”.

Listo, por amostragem, algumas atividades realistas-jurisprudencialistas [4]: 1) Desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região diz que perdoa advogados por “defenderem seus clientes” — uma apreciação moral que mostra como a advocacia é vista por eles, os juízes (sem paráfrase de Calamandrei) — o resultado disso pode ser visto no voto em que nega habeas corpus; 2) O STF tolhe o direito de greve dos servidores públicos sem considerar a diferença entre greve legal e ilegal; 3) O STF fragiliza a presunção da inocência contra expresso texto de lei e da Constituição (e metade da comunidade jurídica acha “bom”); 4) O Judiciário, com a benção do STJ e STF, decide não cumprir o artigo 212 do CPP, sem fazer jurisdição constitucional; 5) Uma chacina de 111 presos feita pela polícia é "legítima defesa" para parte do Tribunal de Justiça de São Paulo (um voto está baseado não na lei, mas na consciência do julgador); 6) O TJ-SP autoriza o uso de balas de borracha contra manifestantes — a população virou inimiga do Estado?; 7) Em Brasília, um juiz da infância e juventude utiliza métodos de tortura para expulsar adolescentes de uma escola; e parcela importante dos juristas brasileiros — e dos leitores da ConJur — acha “legal” isso (até a revista Veja criticou o ato do juiz, mostrando que nem o Senado americano aprova o uso desses instrumentos); 8) “Medida excepcional” da Justiça autoriza a polícia a fazer buscas e apreensões coletivas em favela no Rio de Janeiro contra expresso texto legal e constitucional; 9) Um TRF decide uma representação contra um juiz invocando “jurisprudência de exceção” (empirismo jurídico na veia); 10) O CPC não é cumprido nem mesmo pelos tribunais superiores, que, para muitos juristas, deveriam logo ser ungidos à condição de tribunais de precedentes; 11) doutrinadores adeptos do realismo incentivam as práticas jurisprudencialistas, cindindo texto e norma e colocando o ato judicial como um ato de vontade (repristinando Kelsen) — eficiente combustível para a jurisprudencialização; 12) Em plena democracia e no ano da graça de 2016, pesquisa mostra que todos os tribunais estaduais (e alguns federais) continuam invertendo o ônus da prova em crimes como furto e tráfico de entorpecentes e ainda usam a verdade real; 13) uma juíza eleitoral da Bahia diz: não tenho provas, mas eu sei que foi ele... e cassa um prefeito — e o TRE baiano confirma a decisão; 14) a LC 64 permite que se use intuições e presunções para cassar mandatos populares; 15) corre solta, lépida e fagueira a tese de que existe o in dubio pro societate — não leram Oresteia, de Ésquilo (não é esquilo); 16) as grandes “ideias” das salas de aula que forma(ra)m um milhão de advogados são: “princípios são valores” e o juiz boca da lei morreu e agora-é-a-vez-do-juiz-dos- princípios (e dá-lhe princípios como um que recebi hoje por e-mail: princípio da primazia do acertamento — quem teria “bolado” isso?; 17) chegamos ao ponto de o STJ ter de dizer que desemprego não é motivo para decretar preventiva (tem juiz e tribunal dizendo o contrário). Paro por aqui. Por total desnecessidade. Cada um que faça a sua lista.

Escrevendo a coluna, lembrei da prisão do Garotinho e a divulgação — absolutamente ilegal (mais um caso de realismo tupiniquim) das escutas entre advogado e cliente. Quem decretou a prisão e autorizou as escutas e as divulgou não é filho de chocadeira. Estudou em algum lugar. Resultado: isso que está aí. O lema hoje é: Os fins justificam os meios. Decido... e só depois justifico (o que nem é fundamento). Minha pergunta: porque não decretam logo a dispensa da defesa? Matem os advogados.

O juiz que decretou a prisão de Garotinho usou a Bíblia como fundamento. Bom, fora a Bíblia, não havia mesmo fundamento. Só um milagre para justificar a prisão. E só um banho de descarrego epistêmico para salvar esse tipo de decisão e esse tipo de procedimento, que, aliás, quase matou Garotinho, não fosse a corajosa decisão da ministra Luciana Lóssio. Eis a solução: proponho “banhos de descarregos epistêmicos”. Nos anos 90, quem foi meu aluno lembra das “sessões” que eu fazia para retirar “os encosto” (sem esse) que travavam a vida dos pobres estudantes por intermédio da velha cultura prê-à-porter de então, hoje darwinianamente rediviva como “direito simplificado, facilitado, mastigado, resumido, resumidinho”, etc. Sai que esse corpo não te pertence...

O caso Garotinho é empirismo jurídico. Juiz põe o direito (como bem lhe aprouver). Põe fato (social). Ilegitimamente. Mas vale. Quem o segurará? E mesmo que o corrijam (quando sair esta coluna, já podem tê-lo feito), o estrago já está feito. Ao mesmo tempo, quantas prisões preventivas são/foram decretadas nesse imenso Brasil mediante argumentos absolutamente pessoais, subjetivistas, morais, políticos, etc? Tudo serve de fundamento: menos o direito. Que já não existe.

Tenho dito todos os dias que direito não é moral. Não é política. Em qualquer situação. Sou um ortodoxo. Direito não pode ser corrigido por argumentos morais. Pergunto: o que aconteceu? Onde foi que erramos? Já não temos Direito. Temos interpretações. Meras interpretações. Puro relativismo. Só há narrativas sobre o direito. Vivemos um não-cognitivismo ético. Ceticismos. A narrativa do poder. De quem decide. Direito foi substituído por juízos morais e políticos. Logo, o Direito já não é o que foi produzido pelo legislador. Ele é o que os juízos morais e políticos dizem que ele é. Daí o jurisprudencialismo (realista). Há um “novo” direito. A propósito: Já notaram como os livros de Direito não comentam as leis e, sim, somente o que os tribunais dizem sobre as leis? Não se deram conta? O professor pensa que está no common law e discute, em vez de leis, aquilo que os tribunais disseram. Verifiquem. A jurisprudencialização venceu. É a prova de que o que Jestaedt disse sobre o tribunal constitucional alemão se aplica por aqui, claro, com as diferenças de culturas. E do nível do pudor. E da responsabilidade dos juízes do tribunal constitucional. Por aqui, qualquer coisa é motivo: até a Bíblia. E a opinião pessoal. Como disse o desembargador de TJ-SP: penso que os policiais que mataram 111 devem ser absolvidos... baseado em minha consciência. Bingo. Eis o Brasil.

Temos hoje uma Constituição e suas garantias — odiada pela metade dos juristas (canibais, porque devoram o seu próprio objeto de trabalho) — substituída por um direito posto pelo Judiciário. É o que Dworkin dizia sobre o poder discricionário: é Direito feito de forma retroativa. Direito intersticial. Que, na democracia, é absolutamente danoso.

Post scriptum 1: Incrível (ou crível) a violação do sigilo profissional do conselheiro federal Jonas Cavalheiro, do Rio de Janeiro. O juiz, além de grampear conversa entre advogado e cliente, faz vazar estas informações de forma ilegal. E sai no Fantástico. Virou moda no Brasil. Não existe mais a lei 9.296. Só existe aquilo que o Judiciário disse que a referida lei é. Jestaedt tem razão. Que espetáculo, não? E a comunidade jurídica se queda silente. Incrível como o Brasil se transformou em um país de pequenos-reacionários (não explicarei o que isso significa — alguns saberão). Que donas de casa, jornalistas e jornaleiros se pronunciem como torcedores, é até aceitável. Mas em um país de um milhão de advogados, o fato de termos deixado que se instalasse uma juristocracia é algo que desafia amplos estudos. O que farão esses advogados se o Direito já não é Direito e, sim, um “novo” Direito feito “realisticamente”, graças à troca de fonte social? Vão dirigir táxis? Trabalhar de balconista? Ao que vejo, esses estudos denunciando todo esse estado d’arte não serão feitos por nossos programas de pós-graduação, hoje mais preocupados em discutir teoria normativa da política no âmbito do direito do que, efetivamente, teoria do direito. Ficamos bons em discutir livre apreciação da prova e livre convencimento. O livro mais vendido de processo civil de edição de 2016 diz que o juiz apreciará livremente a prova, sem qualquer elemento que vincule o seu convencimento a priori, porque vige no Brasil, segundo os autores, o sistema da livre valoração motivada. Ou seja, no fundo eles poderiam ter dito: “o CPC não vale nada”. O que vale é o que é dito na decisão judicial. Bingo.

No processo penal, a maior parte dos juristas críticos (nem falo dos demais) se deram conta há apenas cinco ou seis anos daquilo que este escriba já denunciara há mais de vinte anos: a de que o problema da falta de democracia no Judiciário e MP decorre-do-protagonismo. E a raiz não é dogmática. Não é “processual”. É, sim, filosófica. É o sujeito da modernidade (ainda há livros que dizem que sentença vem de sentire). Mas, lamentavelmente, parece que nossos juristas acham que isso é não tem nada a ver com a dogmática jurídica. A primeira vez que encontrei Warat foi em uma aula em 1983 (parcela enorme desse um milhão de advogados não havia nascido ou era bebê de colo). Ele atacava a dogmática jurídica formalista de então. Dogmática formalista... Pois sim. Mas, dizia Warat, pitando um cigarro sem tragar: necesitamos de la dogmática. Pero... la dogmática sigue al segundo piso del edificio kelseniano; por lo cual los jueces deciden como quieren; así, la dogmática destruirá cualquier derecho existente y válido. Y por qué? Porque la dogmática, por la falta de una transición democrática [especialmente na américa latina], es como un escorpión que engancha un paseo en la espalda de un sapo; en el cruce del río, lo mata. Un gran escorpión realista. Grande Warat. Se ele visse a “dogmática da valoração ou dogmática realista” de hoje, que é posta como oposição à velha dogmática formalista, aí, sim, teria tido um ataque de “nervios”.

