sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Turma considera válida como meio de prova gravação de conversa telefônica clandestina entre testemunha e ex-empregador (18/11/2016)



O entendimento dominante do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça é no sentido da licitude da gravação de conversa telefônica quando realizada por um dos interlocutores, ainda que sem o conhecimento do outro. Mas, será que é lícita a prova obtida dessa forma quando o autor da ação não participa da conversa gravada? É ilegal juntar ao processo, como meio de prova, um CD que contém gravação da conversa mantida entre uma testemunha e o proprietário da empresa reclamada? Essas foram as questões levantadas pelo juiz convocado Alexandre Wagner de Morais Albuquerque ao julgar o recurso de um trabalhador que não se conformava com o indeferimento da prova. Para o magistrado, não houve ilegalidade, já que a gravação da conversa telefônica foi realizada por um dos interlocutores, sem participação de terceiros na sua captação.

No caso, o ex-empregado alegou que, após o encerramento do contrato de trabalho, o ex-empregador passou a dar más referências em relação à competência dele, principalmente devido à ação trabalhista que moveu contra a empresa, dificultando a sua recolocação no mercado de trabalho. Segundo alegou, esses fatos foram parcialmente confirmados pela única testemunha ouvida no processo. Entretanto, o juiz sentenciante indeferiu a juntada do CD que continha a gravação da conversa mantida entre a testemunha e o proprietário da ré, ao fundamento de que, pela lei brasileira, é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, exceto, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. De acordo com o juiz sentenciante, um dos requisitos para aceitação desse meio de prova é que haja indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal (artigo 2º, II Lei 9.296/96), devendo a interceptação ser o único meio de prova disponível (artigo 2º, III Lei 9.296/96) e ser determinada por autorização judicial (artigo 3º, Lei 9.296/96). E, no caso, ele concluiu que, como estão ausentes esses requisitos, a interceptação é ilegal, bem como as provas dela derivadas. Isto porque, como destacou, a gravação não foi feita pelo autor como um dos interlocutores, mas por uma terceira pessoa e, portanto, no seu entender, é prova ilícita, não podendo ser anexada ao processo.

Entretanto, no julgamento do recurso do trabalhador, o juiz convocado relator interpretou os fatos de forma diferente. Conforme observou, uma testemunha relatou que telefonou para o empregador anterior para obter referências do trabalhador, na intenção de contratá-lo. E foi a própria testemunha quem gravou a conversa telefônica travada com o proprietário da ré e entregou cópia ao reclamante. "Percebe-se que, no caso, não há se falar em interceptação telefônica, haja vista que não houve participação de terceiros na captação da conversa, que foi realizada por um dos interlocutores. Somente alguns dias após a referida gravação é que o reclamante teve acesso ao seu conteúdo, que lhe foi franqueado pelo interlocutor que gravou a conversa, o que configura gravação clandestina lícita, não se justificando, assim, o óbice à sua juntada aos autos, fato que prejudicou sobremaneira o reclamante", finalizou o relator.

Acompanhando esse entendimento, a 9ª Turma do TRT mineiro declarou a nulidade da sentença, por cerceamento ao direito de defesa, determinando o retorno do processo à origem para a reabertura da fase de produção de provas. Os julgadores decidiram que deve ser realizada a degravação (transcrição) das conversas reproduzidas no CD, para que seja proferida depois nova decisão, apreciando-se a questão central da ação.
PJe: Processo nº 0010957-92.2015.5.03.0174 (RO). Acórdão em: 14/06/2016Para acessar a decisão, digite o número do processo em: https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam

Fonte: TRT3

As coisas estão tão misturadas... Cada um deve saber o seu lugar!




Por Lenio Luiz Streck


Escrevi há vinte anos [1] (sobre o uso de elevadores em Pindorama e outros temas típicos de nossa sociedade patrimonialista):

“A maior parte da sociedade passa a acreditar que existe uma ordem de verdade, na qual cada um tem o seu “lugar (de)marcado”. [2] Vejamos a complexidade do problema da formação do Brasil. Em muitos pontos há concordância dos pesquisadores. Segundo Antonio Houaiss e Roberto Amaral (Modernidade no Brasil: conciliação ou ruptura), o pressuposto é aceito de forma geral: 1) um território precioso, 2) flora, fauna e clima esplêndidos, 3) um autoctonato de fácil superação, 4) uma consolidação linguística quase miraculosa, 5) a gestação de uma cultura popular e ágrafa rica e emocionante, 6) uma expansão demográfica rara, pela multiplicação, pela miscigenação tolerante e pela democracia empírica convivial. Eliminando os pontos positivos, restam, ao cabo dos cinco séculos de operação Brasil, os enigmas: a dívida social crescente — fome, ensino miserável, ausência de terra (guardada como “poupança”) para os aptos a trabalhá-la, trabalho no campo preferentemente para a exportação, a importação preferentemente para gáudio dos exportadores. As chamadas elites brasileiras, bem pensadas, parecem ter tido, excelente ou sobre-excelentemente, o mais puro sentido de autodefesa e sobrevivência: 1) aos trancos e barrancos, embora souberam reter para si o máximo dos bens materiais; 2) souberam harmonizar-se com os donos do mundo; conseguiram manter “seu” povo admiravelmente manietado, pela escravidão, pelo genocídio, pela ignorância, pela superstição — já que a terra lhes foi compensatóriamente tão generosa, que raros foram os Palmares e os Canudos e os Caldeirões em que criaram, embora efêmeras, suas pátrias de eleição possível.

É nesse contexto que cada um “assume” o “seu” lugar. E estes compõem a maioria. Essa maioria, porém, não se dá conta de que essa “ordem”, esse “cada-um-tem-o-seu-lugar” engendra a verdadeira violência simbólica (Bourdieu; tb Katz e Kahn) da ordem social, bem para além de todas as correlações de forças que não são mais do que a sua configuração movente e indiferente na consciência moral e política.

O sistema cultural engendra exatamente um imaginário no qual, principalmente através dos meios de comunicação de massa, faz-se uma amálgama do que não é amalgamável. Por isso, por exemplo, é possível — e observe-se a relevância dessa questão no plano simbólico — que o país mantenha impunemente um apartheid em elevadores sociais e de serviço, o que legitima o preconceito social!

Não causa espanto, assim, em nossa “pós-modernidade” midiática, que, a exemplo de tantas pessoas, uma famosa atriz e modelo da Rede Globo justifique o apartheid nos elevadores de forma bastante solene: “As coisas estão tão misturadas, confusas, na sociedade moderna. Algumas coisas, da tradição, devem ser preservadas. É importante haver hierarquia”. Já uma promoter [3] paulista assídua frequentadora das colunas sociais, não “nos deixa esquecer” que “... cada um deve ter o seu espaço. Não é uma questão de discriminação, mas de respeito”. Ou seja, para elas — e para quantos mais (!?) — a patuleia deve (continuar a) “saber-o-seu-lugar”... [4]

Discursos deste quilate não podem (e não devem) nos surpreender, até porque nada mais são do que reproduções do que ocorre cotidianamente ao nosso redor, reforçados pelos estereótipos produzidos pela mídia em larga escala. Daí que, usando como pano de fundo essa discussão, Contardo Calegaris[5] procura explicar a atitude e o discurso das classes médias e médio-superiores brasileiras acerca desta problemática:

“No Brasil, talvez por ele ter sido e talvez por ser ainda o maior sistema escravagista do mundo ocidental, a modernização aconteceu pela metade. (...) As classes médias brasileiras não abriram as portas do poder sobre as coisas para metade da população do país. (...) Foi por tradição ou por gosto atávico escravocrata”.

Por isso, diz Callegaris, tanta violência no Brasil: o ladrão brasileiro não está só pedindo posse de mais coisas. Quer mais! Quer os corpos...![6] São eles que (os corpos) “é bom possuir”. E (de forma irônica) Callegaris acrescenta: “a violência (na sociedade) já reverte se os elevadores de serviço forem suprimidos”.

A “aceitação” da exclusão social é cotidianamente reforçada/justificada pelos meios de comunicação. Veja-se, a propósito — e a crítica foi magnificamente feita pelo jornalista Vinícius Torres Freire em matéria intitulada “Carro grande e senzala” —,[7] comercial veiculado em rede nacional de televisão, para lançamento de um certo automóvel “classe A”, onde um casal branco e bem vestido escorrega pelo piso ensaboado de uma garagem, em direção ao carro apregoado. Três faxineiros, morenos e miúdos como quase todo o povo, fazem pilhéria dos ricos à beira do tombo. Mas o casal classe “A” chega ao carro “A” e sai zunindo da garagem escorregadia — o carro é estável, é o que se vende. Os faxineiros ficam para trás com cara de besta. Um deles escorrega e cai feito um pateta. Em outro anúncio, novamente aparece a dualidade “elite branca e elegante” versus “plebe rude e ignara”: desta vez um engravatado regateia com um mendigo flanelinha a lavagem do mesmo carro “classe A”. Condescende com riso senhorial da esperteza do pedinte, que quer “dez real”, pois o carro aquele é grande por dentro. Como bem complementa Torres Freire, os aludidos anúncios reproduzem um clichê clássico do imaginário subdesenvolvido, onde os pobres são espertos, sensuais e marotos...:

“O Brasil jamais foi uma república de fato, ex-escravos continuaram pobres, pobres não têm direitos e são demais. O comercial de carro ‘A’ não os fará mais pobres, mas a naturalidade inconsciente com que mofa da patuleia é um sintoma. ‘Os nativos estão inquietos’, eles assaltam, mas são uma classe de gente diferente, que ficou para trás naturalmente, ridícula como um escravo ou um primitivo pateta”.

Outro exemplo interessante é de um anúncio publicitário (premiado) que conseguiu transformar a exploração em “glamour” (ou consegue “justificar” a (semi)escravidão dos “velhos e bons tempos”). O cenário era uma antiga fazenda de café. Os personagens são dois recém-casados, que, ao acordarem, se encaminham ao café da manhã. Entrementes, a câmera mostra os empregados da Fazenda se encaminhando para a plantação, com ferramentas rudimentares (típicas “daqueles (bons) tempos”). Enquanto os campesinos se afastam, o casal senta-se à mesa, ornada com toalha rendada e com xícaras de fino porcelanato comprado em Aveiro. A cena culminante é o café sendo servido, fumegante, denso, saboroso (quase “ontológico”)... e uma voz em off anunciando: Café Pindorama Casagrande [8]: a volta dos bons tempos! Ou “Os bons Tempos estão de volta”. Faltou apenas uma frase: bons tempos para quem, cara pálida?

