quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Precedentes? Decisão de 4 linhas do STF contém três violações ao CPC





10 de novembro de 2016, 8h00

Por Lenio Luiz Streck


De novo: O que são precedentes? É possível que, no Brasil, precedentes sejam teses e que, no common law, sejam outra coisa? Afinal, teses e precedentes são a mesma coisa? E as súmulas? Elas também são precedentes? Na coluna da última semana (veja aqui), diante do recente texto do ministro Roberto Barroso e Patrícia Mello, propusemos (Georges Abboud e eu) que se fizesse um colóquio — e não um solilóquio — a respeito do tema, na medida em que a proposta de transformação dos tribunais superiores em “cortes de teses” parece ser, no mínimo, açodada, para não dizer inconstitucional. Também não é “a saída” continuar sustentando que “teses” feitas pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça sejam apelidadas de “precedentes”. Nossas premissas: o CPC não institui um sistema de precedentes; súmulas não são precedentes; teses também não; não somos commonlistas; não temos nada a ver com o common law. Mas se alguém invocar o common law, tem de assumir alguns ônus...! Ó que não dá é querer o melhor dos dois mundos sem “os custos da fundamentação”.

Eis que, nesta semana, enquanto Abboud e eu escrevíamos a coluna mostrando tim tim por tim tim a diferença entre os diversos institutos (sumulas, precedentes, teses, etc), deparo-me com recentíssima decisão do próprio ministro Barroso, que revela uma outra face do problema relativo à utilização irrefletida dos “precedentes” no direito brasileiro. Na medida em que teses, súmulas, decisões vinculantes e outras categorias são habitualmente equiparadas a “precedentes” pelos tribunais superiores, assumindo, com esse status, um selo de “obrigatoriedade” que “independe do seu conteúdo”, essas figuras torna(ra)m-se verdadeiros mantras cuja função é desonerar o órgão julgador do dever fundamental de fundamentação das decisões. Dito de outro modo, “precedentes” tornam-se álibis para facilitar o trabalho de juízes e tribunais, eximindo-os de fundamentar suas decisões. Tudo se transforma em “efetividade quantitativa”. Às favas a efetividade qualitativa.

Vejamos, então, a decisão proferida pelo ministro Barroso no julgamento do agravo em recurso extraordinário 992.299, oriundo de um processo que tramitou perante o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em que se discutia o direito à indenização por danos morais e materiais decorrente da perda de mandato eletivo e da cassação de direitos políticos com base no Ato Institucional 5. O pedido do autor foi julgado procedente em primeiro e segundo grau de jurisdição, tendo a União Federal interposto recurso extraordinário, ao qual, na origem, negou-se seguimento. Contra essa decisão, a União Federal interpôs agravo, o qual também não mereceu trânsito por parte do Supremo Tribunal Federal, conforma a seguinte decisão, prolatada pelo ministro Barroso:

Trata-se de agravo cujo objeto é decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário. A decisão agravada está correta e alinhada aos precedentes firmados por esta Corte.

Diante do exposto, com base no art. 21, § 1º, do RI/STF, nego seguimento ao recurso.

Publique-se.

Brasília, 15 de setembro de 2016.
Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO - Relator

Qual é o problema da decisão? Certamente que meu objetivo não é adentrar no mérito da questão abordada no recurso extraordinário da União Federal e no seu agravo. O que preocupa é a falta de fundamentação na decisão que negou seguimento ao agravo. Preocupa-me o conjunto de ilegalidades. Sequer é possível saber a matéria versada no recurso, pois o ministro Barroso limitou-se a dizer que a decisão agravada estaria correta e alinhada aos precedentes firmados pelo Supremo. Porém, quais são esses precedentes? Por que a decisão está correta? A menção aos “precedentes” da corte, que sequer são referidos na decisão, supre as exigências do §1º do artigo 489 do Código de Processo Civil Brasileiro?

Uma das principais conquistas do atual Código de Processo Civil brasileiro foi especificar aquilo que já era consagrado na Constituição em seu artigo 93, IX, ou seja, o dever de fundamentação das decisões judiciais. O mérito da legislação processual, no ponto, é estabelecer quando uma decisão judicial não será fundamentada, atacando, com isso, situações que se repetem na prática jurídica brasileira ao arrepio da Constituição.

Com efeito, pelo menos, três dessas situações em que uma decisão não se considera fundamentada podem ser encontradas na decisão de Barroso, quais sejam, “invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão” (artigo 489, §1º, III), “não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador” (artigo 489, §1º, IV) e “se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos” (artigo 489, §1º, VI). Três violações em uma decisão de três/quatro linhas.

Não há dúvida que a decisão do ministro Barroso se baseou em “motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão”, não enfrentou os argumentos deduzidos pela União Federal no seu recurso e, estando assentada em “precedente” veio a identificá-lo. Veja-se, já de pronto, o fetiche do precedente. Veja-se o tamanho da ficção que é o precedente à brasileira.

Ainda poderiam ser feitas outras objeções à decisão de Barroso. Com base em Michelle Taruffo, autor que constantemente é lembrado pelos precedentalistas brasileiros, pode-se dizer que a exigência constitucional da fundamentação das decisões judiciais também cumpre uma função extraprocessual, na medida em que possibilita o controle do exercício do Poder Judiciário fora do contexto processual, por parte do povo e da opinião pública em geral, tudo dentro de uma concepção democrática do poder[1]. Note-se que nem isso é possível diante da decisão do ministro Barroso, que sequer permite que aqueles que venham a consultá-la no site do Supremo possam saber do que ela trata.