De todo modo, parece que tudo está virando discurso de eficiência e de exceção. Fins justificam os meios. Novas vanguardas se formam. “Novo” Direito instersticial. Com isso, a doutrina perde importância. Afinal, o Direito é que o Judiciário diz que é. Consequentemente, na medida em que o que os advogados dizem já não tem importância, assim como aquilo que a doutrina — aquela que não se dobra ou fica fazendo glosas jurisprudenciais — diz também não tem serventia, somente há uma coisa a fazer. Dick, o açougueiro da peça Henrique VI, tinha a sugestão: kill all the lawyers. Matem todos os advogados. Eles atrapalham. E Jack Cade responde: Pretendo fazer isso e mais...

Post scriptum 2: Daqui há 201 anos, arqueólogos rasparão o palimpsesto da Constituição. Isso acima tinha de ser dito. Um Estado Constitucional só tem sentido se o texto constitucional que o institui estiver minimamente preservado. Se deixarmos que o texto seja substituído por outro produzido (posto) pelo Judiciário, então teremos que ficar torcendo para que o substituto seja melhor que o originário. Mas, quem garante? O Brasil já demonstrou que a substituição não tem sido boa. Daqui há 201 anos, quando a Constituição brasileira tiver a idade que a Constituição americana tem hoje (229 anos), os arqueólogos estarão tirando camadas e camadas de poluição semântica do texto constitucional. Como em um palimpsesto, irão raspar, raspar (pararão para ler interpretações que nada tem a ver com a própria CF), rasparão mais e mais, até que, finalmente, chegam ao texto. Ficarão pasmos e dirão: “— agora sabemos porque, no conto machadiano a Sereníssima República, a palavra Nebraska se transformou em Caneca.”

Por isso, proponho que voltemos a estudar... Direito. E respeitemos... o Direito. E que nos acostumemos a dizer que onde está escrito “presunção”... leiamos... ”presunção”. E não odiemos sinonímias. Elas são desejáveis na democracia. Norma é diferente de texto. Viva. Sabemos disso. Mas, por favor, norma (atribuição de sentido) não é texto novo. Mas não é, mesmo. E, finalmente, não tenhamos vergonha de estudar Direito. Sejamos ortodoxos. Salvemos o Direito. Se que ele ainda existe.


1 In: Nomos und Ethos. Hommage an Josef Isensee zum 65. Geburtstag von seinen Schülern. Mit Frontispiz (Schriften zum Öffentlichen Recht; SÖR 886) Gebundene Ausgabe – 2002, Dincker & Humblott, Berlin, 2002, pp. 183-228.


2 A crítica de Jestaedt denuncia o ponto central das mazelas de um atuar realista de um Tribunal. Não vou discutir, aqui, a apreciação dele acerca do jurisprudencialismo (que não se confunde com o que fala Castanheira Neves) como uma forma de positivismo (a partir do que diz Jestaedt, decisões como as do Min. Barroso – ADCs 43-44 e tantas outras - não seriam propriamente “pós-positivistas”). Mas essa é uma longuíssima discussão e não há condições de fazê-la neste curto espaço. Veja-se que um positivista como Michel Tropper chega a dizer que Kelsen, no plano da decisão (ato de vontade), equipara-se ao realismo. O que importa é que, quando o STF decide, por exemplo, sem considerar o mínimo de constrangimento que o texto constitucional gera (ou deveria gerar) no intérprete, o que está fazendo senão uma forma de realismo jurídico? São exemplificativos os casos pelos quais para o Supremo Tribunal não há direito ex ante a sua própria decisão (essa é, aliás, a crítica que Jestaedt faz ao TC alemão). Essa circunstância se repete em todo o sistema jurídico brasileiro. Pelo que se vê por aqui, não há norma jurídica antes da decisão do caso concreto. No entanto, nos Estados Unidos ou na Escandinávia, o realismo jurídico – com todos os seus problemas – sabia do impacto das decisões judiciais e os problemas de um Judiciário que decide sem limites. Por isso Holmes advertia sobre o dever de moderação dos magistrados, sob pena de aumentar a instabilidade social, como bem lembram Eugenio Fachini Neto e Ana Paula Tremarin Wedy, no texto Sociological jurisprudence e o realismo jurídico: a filosofia jurídico norte-americana na primeira metade do século XX. Revista da Ajuris, v. 43, n. 160, 2016. p. 100). No Brasil, contrariamente, sentimos na pele essa herança empirista. O nosso realismo não tem precedentes (se me entendem a ironia!).


3 Apenas uma objeção. Ainda que correta a crítica de Jestaedt ao modelo jurisprudencialista que ele considera uma forma de positivismo, o professor alemão atribui esse tipo de atividade jurídica à hermenêutica e à doutrina de Friedrich Müller. Jestaedt acerta na acusação ao jurisprudencialismo, mas erra na atribuição da culpa.


4 José Bolzan de Morais chama a esse fenômeno de A Jurisprudencialização da Constiuição. A Construção Jurisdicional do Estado Democrático de Direito – II (In: José Luis Bolzan de Morais; Lenio Luiz Streck. (Org.). Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Livraria do Advogado, 2009, v. 1, p. 41-52).


Lenio Luiz Streck é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck e Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.

Revista Consultor Jurídico, 24 de novembro de 2016, 8h00

Gestante aprendiz tem reconhecido o direito à estabilidade provisória


A Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu o direito de uma aprendiz da Scopus Tecnologia Ltda. à estabilidade provisória da gestante, aplicando a jurisprudência do TST especificada na atual redação do item III da Súmula 244. Segundo a relatora do processo, ministra Dora Maria da Costa, a estabilidade provisória prevista no artigo 10, inciso II, alínea "b", do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias constitui direito constitucional assegurado à empregada gestante e tem por maior finalidade a garantia do estado gravídico e de preservação da vida, "independentemente do regime e da modalidade contratual".

A jovem engravidou durante o período de dois anos do contrato, e seu filho nasceu cerca de um mês antes do encerramento da relação com a empresa. O juízo de primeira instância e o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) consideraram que não se aplicava ao caso a garantia de emprego à gestante do ADCT. Para o TRT, na época do término do (em 14/3/2013), o entendimento prevalecente naquele tribunal era o de que a empregada gestante não tem direito à garantia provisória de emprego no caso de contrato por prazo determinado.

No recurso ao TST, a aprendiz, que tinha 18 anos quando nasceu seu filho, sustentou que o benefício busca assegurar condições mínimas ao nascituro, e que o TST reconhece o direito mesmo nas contratações por prazo determinado.

Ao examinar o caso, a ministra Dora Maria da Costa explicou que, de acordo com o entendimento atual do TST, a gestante faz jus à estabilidade provisória mesmo se o início da gravidez se der na vigência de contrato por prazo certo ou de experiência. "Assim, considerando que o contrato de aprendizagem é modalidade por prazo determinado, a ele também se aplica a estabilidade da gestante, nos termos do item III da Súmula 244", concluiu.

Saiba mais

Algumas informações auxiliam a entender a questão analisada no processo. Uma delas é que o contrato de aprendizagem propicia ao empregado formação técnico-profissional metódica, compatível com o desenvolvimento físico, moral e psicológico daquele que está inserido em um programa de aprendizagem (conforme previsto pelo artigo 428 da CLT) e é equiparado a qualquer outro contrato a termo.



Por sua vez, a garantia de emprego à gestante prevista no ADCT autoriza a reintegração se ela ocorrer durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.

(Lourdes Tavares/CF)

Processo: RR-523-16.2015.5.02.0063

O TST possui oito Turmas julgadoras, cada uma composta por três ministros, com a atribuição de analisar recursos de revista, agravos, agravos de instrumento, agravos regimentais e recursos ordinários em ação cautelar. Das decisões das Turmas, a parte ainda pode, em alguns casos, recorrer à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1).

Fonte: TST

Novo Informativo de Jurisprudência destaca direito de vizinhança e direito do consumidor







O Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou a edição 591 do Informativo de Jurisprudência. A nova publicação inclui julgamento da Terceira Turma sobre construção em terreno alheio de aqueduto para passagem de águas. A relatora foi a ministra Nancy Andrighi.

Na ocasião, o colegiado estabeleceu que o proprietário de imóvel tem direito de construir aqueduto no terreno do seu vizinho, independentemente do consentimento deste, para receber águas provenientes de outro imóvel, desde que não existam outros meios de passagem de águas para a sua propriedade e haja o pagamento de prévia indenização ao vizinho prejudicado.

Nova relação

Também foi destaque julgamento da Segunda Turma, de relatoria do ministro Herman Benjamin, que determinou que instituição de ensino superior não pode recusar a matrícula de aluno aprovado em vestibular em razão de inadimplência em curso diverso anteriormente frequentado por ele na mesma instituição.

Para os ministros, que acompanharam o voto do relator, o caso abrange uma nova relação jurídica, disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor, e não apenas renovação de matrícula na mesma instituição, caso em que o artigo 5º da Lei 9.870/99 já disciplina o direito do estabelecimento de ensino de não renovar a matrícula do aluno.

Além disso, a turma entendeu que a dívida anterior continua exigível pela instituição de ensino, que pode cobrar pelos meios legais cabíveis.

Conheça o Informativo

O Informativo de Jurisprudência divulga periodicamente notas sobre teses de especial relevância firmadas nos julgamentos do STJ, selecionadas pela repercussão no meio jurídico e pela novidade no âmbito do tribunal.

Para visualizar as novas edições, acesse Jurisprudência > Informativo de Jurisprudência, a partir do menu no alto da página inicial. A pesquisa de informativos anteriores pode ser feita pelo número da edição ou por ramo do direito.
Destaques de hoje

IR: isenção em ganho de capital na venda de imóvel vale para quitar segundo bem
Prazo para ação de regresso de seguro marítimo conta da data de pagamento da indenização
Impenhorabilidade de bens necessários ao trabalho se aplica a empresários individuais, pequenas e microempresas
Para Quarta Turma, multa por descumprimento deve ser compatível com obrigação principal
Fonte: STJ

Turma declara nulidade de demissão em massa sem prévia negociação coletiva


No julgamento realizado pela 1ª Turma do TRT mineiro, os julgadores manifestaram entendimento no sentido de que é obrigatória a intervenção do sindicato da categoria profissional na negociação da dispensa coletiva. A Turma julgadora acompanhou o voto da juíza convocada Ângela Castilho Rogêdo Ribeiro, relatora do recurso de uma trabalhadora. Em sua ação, a autora relatou que jamais houve qualquer negociação coletiva para a dispensa em massa de todos os empregados que prestavam serviços para a ré, uma rede de supermercados que atua no município de Passos-MG.