Tudo isto se encaixa, pois, em uma espécie de razão cínica brasileira. Invertendo a famosa frase de Marx dita em o Capital: “Sie wissen das nicht, aber sie tun es”, que significa “disso eles não sabem, mas o fazem”, Peter Sloterdijk nos ajuda a explicar a fórmula dessa razão cínica traduzida no comportamento de nossas classes dirigentes: “eles sabem muito bem o que estão fazendo, mas fazem assim mesmo”.[9] Nossas classes dirigentes e o establishment jurídico sabem o que está ocorrendo, mas continuam a fazer as mesmas coisas que historicamente vêm fazendo. Não nos damos conta das questões mais prosaicas que nos rodeiam e que permeiam o nosso imaginário”. Tinha mais coisas. Escritas até antes de 20 anos. Mas, deixa prá lá. Não quero cansar os leitores que não gostam de ler textos longos. Sinais da “pós-modernidade” (aliás, para saber o que é pós-modernidade, assistam esse filme de um minuto — vejam o que é “o outro”).

Pronto. Tenho que acrescentar algo 20 anos depois? Eis a explicação para o episódio em que o advogado de São Paulo foi algemado no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) por ter “entrado por engano” no elevador que não era de sua “laia”. Ele não sabia o seu lugar. Chamemos a atriz e a promoter paulista.

Post Scriptum : muitos dizem que sou profeta do Direito. Calvo Gonzales diz que acertei que o realismo jurídico tomaria conta do Brasil (ler aqui). Pois também acertei a questão dos precedentes... e até a coisa dos elevadores. Do apartheid de elevadores. Sociais. De serviço. Privativos. Não privativos. Eu falei que isso não teria fim. Bingo.

E eu não poderia deixar de me manifestar sobre o episódio do TRT-2. É um dever cívico.

Enfim, Millor estava certo: o Brasil tem um imenso passado pelo frente!


1 A primeira vez que escrevi sobre os elevadores foi logo após a eleição de Erundina. Ela se elegeu em 1989. Depois disso, transportei isso para o Hermenêutica Juridica e(m( Crise. Também está no Tribunal do Júri, Símbolos e Rituais (esgotado de há muito). Como o Hermenêutica tem mais de 11 edições e reimpressões, fui agregando novos elementos. Mas o cerne é a questão do apartheid social (e profissional) Podem ver que o comentário do Callegaris é de exatos 20 anos atrás.
2 Exemplo disso é a “PEC das domésticas” que causa um mal-estar pela quebra das expectativas e da violação do arquétipo. Algo não estaria no lugar. No lugar de sempre. No lugar-comum. Ou seja, alguém, a partir da PEC, poderá “não mais saber o seu lugar”...! Ver: ”A PEC das Domésticas e a saudade dos "bons tempos, op. cit. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-abr-11/senso-incomum-pec-domesticas-saudade-bons-tempos.
3 Promoters são as pessoas que fazem festas para as elites cheirosas que só usam perfumes oxítonos. A palavra deve ser pronunciada com afetação e uma dose de frescura. O segundo “o” deve ser dito fazendo ar de bocó: “ôôter”.
4 Cf.”A PEC das Domésticas e a saudade dos "bons tempos". Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-abr-11/senso-incomum-pec-domesticas-saudade-bons-tempos.
5 Cf. Calegaris, Contardo. A praga escravagista brasileira. In: Folha de São Paulo, Caderno Mais, p. 5. 22.09.1996.
6 Para se ter uma ideia, o tráfico de entorpecentes no Brasil emprega mais que a Petrobras. Somente no Rio de Janeiro, o tráfico emprega 16.000 pessoas, arrecadando 400 milhões de dólares/ano (que é o que arrecada o setor têxtil no Rio de Janeiro). Cf. Folha de São Paulo de 28 nov 2010, Caderno C, p.4.
7 Cfe. Freire, Vinícius Torres. “Carro grande e senzala”. In: Folha de São Paulo. 17.01.2000.
8 Preservo o nome original do café.
9 Ver, para isso, Sloterdijk, Peter. Kritik der zynischen Vernunft. Frankfurt, 1983.



Lenio Luiz Streck é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck e Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.

Revista Consultor Jurídico, 17 de novembro de 2016, 8h00

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Venda com fraude a credor não compromete negócio subsequente do mesmo bem



A anulação da venda de um imóvel em razão do reconhecimento de fraude contra os credores não implica a desconstituição automática da venda subsequente do mesmo bem. Esse foi o entendimento unânime da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Conforme narram os autos, uma empresa em situação de falência alienou o imóvel em que funcionava para uma compradora, que posteriormente promoveu uma segunda venda do imóvel. A massa falida ajuizou ação revocatória contra a primeira e a segunda compradoras, argumentando que a venda do imóvel foi efetivada em fraude aos credores.

A sentença declarou a ineficácia das duas alienações e considerou que o imóvel deveria retornar ao ativo da empresa para posterior arrecadação pelos credores.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) confirmou a sentença e afirmou que a primeira venda ocorreu em período “suspeito para os efeitos de fraude contra credores”, quando a empresa já possuía vários protestos em seu nome, ficando configurada a fraude. Com relação à segunda compradora, o TJRJ entendeu que não havia necessidade de se demonstrar sua má-fé, não se manifestando sobre a existência ou não de fraude em relação a ela.

Prova exigida

No STJ, o ministro Moura Ribeiro, relator do recurso, explicou que o artigo 53 do Decreto-Lei 7.661/45 prevê a possibilidade de revogação do ato praticado pelo falido com a intenção de prejudicar os credores, desde que seja provada a fraude. Já o artigo 55, parágrafo único, inciso III, alínea “a”, da mesma norma, dispõe que a ação revocatória pode ser proposta contra o terceiro adquirente se este tiver conhecimento da intenção do falido de prejudicar os credores.

O ministro afirmou que, revogada a primeira venda em razão da existência de fraude, “este efeito apenas alcança as partes que agiram em conluio contra os credores da massa falida”. Dessa forma, para que a segunda venda seja desconstituída, é necessária a prova de má-fé da compradora, “pois devem ser resguardados os interesses dos terceiros de boa-fé, já que aqui não se trata de uma simples declaração de ineficácia de negócio jurídico”, afirmou o ministro.

Moura Ribeiro esclareceu que o STJ não poderia se manifestar quanto à existência ou não de má-fé da segunda compradora, pois isso exigiria o exame das provas do processo, inviável em recurso especial. Assim, foi determinado o retorno dos autos para que o TJRJ, a partir do entendimento fixado pela Terceira Turma, verifique a eventual existência de fraude na segunda transação com o imóvel.Leia o acórdão.
Destaques de hoje
Venda com fraude a credor não compromete negócio subsequente do mesmo bem
Terceira Seção vai rever repetitivo sobre natureza da ação na Lei Maria da Penha
CDC não se aplica a disputa de empresas sobre dano de carga em transporte marítimo
Tribunal cria comissão gestora de precedentes

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1567492

Fonte: STJ

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Só pode ser considerado diarista no âmbito empresarial trabalhador que presta serviços esporádicos e descontínuos




Já se estabeleceu que o profissional que presta serviços em âmbito doméstico em até dois dias na semana é considerado diarista autônomo. A descontinuidade do trabalho descaracteriza o vínculo doméstico, nos termos do que prevê a Lei nº 5859 /72. Mas você sabia que, quando se trata de uma empresa, só pode ser considerado diarista aquele que presta serviços de forma eventual, sem constância alguma? Ou seja, não pode haver o hábito da repetição do trabalho em outros dias, como no caso do trabalho prestado em residências.

A explicação é da desembargadora Taísa Maria Macena de Lima, ao apreciar, na 10ª Turma do TRT de Minas, um recurso envolvendo a questão. No caso, uma trabalhadora pedia o reconhecimento do vínculo de emprego com uma floricultura, enquanto a ré insistia na tese de autonomia, acatada na sentença, argumentando que a trabalhadora prestava serviços apenas duas vezes por semana, recebendo por dia. No entanto, a Turma de julgadores deu razão à reclamante e julgou favoravelmente o recurso para declarar a relação de emprego entre as partes.

O conceito da figura do diarista foi explicitado no voto. Segundo a relatora, esse trabalhador autônomo pode existir tanto em uma empresa como no âmbito doméstico, mas com certas diferenças.

No âmbito doméstico, conforme destacou, a Lei 5.859/1972, em vigor na época da prestação de serviços e revogada posteriormente pela LC 150, de 01.06.2015, já definia como sendo "aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas". Já o diarista que presta serviços em empresas que têm finalidade lucrativa distingue-se de um empregado com base no elemento não-eventualidade, um dos requisitos necessários à configuração do vínculo de emprego (artigo 3º da CLT).

Nesse sentido, foi registrado o ensinamento de Maurício Godinho Delgado, segundo o qual "A eventualidade, para fins celetistas, não traduz intermitência; só o traduz para a teoria da descontinuidade - rejeitada, porém, pela CLT. Desse modo, se a prestação é descontínua, mas permanente, deixa de haver eventualidade." Ademais, "difícil será configurar-se a eventualidade do trabalho pactuado se a atuação do trabalhador contratado inserir-se na dinâmica normal da empresa - ainda que excepcionalmente ampliada essa dinâmica". (Curso de direito do trabalho, 15ª ed., LrR, 2016, p. 306/307).

Diante desse contexto, a julgadora esclareceu que o trabalhador autônomo diarista no âmbito empresarial deve prestar serviços eventuais, ou seja, de curtíssima duração, sem constância alguma. Não basta a descontinuidade, como no serviço doméstico. A decisão mencionou um julgamento do TST em que foi mantido o vínculo de emprego entre uma diarista e um escritório de advocacia. No caso, a prestação de serviços ocorreu quinzenalmente por mais de dois anos. Os julgadores consideraram que a prestação de serviços de faxina em estabelecimento comercial, com pessoalidade, subordinação e onerosidade, configura vínculo de emprego, nos termos do artigo 3º da CLT. Conforme registraram, a caracterização da não eventualidade não pode ser impedida pela natureza intermitente da prestação habitual dos serviços.

"Sem dúvida alguma, de que a prestação de serviços por longo período em dois dias por semana, como veio a ocorrer com a reclamante junto à reclamada, uma empresa do ramo da floricultura que possui âmbito lucrativo, não configura o trabalho de diarista, máxime quando as atividades da autora eram, inclusive, inerentes aos fins perseguidos pela empresa ré, pois lidava com a limpeza e irrigação de plantas", concluiu a relatora em seu voto. Para ela, pouco importa se havia descontinuidade (trabalho em dois dias da semana), uma vez que essa intermitência era permanente, jogando por terra a tese da eventualidade. Quanto aos demais elementos caracterizadores da relação de emprego, considerou incontroverso ter havido pessoalidade e remuneração pelo serviço.