Nisso tudo transparece o problema de substituir a lei e a Constituição por “precedentes” de maneira irrefletida: o precedente acaba servindo para tudo e, ao mesmo tempo, não significada nada! Com base em supostos precedentes a Corte Suprema desonera-se de fundamentar suas decisões e, com facilidade, cria-se uma barreira para o conhecimento de qualquer recurso que venha a impugnar suas próprias decisões.

Isso não significa que devemos deixar de lado a discussão a respeito dos “precedentes” no direito brasileiro. Porém, isso deve ser levado à sério, e não apenas uma ferramenta para facilitar o trabalho de tribunais e impedir o conhecimento de recursos. Então, de que vale a utilização de conceitos do common law, como é o caso do overruling se o sistema de filtros recursais, aliados à falta de fundamentação das decisões que versam sobre a admissibilidade dos recursos para os tribunais superiores impedem o exercício do direito ao contraditório como direito de influência?

Conforme lembrei na tretralogia sobre os precedentes publicada aqui na ConJur (Ver as quatro colunas Senso Incomum sobre o assunto: um, dois, três e quatro), com base na doutrina de Dierle Nunes, estamos diante do fenômeno que o processualista mineiro chamou de Einzatzgruppen (grupos de extermínio) de recursos no STF, cujo objetivo é justamente não admitir recursos. O problema é que essas decisões, do modo como são lançadas — e a decisão do ministro Barroso é um forte exemplo disso — acabam gerando diversos outros recursos. Trata-se de uma falsa efetividade, de uma efetividade quantitativa que deixa de lado a qualidade das decisões. Que efetividade é essa que multiplica os problemas?

Já falei que mesmo o genuíno precedente não pode ser considerado critério máximo para justificar o raciocínio judicial (ver aqui) e, agora, precisamos acrescentar que precedente não é um álibi para desonerar o julgador de fundamentar suas decisões. Corremos o risco de chamar tudo de precedente — repita-se, teses e ratio decidendi não são a mesma coisa — e, pior ainda, com isso desrespeitar o dever de fundamentação das decisões em favor da bandeira da efetividade (quantitativa) acima de tudo... a decisão do ministro Barroso é um sintoma disso. Urge, portanto, que a comunidade jurídica passe a questionar até onde iremos com essa transformação das cortes supremas em cortes de teses!

Numa palavra: Acredito que nem mesmo os mais ferrenhos defensores dos “precedentes obrigatórios” no Brasil aceitem essa banalização dos precedentes pelo Judiciário brasileiro. É importante repetir que os mecanismos vinculantes do artigo 927 do CPC e as “teses” que o Supremo vem lançado ao final dos seus julgamentos como defende Barroso não são precedentes.

Há tantos assuntos para falar... Mas tinha o dever cívico-epistêmico de trazer essa decisão que simboliza dramaticamente o que se está fazendo no judiciário em nome de efetividades quantitativas. Essa é a função da doutrina, como tenho dito. O silêncio eloquente de setores da doutrina é que reforçam decisões como essa. Assim ocorreu no decorrer destes 28 anos. Começaram a dizer que princípios eram (são) valores (apostando na moral contra o direito), reforçaram o livre convencimento, aplaudiram o ativismo... Ou seja: o que mais se fez foi teoria normativa da política e o que menos se fez foi teoria do direito. Com isso, o direito foi sendo fragilizado, exaurido.

Meu receio (e isso está à nossa porta) é que, quando precisarmos mesmo do direito, ele já não estará. Porque foi predado. Na verdade, por ser pré-dado, acabou sendo predado. Por isso, continuo propugnando por um grau de ortodoxia. Salvemos, pois, o direito.


1 TARUFFO, Michelle. La motivazine della sentenza civile. Padova: CEDAM, 1975, p. 237.

*Texto alterado às 14h34 desta quinta-feira (10/11) para correção. O número do agravo é 992.299 e não 992.229.





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Lenio Luiz Streck é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck e Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.

Revista Consultor Jurídico, 10 de novembro de 2016, 8h00

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Revista Consultor Jurídico, 10 de novembro de 2016, 8h45

TJ-RS autoriza penhora de FGTS de homem que deve pensão alimentícia a filha



Por Jomar Martins


O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço foi criado para assegurar o futuro do trabalhador em caso de dispensa, mas pode sofrer penhora, excepcionalmente, se o seu titular for credor de alimentos e não dispor de outros meios para honrar sua obrigação legal. O entendimento levou a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a deferir o pedido de penhora do FGTS para quitar a dívida de pensão alimentícia de um pai inadimplente com a Justiça desde 2011.

No primeiro grau, o juiz da 1ª Vara Judicial da Comarca de Taquari, Rodrigo de Azevedo Bortoli, indeferiu o pedido de penhora dos valores existentes na conta de FGTS do pai, por se tratar de medida excepcional. Ele disse que a parte autora não demonstrou ter esgotado os meios de localização de bens passíveis de penhora. Nesse sentido, citou precedente no Agravo 70040172314. Segundo o acórdão, "embora possível a penhora sobre saldo de FGTS em se tratando de dívida de natureza alimentar, no caso é descabida penhora, tendo em vista existir outro meio para satisfação do crédito".