A trabalhadora narrou que a ré encerrou suas atividades na cidade, resultando na dispensa em massa de centenas de empregados, o que foi amplamente divulgado nos noticiários locais. Afirmou que jamais houve qualquer negociação coletiva. Por essa razão, entre outros pedidos, postulou a declaração da nulidade da dispensa e a continuidade do contrato até que haja negociação coletiva, com o pagamento dos salários vencidos e os que estão por vencer, férias com 1/3, 13º salários e depósitos de FGTS, tudo como se o contrato ainda estivesse em vigor, além de indenização por danos morais.

Ao julgar o recurso contra a sentença que negou esses pedidos, a juíza convocada deu razão à trabalhadora. Seguindo pacífica jurisprudência do TST, a relatora acentuou que é obrigatória a intervenção do sindicato representante da categoria profissional na negociação da dispensa coletiva. "No caso dos autos, sendo incontroversa a dispensa em massa perpetrada pela ré, sem prévia negociação coletiva, haja vista a ausência de impugnação específica (art. 344/NCPC), a nulidade da dispensa é medida que se impõe", completou, citando várias decisões do TST.

Dando provimento parcial ao recurso, a julgadora declarou a nulidade da dispensa, determinando a reintegração da empregada aos quadros da ré, com o pagamento dos salários desde a dispensa, em 31.12.2015, até a efetiva reintegração, computando-se o período para fins de aquisição de férias, 13º salário e depósito de FGTS. Pela decisão, o contrato seguiu inalterado, como se não tivesse ocorrido o encerramento contratual.

A relatora modificou a sentença também com relação ao pedido de indenização por danos morais em virtude da dispensa coletiva. Para ela, nesse caso, é cabível a reparação: "Ressalte-se que essa Julgadora adota a teoria do dano moral presumido, que exige apenas a comprovação do fato que ensejou as consequências daí decorrentes. Assim, havendo a prova do ato ou omissão ilícita, resta configurado o dano que lhe advém naturalmente", avaliou. Assim, uma vez comprovada a conduta ilícita da ré, consistente na dispensa coletiva sem prévia negociação coletiva, está caracterizada a lesão aos direitos da personalidade da trabalhadora, gerando direito ao recebimento da indenização por danos morais.

Em suma, atenta à realidade e às circunstâncias do caso, a julgadora deu provimento parcial ao recurso da trabalhadora para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de 5 mil reais, quantia que, no entender da relatora, mostra-se condizente com a reparação necessária à vítima, bem como para exercer o necessário efeito pedagógico em relação ao ofensor.
PJe: Processo nº 0010084-79.2016.5.03.0070 (RO). Acórdão em: 29/08/2016

Para acessar a decisão, digite o número do processo em:

https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam



Fonte: TRT3

Catadora de material reciclável não consegue vínculo de emprego com cooperativa








Alegando que trabalhou por quase três anos como empregada de uma cooperativa de reciclagem para catadores de material reciclável, na função de "triadeira", sem assinatura da CTPS e sem receber os direitos trabalhistas, uma reclamante procurou a Justiça do Trabalho, pedindo o reconhecimento do vínculo de emprego com a cooperativa, com o pagamento dos direitos trabalhistas decorrentes. Conforme afirmou, embora tenha prestado serviços na qualidade de associada da cooperativa, sempre trabalhou com a presença dos requisitos da relação de emprego.

O caso foi julgado na 37ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, pela juíza Ana Maria Espí Cavalcanti que, entretanto, não acolheu os pedidos. Para a julgadora, as provas revelaram que a trabalhadora desenvolvida suas atividades em prol da cooperativa sem a presença da subordinação jurídica e dos demais pressupostos do art. 3º da CLT. Assim, concluiu pela inexistência do vínculo de emprego e julgou improcedentes todos os pedidos.

A cooperativa afirmou que a reclamante era sua associada e que fazia o serviço de "selecionar", também conhecido como "triar", que, conforme explicou, é uma das ações realizadas pelos catadores de material reciclável que atuam no sistema de autogestão em cooperativas. Alegou ainda que entre a cooperativa e os associados, incluindo a reclamante, não existe a subordinação jurídica presente na relação entre empregado e empregador.

Em sua análise, a juíza ressaltou que a subordinação jurídica é aferida com base num critério objetivo, traduzindo-se no poder do empregador de conduzir o modo de execução dos serviços. E, a partir das provas produzidas, ela constatou que a reclamante, de fato, trabalhava sem a subordinação jurídica essencial à relação de emprego.

A julgadora verificou que a ré é uma cooperativa de reciclagem de catadores de material reciclável regularmente constituída, conforme demonstrou seu Estatuto Social e seu registro na JUCEMG. Ela notou também que a cooperativa funcionava em imóvel público (galpão), cujo uso lhe foi autorizado pelo Decreto Municipal 14.554, de 31 de agosto de 2011, que, em seu artigo 2º, dispõe: "O imóvel objeto da Permissão de Uso destina-se exclusivamente ao uso dos CATAUNIDOS, cuja finalidade é receber, transportar, classificar, padronizar, beneficiar, armazenar, industrializar e comercializar os materiais recicláveis, de qualquer origem, de seus cooperados, condizente com as operações da cooperativa". Tais finalidades, de acordo com a magistrada, coincidem com o objeto da cooperativa estabelecido o estatuto social, finalidades essas que eram, de fato, cumpridas pela cooperativa, conforme demonstrado pela prova pericial.

A prova revelou ainda que a reclamante era cadastrada como cooperada da ré desde o ano de 20/11/2012 e tinha por atribuição principal fazer a triagem dos materiais que chegavam no galpão, separando aqueles passíveis de reciclagem daqueles que não o eram. Ou seja, "a reclamante, de fato, realizava atividades típicas dos associados", concluiu a juíza.

As circunstâncias de a reclamante ter começado a trabalhar no galpão antes de ser cadastrada como cooperada e de fazer café para os colegas e manter limpo o ambiente de trabalho (como revelado pelas testemunhas) não foram suficientes para alterar o entendimento da julgadora sobre a inexistência do vínculo de emprego. Isso porque, conforme frisou a magistrada, as atividades da reclamante sempre foram as mesmas e a realização daquelas tarefas não desnatura o seu trabalho na condição de associada.

"O cooperativismo tem como princípios a união para a busca de objetivos comuns, a ideia de emancipação, iniciativa própria, eliminação do lucro, mudança social. Portanto, numa cooperativa, destacam-se os valores sociais que devem ser preservados, tais como a ajuda mútua, a solidariedade, a democracia, a participação e igualdade, que sem dúvida, representam importantes passos na conquista da cidadania e inclusão social, sobretudo de categorias de trabalhadores colocados à margem dos direitos trabalhistas, como na hipótese", registrou a julgadora, na sentença. Além do mais, na visão dela, a ausência de subordinação ficou evidente, já que as testemunhas informaram que a presidente da Cooperativa raramente comparecia no galpão e que os associados não precisavam justificar suas faltas.

Quanto ao fato de a reclamante ter recebido, durante vários meses, o valor fixo de R$ 700,00, a magistrada considerou explicado no depoimento de um cooperado fundador. Ele disse que era estabelecido um valor mínimo mensal de retirada, independentemente da produção, no montante de R$ 700,00: "se a produção fosse insuficiente pegavam emprestado, pegavam adiantamento de carga, por exemplo, para quitar o valor mínimo estabelecido." Para a juíza, essa situação talvez explique a dificuldade financeira vivida pela cooperativa quando a reclamante se desligou, "mas não configura pagamento de salário", arrematou. A reclamante apresentou recurso ordinário, mas a sentença foi mantida pela 4ª Turma do TRT/MG. ( 0001924-29.2014.5.03.0137 RO )


Fonte: TRT3

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Terceira Turma nega danos morais por defeito em cor de azulejos




Os ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiram afastar a condenação de uma empresa por danos morais em razão de defeito de cor em azulejos. Por unanimidade, eles entenderam que a mera existência de vício em produto não é fator capaz de gerar, automaticamente, indenização dessa natureza.

Ao afastar a penalidade imposta à loja pela comercialização dos azulejos que apresentaram mudança na coloração após a instalação, a turma afirmou que a condenação por danos morais precisa ser embasada na existência de ofensa concreta à dignidade da pessoa.

A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, recordou que juristas defendem que a indenização por danos morais não pode ser banalizada. Ela destacou que essa espécie da reparação ainda é nova na jurisprudência nacional, e que é preciso haver critérios razoáveis para estabelecer uma condenação dessa natureza.

Vulgarização

“Nessa tendência de vulgarização e banalização da reparação por danos morais, cumpre aos julgadores resgatar a dignidade desse instituto, que, conforme nos ensina Cahali, foi penosamente consagrado no direito pátrio. Esse resgate passa, necessariamente, por uma melhor definição de seus contornos e parcimônia na sua aplicação, para invocá-lo apenas em casos que reclamem a atuação jurisdicional para o reparo de grave lesão à dignidade da pessoa humana”, disse a relatora.

Os ministros entenderam que situações como a do processo em julgamento são normais na vida cotidiana, e não devem servir de justificativa para a condenação “abstrata” por danos morais. A relatora destacou que tais situações são incapazes de afetar o âmago da dignidade humana, já que não é qualquer situação de incômodo que é capaz de configurar prejuízo moral.

“Em outra perspectiva, a dificuldade de se provar a dor oculta transforma as partes em atores de um espetáculo para demonstrar a dor que não se sente ou, diga-se ainda, para apresentar aquela dor que, além de não se sentir, é incapaz de configurar dano moral”, acrescentou a ministra.