Com relação à subordinação, a desembargadora entendeu que a ré não provou que esta não ocorria. Além disso, foi reconhecida, no caso, a chamada subordinação jurídica na modalidade estrutural, em que o trabalhador se insere na atividade econômica da empresa, em sua dinâmica produtiva. Exatamente o caso da reclamante que, conforme apreciado, se inseriu no âmbito do empreendimento econômico.

Por tudo isso, os julgadores, acompanhando o voto, deram provimento ao recurso para declarar o vínculo de emprego entre as partes, pelo período de 19.03.2014 a 16.09.2015. Como consequência, a floricultura foi condenada a cumprir as obrigações decorrentes, tudo conforme detalhado no acórdão.
PJe: Processo nº 0011133-12.2015.5.03.0129 (RO). Acórdão em: 21/09/2016Para acessar a decisão, digite o número do processo em: https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam



Fonte: TRT3

Professor escola inclusiva que sofreu agressões de aluno especial será indenizada



Uma professora que atuava em uma escola que lida com educação inclusiva (que abrange todas as crianças em um mesmo contexto escolar, ou seja, que incluem aquelas com necessidades especiais), após sofrer reiteradas agressões por parte de um aluno que apresentava sérios problemas de comportamento, buscou na Justiça do Trabalho indenização pelos danos morais que entendeu ter sofrido. Na sua versão, o aluno necessitava de acompanhamento profissional especializado, fato esse negligenciado pela escola, que não tomou cuidados mínimos com a segurança.

Para a escola, que se afirmou como uma instituição reconhecida por sua atuação inclusiva, não houve o alegado descaso e omissão, já que contratou a professora tendo em vista sua atuação junto a outra instituição. Ademais, o aluno já havia demonstrado manifesta simpatia pela professora, a qual solicitou a transferência dele para sua turma. Afirmou que o aluno era acompanhado por um terapeuta e um psiquiatra, sendo que seus pais também eram médicos psiquiatra e pediatra.

Após analisar todos os detalhes do caso, o juiz Fernando Sollero Caiaffa, na titularidade da 6ª Vara do Trabalho de Uberlândia, entendeu que a razão estava com a professora. Ele ressaltou que a questão não envolve análise do tratamento escolar dispensado à criança, mas pura e simplesmente, a tese de que a escola, embora se conceituasse como uma instituição inclusiva, não adotou todas as medidas necessárias para preservar a incolumidade física e psíquica da professora no ambiente de trabalho. Como constatou o julgador, os elementos sinalizam no sentido de que, embora a escola possua em seus quadros três psicopedagogos, sendo uma psicóloga, não houve qualquer preparação dos professores não especializados para o trato com crianças que exigem tratamento diferenciado. Como revelou a prova testemunhal, em momentos de crise, a criança mordia e chutava. Seu comportamento oscilava de amoroso a muito agressivo.

Nesse cenário, o juiz entendeu que a escola não andou bem, seja em relação à preparação de seus profissionais, seja em relação à estrutura administrativa e de pessoal para lidar com essas situações. "Pelo quadro que se delineou neste feito, a questão merecia um tratamento extremamente especializado, disponibilizando profissionais em tempo integral para acompanhamento dos trabalhos dentro e fora de sala de aula, com vistas a constatação se o processo educacional estava se conduzindo de forma correta, considerando as condições do aluno", pontuou o julgador. Diante da complexidade da questão, ele recomendou, como elemento enriquecedor do debate, a leitura do texto de Magalis Bésser Dorneles Schineider, com título de "Subsídios para Ação Pedagógica no Cotidiano Escolar Inclusivo".

Concluindo pela omissão injustificada da instituição no que tange à segurança e integridade física não somente dos educadores, mas de toda a comunidade escolar, o magistrado registrou que as providências deveriam ter sido tomadas desde a ocorrência do primeiro incidente, tendo em vista que a professora afirmou que as agressões ocorreram por cinco vezes. Considerando presentes os elementos da responsabilização civil e atentando para as circunstâncias específicas do caso, o juiz condenou a instituição a pagar à professora indenização por danos morais, arbitrada em R$5.000,00.

A escola recorreu da decisão, que ficou mantida pelo TRT de Minas. ( 0000998-37.2014.5.03.0173 ED )



Fonte: TRT3

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Precedentes? Decisão de 4 linhas do STF contém três violações ao CPC





10 de novembro de 2016, 8h00

Por Lenio Luiz Streck


De novo: O que são precedentes? É possível que, no Brasil, precedentes sejam teses e que, no common law, sejam outra coisa? Afinal, teses e precedentes são a mesma coisa? E as súmulas? Elas também são precedentes? Na coluna da última semana (veja aqui), diante do recente texto do ministro Roberto Barroso e Patrícia Mello, propusemos (Georges Abboud e eu) que se fizesse um colóquio — e não um solilóquio — a respeito do tema, na medida em que a proposta de transformação dos tribunais superiores em “cortes de teses” parece ser, no mínimo, açodada, para não dizer inconstitucional. Também não é “a saída” continuar sustentando que “teses” feitas pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça sejam apelidadas de “precedentes”. Nossas premissas: o CPC não institui um sistema de precedentes; súmulas não são precedentes; teses também não; não somos commonlistas; não temos nada a ver com o common law. Mas se alguém invocar o common law, tem de assumir alguns ônus...! Ó que não dá é querer o melhor dos dois mundos sem “os custos da fundamentação”.

Eis que, nesta semana, enquanto Abboud e eu escrevíamos a coluna mostrando tim tim por tim tim a diferença entre os diversos institutos (sumulas, precedentes, teses, etc), deparo-me com recentíssima decisão do próprio ministro Barroso, que revela uma outra face do problema relativo à utilização irrefletida dos “precedentes” no direito brasileiro. Na medida em que teses, súmulas, decisões vinculantes e outras categorias são habitualmente equiparadas a “precedentes” pelos tribunais superiores, assumindo, com esse status, um selo de “obrigatoriedade” que “independe do seu conteúdo”, essas figuras torna(ra)m-se verdadeiros mantras cuja função é desonerar o órgão julgador do dever fundamental de fundamentação das decisões. Dito de outro modo, “precedentes” tornam-se álibis para facilitar o trabalho de juízes e tribunais, eximindo-os de fundamentar suas decisões. Tudo se transforma em “efetividade quantitativa”. Às favas a efetividade qualitativa.

Vejamos, então, a decisão proferida pelo ministro Barroso no julgamento do agravo em recurso extraordinário 992.299, oriundo de um processo que tramitou perante o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em que se discutia o direito à indenização por danos morais e materiais decorrente da perda de mandato eletivo e da cassação de direitos políticos com base no Ato Institucional 5. O pedido do autor foi julgado procedente em primeiro e segundo grau de jurisdição, tendo a União Federal interposto recurso extraordinário, ao qual, na origem, negou-se seguimento. Contra essa decisão, a União Federal interpôs agravo, o qual também não mereceu trânsito por parte do Supremo Tribunal Federal, conforma a seguinte decisão, prolatada pelo ministro Barroso:

Trata-se de agravo cujo objeto é decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário. A decisão agravada está correta e alinhada aos precedentes firmados por esta Corte.

Diante do exposto, com base no art. 21, § 1º, do RI/STF, nego seguimento ao recurso.

Publique-se.

Brasília, 15 de setembro de 2016.
Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO - Relator

Qual é o problema da decisão? Certamente que meu objetivo não é adentrar no mérito da questão abordada no recurso extraordinário da União Federal e no seu agravo. O que preocupa é a falta de fundamentação na decisão que negou seguimento ao agravo. Preocupa-me o conjunto de ilegalidades. Sequer é possível saber a matéria versada no recurso, pois o ministro Barroso limitou-se a dizer que a decisão agravada estaria correta e alinhada aos precedentes firmados pelo Supremo. Porém, quais são esses precedentes? Por que a decisão está correta? A menção aos “precedentes” da corte, que sequer são referidos na decisão, supre as exigências do §1º do artigo 489 do Código de Processo Civil Brasileiro?

Uma das principais conquistas do atual Código de Processo Civil brasileiro foi especificar aquilo que já era consagrado na Constituição em seu artigo 93, IX, ou seja, o dever de fundamentação das decisões judiciais. O mérito da legislação processual, no ponto, é estabelecer quando uma decisão judicial não será fundamentada, atacando, com isso, situações que se repetem na prática jurídica brasileira ao arrepio da Constituição.

Com efeito, pelo menos, três dessas situações em que uma decisão não se considera fundamentada podem ser encontradas na decisão de Barroso, quais sejam, “invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão” (artigo 489, §1º, III), “não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador” (artigo 489, §1º, IV) e “se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos” (artigo 489, §1º, VI). Três violações em uma decisão de três/quatro linhas.

Não há dúvida que a decisão do ministro Barroso se baseou em “motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão”, não enfrentou os argumentos deduzidos pela União Federal no seu recurso e, estando assentada em “precedente” veio a identificá-lo. Veja-se, já de pronto, o fetiche do precedente. Veja-se o tamanho da ficção que é o precedente à brasileira.

Ainda poderiam ser feitas outras objeções à decisão de Barroso. Com base em Michelle Taruffo, autor que constantemente é lembrado pelos precedentalistas brasileiros, pode-se dizer que a exigência constitucional da fundamentação das decisões judiciais também cumpre uma função extraprocessual, na medida em que possibilita o controle do exercício do Poder Judiciário fora do contexto processual, por parte do povo e da opinião pública em geral, tudo dentro de uma concepção democrática do poder[1]. Note-se que nem isso é possível diante da decisão do ministro Barroso, que sequer permite que aqueles que venham a consultá-la no site do Supremo possam saber do que ela trata.

Nisso tudo transparece o problema de substituir a lei e a Constituição por “precedentes” de maneira irrefletida: o precedente acaba servindo para tudo e, ao mesmo tempo, não significada nada! Com base em supostos precedentes a Corte Suprema desonera-se de fundamentar suas decisões e, com facilidade, cria-se uma barreira para o conhecimento de qualquer recurso que venha a impugnar suas próprias decisões.

Isso não significa que devemos deixar de lado a discussão a respeito dos “precedentes” no direito brasileiro. Porém, isso deve ser levado à sério, e não apenas uma ferramenta para facilitar o trabalho de tribunais e impedir o conhecimento de recursos. Então, de que vale a utilização de conceitos do common law, como é o caso do overruling se o sistema de filtros recursais, aliados à falta de fundamentação das decisões que versam sobre a admissibilidade dos recursos para os tribunais superiores impedem o exercício do direito ao contraditório como direito de influência?

