terça-feira, 12 de maio de 2015

Advogado é condenado por induzir testemunha a dar falsa declaração



Advogado que induzir testemunha a dar declaração falsa em juízo também deve responder pelo crime de falso testemunho. Assim, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região condenou um profissional por orientar a testemunha com o argumento de que a declaração falsa levaria o autor da reclamação trabalhista à vitória na ação proposta.

O reclamante, ouvido na fase policial quanto à conduta criminosa, confirmou que seu advogado orientou a testemunha a dar afirmações falsas na audiência de instrução, ocorrida em julho de 2007. Já a testemunha, denunciada no mesmo processo, declarou que o advogado o orientou a narrar fatos inverídicos no curso da instrução trabalhista.

Com a colaboração da testemunha, o Ministério Publico promoveu a suspensão condicional de seu processo --desmembrado do processo que o advogado respondia-- em que ela respondia como autora do falso testemunho.

Falta ética
A sentença de primeiro grau absolveu o advogado por entender que o crime de falso testemunho (previsto no artigo 342 do Código Penal) não admite coautoria ou participação de outra pessoa. Assim, a conduta do advogado, que não prometeu ou ofereceu qualquer tipo de vantagem, pode ser considerada antiética, mas não criminosa.

O Ministério Público Federal entrou com recurso, requerendo a reforma da sentença. Ao analisar a questão, o colegiado do TRF-3 entendeu que no delito de falso testemunho é possível, conforme prevê jurisprudência, a coautoria ou a participação, como o caso de alguém instigar ou induzir alguém a prestar um depoimento falso.

O desembargador, Hélio Nogueira, relator do caso, citou ainda a existência de "relevância robustecida" pelo fato de o partícipe ser um advogado, “figura indispensável à administração da Justiça”.

“A alegação do apelado de que não conversou com a testemunha antes da audiência trabalhista não encontra respaldo probatório, estando isolada nos autos, além de restar infirmada pelos demais elementos colhidos”, afirmou Nogueira no acórdão. O advogado foi condenado a 1 ano, 4 meses e 10 dias de reclusa em regime inicial aberto, mais multa. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-3.

Notícia atualizada às 21h37 do dia 11/5/2015 para acréscimo de informações.

Processo 2006.61.15.000740-4/SP


Revista Consultor Jurídico, 11 de maio de 2015, 20h01

NJ PROFISSÕES - Atleta Profissional de Futebol: as regras do jogo






O atleta profissional é aquele que faz do esporte seu meio de sustento, recebendo lucro financeiro com a prática da atividade esportiva. Nas modalidades mais populares, eles ganham grandes cifras em dinheiro e acabam se tornando personalidades públicas.

No país do futebol, muito se fala sobre os talentos, as façanhas e os salários, algumas vezes milionários, dos jogadores de futebol. Mas poucos sabem que ele, como atleta profissional que é (e aí se incluem os atletas de todas as modalidades esportivas e não apenas do futebol), tem seu contrato de trabalho regido pela CLT, ao lado da legislação especial que regula a contratação deste tipo peculiar de profissional. Essas normas especiais se aplicam ao contrato de trabalho celebrado entre o atleta e a entidade esportiva (geralmente clube ou time), de forma concomitante às regras celetistas. Afinal, a atividade do atleta profissional mexe com milhões de pessoas, interesses e cifras monetárias e requer regulamentação especial. O que não se pode esquecer é que, por trás das glórias e mitos que cercam a atividade esportiva, existe um trabalhador que, assim como os demais, necessita da lei para proteger seus direitos.

Nesta especial NJ Profissões, teremos uma visão geral das normas e dos direitos que regem o contrato de trabalho do atleta profissional.

Contrato de Trabalho do Atleta Profissional - Legislação e Direitos especiais 


Atualmente, os contratos dos atletas profissionais é regido pela Lei 9.615/98, apelidada de "Lei Pelé", com as alterações introduzidas pela Lei 12.395/2011, que institui normas gerais sobre desporto e traz ao atleta profissional de todas as modalidades esportivas direitos específicos à sua atividade. E, de acordo com o artigo 28, parágrafo quarto desta lei, aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da seguridade social, ressalvadas as peculiaridades expressas na legislação especial.