Dano psíquico

Após iniciar a reforma de um imóvel, uma consumidora sentiu-se prejudicada pelo defeito apresentado nos azulejos instalados, que apresentaram mudança de coloração. Irresignada, ela ajuizou ação para cobrar danos materiais e morais da loja que revendeu o produto defeituoso.

Alegou que o defeito nos azulejos causou atraso na reforma, gerando ofensa à sua personalidade e “danos de natureza psíquica”. O pedido foi acolhido em primeira e segunda instância.

A decisão do STJ afasta a condenação por danos morais, mas mantém a condenação por danos materiais, já que ficou comprovada a falha no produto. Leia o acórdão.

Destaques de hoje
Terceira Turma nega danos morais por defeito em cor de azulejos
Cooperação entre STJ e Corte Europeia facilita intercâmbio de jurisprudência
Retransmissão ao vivo de programação de TV gera pagamento de direitos autorais
Negado habeas corpus a empresário acusado de pagar propina a agentes políticos


Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1426710
Fonte: STJ
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O fim negativo do contrato de consumo e os efeitos do inadimplemento




Todo contrato celebrado destina-se ao cumprimento. Na célebre afirmação doutrinária, as obrigações tendem ao adimplemento. É o fim a que devem servir. Ocorre que nem sempre tudo ocorre como esperado, e não raras vezes o contrato celebrado não chega ao adimplemento. Nessas situações, se pode falar do fim negativo do contrato (ao contrário do seu fim positivo, que seria o cumprimento). Esta expressão “fim negativo”, embora não seja de melhor técnica, é bastante didática, ao indicar as situações em que não ocorre a prestação ajustada pelos contratantes, seja em razão de inadimplemento imputável ao devedor, ou outras situações previstas na legislação.
Nos contratos de consumo, há inúmeras situações em que o contrato deixa de ser cumprido pelas partes, dando causa à sua extinção, mediante exercício do direito de resolução pelo credor quando ocorre, propriamente, o inadimplemento, ou, ainda, em razão de situações que a própria lei define um direito à resilição unilateral (caso do direito de arrependimento, previsto no artigo 49 do CDC), ou subordine seus efeitos a condição suspensiva (caso da venda a contento ou sujeita a prova, prevista nos artigos 509 e 510 do Código Civil). É muito comum, nesses casos, ocorrer a incidência comum de institutos próprios do Direito do Consumidor e outros do Direito Civil, exigindo redobrada atenção quanto aos limites de sua aplicação em acordo com a o caráter de ordem pública das normas protetivas do CDC[1], e o respeito à autonomia privada dos contratantes.
No caso de inadimplemento contratual, o CDC basicamente limita seus efeitos quando o inadimplente for o consumidor. Seu artigo 52, parágrafo 1°, expressamente limita as multas de mora, definindo que não poderão ser superiores a 2% do valor da prestação. Da mesma forma, o artigo 53 do CDC não permite as chamadas cláusulas de decaimento, como são conhecidas aquelas que estabelecem a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.
Em ambos os casos, orientou-se o CDC, segundo uma tendência também percebida nas relações civis, de limitar e controlar seus efeitos, de modo que não deem causa a um enriquecimento excessivo do credor[2]. Naturalmente que o fez com maior intensidade no caso da multa moratória (ou cláusula penal moratória), cujo limite, na legislação civil, é definido até o valor da prestação principal (artigo 412 do Código Civil), impondo ademais, ao juiz, o dever de sua redução quando reputada excessiva (artigo 413 do Código Civil). Não é desconhecida, nesse particular, que a estrita limitação da cláusula penal, embora encontre plena justificativa nos contratos civis e de consumo, observa críticas em relação aos contratos empresariais. Sobretudo em vista das funções que lhe são normalmente reconhecidas, como de estímulo ao cumprimento da obrigação e de pré-estimação dos danos[3].
Ocorre que, ao lado desses institutos, a criatividade negocial — porque não dizer, a partir de uma inteligente estratégia jurídica de certos fornecedores — vem dando uso a outros figuras típicas do Direito Privado, para definirem efeitos distintos no caso do contrato de consumo não chegar a seu fim positivo, o adimplemento.
A primeira delas diz respeito às arras, instituto de tradição milenar e amplamente utilizada em certos contratos civis, especialmente nas promessas de compra e venda de imóveis. Como se sabe, a cláusula penal e as arras são institutos que tem semelhanças quanto a certas funções que desempenham, mas com substanciais diferenças em relação à sua estrutura. As arras consistem na entrega, a um dos contraentes, de determinada coisa (normalmente, certa quantia em dinheiro), no momento de celebração de contrato ou pré-contrato, visando demonstrar a existência do acordo (daí denominar-se também sinal), antecipar ou garantir seu cumprimento, ou ainda, assegurar possibilidade de arrependimento. Quando se tomam as arras em sua função de garantia ou reforço do acordo, conforme se apresentavam no Direito Romano[4], percebe-se pontos de contato com a cláusula penal. O princípio é simples: se quem deixou de realizar a prestação foi quem prestou as arras, irá perdê-las em favor do outro contratante. Porém, se quem deixou de cumprir foi quem recebeu as arras, deverá devolvê-las, acrescidas do seu equivalente (as arras confirmatórias, do artigo 418 do Código Civil). Como regra, as arras não excluem a possibilidade daquele que sofre com o inadimplemento exigir indenização suplementar, se provar que os danos sofridos são superiores ao valor prestado. A não ser que seja convencionada expressamente a possibilidade de arrependimento (artigo 420 do Código Civil), hipótese em que as arras se consideram com natureza indenizatória, afastando-se indenização suplementar (as arras penitenciais). É promessa de prestação condicionada ao inadimplemento[5]. Uma vez prevista na obrigação, terá seus efeitos subordinados à condição do inadimplemento do devedor.
A utilização das arras nos contratos de consumo se dá com frequência em relação aos contratos de promessa de compra e venda de bens imóveis, em que o consumidor promete adquirir da incorporadora seu imóvel residencial. Ocorre que, mesmo nesses casos, a jurisprudência, ao reconhecer a possibilidade de que seja convencionada, também controla seus efeitos, especialmente para evitar a perda, pelo consumidor, de parte substancial do que já tenha pago até a resolução do contrato. Há, nesse caso, um controle de proporcionalidade pelo Poder Judiciário, em especial para assegurar o cumprimento do artigo 53 do CDC, que proíbe as cláusulas que imponham a perda total das prestações pagas[6].
Mais recentemente, viu-se que as arras passaram a ser utilizadas também na aquisição de bens móveis de maior valor, em especial automóveis recém-lançados, cuja encomenda pelo consumidor condiciona-se ao pagamento de arras. A princípio, não há regra que impeça a prática, desde que se trate de compra e venda presencial, na concessionária, por exemplo, e sempre considerando a proporcionalidade assegurada pelo artigo 53 do CDC. Em sentido contrário, não pode ter lugar as arras ou retenção de pagamento a qualquer título, quando se trate de contratos sobre os quais incidam o artigo 49 do CDC. Para compras feitas fora do estabelecimento comercial, inclusive aquelas feitas pela internet, assegura-se o direito de arrependimento do consumidor no prazo de sete dias, para os quais não deve ser admitida limitação de qualquer espécie.
Outra situação que merece atenção é o chamado abono de pontualidade. Embora não diga respeito ao fim negativo propriamente dito, uma vez que, em regra, tem lugar em contratos de duração, enfrenta séria discussão sobre sua conformidade ou não com as normas do CDC.
Pode ocorrer de, por livre convenção das partes, e visando assegurar a diligência do devedor na realização da prestação devida no tempo ajustado, que se convencione espécie de desconto ou abono, como estímulo ao cumprimento. É convenção que resulta do exercício da autonomia privada. Nesse sentido, o valor da prestação principal será reduzido se o devedor atenda a determinada condição que, normalmente, é seu pagamento até determinada data estipulada na obrigação. Nesse sentido é de reconhecer, conforme o interesse das partes, que as fórmulas de incentivo à pontualidade tanto podem conformar o desconto para o adimplemento pontual, quanto definir valores distintos da contraprestação como forma de estimular certo tempo de cumprimento. Quem pretende receber pontualmente pode, da mesma forma, comprometer-se a contraprestar com acréscimo, no caso do atendimento dessa condição.
Controversa é a possibilidade de utilização do abono de pontualidade como espécie de cláusula penal oculta ou disfarçada. O argumento, nesse caso, é que o desconto oferecido para pagamento na data ajustada a rigor disfarçaria eventual cláusula penal superior ao limite legal no caso de pagamento após o vencimento, como efeito da purga da mora. Nos contratos de consumo, o limite legal de 2% do valor da prestação principal, no caso de cláusula penal moratória, é impositivo. Assim, por exemplo, suponha-se uma obrigação de cumprimento diferido, na qual a parcela periódica a ser adimplida é de R$ 100, com vencimento no dia 30 de cada mês. Todavia, para quem pague antes, ou até o vencimento, se estipula abono de 10%. Logo, quem faz o pagamento até o dia 30 deverá prestar, na verdade, R$ 90. Já o devedor que cumpra um dia depois não fará jus ao abono, pagando os R$ 100, mais os efeitos da mora. A diferença de valor da prestação para o devedor em mora, superará 10%, o que — segundo esse raciocínio — violaria a lei. O STJ ao decidir questão semelhante entendeu pela licitude do abono de pontualidade como espécie de sanção premial, incentivando o comportamento diligente do devedor[7].
De fato, não há razão em sustentar-se a proibição do abono de pontualidade. E aqui nem se precisa argumentar em excesso. Não há proibição, porque não há lei que o faça, prevalecendo, no plano obrigacional, o predomínio da autonomia privada. O que se pode cogitar é que, em certas situações, a convenção do abono de pontualidade com o propósito de burlar limite legal impositivo ao valor da cláusula penal, possa configurar fraude à lei, dando causa a sua nulidade (artigo 166, VI). Daí porque outra solução indicada pela jurisprudência é a restrição de cumulação, para o inadimplemente, dos efeitos próprios do inadimplemento e da cláusula penal moratória[8], ou ainda sua incidência sobre o valor com desconto[9].
Por fim, mencionem-se as cláusulas de limitação ou exclusão de responsabilidade. Como regra, são expressamente proibidas nos contratos de consumo, em acordo com o que estabelece o artigo 25 do CDC, ao estabelecer: “É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores”. No artigo 51, I, do CDC, todavia, admite-se a possibilidade da convenção de cláusula limitativa de indenização, quando se trate de consumidor pessoa jurídica, em situações justificáveis. A determinação do que sejam essas situações justificáveis, confia-se à concretização judicial. Alguns critérios úteis, todavia, serão a identificação, em concreto, do poder de barganha da pessoa jurídica consumidora, a possibilidade que teve de vistoriar, antes, os produtos adquiridos, não reclamando vícios aparentes; ou a vantagem que tenha obtido em razão do contrato, nas condições específicas em que foi celebrado[10].
De tudo se vê que a criatividade negocial, útil ao desenvolvimento do mercado, em relação aos contratos de consumo deve respeitar o necessário equilíbrio entre o exercício da autonomia privada dos contratantes e o balizamento definido pelas normas de ordem pública estabelecidas no CDC.