A procuradora de Justiça Veleda Maria Dobke opinou pelo provimento do Agravo de Instrumento, por entender que o devedor não dispõe de outros bens passíveis de constrição nem há previsão de quando e como poderá quitar o saldo credor. Logo, justifica, excepcionalmente, a penhora sobre eventual valor existente nas contas do FGTS. Afinal, o crédito alimentar é preferencial, por significar a subsistência da filha, embora tenha completado a maioridade.

O relator do Agravo, desembargador Ivan Leomar Bruxel, seguiu na mesma linha do parecer do Ministério Público. ‘‘Tem razão a agravante, quando alega que deve ser deferida a penhora sobre o FGTS, pois se trata de dívida alimentar, e que não há lógica em resguardar o futuro do devedor enquanto o presente da agravante [filha] está sendo ameaçado’’, escreveu no acórdão, lavrado na sessão de 13 de outubro.

Filho protegido
A Justiça brasileira também já entendeu que, para proteger o direito básico do filho de receber alimentos, é possível incluir o nome do devedor de pensão alimentícia em cadastros de restrição de crédito, como Serasa e SPC. A decisão foi tomada neste ano pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao aceitar um recurso movido pela Defensoria Pública de São Paulo.

O entendimento do colegiado é que a inclusão é uma forma de coerção lícita e eficiente para incentivar a necessária quitação da dívida alimentar. Segundo o relator do recurso especial, ministro Villas Bôas Cueva, há precedentes também no próprio STJ (4ª Turma) e que tal possibilidade de inclusão está expressa no novo Código de Processo Civil (artigos 528 e 782).

Clique aqui para ler o acórdão da 8ª Câmara Cível do TJ-RS.



Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.

Revista Consultor Jurídico, 10 de novembro de 2016, 10h10

NJ ESPECIAL: Turma anula, de ofício, processo já em fase de execução ao constatar ausência de curador em ação contra réu com mal de Alzheimer