De acordo com o artigo 28 da Lei Pelé (com as alterações introduzidas pela Lei 12.395/2011), a atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração ajustada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com a entidade de prática desportiva. Desse contrato deverá constar, obrigatoriamente, entre outras coisas, a cláusula indenizatória desportiva e a cláusula compensatória desportiva. Vejamos alguns destaques desse contrato especial:
Prazo determinado é a regra 


A entidade de prática desportiva, que visa a formação do atleta, tem o direito de assinar com ele, a partir de 16 anos de idade, o primeiro contrato de trabalho profissional, cujo prazo não poderá ser superior a 5 (cinco) anos. Assim, apesar de no Direito do Trabalho a regra geral ser a indeterminação do prazo contratual, o contrato de trabalho do atleta profissional de futebol será sempre por prazo determinado. E, nos termos do parágrafo único do artigo 30 da Lei n. 9.615/98, não se aplica ao contrato especial de trabalho desportivo do atleta profissional o disposto nos arts. 445 e 451 da CLT. O primeiro proíbe que o contrato de trabalho por prazo determinado seja estipulado por prazo superior a dois anos. O segundo preceitua que se ele for prorrogado por mais de uma vez, passará a ser de prazo indeterminado.
Cláusula indenizatória desportiva e cláusula compensatória desportiva 


A cláusula indenizatória desportiva estabelece um valor a ser pago pelo atleta à entidade à qual ele está vinculado na hipótese de sua transferência para outra entidade, nacional ou estrangeira, durante a vigência do contrato. Seu limite máximo é de duas mil vezes o valor médio do salário contratual para as transferências nacionais, não havendo qualquer limitação para as transferências internacionais. Essa cláusula visa compensar os clubes pelo fim do instituto do "passe", que resguardava a entidade desportiva dos investimentos realizados na contratação do atleta, mas, ao mesmo tempo, conflitava com o direito do trabalhador ao livre exercício da profissão. Isso porque ele ficava obrigatoriamente vinculado ao titular do passe, a entidade desportiva, e somente poderia se transferir para outro clube com a negociação do seu passe, independentemente da vigência, ou não, do contrato de trabalho. Assim, o caput do art. 28 da Lei nº 9.615/98, ao estabelecer a cláusula penal para os casos de descumprimento, rompimento ou rescisão contratual, dirige-se somente ao atleta profissional, pois tem a finalidade de resguardar a entidade desportiva no caso de ruptura antecipada do contrato de trabalho,

Já a cláusula compensatória desportiva dispõe sobre a quantia que será devida pela entidade de prática desportiva ao atleta se ocorrer a rescisão contratual por inadimplemento salarial (por período igual ou superior a três meses), a rescisão indireta nas demais hipóteses previstas na legislação trabalhista, ou a dispensa imotivada do atleta. O valor da cláusula indenizatória desportiva é livremente ajustado pelas partes e deve ser expressamente quantificado no contrato.

Entretanto, apesar de tantas exigências formais, como no Direito do Trabalho prevalece a realidade dos fatos, mesmo que não exista contrato formal entre o atleta e a entidade desportiva, se ele presta serviços com a presença dos requisitos do art. 3º da CLT (pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação) será considerado empregado e seu contrato estará submetido às regras da CLT e da legislação especial.

Entre os direitos específicos do atleta profissional podemos citar, ainda: as luvas, o direito de arena, o direito de imagem, os bichos, os salários, entre outros.
Direito de Arena 


O direito de arena está previsto no artigo 42, § 1º, da Lei 9.615/98 (Lei Pelé, com a redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011). Ele consiste na participação do atleta nos rendimentos obtidos pela sociedade esportiva com a venda, para as empresas de comunicação, da transmissão ou retransmissão dos jogos em que ele atua (como titular ou reserva). Conforme estabelecido no artigo, a não ser que exista convenção coletiva de trabalho dispondo em sentido contrário, 5% da receita proveniente da exploração dos direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais que, por sua vez, distribuirão o valor, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil.

Assim, por estar previsto em lei, o direito de arena também é cláusula obrigatória do contrato de trabalho do atleta profissional e deve ser observado pelo clube.