[1] Bruno Miragem. Curso de Direito do Consumidor, 6ª ed. São Paulo, 2016, p. 68.
[2] Bruno Miragem. Direito Civil: Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2017, no prelo; Karl Larenz, Derecho de obligaciones, t. I. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1958, p. 371; Denis Mazeaud, La notion de clause pénale. Paris: LGDJ, 1992; Isabel Espín Alba, La cláusula penal. 1997, Madrid: Marcial Pons, p. 95 e ss.
[3] Bruno Miragem. Direito Civil: Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, cit.
[4] Max Kaser; Rolf Knütel, Römisches privatrecht. 20 aufl. München: C.H.Beck, 2014, p. 241-242; Biondo Biondi, Istituzioni di diritto romano. 4ª ed. Milano: Giuffrè, 1972, p. 448-449; Reinhard Zimmermann, The law of obligations. The roman foundation of the civilian tradition. New York: Oxford University Press, 1996, p. 230 e ss.
[5] Francisco Cavalcante Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado, t. XXVI. São Paulo: RT, 2012, p. 145.
[6] Assim o REsp 355.818/MG, rel. min. Aldir Passarinho Júnior, 4ª Turma, j. 22/4/2003, DJ 25/8/2003; REsp 1056704/MA, rel. min. Massami Uyeda, 3ª Turma, j. 28/4/2009, DJe 4/8/2009; AgRg no REsp 1.222.139/MA, rel. min. Massami Uyeda, 3ª Turma, j. 1/3/2011, DJe 15/3/2011. Sobre a impossibilidade de retenção quando tenha sido o vendedor quem deu causa ao descumprimento: AgRg no REsp 997.956/SC, rel. min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, j. 26/6/2012, DJe 2/8/2012.
[7] STJ, REsp 1.424.814/SP, rel. min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. 4/10/2016, DJe 10/10/2016.
[8] TJ-SP, ApCiv 10256919020148260007, rel. Ruy Coppola, 32ª Câmara de Direito Privado, j. 17/9/2015, DJ 18/9/2015; TJ-SP, ApCiv 00051775920118260001, rel. Vianna Cotrim, 26ª Câmara de Direito Privado, j. 18/12/2013, DJ 18/12/2013; TJ-SC, ApCiv 20120291749, 5ª Câmara de Direito Civil, rel. Henry Petry Junior, j.12/9/2012. Na doutrina, alinha-se com esse entendimento, Carlos Roberto Gonçalves, Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 2. Teoria geral das obrigações. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 425.
[9] REsp 832.293/PR, rel. min. Raul Araújo, 4ª Turma, j. 20/8/2015, DJe 28/10/2015.
[10] Bruno Miragem. Direito Civil: Direito das Obrigações, cit.

 é advogado e professor dos cursos de Graduação e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Presidente nacional do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon).
Revista Consultor Jurídico, 23 de novembro de 2016, 8h05

Nova regra sobre prescrição intercorrente só vale em execuções após CPC 2015




A nova regra sobre prescrição intercorrente, que dispensa a notificação do credor após o transcurso de um ano da suspensão da execução (por falta de bens), deve incidir apenas nas execuções propostas após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil e, nos processos em curso, a partir da suspensão da execução.

O entendimento é da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná que reconheceu a prescrição intercorrente e extinguiu o feito porque, após o deferimento do pedido de suspensão do processo pelo prazo de 180 dias, o exequente permaneceu inerte por quase 12 anos.

No recurso especial, o credor alegou que não foi responsável pela paralisação do processo, uma vez que, após a suspensão do feito, o juiz determinou a remessa dos autos ao arquivo provisório, onde permaneceu sem qualquer movimentação administrativa, intimação do advogado ou do credor.

O TJ-PR entendeu não ser necessária a intimação do exequente sob o fundamento de que, por aplicação do artigo 219, parágrafo 5º, do CPC de 1973, a prescrição pode ser declarada de ofício pelo juízo. No STJ, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, reconheceu que a 3ª Turma do tribunal passou a aplicar recentemente o mesmo entendimento do TJ-PR, com a ressalva de o exequente ser ouvido apenas para demonstrar eventuais causas interruptivas ou suspensivas da prescrição.

Salomão, no entanto, entendeu que, além de o colegiado ter antecipado para situações pretéritas as disposições do novo CPC, acabou adotando, “talvez por analogia, a interpretação da prescrição intercorrente utilizada no âmbito do direito público em relação às execuções fiscais (artigo 40, parágrafo 4º, da Lei 6.830/80)”.

O ministro disse também considerar desarrazoado que a execução se mantenha suspensa por tempo indefinido, mas que a mudança abrupta de entendimento poderia mais prejudicar do que ajudar, sendo necessária a modulação dos efeitos do entendimento sob o enfoque da segurança jurídica.

Salomão, destacou, inclusive, que o novo CPC, no livro complementar, artigo 1.056, trouxe disposições finais e transitórias para reger questões de direito intertemporal com o objetivo de preservar, em determinadas situações, as normas já existentes.

“Acredito que eventual alteração de entendimento acabaria, além de surpreender a parte, por trazer-lhe evidente prejuízo por transgredir situações já consumadas, fragilizando a segurança jurídica, uma vez que o exequente, com respaldo na jurisprudência pacífica dos tribunais, ciente da necessidade de intimação pessoal, acabou acreditando que não estaria inerte para fins de extinção da execução pela ocorrência da prescrição intercorrente”, disse o ministro. A turma, por unanimidade, afastou a prescrição intercorrente para que seja feita a intimação do exequente. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 1.620.919

Revista Consultor Jurídico, 23 de novembro de 2016, 11h43

Vendedor externo que trabalhava habitualmente com motocicleta tem reconhecido o direito ao adicional de periculosidade



A 6ª Turma do TRT mineiro, em voto da relatoria do desembargador Anemar Pereira Amaral, reconheceu a um vendedor externo que utilizava habitualmente uma motocicleta no exercício de suas funções, o direito ao adicional de periculosidade.

Para o juiz de 1º grau, o adicional não era devido, uma vez que o trabalhador não comprovou que o uso de motocicleta particular foi imposição ou exigência da empregadora. Mas o entendimento do relator, ao examinar o recurso do empregado, foi diferente. Para ele, o simples fato de o vendedor não ter apontado qualquer cláusula no contrato de trabalho exigindo o uso da motocicleta não afasta o direito ao adicional de periculosidade. E, no caso, a perícia evidenciou que o trabalhador a utilizava diariamente para exercer sua função de vendedor externo.

O julgador considerou a situação enquadrada no artigo 193, §4º, da CLT, que dispõe que "são também consideradas perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta". Ressaltando que essa norma não limita o adicional de periculosidade ao trabalho de motoboys e motociclistas, o desembargador frisou que o Ministério do Trabalho e Emprego aprovou o Anexo 5 da NR-16 (Atividades Perigosas em Motocicleta), por meio da portaria nº 1565, datada de 14/10/14. E, no seu entender, o que se infere dessa norma regulamentar é que basta a utilização da motocicleta durante a prestação dos serviços para que o empregado faça jus ao adicional. Esse direito só não se estenderia aos trabalhadores que utilizam o veículo de forma eventual, considerado fortuito, ou mesmo habitual, mas por tempo extremamente reduzido.

Dessa forma, e tendo em vista que o vendedor se valia de sua motocicleta para exercer suas atividades de vendedor externo em perímetro urbano e rural e cidades próximas num raio de 90 km, o relator entendeu que ele tem direito ao pagamento do adicional de periculosidade, ainda que não comprovada essa obrigatoriedade no contrato de trabalho. Assim, condenou a empregadora a pagar o adicional em questão, mas apenas a partir de 14/10/2014 (data da publicação da Portaria n. 1.565, que acrescentou o Anexo 5 à NR 16), a ser calculado sobre o salário base, com reflexos no aviso prévio, 13ºs salários, férias com 1/3, FGTS com multa de 40%).
PJe: Processo nº 0011529-27.2015.5.03.0084. Acórdão em: 11/10/2016Para acessar a decisão, digite o número do processo em: https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam



Fonte: TRT3

terça-feira, 22 de novembro de 2016

NJ ESPECIAL - TJP nº 11 do TRT-MG define: condenação em pagamento de horas extras trabalhadas cumulado com horas extras pela supressão do intervalo não caracteriza pagamento em duplicidade













Em Sessão Ordinária realizada no dia 14/07/2016, o Tribunal Pleno do TRT de Minas, com base no artigo 896, parágrafo 4º, da CLT, conheceu de Incidente de Uniformização de Jurisprudência (IUJ), determinando, por maioria simples de votos, a edição da Tese Jurídica Prevalecente de número 11, que ficou com a seguinte redação: "DESCUMPRIMENTO DO INTERVALO PREVISTO NO ART. 66 DA CLT. SOBREJORNADA. HORAS EXTRAORDINÁRIAS QUITADAS SOB TÍTULOS DISTINTOS. BIS IN IDEM NÃO CONFIGURADO. O pagamento de horas extraordinárias pelo trabalho em sobrejornada cumulado com o pagamento das horas suprimidas do intervalo interjornadas (art. 66 da CLT) não acarreta bis in idem, haja vista a natureza distinta das parcelas." Histórico do IUJ

O Incidente de Uniformização de Jurisprudência foi suscitado em recurso de revista interposto pelo reclamante contra acórdão proferido no autos do processo RO-010803-75.2013.5.03.0164. Ele foi acolhido pelo 2º Vice-Presidente do TRT-MG, desembargador Luiz Ronan Neves Koury, diante da constatação de entendimentos divergentes das Turmas do TRT mineiro sobre o seguinte tema: "INTERVALO INTERJORNADA. DESCUMPRIMENTO. HORAS EXTRAS. BIS IN IDEM.". O desembargador também determinou a suspensão do andamento dos Recursos de Revista e Agravos de Instrumento em Recurso de Revista que tratassem de casos idênticos, até o julgamento do incidente.