Conforme lembrei na tretralogia sobre os precedentes publicada aqui na ConJur (Ver as quatro colunas Senso Incomum sobre o assunto: um, dois, três e quatro), com base na doutrina de Dierle Nunes, estamos diante do fenômeno que o processualista mineiro chamou de Einzatzgruppen (grupos de extermínio) de recursos no STF, cujo objetivo é justamente não admitir recursos. O problema é que essas decisões, do modo como são lançadas — e a decisão do ministro Barroso é um forte exemplo disso — acabam gerando diversos outros recursos. Trata-se de uma falsa efetividade, de uma efetividade quantitativa que deixa de lado a qualidade das decisões. Que efetividade é essa que multiplica os problemas?

Já falei que mesmo o genuíno precedente não pode ser considerado critério máximo para justificar o raciocínio judicial (ver aqui) e, agora, precisamos acrescentar que precedente não é um álibi para desonerar o julgador de fundamentar suas decisões. Corremos o risco de chamar tudo de precedente — repita-se, teses e ratio decidendi não são a mesma coisa — e, pior ainda, com isso desrespeitar o dever de fundamentação das decisões em favor da bandeira da efetividade (quantitativa) acima de tudo... a decisão do ministro Barroso é um sintoma disso. Urge, portanto, que a comunidade jurídica passe a questionar até onde iremos com essa transformação das cortes supremas em cortes de teses!

Numa palavra: Acredito que nem mesmo os mais ferrenhos defensores dos “precedentes obrigatórios” no Brasil aceitem essa banalização dos precedentes pelo Judiciário brasileiro. É importante repetir que os mecanismos vinculantes do artigo 927 do CPC e as “teses” que o Supremo vem lançado ao final dos seus julgamentos como defende Barroso não são precedentes.

Há tantos assuntos para falar... Mas tinha o dever cívico-epistêmico de trazer essa decisão que simboliza dramaticamente o que se está fazendo no judiciário em nome de efetividades quantitativas. Essa é a função da doutrina, como tenho dito. O silêncio eloquente de setores da doutrina é que reforçam decisões como essa. Assim ocorreu no decorrer destes 28 anos. Começaram a dizer que princípios eram (são) valores (apostando na moral contra o direito), reforçaram o livre convencimento, aplaudiram o ativismo... Ou seja: o que mais se fez foi teoria normativa da política e o que menos se fez foi teoria do direito. Com isso, o direito foi sendo fragilizado, exaurido.

Meu receio (e isso está à nossa porta) é que, quando precisarmos mesmo do direito, ele já não estará. Porque foi predado. Na verdade, por ser pré-dado, acabou sendo predado. Por isso, continuo propugnando por um grau de ortodoxia. Salvemos, pois, o direito.


1 TARUFFO, Michelle. La motivazine della sentenza civile. Padova: CEDAM, 1975, p. 237.

*Texto alterado às 14h34 desta quinta-feira (10/11) para correção. O número do agravo é 992.299 e não 992.229.





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Lenio Luiz Streck é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck e Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.

Revista Consultor Jurídico, 10 de novembro de 2016, 8h00

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Revista Consultor Jurídico, 10 de novembro de 2016, 8h45

TJ-RS autoriza penhora de FGTS de homem que deve pensão alimentícia a filha



Por Jomar Martins


O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço foi criado para assegurar o futuro do trabalhador em caso de dispensa, mas pode sofrer penhora, excepcionalmente, se o seu titular for credor de alimentos e não dispor de outros meios para honrar sua obrigação legal. O entendimento levou a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a deferir o pedido de penhora do FGTS para quitar a dívida de pensão alimentícia de um pai inadimplente com a Justiça desde 2011.

No primeiro grau, o juiz da 1ª Vara Judicial da Comarca de Taquari, Rodrigo de Azevedo Bortoli, indeferiu o pedido de penhora dos valores existentes na conta de FGTS do pai, por se tratar de medida excepcional. Ele disse que a parte autora não demonstrou ter esgotado os meios de localização de bens passíveis de penhora. Nesse sentido, citou precedente no Agravo 70040172314. Segundo o acórdão, "embora possível a penhora sobre saldo de FGTS em se tratando de dívida de natureza alimentar, no caso é descabida penhora, tendo em vista existir outro meio para satisfação do crédito".

A procuradora de Justiça Veleda Maria Dobke opinou pelo provimento do Agravo de Instrumento, por entender que o devedor não dispõe de outros bens passíveis de constrição nem há previsão de quando e como poderá quitar o saldo credor. Logo, justifica, excepcionalmente, a penhora sobre eventual valor existente nas contas do FGTS. Afinal, o crédito alimentar é preferencial, por significar a subsistência da filha, embora tenha completado a maioridade.

O relator do Agravo, desembargador Ivan Leomar Bruxel, seguiu na mesma linha do parecer do Ministério Público. ‘‘Tem razão a agravante, quando alega que deve ser deferida a penhora sobre o FGTS, pois se trata de dívida alimentar, e que não há lógica em resguardar o futuro do devedor enquanto o presente da agravante [filha] está sendo ameaçado’’, escreveu no acórdão, lavrado na sessão de 13 de outubro.

Filho protegido
A Justiça brasileira também já entendeu que, para proteger o direito básico do filho de receber alimentos, é possível incluir o nome do devedor de pensão alimentícia em cadastros de restrição de crédito, como Serasa e SPC. A decisão foi tomada neste ano pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao aceitar um recurso movido pela Defensoria Pública de São Paulo.

O entendimento do colegiado é que a inclusão é uma forma de coerção lícita e eficiente para incentivar a necessária quitação da dívida alimentar. Segundo o relator do recurso especial, ministro Villas Bôas Cueva, há precedentes também no próprio STJ (4ª Turma) e que tal possibilidade de inclusão está expressa no novo Código de Processo Civil (artigos 528 e 782).

Clique aqui para ler o acórdão da 8ª Câmara Cível do TJ-RS.



Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.

Revista Consultor Jurídico, 10 de novembro de 2016, 10h10

NJ ESPECIAL: Turma anula, de ofício, processo já em fase de execução ao constatar ausência de curador em ação contra réu com mal de Alzheimer





No mundo atual, cresce o número de pessoas acometidas do "mal de Alzheimer". Essa doença que, pouco a pouco, vai matando o cérebro da pessoa, geralmente idosa e com tantas coisas para contar, é estatística crescente na sociedade moderna. Não se sabe, ao certo, se a causa disso é o excesso de informação da era globalizada, ou o fato de as pessoas estarem vivendo mais ou, de resto, porque antes não se conhecia a doença... Sabe-se apenas que o mal de Alzheimer não tem cura e evolui, pouco a pouco, a ponto de deixar o indivíduo completamente incapaz.
Recentemente, a 10ª Turma do TRT de Minas julgou um caso em que se constatou que o réu na ação trabalhista sofria do "mal de Alzheimer". No recurso analisado pela Turma, a reclamante não se conformava com a sentença que rejeitou seu pedido de reconhecimento de vínculo de emprego com o réu e de pagamento dos direitos trabalhistas decorrentes. Mas, acolhendo o entendimento da relatora, desembargadora Rosemary de Oliveira Pires, a Turma declarou, de ofício, a nulidade absoluta dos atos praticados desde a audiência inaugural e determinou o retorno do processo à Vara de origem, para que fosse nomeado curador especial ao reclamado, em obediência aos artigos 4º, III, do CC/02 e 76, I, do Novo CPC.
É que ficou constatado que, embora o réu fosse pessoa absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil (art. 3º, II, do CCB), não houve nomeação de curador especial para acompanhar o processo, na forma exigida do antigo artigo 8º do CPC/73, correspondente ao artigo 71 do novo CPC.
Nesta NJ Especial, vamos detalhar um pouco dessa rica decisão e, ao final, o leitor poderá conferir mais jurisprudência sobre a matéria.
Entendendo o caso: A execução do réu, portador de AlzheimerAntes de o processo chegar às mãos da 10ª Turma do TRT-MG, um longo caminho foi percorrido. Em seu exame, a relatora nos conta todo o desenrolar do processo, de forma detalhada e esclarecedora. A narrativa nos mostra como a triste doença do réu tornou difícil a solução do caso. E os prejuízos se espalharam por todos os lados: para o réu, para a reclamante e para a aplicação da justiça. Vejamos:
Alegando ter trabalhado para o réu, Sr. Luiz, a reclamante buscou o reconhecimento de vínculo de emprego, com o pagamento dos direitos decorrentes. Já na audiência inaugural, o Sr. Luiz não compareceu, tendo sido substituído por sua cunhada e sobrinha. Elas afirmaram que ele estava doente, sem condições de gerir sua pessoa e bens, encontrando-se interditado. Inclusive, apresentaram um documento em que um médico sugeria o urgente encaminhamento do réu, então com 72 anos, à assistência social, para que fosse alojado em casa de idosos, porque apresentava sinais de Alzheimer. O profissional explicou que o Sr. Luiz morava sozinho e não tinha condições de cuidar de sua pessoa e bens.
Diante disso, o juiz concedeu um prazo para que a sobrinha e cunhada do réu apresentassem o documento comprovando a interdição, mas elas não o fizeram. Determinou-se, então, a intimação do réu por mandado judicial, realizada na pessoa do seu irmão. Mas, mais uma vez, o Sr. Luiz não compareceu à audiência marcada para a instrução do processo e, assim, o juiz declarou sua revelia, aplicando a ele a pena de confissão. Resultado: foi reconhecido o vínculo de emprego pretendido pela reclamante e o réu foi condenado a lhe pagar as parcelas trabalhistas decorrentes.
Após o trânsito em julgado da sentença, o valor do crédito da reclamante foi apurado em R$20.851,71 e o Sr. Luiz foi intimado para pagá-la, no prazo de 5 dias, sob pena de execução e cadastro no BNDT (Banco Nacional de Devedores Trabalhistas). Mas, permanecendo inerte o réu, expediu-se mandado de penhora de bens para a garantia da execução. Ao comparecer na residência do Sr. Luiz para cumprir o mandado, o oficial de justiça se deparou com quadro trágico, narrado em sua certidão:
"Deixei de proceder à penhora de bens do executado Luiz, por não encontrá-los à garantia da execução. Esclareço que trata-se de endereço da residência do Sr. Luiz, que se encontra em péssimo estado de conservação e é guarnecido ao mínimo necessário à sua sobrevivência. Esclareço mais, é idoso, apresenta-se com algum distúrbio mental (AVC?), tendo declarado morar sozinho, ser aposentado por invalidez e uma parente (cunhada) toma conta de sua alimentação, nãos sabendo precisar idade e não sabendo informar corretamente o nome da cunhada (...). E mais, segundo a Sra. Maria Gonçalves, que mora na proximidade, o Sr. Luiz é portador de mal de Alzheimer, não possuindo nenhum bem, móvel ou imóvel, sendo que a casa onde mora pertence aos herdeiros de Geraldo Cornélio Ramos, sobrevivendo com auxílio doença (LOAS) e ajuda humanitária".
Procedeu-se então ao bloqueio das contas bancárias do réu, via Bacenjud, tendo sido penhorado o valor R$685,57, após o que o Sr. Luiz se manifestou para requerer insubsistência da penhora, invocando a impenhorabilidade na forma do art. 833, IV do Novo CPC, por se tratar da única conta bancária que possuía e através da qual recebia o seu benefício de aposentadoria, sua única fonte de sustento.
Nulidade da citaçãoFinalmente, tendo em vista a Semana Nacional da Conciliação Trabalhista, foi realizada audiência de conciliação, na qual, dessa vez, esteve presente apenas o Sr. Luiz. Foi quando o juiz de primeiro grau decidiu anular o processo desde a citação, determinando a realização de nova audiência inaugural e liberação do dinheiro bloqueado, ao constatar que a citação do Sr. Luiz havia sido feita na pessoa de terceiro, seu irmão. Em sua decisão, o magistrado ressaltou que, apesar da doutrina e jurisprudência admitirem a citação não pessoal na Justiça do Trabalho, o caso concreto requer posição diferente: "O reclamado é pessoa física, de poucos recursos, com problemas de fala e audição. Além disso, não há prova de que o Sr. Tito, que recebeu a citação, informou-lhe sobre a audiência. Tenho, assim, que a citação de f. 22 é NULA e sendo esta nulidade absoluta, pode e deve ser conhecida de ofício pelo Juiz", destacou, na sentença.
Mas a coisa não acabou por aí. Após a reclamante recorrer da decisão e não ter seu apelo conhecido, por vícios formais, foi realizada nova audiência de instrução, na qual compareceram a reclamante e sua advogada e o reclamado desacompanhado de advogado. A defesa foi oralmente apresentada pelo réu com assistência de sua sobrinha, oportunidade em que a reclamante requereu a aplicação da pena de confissão ficta ante a deficiência da defesa apresentada. Posteriormente, na audiência em prosseguimento, novamente compareceu a reclamante com seu procurador e apenas a advogada do Sr. Luiz, a qual apresentou atestado médico justificando a ausência do seu cliente, que se encontrava "acamado com impossibilidade de andar devido a fratura no fêmur esquerdo".
Finalmente, ambas as partes compareceram em nova audiência de instrução na qual a reclamante prestou depoimento pessoal e ouviu-se como informante a testemunha do réu. Especificamente com relação ao depoimento pessoal do Sr. Luiz, o juiz de primeiro grau fez constar em ata observações bastante esclarecedoras quanto ao seu estado de saúde: o réu é um senhor de idade que encontra-se numa cadeira de rodas e não consegue compreender as perguntas que lhe são formuladas; embora lhe tenha sido perguntado o número de vezes que a reclamante lhe prestava serviços, ele enumerava fatos sem ligação com a causa, como algo sobre hospital ou sobre sua condição de saúde. Em seguida, o magistrado proferiu sentença, em que julgou improcedentes os pedidos da reclamante.
Recurso da reclamanteInconformada com a improcedência dos pedidos, a reclamante recorreu da sentença. Em síntese, alegou a validade da citação do Sr. Luiz e pediu que se regularizasse a representação processual, já que ele estava em cadeira de rodas e não conseguia compreender as perguntas que lhe eram feitas. Pediu, ainda, que fosse reconhecida a confissão do réu, em razão da deficiência da defesa apresentada por ele, com a procedência dos pedidos formulados na ação. Mas, a Turma acolheu os fundamentos da relatora e foi por outro caminho.