Ele é tido como espécie do direito de imagem (licença de uso de imagem) e ambos (direito de arena e direito de imagem) estão assegurados pelo art. 5º, inciso XXVIII, alínea "a" da Constituição da República. O entendimento jurisprudencial é de que estes direitos não se confundem.
Direito de Imagem 


O direito de imagem, previsto no artigo 5º, inciso XXVIII da Constituição Federal, é a garantia, ao seu titular (no caso, o atleta), de não ter sua imagem exposta ao público, ou comercializada, sem o seu consentimento, assim como de não ter sua personalidade alterada material ou intelectualmente, de forma a gerar prejuízos à sua reputação. Ele é um direito personalíssimo, negociado diretamente entre o atleta (ou a empresa que o detém) e a entidade desportiva (por exemplo, o clube de futebol), que estabelecem, livremente, valores e regras a serem cumpridos durante o contrato.

A jurisprudência atual vem se firmando no sentido de ser salarial a renda auferida pelo atleta profissional a título de direito de imagem, por tratar de valor pago por força do contrato de emprego. Considera-se que a remuneração decorrente do direito de imagem, se assemelha às gorjetas, que também são pagas por terceiro e são consideradas como sendo componente da remuneração (artigo 457 da CLT).

É cada vez mais comum os atletas venderem a sua imagem a patrocinadores e às marcas. A suas condições profissionais os expõem publicamente. Mas é preciso lembrar que, ao ceder o uso da sua imagem, ele deve ter assegurado o respeito à sua intimidade e vida privada.
"Bichos" 


Os "bichos", bastante utilizados no meio esportivo, são prêmios tradicionalmente pagos ao atleta profissional, especialmente o de futebol, pelos resultados conquistados nos jogos. São concedidos como um incentivo ao atleta, remunerando o seu esforço em conseguir êxito nas competições. Assim, constituem gratificação ajustada, com natureza jurídica de salário e, por isso, devem integrar a remuneração do atleta, para todos os efeitos legais, inclusive para a base de cálculo das demais parcelas trabalhistas devidas. Além disso, o fato de não se destinarem à recomposição de despesa retira o caráter indenizatório dos "bichos".
Luvas 


Luvas é a importância paga pelo empregador ao atleta como um incentivo à assinatura do contrato. É parcela convencionada entre as partes e não tem previsão legal expressa, a não ser no caso do jogador de futebol (art. 12 da Lei nº 6.354/1976, que dispunha sobre as relações de trabalho do atleta profissional de futebol e dá outras providências). O valor das luvas é ajustado tendo em vista a capacidade técnica do atleta e também o seu passado profissional.

A natureza jurídica das luvas, se salarial ou indenizatória, é matéria controvertida na Justiça do Trabalho. Alguns entendem que, por ser devida simplesmente pela formalização do contrato, tem natureza de salário. Outros defendem que não se pode atribuir natureza salarial à parcela, porque paga uma única vez e com o objetivo de atrair o empregado para a empresa, correspondendo à "compra de passe", o que é suficiente para retirar-lhe o caráter contraprestativo estabelecido no artigo 457 da CLT.
Horas de concentração 


A Lei Pelé, em seu artigo 28, parágrafo 4º, inciso I (com a redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011), estabelece que, se for conveniente à entidade de prática desportiva, ela poderá estabelecer períodos de concentração ao atleta, que não poderão ser superiores a 3 dias consecutivos por semana, desde que esteja programada qualquer partida, prova ou equivalente, amistosa ou oficial, devendo o atleta ficar à disposição do empregador por ocasião da realização de competição fora da localidade onde tenha sua sede. Mas o prazo de concentração poderá ser ampliado, independentemente de qualquer pagamento adicional, quando o atleta estiver à disposição da entidade de administração do desporto.

Ou seja, a regra geral é que o período de concentração, nesses termos, não confere direito ao atleta a recebimento de horas extras. Conforme previsto na lei (inciso III do artigo 28), eventuais acréscimos remuneratórios em razão de períodos de concentração, viagens, pré-temporada e participação do atleta em partida, prova ou equivalente dependerão de expressa previsão contratual.
Repouso semanal, Horas extras e Férias 


Assim como o trabalhador comum, o atleta profissional tem direito ao repouso semanal remunerado de 24 horas ininterruptas que deve ser, preferencialmente, usufruído no dia subseqüente à sua participação na partida, prova ou equivalente, quando esta for realizada no final de semana. Também são devidas a eles férias anuais remuneradas de 30 dias, acrescidas de 1/3, coincidentes com o recesso das atividades desportivas. E ele se submete à jornada desportiva normal de 44 horas semanais, devendo receber horas extras caso ela seja ultrapassada. (artigo 28, parágrafo 4º, incisos IV, V e VI).
Seguro desportivo 


O atleta profissional depende de suas condições físicas para viver. E, pela própria natureza de sua atividade, ele é mais vulnerável ao desgaste físico e a acidentes que podem deixá-lo afastado por longos períodos ou até incapacitado para o esporte que pratica.