Distribuídos para a relatora, desembargadora Ana Maria Amorim Rebouças, os autos foram, de pronto, remetidos à Comissão de Uniformização de Jurisprudência do TRT-MG, que emitiu parecer sobre as correntes jurisprudenciais divergentes no Tribunal e sugeriu redação de súmula.

O Ministério Público do Trabalho também se manifestou, opinando, em parecer, pelo conhecimento do Incidente e, no mérito, pela interpretação uniforme da matéria no Tribunal Regional no sentido de se permitir o "pagamento concomitante de horas extras decorrentes de supressão do intervalo interjornada (art. 66 da CLT) e do elastecimento da jornada de trabalho". Entendendo o caso que deu origem ao incidente

Na sentença proferida no processo 010803-75.2013.5.03.0164, que originou o IUJ, os reclamados Expresso Santa Bárbara de Minas Ltda., GTM Transportes Rodoviários Ltda. - EPP e Fábio Frederico Oliveira foram condenados, solidariamente, a pagar ao reclamante horas extras além da 8ª hora diária e 44ª hora semanal, com base na jornada fixada das 7 às 22 horas de segunda a sábado, com reflexos. Pela decisão, os réus também deverão pagar ao trabalhador as horas suprimidas do intervalo interjornada, em desrespeito ao artigo 66 da CLT, na forma da OJ 355-SDI-I-TST.

Mas, ao analisar o recurso dos réus, a 9ª Turma do TRT-MG deu provimento para afastar da condenação às horas extras pela inobservância do intervalo interjornada e reflexos. É que, no entendimento da Turma, somente haveria violação ao artigo 66 da CLT e, portanto, direito ao recebimento das horas extras relativas ao intervalo interjornada, nos termos da Súmula nº 110 e da Orientação Jurisprudencial nº 355 da SDI-1 do TST, se a própria jornada contratual do empregado (e não a extraordinária) lhe conferisse intervalo inferior a 11h entre o término de um período de trabalho e o começo de outro. E esse não era o caso do reclamante, que foi contratado para trabalhar das 07:00 às 17:00 h, de segunda a sexta-feira, com 1h de intervalo para descanso e alimentação, ou seja, sua jornada contratual lhe permitia usufruir o intervalo interjornada. Seguindo essa linha de pensamento, a Turma concluiu que o deferimento ao reclamante das horas extras intervalares caracterizaria bis in idem e, assim, afastou a condenação dos reclamados, no aspecto.

Em outras palavras, prevaleceu no âmbito da 9ª Turma a tese de que a prática de horas extras que viole o intervalo interjornadas não é motivo para a condenação ao pagamento das horas suprimidas desse intervalo, mas apenas a contratação de jornada que não observe a concessão do intervalo interjornadas.

Inconformado com esse posicionamento, o reclamante interpôs recurso de Revista, suscitando o Incidente de Uniformização de Jurisprudência, ao argumento de que todas as demais Turmas, com exceção da 9ª Turma, entendem no sentido de que as horas extras relativas ao trabalho em sobrejornada não se confundem com aquelas decorrentes da supressão do intervalo para repouso previsto no art. 66 da CLT, já que possuem natureza diversa. Assim, defendeu que as horas suprimidas do intervalo devem ser pagas com o adicional de horas extras, na forma da OJ 355-SDI-I-TST. O objeto do IUJ

A controvérsia estabelecida deu ensejo, então, ao Incidente de Uniformização de Jurisprudência, sob o seguinte tema: "INTERVALO INTERJORNADA. DESCUMPRIMENTO EM VIRTUDE DE PRESTAÇÃO DE JORNADA EXTRAORDINÁRIA. O pagamento das horas extras em virtude das horas extras e também o pagamento como extra de parte do intervalo interjornadas descumprido configura bis in idem?" Teses divergentes

Em pesquisa sobre os posicionamentos das Turmas do TRT-MG quanto ao tema, a Comissão de Jurisprudência apurou que, em síntese, há dois entendimentos contrapostos no âmbito do Regional.

O primeiro, minoritário, é de que haveria bis in idem no pagamento das horas suprimidas do intervalo interjornadas previsto no art. 66/CLT em concomitância com o pagamento das horas extras decorrentes da extrapolação da jornada.

Já a segunda tese, majoritária, é no sentido da plena possibilidade de pagamento de horas extras relativas à extrapolação da jornada com o pagamento das horas suprimidas do intervalo interjornadas. Tese majoritária

A partir do parecer da Comissão, a desembargadora Ana Maria Amorim Rebouças, pôde constatar que o entendimento dominante no TRT mineiro, que prevalece em todas as demais Turmas (à exceção da 9ª Turma, com registro de votos vencidos, além de precedente localizado na 3ª Turma) é no seguinte sentido:

a) não se configura bis in idem o pagamento concomitante das horas extraordinárias suprimidas decorrentes da inobservância do intervalo interjornadas disposto no art. 66 da CLT e das horas extras decorrentes do elastecimento de jornada legal ou contratual, uma vez que possuem naturezas diversas;

b) a não observância do intervalo interjornada (art. 66 da CLT) gera o direito à percepção de horas extras, independentemente de condenação ao pagamento do labor em sobrejornada, por se tratar de norma cogente, não se configurando, portanto, o pagamento em duplicidade, o que se coaduna com o entendimento contido na OJ 355 da SDI-I-TST, que assim dispõe: "O desrespeito ao intervalo mínimo interjornadas previsto no art. 66 da CLT acarreta, por analogia, os mesmos efeitos previstos no § 4º do art. 71 da CLT e na Súmula nº 110 do TST, devendo-se pagar a integralidade das horas que foram subtraídas do intervalo, acrescidas do respectivo adicional ".

De acordo com o parecer da Comissão de Jurisprudência, este também é o entendimento majoritário das Turmas do TST. Ficou esclarecido que as Turmas do TST, ao julgar casos semelhantes, aplicam a OJ 355-SDI-I-TST, que dispõe, claramente que, caso descumprido o intervalo interjornadas previsto no art. 66/CLT, aplica-se os efeitos do § 4º do art. 71 da CLT. Este artigo, por sua vez, estabelece que o período não concedido do intervalo para repouso e alimentação deve ser remunerado "com um acréscimo de no mínimo 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho."

Ressaltou-se, ainda, que a ausência de concessão das horas do intervalo intrajornada acarreta o seu pagamento integral acrescido do adicional de horas extras, mesmo quando fruídas parcialmente, tratando-se, portanto, de hora ficta. E o mesmo se diz quanto às horas suprimidas ao intervalo interjornadas, já que, por analogia, nos termos da OJ 355, acarretam os mesmos efeitos da supressão do intervalo intrajornada previsto no artigo 71, § 4º, da CLT, ou seja, aquelas também são horas fictas. Entendimento da relatora

Por tudo isso, tendo em vista o posicionamento majoritário no âmbito do TRT e também do TST, a relatora acolheu o parecer da d. Comissão de Jurisprudência e propôs a edição do verbete de Jurisprudência Uniforme com a seguinte redação:

"DESCUMPRIMENTO DO INTERVALO PREVISTO NO ART. 66 DA CLT. SOBREJORNADA. HORAS EXTRAORDINÁRIAS QUITADAS SOB TÍTULOS DISTINTOS. BIS IN IDEM NÃO CONFIGURADO. O pagamento de horas extraordinárias pelo trabalho em sobrejornada cumulado com o pagamento das horas suprimidas do intervalo interjornadas (art. 66 da CLT) não acarreta bis in idem, haja vista a natureza distinta das parcelas ". Conclusão

Foi assim que o Pleno do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, acompanhando o entendimento da relatora, conheceu do Incidente de Uniformização de Jurisprudência, com base no disposto no art. 896, § 4º, da CLT e, no mérito, por maioria simples de votos, determinou a edição de tese jurídica prevalecente, com redação sugerida pela desembargadora relatora. (TRT-10803-2013-164-03-00-6 - IUJ) - 14/07/2016

Notícias jurídicas anteriores sobre a matéria
25/02/2014 - Desrespeito ao intervalo de 11 horas entre jornadas não é mera infração administrativa

27/06/2012 - Pagamento de horas extras habituais não impede condenação por descumprimento do intervalo entre jornadas

30/07/2012 - Horas extras por prorrogação da jornada e por redução do intervalo entre jornadas não se confundem

23/10/2009 - Descumprimento do intervalo entre duas jornadas gera direito a horas extras


Clique aqui e confira o acórdão que deu origem ao IUJ

Clique aqui e confira o acórdão que firmou a TJP nº 11

Clique aqui e confira a relação de todos os INCIDENTES DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA suscitados

Clique aqui para ler a jurisprudência do TRT-MG sobre o tema da TJP nº 11



Fonte: TRT3

Empregada não pode realizar atividade que exija esforço muscular de mais de 20 kg em trabalho contínuo ou 25 kg em tarefa ocasional