Réu com doença incapacitante: ausência de curador para acompanhar o processo gera nulidade absolutaConforme ressaltou a desembargadora, com a publicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/ 2015), foram revogados os incisos I, II e III do artigo 3º do Código Civil de 2002, que trata das pessoas absolutamente incapazes, e introduzido ao artigo 4º, que dispõe sobre as pessoas relativamente incapazes, considerando como tais: "aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade" (art. 4º, III).
Prosseguindo em sua análise, a relatora registrou que, de acordo o artigo 70 do Novo CPC, (correspondente ao artigo 7º do CPC/73), possui capacidade processual, ou seja, capacidade para estar em juízo: "Toda pessoa que se encontre no exercício de seus direitos". Já o artigo 71 do Novo CPC (antigo art. 8º do CPC/73) dispõe que: "O incapaz será representado ou assistido por seus pais, por tutor ou por curador, na forma da lei". Neste mesmo sentido, o artigo 84, §1º da Lei 13.146/2015: "Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei".
No caso, ficou demonstrado que o Sr. Luiz, réu na ação, é senhor de idade (72 anos), portador de doença grave (Alzheimer), que o impossibilita de exercer os seus direitos sem a devida assistência. Tanto que o estado do réu constatado em audiência, foi justamente o argumento utilizado pelo juiz de primeira instância para declarar nula a citação e anular todos os atos processuais até ali praticados. Diante desse quadro, a julgadora ponderou que deveria ter sido nomeado curador especial para acompanhar processo, o que não foi feito, culminando na nulidade de todos os atos processuais.
"Constatando-se no decorrer do processo que uma das partes apresenta dificuldade na compreensão dos seus atos e falta de discernimento quanto aos fatos tratados no processado, inserindo-se na hipótese prevista no artigo 4º, III do CC/02 supra, deve o julgador, com vistas a regularizar a representação processual da parte, nomear curador especial para acompanhar o processo, na forma do artigo 9º do CPC/73 (atualmente disposto no art. 72 do Novo CPC), sob pena de nulidade de todos os atos processuais praticados nos autos, visto se tratar de vício insanável", destacou a desembargadora, em seu voto. É que o inciso I do aludido artigo 9º (atual art. 72) estabelece a obrigação de o juiz nomear curador especial ao incapaz despido de representante legal (curador), o que se amolda perfeitamente ao caso julgado.
Por fim, a desembargadora lembrou que a irregularidade verificada no caso, por defeito de representação de incapaz, configura nulidade absoluta e, sendo assim, pode ser levantada de ofício (independente de pedido da parte) e em qualquer instância. Por tais razões, acolhidas pela Turma revisora, foi reconhecida, de ofício, a nulidade de todos os atos praticados no processo desde a audiência inaugural, determinando-se seu retorno à Vara de origem para que fosse nomeado curador especial ao reclamado, após o quê, o processo deverá prosseguir, como se entender de direito.
00116-2014-102-03-00-7 RO - acórdão em 24/08/2016

Clique AQUI para ler a jurisprudência do TRT-MG sobre nulidade do processo por irregularidade na representação de incapaz

Outra matéria envolvendo o Mal de Alzheimer na Justiça do Trabalho - VÍDEO produzido pelo TST

Conheça mais sobre o mal de Alzheimer AQUI e AQUI

Para se aprofundar sobre o tema, leia AQUI o artigo "O Estatuto da Pessoa com Deficiência e suas repercussões na capacidade civil", de autoria da desembargadora Taísa Maria Macena de Lima, disponível na JusLaboris e na Revista do TRT-MG (Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 60, n. 91, p. 223-234, jan./jun. 2015). 

Fonte: TRT3

terça-feira, 8 de novembro de 2016

NJ ESPECIAL: Turma anula, de ofício, processo já em fase de execução ao constatar ausência de curador em ação contra réu com mal de Alzheimer