No mundo atual, cresce o número de pessoas acometidas do "mal de Alzheimer". Essa doença que, pouco a pouco, vai matando o cérebro da pessoa, geralmente idosa e com tantas coisas para contar, é estatística crescente na sociedade moderna. Não se sabe, ao certo, se a causa disso é o excesso de informação da era globalizada, ou o fato de as pessoas estarem vivendo mais ou, de resto, porque antes não se conhecia a doença... Sabe-se apenas que o mal de Alzheimer não tem cura e evolui, pouco a pouco, a ponto de deixar o indivíduo completamente incapaz.
Recentemente, a 10ª Turma do TRT de Minas julgou um caso em que se constatou que o réu na ação trabalhista sofria do "mal de Alzheimer". No recurso analisado pela Turma, a reclamante não se conformava com a sentença que rejeitou seu pedido de reconhecimento de vínculo de emprego com o réu e de pagamento dos direitos trabalhistas decorrentes. Mas, acolhendo o entendimento da relatora, desembargadora Rosemary de Oliveira Pires, a Turma declarou, de ofício, a nulidade absoluta dos atos praticados desde a audiência inaugural e determinou o retorno do processo à Vara de origem, para que fosse nomeado curador especial ao reclamado, em obediência aos artigos 4º, III, do CC/02 e 76, I, do Novo CPC.
É que ficou constatado que, embora o réu fosse pessoa absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil (art. 3º, II, do CCB), não houve nomeação de curador especial para acompanhar o processo, na forma exigida do antigo artigo 8º do CPC/73, correspondente ao artigo 71 do novo CPC.
Nesta NJ Especial, vamos detalhar um pouco dessa rica decisão e, ao final, o leitor poderá conferir mais jurisprudência sobre a matéria.
Entendendo o caso: A execução do réu, portador de AlzheimerAntes de o processo chegar às mãos da 10ª Turma do TRT-MG, um longo caminho foi percorrido. Em seu exame, a relatora nos conta todo o desenrolar do processo, de forma detalhada e esclarecedora. A narrativa nos mostra como a triste doença do réu tornou difícil a solução do caso. E os prejuízos se espalharam por todos os lados: para o réu, para a reclamante e para a aplicação da justiça. Vejamos:
Alegando ter trabalhado para o réu, Sr. Luiz, a reclamante buscou o reconhecimento de vínculo de emprego, com o pagamento dos direitos decorrentes. Já na audiência inaugural, o Sr. Luiz não compareceu, tendo sido substituído por sua cunhada e sobrinha. Elas afirmaram que ele estava doente, sem condições de gerir sua pessoa e bens, encontrando-se interditado. Inclusive, apresentaram um documento em que um médico sugeria o urgente encaminhamento do réu, então com 72 anos, à assistência social, para que fosse alojado em casa de idosos, porque apresentava sinais de Alzheimer. O profissional explicou que o Sr. Luiz morava sozinho e não tinha condições de cuidar de sua pessoa e bens.
Diante disso, o juiz concedeu um prazo para que a sobrinha e cunhada do réu apresentassem o documento comprovando a interdição, mas elas não o fizeram. Determinou-se, então, a intimação do réu por mandado judicial, realizada na pessoa do seu irmão. Mas, mais uma vez, o Sr. Luiz não compareceu à audiência marcada para a instrução do processo e, assim, o juiz declarou sua revelia, aplicando a ele a pena de confissão. Resultado: foi reconhecido o vínculo de emprego pretendido pela reclamante e o réu foi condenado a lhe pagar as parcelas trabalhistas decorrentes.
Após o trânsito em julgado da sentença, o valor do crédito da reclamante foi apurado em R$20.851,71 e o Sr. Luiz foi intimado para pagá-la, no prazo de 5 dias, sob pena de execução e cadastro no BNDT (Banco Nacional de Devedores Trabalhistas). Mas, permanecendo inerte o réu, expediu-se mandado de penhora de bens para a garantia da execução. Ao comparecer na residência do Sr. Luiz para cumprir o mandado, o oficial de justiça se deparou com quadro trágico, narrado em sua certidão:
"Deixei de proceder à penhora de bens do executado Luiz, por não encontrá-los à garantia da execução. Esclareço que trata-se de endereço da residência do Sr. Luiz, que se encontra em péssimo estado de conservação e é guarnecido ao mínimo necessário à sua sobrevivência. Esclareço mais, é idoso, apresenta-se com algum distúrbio mental (AVC?), tendo declarado morar sozinho, ser aposentado por invalidez e uma parente (cunhada) toma conta de sua alimentação, nãos sabendo precisar idade e não sabendo informar corretamente o nome da cunhada (...). E mais, segundo a Sra. Maria Gonçalves, que mora na proximidade, o Sr. Luiz é portador de mal de Alzheimer, não possuindo nenhum bem, móvel ou imóvel, sendo que a casa onde mora pertence aos herdeiros de Geraldo Cornélio Ramos, sobrevivendo com auxílio doença (LOAS) e ajuda humanitária".
Procedeu-se então ao bloqueio das contas bancárias do réu, via Bacenjud, tendo sido penhorado o valor R$685,57, após o que o Sr. Luiz se manifestou para requerer insubsistência da penhora, invocando a impenhorabilidade na forma do art. 833, IV do Novo CPC, por se tratar da única conta bancária que possuía e através da qual recebia o seu benefício de aposentadoria, sua única fonte de sustento.
Nulidade da citaçãoFinalmente, tendo em vista a Semana Nacional da Conciliação Trabalhista, foi realizada audiência de conciliação, na qual, dessa vez, esteve presente apenas o Sr. Luiz. Foi quando o juiz de primeiro grau decidiu anular o processo desde a citação, determinando a realização de nova audiência inaugural e liberação do dinheiro bloqueado, ao constatar que a citação do Sr. Luiz havia sido feita na pessoa de terceiro, seu irmão. Em sua decisão, o magistrado ressaltou que, apesar da doutrina e jurisprudência admitirem a citação não pessoal na Justiça do Trabalho, o caso concreto requer posição diferente: "O reclamado é pessoa física, de poucos recursos, com problemas de fala e audição. Além disso, não há prova de que o Sr. Tito, que recebeu a citação, informou-lhe sobre a audiência. Tenho, assim, que a citação de f. 22 é NULA e sendo esta nulidade absoluta, pode e deve ser conhecida de ofício pelo Juiz", destacou, na sentença.
Mas a coisa não acabou por aí. Após a reclamante recorrer da decisão e não ter seu apelo conhecido, por vícios formais, foi realizada nova audiência de instrução, na qual compareceram a reclamante e sua advogada e o reclamado desacompanhado de advogado. A defesa foi oralmente apresentada pelo réu com assistência de sua sobrinha, oportunidade em que a reclamante requereu a aplicação da pena de confissão ficta ante a deficiência da defesa apresentada. Posteriormente, na audiência em prosseguimento, novamente compareceu a reclamante com seu procurador e apenas a advogada do Sr. Luiz, a qual apresentou atestado médico justificando a ausência do seu cliente, que se encontrava "acamado com impossibilidade de andar devido a fratura no fêmur esquerdo".
Finalmente, ambas as partes compareceram em nova audiência de instrução na qual a reclamante prestou depoimento pessoal e ouviu-se como informante a testemunha do réu. Especificamente com relação ao depoimento pessoal do Sr. Luiz, o juiz de primeiro grau fez constar em ata observações bastante esclarecedoras quanto ao seu estado de saúde: o réu é um senhor de idade que encontra-se numa cadeira de rodas e não consegue compreender as perguntas que lhe são formuladas; embora lhe tenha sido perguntado o número de vezes que a reclamante lhe prestava serviços, ele enumerava fatos sem ligação com a causa, como algo sobre hospital ou sobre sua condição de saúde. Em seguida, o magistrado proferiu sentença, em que julgou improcedentes os pedidos da reclamante.
Recurso da reclamanteInconformada com a improcedência dos pedidos, a reclamante recorreu da sentença. Em síntese, alegou a validade da citação do Sr. Luiz e pediu que se regularizasse a representação processual, já que ele estava em cadeira de rodas e não conseguia compreender as perguntas que lhe eram feitas. Pediu, ainda, que fosse reconhecida a confissão do réu, em razão da deficiência da defesa apresentada por ele, com a procedência dos pedidos formulados na ação. Mas, a Turma acolheu os fundamentos da relatora e foi por outro caminho.