Você sabia que o empregador não pode exigir da empregada mulher qualquer esforço que lhe demande força muscular superior a 20 quilos, em trabalho contínuo, ou 25 quilos, em trabalho ocasional? É o que estabelece o artigo 390, que integra o Capítulo III da CLT e que trata da "Proteção do Trabalho da Mulher". Foi justamente invocando essa regra legal que uma empregada ingressou com ação trabalhista, pedindo o reconhecimento da rescisão indireta do seu contrato de trabalho. Seus argumentos: a empregadora, uma granja, exigia que ela carregasse caixas em suas atividades diárias cujos pesos excediam 25 kg.
O juiz de primeiro grau rejeitou o pedido da trabalhadora, entendimento mantido pela 10ª Turma do TRT-MG, que julgou desfavoravelmente o recurso interposto por ela. É que, conforme verificou a relatora, juíza convocada Ana Maria Espí Cavalcante, as caixas que a empregada carregava na empresa não ultrapassavam 20 quilos, não se configurando, portanto, a falta grave da empregadora. Nesse quadro, a Turma manteve a sentença que afastou a rescisão indireta do contrato de trabalho e reconheceu a demissão como causa da extinção do vínculo.
A reclamante alegou que, diariamente, a empregadora lhe ordenava que deixasse seu posto de trabalho para ir ao setor de balança, onde tinha que fazer serviços superiores às suas forças, manuseando caixas com peso superior a 25 kg. Mas, em perícia técnica realizada com o fim de se apurar eventual insalubridade na prestação de serviços, ficou esclarecido que a reclamante atuava na área de embalagem secundária e tinha como atividades acondicionar um determinado número de produtos (frangos ou cortes de frango) já embalados em sacos plásticos, em uma caixa de papelão. Após isso, com o auxílio de balança digital, ela pesava as caixas e as posicionava na esteira, para que fossem encaminhadas ao setor de resfriamento ou congelamento.
Ocorre que, com base em informações da própria reclamante, o perito constatou que as caixas manuseadas por ela tinham "peso médio de 20 quilos", ou seja, estavam dentro dos limites permitidos no artigo 390 da CLT, o que foi confirmado por uma testemunha, que disse que as caixas existentes na empresa continham 15, 18 e, no máximo, de 20 quilos de produtos.
Por essas razões, a relatora concluiu pela ausência de prova da falta grave da empregadora, o que leva à improcedência do pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho, conforme decidido na sentença. Acompanhando o entendimento da relatora, a Turma negou provimento ao recurso da reclamante.

PJe: Processo nº 0010304-89.2015.5.03.0142 (RO). Acórdão em: 14/09/2016Para acessar a decisão, digite o número do processo em: https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam

Fonte: TRT3

Bancário que conseguiu reverter justa causa será indenizado por danos morais





Após conseguir reverter, na Justiça do Trabalho, a justa causa que lhe foi aplicada pela instituição bancária, o reclamante ajuizou nova reclamação pedindo o pagamento de indenização pelos danos morais sofridos com o incidente. Ao analisar o caso, o juiz David Rocha Koch Torres, titular da Vara do Trabalho e Ubá, reconheceu que, de fato, a medida ensejou comentários em uma agência bancária e impossibilitou o trabalhador de honrar débitos. Julgando favoravelmente o pedido, condenou o ex-empregador ao pagamento de indenização no valor de R$10 mil.
A decisão se baseou em documentos que mostraram que o nome do bancário foi incluído nos serviços de restrição ao crédito. Para o magistrado, obviamente isso ocorreu em decorrência da dispensa por justa causa, a qual veda o recebimento de várias verbas rescisórias, inclusive o FGTS e a multa de 40%. A situação foi considerada determinante para que o reclamante descumprisse obrigações anteriormente assumidas.
Por outro lado, os depoimentos das testemunhas revelaram terem ouvido comentários na agência bancária de "que o reclamante teria efetuado uma coisa indevida, falando-se que era um empréstimo em sua conta". Na visão do juiz sentenciante, ficou claro o ato ilícito praticado pela ré, capaz de gerar prejuízo de ordem moral ao bancário. O julgador ponderou que ele ficou totalmente desamparado diante do contexto apurado, sem ter como honrar com seus compromissos. "Ora, não é difícil perceber o abalo moral sofrido pelo trabalhador que, sabendo não ter praticado qualquer ato hábil a ensejar a rescisão contratual na forma como a si imputada, teve que suportar a situação que lhe foi imposta pela ré, portanto aí caracterizada a culpa patronal", destacou, concluindo que o banco causou danos morais ao ex-empregado, os quais devem ser indenizados.
O magistrado refutou a possibilidade de o reconhecimento da dispensa sem justa causa, em outra ação, já ter reparado o mal causado. Segundo explicou, são duas coisas diferentes. A indenização serve como lenitivo, uma compensação, ao abalo moral suportado pelo demandante.
Com relação ao valor arbitrado, levou em conta não só o dano sofrido e a capacidade econômica da reclamada, como também - e principalmente - o caráter pedagógico da medida. "A fim de se evitar que atitudes desta natureza não venham a se tornar uma constante nas relações de trabalho", registrou, lembrando, que, por outro lado, o ressarcimento não pode ser fonte de enriquecimento do ofendido. A decisão foi confirmada pelo TRT de Minas.

PJe: Processo nº 0010873-54.2016.5.03.0078. Sentença em: 16/06/2016Para acessar a decisão, digite o número do processo em: https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam



 Fonte: TRT3

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

NJ Especial - Contrato de construção por administração sob a ótica trabalhista: opção permitida por lei ou terceirização ilícita?