No mundo atual, cresce o número de pessoas acometidas do "mal de Alzheimer". Essa doença que, pouco a pouco, vai matando o cérebro da pessoa, geralmente idosa e com tantas coisas para contar, é estatística crescente na sociedade moderna. Não se sabe, ao certo, se a causa disso é o excesso de informação da era globalizada, ou o fato de as pessoas estarem vivendo mais ou, de resto, porque antes não se conhecia a doença... Sabe-se apenas que o mal de Alzheimer não tem cura e evolui, pouco a pouco, a ponto de deixar o indivíduo completamente incapaz.
Recentemente, a 10ª Turma do TRT de Minas julgou um caso em que se constatou que o réu na ação trabalhista sofria do "mal de Alzheimer". No recurso analisado pela Turma, a reclamante não se conformava com a sentença que rejeitou seu pedido de reconhecimento de vínculo de emprego com o réu e de pagamento dos direitos trabalhistas decorrentes. Mas, acolhendo o entendimento da relatora, desembargadora Rosemary de Oliveira Pires, a Turma declarou, de ofício, a nulidade absoluta dos atos praticados desde a audiência inaugural e determinou o retorno do processo à Vara de origem, para que fosse nomeado curador especial ao reclamado, em obediência aos artigos 4º, III, do CC/02 e 76, I, do Novo CPC.
É que ficou constatado que, embora o réu fosse pessoa absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil (art. 3º, II, do CCB), não houve nomeação de curador especial para acompanhar o processo, na forma exigida do antigo artigo 8º do CPC/73, correspondente ao artigo 71 do novo CPC.
Nesta NJ Especial, vamos detalhar um pouco dessa rica decisão e, ao final, o leitor poderá conferir mais jurisprudência sobre a matéria.
Entendendo o caso: A execução do réu, portador de Alzheimer
Antes de o processo chegar às mãos da 10ª Turma do TRT-MG, um longo caminho foi percorrido. Em seu exame, a relatora nos conta todo o desenrolar do processo, de forma detalhada e esclarecedora. A narrativa nos mostra como a triste doença do réu tornou difícil a solução do caso. E os prejuízos se espalharam por todos os lados: para o réu, para a reclamante e para a aplicação da justiça. Vejamos:
Alegando ter trabalhado para o réu, Sr. Luiz, a reclamante buscou o reconhecimento de vínculo de emprego, com o pagamento dos direitos decorrentes. Já na audiência inaugural, o Sr. Luiz não compareceu, tendo sido substituído por sua cunhada e sobrinha. Elas afirmaram que ele estava doente, sem condições de gerir sua pessoa e bens, encontrando-se interditado. Inclusive, apresentaram um documento em que um médico sugeria o urgente encaminhamento do réu, então com 72 anos, à assistência social, para que fosse alojado em casa de idosos, porque apresentava sinais de Alzheimer. O profissional explicou que o Sr. Luiz morava sozinho e não tinha condições de cuidar de sua pessoa e bens.
Diante disso, o juiz concedeu um prazo para que a sobrinha e cunhada do réu apresentassem o documento comprovando a interdição, mas elas não o fizeram. Determinou-se, então, a intimação do réu por mandado judicial, realizada na pessoa do seu irmão. Mas, mais uma vez, o Sr. Luiz não compareceu à audiência marcada para a instrução do processo e, assim, o juiz declarou sua revelia, aplicando a ele a pena de confissão. Resultado: foi reconhecido o vínculo de emprego pretendido pela reclamante e o réu foi condenado a lhe pagar as parcelas trabalhistas decorrentes.
Após o trânsito em julgado da sentença, o valor do crédito da reclamante foi apurado em R$20.851,71 e o Sr. Luiz foi intimado para pagá-la, no prazo de 5 dias, sob pena de execução e cadastro no BNDT (Banco Nacional de Devedores Trabalhistas). Mas, permanecendo inerte o réu, expediu-se mandado de penhora de bens para a garantia da execução. Ao comparecer na residência do Sr. Luiz para cumprir o mandado, o oficial de justiça se deparou com quadro trágico, narrado em sua certidão:
"Deixei de proceder à penhora de bens do executado Luiz, por não encontrá-los à garantia da execução. Esclareço que trata-se de endereço da residência do Sr. Luiz, que se encontra em péssimo estado de conservação e é guarnecido ao mínimo necessário à sua sobrevivência. Esclareço mais, é idoso, apresenta-se com algum distúrbio mental (AVC?), tendo declarado morar sozinho, ser aposentado por invalidez e uma parente (cunhada) toma conta de sua alimentação, nãos sabendo precisar idade e não sabendo informar corretamente o nome da cunhada (...). E mais, segundo a Sra. Maria Gonçalves, que mora na proximidade, o Sr. Luiz é portador de mal de Alzheimer, não possuindo nenhum bem, móvel ou imóvel, sendo que a casa onde mora pertence aos herdeiros de Geraldo Cornélio Ramos, sobrevivendo com auxílio doença (LOAS) e ajuda humanitária".
Procedeu-se então ao bloqueio das contas bancárias do réu, via Bacenjud, tendo sido penhorado o valor R$685,57, após o que o Sr. Luiz se manifestou para requerer insubsistência da penhora, invocando a impenhorabilidade na forma do art. 833, IV do Novo CPC, por se tratar da única conta bancária que possuía e através da qual recebia o seu benefício de aposentadoria, sua única fonte de sustento.
Nulidade da citação
Finalmente, tendo em vista a Semana Nacional da Conciliação Trabalhista, foi realizada audiência de conciliação, na qual, dessa vez, esteve presente apenas o Sr. Luiz. Foi quando o juiz de primeiro grau decidiu anular o processo desde a citação, determinando a realização de nova audiência inaugural e liberação do dinheiro bloqueado, ao constatar que a citação do Sr. Luiz havia sido feita na pessoa de terceiro, seu irmão. Em sua decisão, o magistrado ressaltou que, apesar da doutrina e jurisprudência admitirem a citação não pessoal na Justiça do Trabalho, o caso concreto requer posição diferente: "O reclamado é pessoa física, de poucos recursos, com problemas de fala e audição. Além disso, não há prova de que o Sr. Tito, que recebeu a citação, informou-lhe sobre a audiência. Tenho, assim, que a citação de f. 22 é NULA e sendo esta nulidade absoluta, pode e deve ser conhecida de ofício pelo Juiz", destacou, na sentença.
Mas a coisa não acabou por aí. Após a reclamante recorrer da decisão e não ter seu apelo conhecido, por vícios formais, foi realizada nova audiência de instrução, na qual compareceram a reclamante e sua advogada e o reclamado desacompanhado de advogado. A defesa foi oralmente apresentada pelo réu com assistência de sua sobrinha, oportunidade em que a reclamante requereu a aplicação da pena de confissão ficta ante a deficiência da defesa apresentada. Posteriormente, na audiência em prosseguimento, novamente compareceu a reclamante com seu procurador e apenas a advogada do Sr. Luiz, a qual apresentou atestado médico justificando a ausência do seu cliente, que se encontrava "acamado com impossibilidade de andar devido a fratura no fêmur esquerdo".
Finalmente, ambas as partes compareceram em nova audiência de instrução na qual a reclamante prestou depoimento pessoal e ouviu-se como informante a testemunha do réu. Especificamente com relação ao depoimento pessoal do Sr. Luiz, o juiz de primeiro grau fez constar em ata observações bastante esclarecedoras quanto ao seu estado de saúde: o réu é um senhor de idade que encontra-se numa cadeira de rodas e não consegue compreender as perguntas que lhe são formuladas; embora lhe tenha sido perguntado o número de vezes que a reclamante lhe prestava serviços, ele enumerava fatos sem ligação com a causa, como algo sobre hospital ou sobre sua condição de saúde. Em seguida, o magistrado proferiu sentença, em que julgou improcedentes os pedidos da reclamante.
Recurso da reclamante
Inconformada com a improcedência dos pedidos, a reclamante recorreu da sentença. Em síntese, alegou a validade da citação do Sr. Luiz e pediu que se regularizasse a representação processual, já que ele estava em cadeira de rodas e não conseguia compreender as perguntas que lhe eram feitas. Pediu, ainda, que fosse reconhecida a confissão do réu, em razão da deficiência da defesa apresentada por ele, com a procedência dos pedidos formulados na ação. Mas, a Turma acolheu os fundamentos da relatora e foi por outro caminho.

Réu com doença incapacitante: ausência de curador para acompanhar o processo gera nulidade absoluta
Conforme ressaltou a desembargadora, com a publicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/ 2015), foram revogados os incisos I, II e III do artigo 3º do Código Civil de 2002, que trata das pessoas absolutamente incapazes, e introduzido ao artigo 4º, que dispõe sobre as pessoas relativamente incapazes, considerando como tais: "aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade" (art. 4º, III).
Prosseguindo em sua análise, a relatora registrou que, de acordo o artigo 70 do Novo CPC, (correspondente ao artigo 7º do CPC/73), possui capacidade processual, ou seja, capacidade para estar em juízo: "Toda pessoa que se encontre no exercício de seus direitos". Já o artigo 71 do Novo CPC (antigo art. 8º do CPC/73) dispõe que: "O incapaz será representado ou assistido por seus pais, por tutor ou por curador, na forma da lei". Neste mesmo sentido, o artigo 84, §1º da Lei 13.146/2015: "Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei".
No caso, ficou demonstrado que o Sr. Luiz, réu na ação, é senhor de idade (72 anos), portador de doença grave (Alzheimer), que o impossibilita de exercer os seus direitos sem a devida assistência. Tanto que o estado do réu constatado em audiência, foi justamente o argumento utilizado pelo juiz de primeira instância para declarar nula a citação e anular todos os atos processuais até ali praticados. Diante desse quadro, a julgadora ponderou que deveria ter sido nomeado curador especial para acompanhar processo, o que não foi feito, culminando na nulidade de todos os atos processuais.
"Constatando-se no decorrer do processo que uma das partes apresenta dificuldade na compreensão dos seus atos e falta de discernimento quanto aos fatos tratados no processado, inserindo-se na hipótese prevista no artigo 4º, III do CC/02 supra, deve o julgador, com vistas a regularizar a representação processual da parte, nomear curador especial para acompanhar o processo, na forma do artigo 9º do CPC/73 (atualmente disposto no art. 72 do Novo CPC), sob pena de nulidade de todos os atos processuais praticados nos autos, visto se tratar de vício insanável", destacou a desembargadora, em seu voto. É que o inciso I do aludido artigo 9º (atual art. 72) estabelece a obrigação de o juiz nomear curador especial ao incapaz despido de representante legal (curador), o que se amolda perfeitamente ao caso julgado.
Por fim, a desembargadora lembrou que a irregularidade verificada no caso, por defeito de representação de incapaz, configura nulidade absoluta e, sendo assim, pode ser levantada de ofício (independente de pedido da parte) e em qualquer instância. Por tais razões, acolhidas pela Turma revisora, foi reconhecida, de ofício, a nulidade de todos os atos praticados no processo desde a audiência inaugural, determinando-se seu retorno à Vara de origem para que fosse nomeado curador especial ao reclamado, após o quê, o processo deverá prosseguir, como se entender de direito.
00116-2014-102-03-00-7 RO - acórdão em 24/08/2016

Clique AQUI para ler a jurisprudência do TRT-MG sobre nulidade do processo por irregularidade na representação de incapaz

Outra matéria envolvendo o Mal de Alzheimer na Justiça do Trabalho - VÍDEO produzido pelo TST

Conheça mais sobre o mal de Alzheimer AQUI e AQUI

Para se aprofundar sobre o tema, leia AQUI o artigo O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E SUAS REPERCUSSÕES NA CAPACIDADE CIVIL, de autoria da desembargadora TAISA MARIA MACENA DE LIMA, disponível na JusLaboris e na Revista do TRT-MG (Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 60, n. 91, p. 223-234, jan./jun. 2015). 

Fonte: TRT3

Empregada que trabalhou em período de licença médica será indenizada por danos morais




A prestação de serviços pelo empregado doente, por ordem do empregador, traduz evidente afronta aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da proteção da saúde, afrontando direitos de personalidade do trabalhador, o que impõe a obrigação de indenizar. Esse o entendimento da juíza convocada Sabrina de Farias Fróes Leão, em sua atuação na 7ª Turma do TRT mineiro, ao dar provimento ao recurso de uma trabalhadora, condenando a empregadora, uma empresa de transportes, a indenizá-la pelos danos morais que sofreu ao ser obrigada a trabalhar no período em que estaria em licença médica.
Conforme apurado, embora afastada por motivos de saúde, a empregada trabalhou nos dias 27/03/2012 e nos 12 a 14/09/2012. Para a julgadora, a empresa ignorou o fato de que a trabalhadora estava impossibilitada de exercer suas atividades, situação em que a prestação de serviços é impedida pela ordem jurídica, implicando em prática de ato ofensivo à legislação trabalhista. Como esclareceu, a vedação do trabalho nos dias de afastamento por motivo de doença justifica-se em razão do direito do empregado à recuperação da sua saúde e, consequentemente, da capacidade laborativa. A magistrada não teve dúvidas de que, em razão dessa conduta patronal, a trabalhadora experimentou sentimentos que afetam a higidez psicológica, tais como, angústia, tristeza, insegurança, constrangimentos, entre outros.
Para a julgadora, "não é crível imaginar-se que o empregado, de posse de um atestado médico recomendando o afastamento de suas atividades laborais, deixasse de entregá-lo ao empregador", ponderou, rejeitando a tese patronal nesse sentido. Diante desse contexto, entendeu mais aceitável a alegação da empregada no sentido de que a empregadora recusou-se a aceitar os atestados médicos.
Acompanhando o entendimento da relatora, a Turma julgadora acresceu à condenação o pagamento da indenização pelos danos morais no valor de R$3.000,00, a ser corrigida na forma da Súmula 439 do TST.
( 0001379-03.2013.5.03.0069 RO )

Fonte: TRT3

Supermercado terá que indenizar empregada que sofreu assédio moral de colegas e desenvolveu transtorno de ajustamento




Uma rede de supermercados foi condenada a pagar indenização por danos morais a uma técnica de alimentos assediada moralmente por colegas de trabalho e que, em razão das dificuldades enfrentadas no ambiente de trabalho, passou a sofrer doença psiquiátrica denominada "transtorno de ajustamento". A condenação foi imposta pelo juiz José Nilton Ferreira Pandelot, titular da 1ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora. A decisão foi confirmada pelo TRT de Minas que, reconhecendo a chamada "concausa" entre a doença e as condições de trabalho, manteve o valor fixado para a indenização por danos morais em R$10 mil e reduziu a relacionada ao assédio moral para esse mesmo valor.