Réu com doença incapacitante: ausência de curador para acompanhar o processo gera nulidade absolutaConforme ressaltou a desembargadora, com a publicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/ 2015), foram revogados os incisos I, II e III do artigo 3º do Código Civil de 2002, que trata das pessoas absolutamente incapazes, e introduzido ao artigo 4º, que dispõe sobre as pessoas relativamente incapazes, considerando como tais: "aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade" (art. 4º, III).
Prosseguindo em sua análise, a relatora registrou que, de acordo o artigo 70 do Novo CPC, (correspondente ao artigo 7º do CPC/73), possui capacidade processual, ou seja, capacidade para estar em juízo: "Toda pessoa que se encontre no exercício de seus direitos". Já o artigo 71 do Novo CPC (antigo art. 8º do CPC/73) dispõe que: "O incapaz será representado ou assistido por seus pais, por tutor ou por curador, na forma da lei". Neste mesmo sentido, o artigo 84, §1º da Lei 13.146/2015: "Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei".
No caso, ficou demonstrado que o Sr. Luiz, réu na ação, é senhor de idade (72 anos), portador de doença grave (Alzheimer), que o impossibilita de exercer os seus direitos sem a devida assistência. Tanto que o estado do réu constatado em audiência, foi justamente o argumento utilizado pelo juiz de primeira instância para declarar nula a citação e anular todos os atos processuais até ali praticados. Diante desse quadro, a julgadora ponderou que deveria ter sido nomeado curador especial para acompanhar processo, o que não foi feito, culminando na nulidade de todos os atos processuais.
"Constatando-se no decorrer do processo que uma das partes apresenta dificuldade na compreensão dos seus atos e falta de discernimento quanto aos fatos tratados no processado, inserindo-se na hipótese prevista no artigo 4º, III do CC/02 supra, deve o julgador, com vistas a regularizar a representação processual da parte, nomear curador especial para acompanhar o processo, na forma do artigo 9º do CPC/73 (atualmente disposto no art. 72 do Novo CPC), sob pena de nulidade de todos os atos processuais praticados nos autos, visto se tratar de vício insanável", destacou a desembargadora, em seu voto. É que o inciso I do aludido artigo 9º (atual art. 72) estabelece a obrigação de o juiz nomear curador especial ao incapaz despido de representante legal (curador), o que se amolda perfeitamente ao caso julgado.
Por fim, a desembargadora lembrou que a irregularidade verificada no caso, por defeito de representação de incapaz, configura nulidade absoluta e, sendo assim, pode ser levantada de ofício (independente de pedido da parte) e em qualquer instância. Por tais razões, acolhidas pela Turma revisora, foi reconhecida, de ofício, a nulidade de todos os atos praticados no processo desde a audiência inaugural, determinando-se seu retorno à Vara de origem para que fosse nomeado curador especial ao reclamado, após o quê, o processo deverá prosseguir, como se entender de direito.
00116-2014-102-03-00-7 RO - acórdão em 24/08/2016

Clique AQUI para ler a jurisprudência do TRT-MG sobre nulidade do processo por irregularidade na representação de incapaz

Outra matéria envolvendo o Mal de Alzheimer na Justiça do Trabalho - VÍDEO produzido pelo TST

Conheça mais sobre o mal de Alzheimer AQUI e AQUI

Para se aprofundar sobre o tema, leia AQUI o artigo "O Estatuto da Pessoa com Deficiência e suas repercussões na capacidade civil", de autoria da desembargadora Taísa Maria Macena de Lima, disponível na JusLaboris e na Revista do TRT-MG (Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 60, n. 91, p. 223-234, jan./jun. 2015). 

Fonte: TRT3

terça-feira, 8 de novembro de 2016

NJ ESPECIAL: Turma anula, de ofício, processo já em fase de execução ao constatar ausência de curador em ação contra réu com mal de Alzheimer