Sensível a esta realidade, o legislador estabeleceu que o empregador é obrigado a contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, para o atleta profissional, com o objetivo de cobrir os riscos a que ele está sujeito. A importância segurada deve garantir ao atleta profissional, ou ao beneficiário por ele indicado no contrato de seguro, o direito a indenização mínima correspondente ao valor anual da remuneração pactuada. A empregadora é responsável também pelas despesas médico-hospitalares e de medicamentos necessários ao restabelecimento do atleta enquanto a seguradora não fizer o pagamento da indenização (artigo 45 da Lei 9.615/98).

Caso a empregadora não cumpra com sua obrigação, ela terá que reparar os danos eventualmente sofridos pelo atleta em decorrência da prática desportiva, em forma de indenização substitutiva do benefício.
Rescisão do contrato 


Como visto, as regras gerais da CLT são aplicáveis ao atleta profissional, naquilo que não é tratado na legislação específica. Assim, havendo a extinção do contrato por culpa da empregadora (rescisão indireta), ou mesmo por dispensa sem justa causa do atleta, ele terá direito a receber as verbas rescisórias trabalhistas devidas, inclusive a multa de 40% sobre o FGTS.

A legislação especial (artigo 31 da Lei Pelé) prevê que, se a empregadora atrasar o pagamento do salário de atleta profissional (no todo ou em parte) por período igual ou superior a 3 (três) meses, haverá a rescisão do contrato e o atleta ficará livre para se transferir para qualquer outra entidade de prática desportiva de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a cláusula compensatória desportiva e os valores devidos. É uma hipótese de rescisão indireta do contrato de trabalho específica ao atleta profissional.

Da mesma forma como ocorre com o trabalhador comum, a extinção do contrato de trabalho do atleta com mais de um ano de serviço deverá ser homologada pelo sindicato da categoria, nos termos do artigo 477, parágrafo 1º, da CLT. A multa pelo pagamento tardio das verbas rescisórias também se aplica ao contrato do atleta profissional.

CLIQUE e confira a jurisprudência do TRT mineiro e do TST sobre o contrato de trabalho dos atletas profissionais. 

Ex-gerente ganha ação contra Itaú por síndrome do esgotamento profissional causado por estresse


A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) aumentou para R$ 60 mil o valor da indenização a ser pago a uma ex-gerente operacional do Banco Itaú Unibanco S.A que foi diagnosticada e afastada pelo INSS com a síndrome deburnout, transtorno psicológico provocado por esgotamento profissional decorrente de estresse e depressão prolongados. Para o ministro José Roberto Freire Pimenta, relator do processo, a patologia representa prejuízo moral de difícil reversão, mesmo com tratamento psiquiátrico adequado.

Depois de mais de 26 anos prestando serviços ao Banco Banestado S.A e posteriormente ao sucessor Itaú Unibanco S.A., a trabalhadora passou a apresentar humor depressivo, distanciamento dos colegas e desinteresse gradual pelo trabalho. Na reclamação trabalhista, afirmou que, ao invés de adotar políticas preventivas, o banco impunha metas de trabalho progressivas e crescentes, estipulava prazos curtos e insuficientes para a realização de várias atividades simultâneas e cobrava outras medidas que fizeram com que, ao longo dos anos, seu trabalho se tornasse "altamente estressante" e nocivo à saúde.

O Itaú, em sua defesa, associou a doença a problemas familiares, amorosos ou financeiros, sem nexo com a prestação dos serviços. Argumentou que a gerente não desenvolvia qualquer atividade que implicasse esforço cognitivo, com sobrecarga de tarefas ou responsabilidade exagerada. Disse ainda que o trabalho era realizado em ambiente salubre, com mobiliário ergonômico, e que, no curso do contrato, a gerente era submetida a exames médicos periódicos e considerada apta ao exercício da função.