Após analisar as provas, o magistrado constatou que a trabalhadora era responsável pela assepsia na produção, mas suas orientações não eram bem recebidas pelos funcionários. Muito pelo contrário, eram questionadas de forma desrespeitosa e agressiva. Nesse sentido, a prova testemunhal apontou, por exemplo, que os padeiros mais antigos não queriam mudar o jeito de trabalhar. Por sua vez, o encarregado do setor queria usar produtos que estavam com prazo de validade para vencer. Segundo relatado, a trabalhadora foi apelidada de "Bob Esponja", "galinha", entre outros termos pejorativos, sendo tratada aos gritos diante das orientações repassadas por ela. Uma testemunha disse já ter visto a técnica de alimentos chorando. Várias humilhações foram descritas nos depoimentos, que também apontaram que a chefia nada fazia para solucionar os conflitos.

Para o julgador, mesmo que a trabalhadora não fosse superiora hierárquica, sua função era supervisionar, cabendo aos demais empregados observar as orientações por ela indicadas. Mas não era isso o que acontecia, já que a empresa indicava medidas diversas, em inobservância das regras básicas de higiene e saúde dos consumidores, expondo a técnica a situações constrangedoras.

"O empregador é responsável por fornecer condições adequadas de serviço, devendo zelar pelo meio ambiente saudável de trabalho", alertou o juiz, ressaltando não ter encontrado nas provas qualquer indicação de que a técnica de alimentos adotasse conduta arbitrária perante os demais funcionários. As provas revelaram justamente o contrário: a excelência das funções por ela desempenhadas.

"A conduta que inobserva o tratamento digno entre os funcionários sem qualquer medida reparadora por parte do empregadora, encerra causa direta e eficaz para imposição de obrigação de reparar o dano extrapatrimonial", destacou, condenando a rede de supermercados ao pagamento de indenização por assédio moral no valor de R$ 20 mil, montante reduzido para R$10 mil em grau de recurso.

Por outro lado, uma perícia médica concluiu que o trabalho atuou como "concausa" (causa que se junta a outra para a produção de um resultado) para o aparecimento de uma doença psiquiátrica denominada "transtorno de ajustamento". O perito avaliou se tratar de quadro de evolução benigna e favorável em período de cerca de um ano, orientando que a trabalhadora retornasse à área de atuação profissional ou em funções compatíveis com aptidão normal para o trabalho.

No entender do juiz sentenciante, a exposição a situações constrangedoras no ambiente de trabalho justificam o quadro de saúde da trabalhadora, portadora de quadro fóbico residual. "Patente a culpa patronal que deixou de adotar procedimentos imprescindíveis à humanização do trabalho", registrou, decidindo condenar o patrão ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$10 mil, o que foi mantido pelo TRT mineiro, por maioria de votos. ( 0001072-20.2014.5.03.0035 ED )



Fonte: TRT3

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

O solilóquio epistêmico do ministro Roberto Barroso sobre precedentes


Por Lenio Luiz Streck e Georges Abboud


Recentemente, o ministro Roberto Barroso publicou, em coautoria com Patrícia Perrone Campos Mello, artigo intitulado “Trabalhando com uma nova lógica: a ascensão dos precedentes no direito brasileiro”. No referido trabalho, há diversas inconsistências teóricas e sincretismos que denunciamos, tanto no nosso livro O que é isto – O Precedente Judicial e as Súmulas Vinculantes[1] quanto nos Comentários ao Código de Processo Civil.[2]

Em síntese, o ministro Barroso e Mello fazem uma apologia aos mecanismos vinculatórios do Direito brasileiro, sem praticamente enfrentar nenhum argumento de quem se opõe ao tema tal qual ele é apresentado no Brasil. Aliás, o artigo não dialoga. Seguindo certo tipo de modelo de doutrina brasileira, ignora a história institucional acerca do fenômeno. Ora, dezenas de juristas têm posição contrária. Mas Barroso e Mello preferem o solilóquio epistêmico. Basicamente, o artigo incorre nos dois chavões tradicionais: 1) o CPC-2015 aproxima o Brasil do common law; e 2) os provimentos do artigo 927 são considerados de forma simplificada como “precedente”. Deveriam ter lido o caso Marbury v. Madison, de mais de 200 anos atrás. Uma lei ordinária não pode alterar a competência e função dos tribunais prevista originalmente na Constituição. Interessante é que eles afirmam que o CPC nos aproxima do common law, mas não querem o compromisso (ônus) do common law. Só a parte boa.

Não fosse por outro argumento, este nosso texto poderia ser resumir ao seguinte: se a tese de Barroso e Mello está baseada no conceito de que o sistema brasileiro se aproximou do common law, então eles mesmos não poderiam dizer que os provimentos do artigo 927 são precedentes. A contradição é flagrante. Por quê? Porque precedentes do common law não admitem, nem de longe, isso que querem estabelecer aqui no Brasil. Por uma razão simples: precedentes do common law não-são-feitos-para-resolver-casos-futuros; precedentes não nascem precedentes; sua aplicação posterior é contingencial. Simples assim.

Mas, por amor ao debate, vamos aprofundar as demais contradições do texto de Barroso e Mello. As conclusões, por serem carreadas por ministro do STF, evidenciam a importância dos alertas que constantemente lançamos em nossos escritos sobre o tema (diversos outros autores têm demonstrado preocupação com essa simplificada transposição que que querem fazer do common law para os mecanismos vinculatórios brasileiros, e.g. Dierle Nunes, Alexandre Bahia, Marcelo Cattoni, Flávio Quinaud, Nelson Nery Jr., Cassio Scarpinella Bueno, José Miguel Garcia Medina, Maurício Ramires, Júlio Rossi, Marcos Cavalcanti, Eduardo Fonseca, Lucio Delfino, Francisco Borges Motta e tantos outros). O fetiche pelo precedente é tamanho que toda decisão judicial, para Barroso e Mello, é precedente. Incrível. Se isso é verdade, como tratar uma súmula vinculante? De todo modo, para os autores, o precedente se dividiria em três: persuasivo, que vincula apenas as partes; com eficácia normativa forte, que deve obrigatoriamente ser observado; e o intermediário, que seria uma categoria residual. Sinceramente, perguntamos: qual a relevância de afirmar que tudo é precedente? Permitimo-nos até a fazer uma ironia respeitosa: De que modo o Direito brasileiro sobreviveu até hoje sem a categoria, por exemplo, do precedente que vincula apenas as partes?

De forma resumida, Barroso e Mello glorificam a nova “era precedentalistas” pretensamente trazida pelo CPC-2015, para, em seguida, passar a tratar todos os provimentos vinculantes do artigo 927 como “precedentes”. Aqui já se inicia o sincretismo: decisões de IRDR, RE/REsp repetitivos são equiparadas a decisões de controle abstrato de constitucionalidade que, por sua vez, são equiparados às súmulas simples e vinculantes. Com a devida vênia, esse equívoco é imperdoável. Ou seja, tudo vira precedente, como se todos esses provimentos – por se tornarem de observância obrigatória por lei – já virariam assim precedentes do common law do dia para noite. Aliás, trata-se de retrocesso doutrinário. A própria súmula vinculante, em seu início, era frequentemente equiparada ao precedente. Essa errônea equiparação foi objeto de nossa constante crítica (pelo menos desde 1993), depois de muita confusão, a maior parcela da doutrina, fundamentada principalmente, nos textos de Castanheira Neves sobre assentos começou a efetivar a devida distinção. Agora devemos retroceder? Novamente equiparar precedente a súmula e ao julgamento de questões repetitivas?

Conforme já demonstramos em nossos comentários ao CPC (op.cit), diferenciar súmula do genuíno precedente e do julgamento de causas repetitivas não se faz para afirmar qual é melhor que o outro. Pelo contrário, essa diferenciação deve ser feita porque efetivamente são institutos jurídicos diferentes que comportam operacionalização distinta. Não é porque assim queremos. É porque é assim. Não nos esqueçamos, o próprio Código diferencia os institutos. Simples assim.

Após fazer essa equiparação sincrética dos provimentos, o texto de Barroso e Mello passa a expor a necessidade de compreensão do que é dicta, ratio decidendi e holding. Nesse ponto, são tratadas algumas exposições do Direito alienígena acerca desses institutos. Aqui já fica uma dúvida: se súmula é a mesma coisa que um precedente, o que é holding e o que é dicta em uma súmula? Eis a questão. Mais: uma “tese” (dessas que o STF e o STJ fazem) é “precedente”?

Voltando à temática, o artigo expõe: “A ratio decidendi ou a tese é uma descrição do entendimento jurídico que serviu de base à decisão. (...)Nos Estados Unidos, embora as decisões da Suprema Corte contenham um syllabus, a providência de explicitação da tese jurídica do julgamento é menos necessária. Isto porque o modelo de decisão naquele país é deliberativo: os justices se reúnem reservadamente, in conference, e produzem uma decisão unânime ou majoritária” (op.cit, p. 22/23).

Não nos parece adequado simplesmente equiparar ratio decidendi a uma tese jurídica repetitiva presente em RE e REsp. E nem equiparar precedente a qualquer tese jurídica que o STF e o STJ façam. Não sabem que a genuína ratio decidendi vai se estabelecendo e aclarando com o devir interpretativo em função dos futuros casos em que o “genuíno” precedente passa a ser replicado? Não sabem que a ratio decidendi não é imposta pelo tribunal superior prolator da decisão? Não sabem que ela se estrutura pelo trabalho dos causídicos e das instâncias inferiores? Ou alguém imagina o justice Marshall finalizando o voto e escrevendo: doravante, está criado o controle difuso de constitucionalidade?

Vamos exemplificar: O parágrafo 11 do artigo 1.035 estabelece, claramente, que deve ser fixada a tese no acórdão, porque estamos diante de julgamento de causas repetitivas. Ou seja, a decisão do STF e STJ nesse caso será o parâmetro normativo redutor de complexidade de uma litigiosidade repetitiva. Não se trata de uma aplicação de precedente no estilo common law em que há uma criação de complexidade para se investigar o que efetivamente é ratio decidendi para orientar causa futuras. Não nos parece adequado a afirmação de que no common law, os tribunais superiores definam o que é a ratio decidendi e a compilam em um enunciado abstrato de tese para aplicação das instâncias inferiores. É equivocado dizer isso.