No mundo atual, cresce o número de pessoas acometidas do "mal de Alzheimer". Essa doença que, pouco a pouco, vai matando o cérebro da pessoa, geralmente idosa e com tantas coisas para contar, é estatística crescente na sociedade moderna. Não se sabe, ao certo, se a causa disso é o excesso de informação da era globalizada, ou o fato de as pessoas estarem vivendo mais ou, de resto, porque antes não se conhecia a doença... Sabe-se apenas que o mal de Alzheimer não tem cura e evolui, pouco a pouco, a ponto de deixar o indivíduo completamente incapaz.
Recentemente, a 10ª Turma do TRT de Minas julgou um caso em que se constatou que o réu na ação trabalhista sofria do "mal de Alzheimer". No recurso analisado pela Turma, a reclamante não se conformava com a sentença que rejeitou seu pedido de reconhecimento de vínculo de emprego com o réu e de pagamento dos direitos trabalhistas decorrentes. Mas, acolhendo o entendimento da relatora, desembargadora Rosemary de Oliveira Pires, a Turma declarou, de ofício, a nulidade absoluta dos atos praticados desde a audiência inaugural e determinou o retorno do processo à Vara de origem, para que fosse nomeado curador especial ao reclamado, em obediência aos artigos 4º, III, do CC/02 e 76, I, do Novo CPC.
É que ficou constatado que, embora o réu fosse pessoa absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil (art. 3º, II, do CCB), não houve nomeação de curador especial para acompanhar o processo, na forma exigida do antigo artigo 8º do CPC/73, correspondente ao artigo 71 do novo CPC.
Nesta NJ Especial, vamos detalhar um pouco dessa rica decisão e, ao final, o leitor poderá conferir mais jurisprudência sobre a matéria.
Entendendo o caso: A execução do réu, portador de Alzheimer
Antes de o processo chegar às mãos da 10ª Turma do TRT-MG, um longo caminho foi percorrido. Em seu exame, a relatora nos conta todo o desenrolar do processo, de forma detalhada e esclarecedora. A narrativa nos mostra como a triste doença do réu tornou difícil a solução do caso. E os prejuízos se espalharam por todos os lados: para o réu, para a reclamante e para a aplicação da justiça. Vejamos:
Alegando ter trabalhado para o réu, Sr. Luiz, a reclamante buscou o reconhecimento de vínculo de emprego, com o pagamento dos direitos decorrentes. Já na audiência inaugural, o Sr. Luiz não compareceu, tendo sido substituído por sua cunhada e sobrinha. Elas afirmaram que ele estava doente, sem condições de gerir sua pessoa e bens, encontrando-se interditado. Inclusive, apresentaram um documento em que um médico sugeria o urgente encaminhamento do réu, então com 72 anos, à assistência social, para que fosse alojado em casa de idosos, porque apresentava sinais de Alzheimer. O profissional explicou que o Sr. Luiz morava sozinho e não tinha condições de cuidar de sua pessoa e bens.
Diante disso, o juiz concedeu um prazo para que a sobrinha e cunhada do réu apresentassem o documento comprovando a interdição, mas elas não o fizeram. Determinou-se, então, a intimação do réu por mandado judicial, realizada na pessoa do seu irmão. Mas, mais uma vez, o Sr. Luiz não compareceu à audiência marcada para a instrução do processo e, assim, o juiz declarou sua revelia, aplicando a ele a pena de confissão. Resultado: foi reconhecido o vínculo de emprego pretendido pela reclamante e o réu foi condenado a lhe pagar as parcelas trabalhistas decorrentes.
Após o trânsito em julgado da sentença, o valor do crédito da reclamante foi apurado em R$20.851,71 e o Sr. Luiz foi intimado para pagá-la, no prazo de 5 dias, sob pena de execução e cadastro no BNDT (Banco Nacional de Devedores Trabalhistas). Mas, permanecendo inerte o réu, expediu-se mandado de penhora de bens para a garantia da execução. Ao comparecer na residência do Sr. Luiz para cumprir o mandado, o oficial de justiça se deparou com quadro trágico, narrado em sua certidão:
"Deixei de proceder à penhora de bens do executado Luiz, por não encontrá-los à garantia da execução. Esclareço que trata-se de endereço da residência do Sr. Luiz, que se encontra em péssimo estado de conservação e é guarnecido ao mínimo necessário à sua sobrevivência. Esclareço mais, é idoso, apresenta-se com algum distúrbio mental (AVC?), tendo declarado morar sozinho, ser aposentado por invalidez e uma parente (cunhada) toma conta de sua alimentação, nãos sabendo precisar idade e não sabendo informar corretamente o nome da cunhada (...). E mais, segundo a Sra. Maria Gonçalves, que mora na proximidade, o Sr. Luiz é portador de mal de Alzheimer, não possuindo nenhum bem, móvel ou imóvel, sendo que a casa onde mora pertence aos herdeiros de Geraldo Cornélio Ramos, sobrevivendo com auxílio doença (LOAS) e ajuda humanitária".
Procedeu-se então ao bloqueio das contas bancárias do réu, via Bacenjud, tendo sido penhorado o valor R$685,57, após o que o Sr. Luiz se manifestou para requerer insubsistência da penhora, invocando a impenhorabilidade na forma do art. 833, IV do Novo CPC, por se tratar da única conta bancária que possuía e através da qual recebia o seu benefício de aposentadoria, sua única fonte de sustento.
Nulidade da citação
Finalmente, tendo em vista a Semana Nacional da Conciliação Trabalhista, foi realizada audiência de conciliação, na qual, dessa vez, esteve presente apenas o Sr. Luiz. Foi quando o juiz de primeiro grau decidiu anular o processo desde a citação, determinando a realização de nova audiência inaugural e liberação do dinheiro bloqueado, ao constatar que a citação do Sr. Luiz havia sido feita na pessoa de terceiro, seu irmão. Em sua decisão, o magistrado ressaltou que, apesar da doutrina e jurisprudência admitirem a citação não pessoal na Justiça do Trabalho, o caso concreto requer posição diferente: "O reclamado é pessoa física, de poucos recursos, com problemas de fala e audição. Além disso, não há prova de que o Sr. Tito, que recebeu a citação, informou-lhe sobre a audiência. Tenho, assim, que a citação de f. 22 é NULA e sendo esta nulidade absoluta, pode e deve ser conhecida de ofício pelo Juiz", destacou, na sentença.
Mas a coisa não acabou por aí. Após a reclamante recorrer da decisão e não ter seu apelo conhecido, por vícios formais, foi realizada nova audiência de instrução, na qual compareceram a reclamante e sua advogada e o reclamado desacompanhado de advogado. A defesa foi oralmente apresentada pelo réu com assistência de sua sobrinha, oportunidade em que a reclamante requereu a aplicação da pena de confissão ficta ante a deficiência da defesa apresentada. Posteriormente, na audiência em prosseguimento, novamente compareceu a reclamante com seu procurador e apenas a advogada do Sr. Luiz, a qual apresentou atestado médico justificando a ausência do seu cliente, que se encontrava "acamado com impossibilidade de andar devido a fratura no fêmur esquerdo".
Finalmente, ambas as partes compareceram em nova audiência de instrução na qual a reclamante prestou depoimento pessoal e ouviu-se como informante a testemunha do réu. Especificamente com relação ao depoimento pessoal do Sr. Luiz, o juiz de primeiro grau fez constar em ata observações bastante esclarecedoras quanto ao seu estado de saúde: o réu é um senhor de idade que encontra-se numa cadeira de rodas e não consegue compreender as perguntas que lhe são formuladas; embora lhe tenha sido perguntado o número de vezes que a reclamante lhe prestava serviços, ele enumerava fatos sem ligação com a causa, como algo sobre hospital ou sobre sua condição de saúde. Em seguida, o magistrado proferiu sentença, em que julgou improcedentes os pedidos da reclamante.
Recurso da reclamante
Inconformada com a improcedência dos pedidos, a reclamante recorreu da sentença. Em síntese, alegou a validade da citação do Sr. Luiz e pediu que se regularizasse a representação processual, já que ele estava em cadeira de rodas e não conseguia compreender as perguntas que lhe eram feitas. Pediu, ainda, que fosse reconhecida a confissão do réu, em razão da deficiência da defesa apresentada por ele, com a procedência dos pedidos formulados na ação. Mas, a Turma acolheu os fundamentos da relatora e foi por outro caminho.