No "contrato de construção por administração", também conhecido como "obra a preço de custo", a construtora ou incorporadora apenas administra a obra, mediante o pagamento de uma prestação mensal definida em assembleia, e os proprietários do imóvel assumem as demais despesas típicas da construção. No bojo da crise econômica que assola o país, cresce o interesse por alternativas que tornem mais acessíveis os custos da construção, facilitando os investimentos imobiliários e a aquisição da casa própria. E essa modalidade contratual tem se revelado como uma opção mais econômica e atraente para os novos investidores.
Entretanto, com a nova tendência surgiram também alguns conflitos trabalhistas: O regime de construção por administração pode ser usado para acobertar uma terceirização ilícita? Como identificar a diferença entre o instituto e uma eventual fraude trabalhista? Os empregados que trabalham na obra devem ser registrados em nome dos condôminos ou da construtora/incorporadora? Contrato de construção por administração é o mesmo que contrato de empreitada? Quem são os verdadeiros empregadores da mão-de-obra contratada?
Dúvidas como essas, sempre presentes nas negociações e no trabalho que envolve essa modalidade contratual, foram respondidas pelo juiz Henrique Macedo de Oliveira. Ele abordou o tema durante o julgamento de uma ação civil pública (ACP), realizado na 2ª Vara do Trabalho de Pouso Alegre. A ACP foi ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em face de duas empresas de construção civil, na qual elas foram denunciadas pela prática de terceirização ilícita. Em sua sentença, o magistrado trouxe ensinamentos e reflexões importantes sobre o "contrato de construção por administração".
Nesta NJ Especial acompanharemos a abordagem da matéria pelo julgador e veremos a solução dada ao caso.
Conceito e característicasEm sua sentença, o magistrado apresentou o conceito de "contrato de construção por administração", também conhecido como "obra a preço de custo":
"Por meio dessa modalidade contratual (contrato de administração), os proprietários entregam a um terceiro especializado, como é o caso das reclamadas, o gerenciamento da obra, ou seja, valem-se da experiência e da credibilidade acumuladas pela contratada, fruto de sua inserção no mercado de execução e gerenciamento de obras na construção civil, para executar o projeto imobiliário, diminuindo custos e trazendo maior segurança aos condôminos, notadamente com relação à qualidade do produto final e à observância dos prazos e cronogramas previamente estabelecidos".
Nesse contexto, a sentença chama a atenção para a necessidade de se diferenciar os dois institutos: "contrato de construção por administração" e "contrato de empreitada". Nas palavras do julgador:
"Diversamente do que ocorre no contrato de empreitada, na avença entabulada pelas rés com os condomínios, estes não pretendem entregar a um terceiro a execução global da obra, isentando-se, inclusive, da obrigação de admitir/dispensar funcionários (responsabilidade repassada ao empreiteiro). Na construção por administração, o proprietário (beneficiário direto da prestação dos serviços) toma para si essa responsabilidade, embora conte com o auxílio de um gestor que passará a administrar a execução do projeto, inclusive selecionando os empregados que prestarão serviços ao condomínio.
[...]
A execução da obra ocorre no interesse e pela vontade e determinação do condomínio, de modo que a transferência da responsabilidade pelos custos da mão de obra faz sentido apenas em caráter excepcional, ou seja, apenas quando o proprietário decide confiar à construtora toda a responsabilidade pela realização do projeto, inclusive pela contratação dos empregados (contrato de empreitada). Inclusive, nessas hipóteses, o ordenamento jurídico não prevê a responsabilidade do proprietário pelos créditos trabalhistas assumidos pelo empreiteiro (OJ nº 191 da SbDI-I do TST), desde que não seja ele uma construtora ou incorporadora (caso em que haverá, na verdade, terceirização ilícita de atividade-fim)".
Em outras palavras, ao contrário da construção por empreitada, a construção por administração sai a preço de custo. Quando a obra é realizada com um grupo de pessoas, isto é, em condomínio, uma pessoa ou uma comissão deve ser eleita para cuidar da construção e representar os interesses dos demais. Os condôminos contratam uma empresa, que apresenta um orçamento e um cronograma das obras. Cada condômino, então, será responsável pelo pagamento de uma quantia proporcional à sua 'fração ideal' da obra, isto é, a porcentagem da obra que lhe cabe.
O condomínio vai arcar com as despesas previstas no orçamento à medida que as necessidades forem surgindo. O contratante assume os riscos relacionados a atrasos e aumentos de demandas de materiais, mas espera que os valores finais não ultrapassem os custos do orçamento. Com relação às vantagens, essa modalidade contratual propicia a redução da carga tributária de forma legítima, permite maior participação do condômino nos rumos da construção e o cliente sabe exatamente o custo de cada item da obra.
Legislação aplicável à matériaO artigo 58 da Lei 4.591/1964, que dispõe sobre o regime de administração de obras de construção civil, prevê que, nessa modalidade de contratação, a integralidade do custo do empreendimento é de responsabilidade dos condomínios, em nome dos quais deve ser emitida toda a documentação referente à obra. De acordo com os artigos 58 a 62:
"Art. 58. Nas incorporações em que a construção fôr contratada pelo regime de administração, também chamado "a preço de custo", será de responsabilidade dos proprietários ou adquirentes o pagamento do custo integral de obra, observadas as seguintes disposições: I - tôdas as faturas, duplicatas, recibos e quaisquer documentos referentes às transações ou aquisições para construção, serão emitidos em nome do condomínio dos contratantes da construção; II - tôdas as contribuições dos condôminos para qualquer fim relacionado com a construção serão depositadas em contas abertas em nome do condomínio dos contratantes em estabelecimentos bancários, as quais, serão movimentadas pela forma que fôr fixada no contrato. Art. 59. No regime de construção por administração, será obrigatório constar do respectivo contrato o montante do orçamento do custo da obra, elaborado com estrita observância dos critérios e normas referidos no inciso II, do art. 53 e a data em que se iniciará efetivamente a obra. § 1º Nos contratos lavrados até o término das fundações, êste montante não poderá ser inferior ao da estimativa atualizada, a que se refere o § 3º, do art. 54. § 2º Nos contratos celebrados após o término das fundações, êste montante não poderá ser inferior à última revisão efetivada na forma do artigo seguinte. § 3º As transferências e sub-rogações do contrato, em qualquer fase da obra, aplicar-se-á o disposto neste artigo. Art. 60. As revisões da estimativa de custo da obra serão efetuadas, pelo menos semestralmente, em comum entre a Comissão de Representantes e o construtor. O contrato poderá estipular que, em função das necessidades da obra sejam alteráveis os esquemas de contribuições quanto ao total, ao número, ao valor e à distribuição no tempo das prestações. Parágrafo único. Em caso de majoração de prestações, o nôvo esquema deverá ser comunicado aos contratantes, com antecedência mínima de 45 dias da data em que deverão ser efetuados os depósitos das primeiras prestações alteradas. Art. 61. A Comissão de Representantes terá podêres para, em nome de todos os contratantes e na forma prevista no contrato:
a) examinar os balancetes organizados pelos construtores, dos recebimentos e despesas do condomínio dos contratantes, aprová-los ou impugná-los, examinando a documentação respectiva; b) fiscalizar concorrências relativas às compras dos materiais necessários à obra ou aos serviços a ela pertinentes;
c) contratar, em nome do condomínio, com qualquer condômino, modificações por êle solicitadas em sua respectiva unidade, a serem administradas pelo construtor, desde que não prejudiquem unidade de outro condômino e não estejam em desacôrdo com o parecer técnico do construtor; d) fiscalizar a arrecadação das contribuições destinadas à construção; e) exercer as demais obrigações inerentes a sua função representativa dos contratantes e fiscalizadora da construção e praticar todos os atos necessários ao funcionamento regular do condomínio. Art. 62. Em tôda publicidade ou propaganda escrita destinada a promover a venda de incorporação com construção pelo regime de administração em que conste preço, serão discriminados explìcitamente o preço da fração ideal de terreno e o montante do orçamento atualizado do custo da construção, na forma dos artigos 59 e 60, com a indicação do mês a que se refere o dito orçamento e do tipo padronizado a que se vincule o mesmo. § 1º As mesmas indicações deverão constar em todos os papéis utilizados para a realização da incorporação, tais como cartas, propostas, escrituras, contratos e documentos semelhantes. § 2º Esta exigência será dispensada nos anúncios "classificados" dos jornais".Com base nessa norma, as rés alegaram que não haveria "qualquer irregularidade ou ilegalidade na contratação de empregados em nome do condomínio".
Os pedidos do MPTNa Ação Civil Pública ajuizada contra as duas empresas de construção civil, o MPT alegou, em síntese, que, realizada inspeção nos canteiros de obras, verificou-se que os empregados que lá estavam tiveram suas carteiras de trabalho anotadas pelos condomínios e não pelas construtoras, sendo certo que são elas as verdadeiras empregadoras, já que exercem o poder diretivo de fato, estando presentes os requisitos da relação de emprego. Segundo o MPT, as rés integram um grupo econômico e houve transferência ilícita da responsabilidade pela contratação e rescisão contratual da mão de obra necessária aos condomínios.
Assim, o MPT postulou, a título de antecipação de tutela, que as duas empresas de construção fossem responsabilizadas pela contratação de todo o pessoal permanente da obra, assumindo a posição formal de empregadoras, sem delegar a contratação de empregados ao condomínio e/ou pessoa física ou jurídica proprietária ou compradora, valendo esta obrigação tanto para os atuais quanto para os futuros contratos. O MPT pediu também que as rés fossem compelidas a estabelecer, em contratos futuros, cláusula específica onde esteja registrada a responsabilidade delas pela contratação de todo o pessoal da obra. Em sede definitiva, pediu que a antecipação de tutela fosse confirmada e que as rés fossem condenadas ao pagamento de indenização por dano moral coletivo em valor não inferior a R$300 mil.
Julgamento do casoInicialmente, o juiz sentenciante teceu considerações sobre a terceirização: "A terceirização é instrumento do modelo de produção capitalista que precariza as relações de trabalho, na medida em que impede a extensão ao obreiro dos benefícios que a tomadora concede aos seus próprios empregados (inclusive os decorrentes de norma coletiva), bem como deixa esses trabalhadores suscetíveis ao inadimplemento das prestadoras de serviços - não raro pequenas empresas, que fecham as portas sem ao menos quitar as verbas resilitórias devidas aos seus empregados, impondo, assim, a atuação do Poder Judiciário Trabalhista e do Ministério Público do Trabalho. Além disso, essa prática debilita e pulveriza o modelo sindical brasileiro, enfraquecendo a identidade profissional dos trabalhadores que prestam serviços a uma mesma empresa".
Conforme acentuou o magistrado, por essa razão, as hipóteses em que a jurisprudência trabalhista tolera este tipo de prática sempre foram restritas àquelas excepcionalmente autorizadas por lei, como é o caso do trabalho temporário e dos serviços de vigilância.
Após o exame do conjunto de provas, o julgador acolheu a tese defensiva, entendendo que a situação em nada se assemelha à terceirização ilícita de atividades finalísticas, já que as construtoras celebraram com os condomínios contratos de construção por administração, regidos pelos artigos 58 a 62 da Lei 4.591/1964.
Na avaliação do julgador, não faz sentido supor que o proprietário, interessado na construção de determinada obra, fosse impelido a entregar a um terceiro, contratado apenas para administrar a execução do projeto imobiliário, a obrigação pelos contratos de trabalho necessários à realização do empreendimento. "Trata-se de uma prerrogativa do proprietário, a quem deve ser oportunizada a escolha de, em nome próprio, admitir e dispensar os empregados que contribuirão, com a sua força de trabalho, na construção do imóvel de sua propriedade", pontuou o juiz, ressaltando que o gerenciamento da mão de obra pela construtora não implica a inexistência de subordinação jurídica entre os empregados e o condomínio.
Na visão do julgador, não há ilegalidade e nem indício de fraude no fato de um mesmo trabalhador prestar serviços a um condomínio e, depois de encerrada a obra naquele local, passar a prestar serviços em outra obra, administrada pelo mesmo grupo de empresas. Ele entende que é natural que as construtoras, a quem incumbe a gestão do canteiro de obras, indiquem determinado trabalhador, cujo bom desempenho é do seu conhecimento, para trabalhar em outras obras, também por elas administradas.
"Não se nega a existência de intervenção, gerenciamento e fiscalização da construtora na atividade exercida pelos trabalhadores admitidos na obra - o que, aliás, consubstanciam atividades ínsitas ao seu papel de gestora/administradora - mas isso não quer dizer que é dela a responsabilidade pela contratação desses empregados", concluiu o juiz sentenciante ao julgar improcedentes os pedidos do MPT.
Recurso do MPTO recurso do MPT contra essa decisão foi julgado pela 6ª Turma do TRT mineiro. E, no entender do desembargador relator, Jorge Berg de Mendonca, sequer houve terceirização de serviços, já que a relação existente entre as rés e os condôminos foi formalizada através de um contrato de construção por administração, previsto nos artigos 58 a 62 da Lei nº 4.591/1964.
Ao examinar o contrato celebrado entre as partes, o desembargador não identificou nenhum motivo que levasse à declaração da sua nulidade. Entendendo como válido o contrato, ele observou que os artigos 58 a 62 da Lei 4.591/1964 não possuem disposição específica acerca da contratação dos empregados que atuaram na construção civil. "O vazio legal e o princípio da autonomia da vontade permitem que as partes contratantes disponham neste sentido, o que, de fato, foi realizado nos contratos assinados pelas rés, em que foi acordado que a admissão/dispensa dos obreiros estaria a cargo dos condomínios", completou.
Na interpretação do julgador, o artigo 58 expressamente expõe que o condomínio arcará com os custos integrais da obra, o que, na sua visão, abrange os gastos com a mão de obra e toda a responsabilidade decorrente. "Registre-se que a lei em comento expressamente trata de dois sistemas de construção dos imóveis objeto de incorporação (art. 48), nos moldes pactuado nos presentes autos - contrato de administração, ou através de empreitada, pelo que não se pode dar ao contrato de administração o mesmo tratamento legal dado ao contrato de empreitada", concluiu.
Após o exame dos depoimentos das testemunhas, ficou claro para o desembargador que, embora a contratação dos empregados pelos condomínios tivesse certa ingerência das rés, não há como caracterizar o vínculo dos trabalhadores com elas, já que não há dúvidas de que os condomínios eram os seus empregadores.
Acompanhando esse entendimento, a 6ª Turma do TRT mineiro negou provimento ao recurso do MPT.
PJe: Processo nº 0010633-43.2015.5.03.0129 (RO). Sentença em: 16/05/2016. Acórdão em: 30/08/2016.

Notícia Jurídica anterior do TRT-MG relacionada ao tema:
13/02/2007 05:55h - Condomínio não responde por infração de incorporadora e construtora que o constituíram


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Fonte: TRT3


Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...