Do mesmo modo, também incorre em sincretismo a afirmação de que teria havido a necessidade de ressurgirmos com a teoria da eficácia vinculante dos motivos determinantes das decisões do controle abstrato de constitucionalidade. Trata-se de tese doutrinária iniciada na Alemanha, local em que ela sofre severas críticas e diminuída aplicação.[3] De todo modo, isso nada tem a ver com o genuíno precedente. E nem com o precedente à brasileira.[4]

Por fim, denunciamos novamente o caráter realista (no sentido do realismo abrasileirado, tipo “de-qualquer-modo-o-Direito-é-mesmo-aquilo-que-o-Judiciario-diz-que-é-e-a-maior-parte-da-doutrina-concordará) da forma como é apresentada a vinculação brasileira. Em nenhum escrito nosso afirmamos que devem ser ignoradas as formas como decidem os tribunais superiores. Aliás, um dos autores (Streck[5]) já há mais de 20 anos diz que as súmulas jamais foram um mal em si, porque súmulas, como os precedentes, são sempre textos e textos são interpretáveis. Todavia, quando o STF/STJ pode emitir decisões de observância obrigatória e fixar teses em abstrato (coisa que só acontece por aqui)[6] – que no entendimento dos autores – seriam a materialização da ratio decidendi, em verdade, não estamos falando de sistema de precedentes para valer. Na realidade, com isso, camuflamos nosso padrão vinculatório sui generis.

Conforme nossos comentários ao artigo 926 do CPC, a integridade impõe um compromisso de todo julgador com a cadeia decisória em que ele está inserto. O que estamos dizendo claramente é que existe campo para se teorizar e argumentar de forma similar ao precedente do common law, todavia, afirmar que inauguramos uma nova era precedentalista ou que todos os dispositivos do artigo 927 são precedentes “porque sim”, no mínimo isso é sincretismo teórico. Daí a importância de se garantir uma interpretação conforme a Constituição do artigo 927 sustentada minimamente em duas premissas que não abandonamos: 1) todo provimento vinculante do artigo 927 comporta interpretação e não se aplica por mero silogismo; 2) precedente genuíno não se equipara a julgamento de litigiosidade repetitiva, e os tribunais superiores não podem fixar teses equiparando-se a legisladores, sendo que a fixação da tese é consequência direta dos casos concretos devidamente julgados em amplo contraditório e com a fiel observância do inciso IX do artigo 93 da CF e do parágrafo 1º do artigo 489 do CPC.

Assim, consideramos que a leitura do CPC feita por Barroso e Mello não é adequada, porque desrespeita a Constituição. Isto porque lei ordinária não pode alterar o exercício da jurisdição (em relação à própria lei, por exemplo). Sim, pois se o CPC-2015 tiver alterado a relação entre lei e jurisdição, criando precedentes vinculantes, o novo CPC não seria inconstitucional? Estamos convictos que, valendo as regras do jogo democrático-constitucional, não é possível que uma lei ordinária introduza um sistema de precedentes vinculantes sem violar o modelo constitucional do processo adotado pela Constituição.

Em termos teóricos, repetimos que não há dúvida de que, por trás da tese de que o CPC teria adotado um sistema de precedentes vinculantes está o realismo jurídico (modulado ao Brasil). Nesse sentido, chamamos à colação um positivista como Frederick Schauer, que, apesar de analítico, está muito mais próximo de nossas afirmações que das de Barroso e os demais defensores da tese aqui criticada. Selecionamos duas partes que julgamos fundamentais: o que é semelhante para fins de aplicação de precedente é algo controvertido e que o precedente tem pedigree histórico.


"Initially, the principle that like cases should be decided a like would seem to make an unassailable argument for precedent. But the difficulty of denying that like cases should be decided alike is precisely the problem. The statement is so broad as to be almost meaningless. The hard question is what we mean by 'alike.'".[7]

Schauer está dizendo que é uma obviedade em favor dos precedentes argumentar que um caso semelhante deve ser julgado igual o outro. E que isso é praticamente irrelevante na defesa do precedente. O que efetivamente interessa é definir o que são casos semelhantes. O conceito de o que é efetivamente semelhante é algo altamente controvertido. Ou seja, há uma dimensão interpretativa na aplicação do precedente que não pode ser ignorada. Não basta afirmarmos que casos iguais devem ser decididos de forma igual. Isso é meramente performático. A lei também é igual para todos e deve ser aplicada de forma igual para casos semelhantes. Ainda para ficarmos na expressão do Schauer, o precedente tem um pedigree histórico (historical pedigree,) que não pode ser ignorado em sua aplicação.[8]

Portanto, de qualquer lado que se olhe, da hermenêutica ou do positivismo jurídico (normativo), a tese sustentada por Barroso e Mello não se sustenta. Isto não quer dizer que não precisemos, urgentemente, definir o que queremos no Brasil. Afinal, temos que responder a seguinte pergunta:


Queremos que o STJ e STF façam teses abstratas e coloquem o rótulo de “precedente” ou queremos que, de fato, tenhamos um sistema que respeite a coerência e a integridade do direito, em que a palavra “precedente” seja diferenciada de súmula e de tese oriunda de recurso repetitivo e assunção de competência?

Claro que, para que tenhamos coerência e respeitemos a integridade, cada caso deve influenciar e dele temos de retirar um principio que ilumine e seja seguido pelos demais tribunais e juízes. Isso é elementar. Cada instituto com suas peculiaridades: uma súmula tem seu DNA; ela não é precedente; uma tese de IRRD e AC tem sua holding vinculatória; um caso julgado gera um precedente para casos análogos. Mas o que não se pode admitir é que os tribunais passem a legislar, fazendo um rearranjo institucional. O que não podemos admitir é que os tribunais “façam” precedentes com o fito de antecipar as respostas dos casos futuros. Não é disso que trata o CPC-2015.

Ou seja, não pode(re)mos aceitar que tudo o que está, basicamente, nos artigos 926 e 927 seja colocado no mesmo saco e se diga: eis aqui o “sistema de precedentes”, quando, por exemplo, uma súmula tem uma cadeia de precedentes que a formam. Logo, se súmula não é precedente, é porque nem tudo é precedente. E muito menos se pode admitir que o STF e o STJ façam “teses” batizando-as com o nome de “precedentes”. Precedente não é ementa, não é súmula e nem mesmo mero enunciado em abstrato. E ainda por cima se diga que “isso é assim porque no common law é feito desse modo”. A boa doutrina não há de permitir isso.

Tudo isso para dizer que, respeitando a posição do ministro Barroso e de quem assim pense, queremos apenas que sejam respeitadas as opiniões em contrário. E que haja diálogo e não imposição. Não é o fato de o autor deter a autoridade - em um país em que a doutrina tem receio de contrariar as autoridades - que possamos dizer, como que a imitar o velho adágio do positivismo moderno de que autorictas non veritas facit legis (é a autoridade e não a verdade que faz a lei) que agora temos Auctoritate Summi Court est – non veritas - quod dicatur quod "precedent" (é a autoridade da suprema corte que faz o precedente e não a sua verdade). Resta saber se o texto de Barroso, porque escrito por um ministro da Suprema Corte, foi feito para dialogar ou é magister dixit.

De nossa parte, insistimos na tese de que não existe esse “sistema de precedentes” do qual falam. E, sim, estamos dispostos ao diálogo. Não cremos que a doutrina brasileira, em um pais de um milhão de advogados e milhares de pessoas escrevendo livros, possa se quedar submissa às imposições contrárias à própria lei. Desafiamos a que seja demonstrado em que lugar do CPC está posto o tal sistema de precedentes vinculantes. E em que lugar está legitimado que os tribunais superiores possam elaborar teses em abstrato, com efeito vinculatório. O que queremos dizer, também, é que a doutrina não pode se tornar caudatária de teses ou conceitos que levem o apelido de “precedente”. Isso seria de uma violência simbólica ímpar. Isso seria enterrar a tradição de que quem faz a lei é o parlamento. E seria institucionalizar um nefasto realismo jurídico à brasileira.

Numa palavra final: não queremos fazer um solilóquio sobre esse importantíssimo assunto que pode mudar a história do direito no Brasil. Por isso, propomos aos autores (e aos demais doutrinadores), o contrário: um colóquio. Na verdade, um diálogo. Em que não haja respostas antes das perguntas.

Veritas, non auctoritas!





[1] Livraria do Advogado, 3ª. Ed.


[2] Saraiva, 2016.


[3] Cf. Georges Abboud. Processo Constitucional Brasileiro, cit., n. 3.20.5, p. 249 et seq.


[4] Ver as quatro colunas Senso Incomum sobre o assunto: um, dois, três e quatro.


[5] Como se diria em Portugal, “desculpa lá”, mas calha registrar que Lenio Streck nunca foi contra precedente em si. Streck é o maior defensor da ideia de integridade e não é contra precedente, desde que devidamente aplicado. Aliás, no Brasil poucos juristas tem a coragem de dizer que juízes não tem discricionariedade para decidir. E quem capitaneou a retirada da palavra “livre” do art. 371 e foi o responsável foi introduzir o art. 926 foi Streck.

Do mesmo modo, Georges Abboud em seus livros trata da importância de se respeitar a cadeia decisória, por exemplo, um dos sete requisitos mínimos para construção da resposta correta é a identificação dos provimentos judiciais que tratam da questão jurídica a ser dirimida. Cf. Discricionariedade Administrativa e Judicial, SP: RT, 2014, p. 473. A questão é mais desenvolvida no Processo Constitucional Brasileiro, op. cit., p. 756 et seq.


[6] Aqui, uma notícia: as teses “em abstrato” feitas pelo STF e STJ são similares às diretivas normativas dos Tribunais da antiga União Soviética, da corte de cassação cubana e da Suprema Corte da Rússia. “Nossas” teses, a par dessa similitude, não encontram similares (a não ser nas diretivas normativas da URSS, etc). Esse assunto, aliás, será pauta de outro Senso Incomum. Temos de desmi(s)tificar essas teses equivocadas que parecem já fazer “ninhos epistêmicos” em terrae brasilis.


[7] SCHAUER, Precedent. Stanford Law Review, vol. 39, n. 3, fev. 1987. p. 596.


[8] Cf. SCHAUER, op.cit., p. 571.






Lenio Luiz Streck é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck e Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.


Georges Abboud é doutor em Direito pela PUC-SP. Professor da FADISP. Advogado sócio do escritório Nery Advogados. Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 3 de novembro de 2016, 8h00

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

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