Réu com doença incapacitante: ausência de curador para acompanhar o processo gera nulidade absoluta
Conforme ressaltou a desembargadora, com a publicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/ 2015), foram revogados os incisos I, II e III do artigo 3º do Código Civil de 2002, que trata das pessoas absolutamente incapazes, e introduzido ao artigo 4º, que dispõe sobre as pessoas relativamente incapazes, considerando como tais: "aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade" (art. 4º, III).
Prosseguindo em sua análise, a relatora registrou que, de acordo o artigo 70 do Novo CPC, (correspondente ao artigo 7º do CPC/73), possui capacidade processual, ou seja, capacidade para estar em juízo: "Toda pessoa que se encontre no exercício de seus direitos". Já o artigo 71 do Novo CPC (antigo art. 8º do CPC/73) dispõe que: "O incapaz será representado ou assistido por seus pais, por tutor ou por curador, na forma da lei". Neste mesmo sentido, o artigo 84, §1º da Lei 13.146/2015: "Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei".
No caso, ficou demonstrado que o Sr. Luiz, réu na ação, é senhor de idade (72 anos), portador de doença grave (Alzheimer), que o impossibilita de exercer os seus direitos sem a devida assistência. Tanto que o estado do réu constatado em audiência, foi justamente o argumento utilizado pelo juiz de primeira instância para declarar nula a citação e anular todos os atos processuais até ali praticados. Diante desse quadro, a julgadora ponderou que deveria ter sido nomeado curador especial para acompanhar processo, o que não foi feito, culminando na nulidade de todos os atos processuais.
"Constatando-se no decorrer do processo que uma das partes apresenta dificuldade na compreensão dos seus atos e falta de discernimento quanto aos fatos tratados no processado, inserindo-se na hipótese prevista no artigo 4º, III do CC/02 supra, deve o julgador, com vistas a regularizar a representação processual da parte, nomear curador especial para acompanhar o processo, na forma do artigo 9º do CPC/73 (atualmente disposto no art. 72 do Novo CPC), sob pena de nulidade de todos os atos processuais praticados nos autos, visto se tratar de vício insanável", destacou a desembargadora, em seu voto. É que o inciso I do aludido artigo 9º (atual art. 72) estabelece a obrigação de o juiz nomear curador especial ao incapaz despido de representante legal (curador), o que se amolda perfeitamente ao caso julgado.
Por fim, a desembargadora lembrou que a irregularidade verificada no caso, por defeito de representação de incapaz, configura nulidade absoluta e, sendo assim, pode ser levantada de ofício (independente de pedido da parte) e em qualquer instância. Por tais razões, acolhidas pela Turma revisora, foi reconhecida, de ofício, a nulidade de todos os atos praticados no processo desde a audiência inaugural, determinando-se seu retorno à Vara de origem para que fosse nomeado curador especial ao reclamado, após o quê, o processo deverá prosseguir, como se entender de direito.
00116-2014-102-03-00-7 RO - acórdão em 24/08/2016

Clique AQUI para ler a jurisprudência do TRT-MG sobre nulidade do processo por irregularidade na representação de incapaz

Outra matéria envolvendo o Mal de Alzheimer na Justiça do Trabalho - VÍDEO produzido pelo TST

Conheça mais sobre o mal de Alzheimer AQUI e AQUI

Para se aprofundar sobre o tema, leia AQUI o artigo O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E SUAS REPERCUSSÕES NA CAPACIDADE CIVIL, de autoria da desembargadora TAISA MARIA MACENA DE LIMA, disponível na JusLaboris e na Revista do TRT-MG (Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 60, n. 91, p. 223-234, jan./jun. 2015). 

Fonte: TRT3

Empregada que trabalhou em período de licença médica será indenizada por danos morais




A prestação de serviços pelo empregado doente, por ordem do empregador, traduz evidente afronta aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da proteção da saúde, afrontando direitos de personalidade do trabalhador, o que impõe a obrigação de indenizar. Esse o entendimento da juíza convocada Sabrina de Farias Fróes Leão, em sua atuação na 7ª Turma do TRT mineiro, ao dar provimento ao recurso de uma trabalhadora, condenando a empregadora, uma empresa de transportes, a indenizá-la pelos danos morais que sofreu ao ser obrigada a trabalhar no período em que estaria em licença médica.
Conforme apurado, embora afastada por motivos de saúde, a empregada trabalhou nos dias 27/03/2012 e nos 12 a 14/09/2012. Para a julgadora, a empresa ignorou o fato de que a trabalhadora estava impossibilitada de exercer suas atividades, situação em que a prestação de serviços é impedida pela ordem jurídica, implicando em prática de ato ofensivo à legislação trabalhista. Como esclareceu, a vedação do trabalho nos dias de afastamento por motivo de doença justifica-se em razão do direito do empregado à recuperação da sua saúde e, consequentemente, da capacidade laborativa. A magistrada não teve dúvidas de que, em razão dessa conduta patronal, a trabalhadora experimentou sentimentos que afetam a higidez psicológica, tais como, angústia, tristeza, insegurança, constrangimentos, entre outros.
Para a julgadora, "não é crível imaginar-se que o empregado, de posse de um atestado médico recomendando o afastamento de suas atividades laborais, deixasse de entregá-lo ao empregador", ponderou, rejeitando a tese patronal nesse sentido. Diante desse contexto, entendeu mais aceitável a alegação da empregada no sentido de que a empregadora recusou-se a aceitar os atestados médicos.
Acompanhando o entendimento da relatora, a Turma julgadora acresceu à condenação o pagamento da indenização pelos danos morais no valor de R$3.000,00, a ser corrigida na forma da Súmula 439 do TST.
( 0001379-03.2013.5.03.0069 RO )

Fonte: TRT3

Supermercado terá que indenizar empregada que sofreu assédio moral de colegas e desenvolveu transtorno de ajustamento




Uma rede de supermercados foi condenada a pagar indenização por danos morais a uma técnica de alimentos assediada moralmente por colegas de trabalho e que, em razão das dificuldades enfrentadas no ambiente de trabalho, passou a sofrer doença psiquiátrica denominada "transtorno de ajustamento". A condenação foi imposta pelo juiz José Nilton Ferreira Pandelot, titular da 1ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora. A decisão foi confirmada pelo TRT de Minas que, reconhecendo a chamada "concausa" entre a doença e as condições de trabalho, manteve o valor fixado para a indenização por danos morais em R$10 mil e reduziu a relacionada ao assédio moral para esse mesmo valor.

Após analisar as provas, o magistrado constatou que a trabalhadora era responsável pela assepsia na produção, mas suas orientações não eram bem recebidas pelos funcionários. Muito pelo contrário, eram questionadas de forma desrespeitosa e agressiva. Nesse sentido, a prova testemunhal apontou, por exemplo, que os padeiros mais antigos não queriam mudar o jeito de trabalhar. Por sua vez, o encarregado do setor queria usar produtos que estavam com prazo de validade para vencer. Segundo relatado, a trabalhadora foi apelidada de "Bob Esponja", "galinha", entre outros termos pejorativos, sendo tratada aos gritos diante das orientações repassadas por ela. Uma testemunha disse já ter visto a técnica de alimentos chorando. Várias humilhações foram descritas nos depoimentos, que também apontaram que a chefia nada fazia para solucionar os conflitos.

Para o julgador, mesmo que a trabalhadora não fosse superiora hierárquica, sua função era supervisionar, cabendo aos demais empregados observar as orientações por ela indicadas. Mas não era isso o que acontecia, já que a empresa indicava medidas diversas, em inobservância das regras básicas de higiene e saúde dos consumidores, expondo a técnica a situações constrangedoras.

"O empregador é responsável por fornecer condições adequadas de serviço, devendo zelar pelo meio ambiente saudável de trabalho", alertou o juiz, ressaltando não ter encontrado nas provas qualquer indicação de que a técnica de alimentos adotasse conduta arbitrária perante os demais funcionários. As provas revelaram justamente o contrário: a excelência das funções por ela desempenhadas.

"A conduta que inobserva o tratamento digno entre os funcionários sem qualquer medida reparadora por parte do empregadora, encerra causa direta e eficaz para imposição de obrigação de reparar o dano extrapatrimonial", destacou, condenando a rede de supermercados ao pagamento de indenização por assédio moral no valor de R$ 20 mil, montante reduzido para R$10 mil em grau de recurso.

Por outro lado, uma perícia médica concluiu que o trabalho atuou como "concausa" (causa que se junta a outra para a produção de um resultado) para o aparecimento de uma doença psiquiátrica denominada "transtorno de ajustamento". O perito avaliou se tratar de quadro de evolução benigna e favorável em período de cerca de um ano, orientando que a trabalhadora retornasse à área de atuação profissional ou em funções compatíveis com aptidão normal para o trabalho.

No entender do juiz sentenciante, a exposição a situações constrangedoras no ambiente de trabalho justificam o quadro de saúde da trabalhadora, portadora de quadro fóbico residual. "Patente a culpa patronal que deixou de adotar procedimentos imprescindíveis à humanização do trabalho", registrou, decidindo condenar o patrão ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$10 mil, o que foi mantido pelo TRT mineiro, por maioria de votos. ( 0001072-20.2014.5.03.0035 ED )



Fonte: TRT3

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...