Com base no laudo pericial que constatou o nexo causal do transtorno com a prestação de serviços e em depoimentos testemunhais, a sentença da Vara do Trabalho de União da Vitória (PR) reconheceu a culpa exclusiva do Itaú e o condenou ao pagamento de R$ 30 mil de indenização. O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, ao analisar recurso empresarial, reduziu o valor para R$ 10 mil.

No TST, o ministro José Roberto Freire Pimenta entendeu que o valor arbitrado não atendeu à gravidade do distúrbio psicológico da trabalhadora. "É um longo período de afastamento do trabalho, com a concessão de benefício acidentário pelo INSS e o consumo de medicamentos antidepressivos, além de dois laudos periciais reconhecendo que a incapacidade laboral é total, a doença é crônica e não há certeza sobre a possibilidade de cura," destacou.

Ao aumentar a indenização para R$ 60 mil, ele explicou que a reparação deve ser imposta levando-se em consideração a gravidade do ato lesivo praticado, o porte econômico do empregador, a gravidade da doença e a necessidade de induzir a empresa a não repetir a conduta ilícita. A decisão foi por maioria, vencido o ministro Renato Lacerda Paiva, que votou pelo restabelecimento do valor fixado em sentença.

(Taciana Giesel/CF)


Fonte: TST

Quebra de confiança dispensa fornecedor de indenizar cliente por alteração de contrato verbal




Acompanhando o voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que condenou uma empresa a indenizar outra por suposto prejuízo gerado pela redução unilateral do volume de matéria-prima e do prazo de pagamento previstos em contrato verbal.

O tribunal paulista condenou a empresa fornecedora a ressarcir a diferença do lucro que sua cliente teria com o fornecimento integral do insumo entre agosto de 1997 – quando o fornecimento foi reduzido – e julho de 1998 – quando a relação comercial entre as partes foi encerrada.

O fornecimento foi reduzido em função de problemas operacionais, e o prazo de pagamento, por conta do inadimplemento da contratante. O TJSP entendeu que houve abuso de posição dominante e violação aos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato.

A fornecedora recorreu ao STJ sustentando, entre outros pontos, que a indenização foi imposta com base em dano hipotético e futuro, e que, ao condicionar o fornecimento normal ao pagamento de dívidas em aberto, ela não feriu a boa-fé objetiva. Argumentou, ainda, que a Lei 8.884/94 não se aplica ao caso, uma vez que disciplina relações de direito público e visa a reprimir atos atentatórios à livre concorrência, fatos inexistentes no caso em questão.

Contrato verbal

Em seu voto, Luis Felipe Salomão discorreu sobre a fragilidade do contrato verbal e considerou um “descuido injustificável” a manutenção de pactos desse porte sem forma escrita – o que, embora não retire sua validade e eficácia, reduz a segurança jurídica e gera futuras controvérsias.

Isso porque, ressaltou o ministro, o princípio do paralelismo das formas prevê que o distrato se faz pela mesma forma exigida para o contrato (artigo 472 do Código Civil), ou seja, um contratante não pode exigir do outro forma diferente da verbal para a alteração de uma avença não escrita.

Quanto à redução do fornecimento e do crédito após o inadimplemento das faturas vencidas, o relator concluiu que não se pode impor a um dos contratantes que mantenha as condições avençadas verbalmente quando, de fato, a relação de confiança entre as partes se alterou – conforme o princípio da exceção de inseguridade, prevista no artigo 477do Código Civil.

“Portanto, era lícito que a contratada reduzisse o volume de produto fornecido e modificasse as condições de crédito e de pagamento diante do inadimplemento pretérito da contratante, precavendo-se de prejuízo maior”, afirmou em seu voto.

Previsibilidade

Segundo o relator, os litígios resultantes de descontinuidades contratuais não são novidade no STJ, tanto que a corte já firmou entendimento sobre a licitude da rescisão unilateral desmotivada. Para ele, embora o caso julgado não envolva ruptura de contrato, mas alteração dos padrões de fornecimento provocada por problemas operacionais, não há particularidades que aconselhem julgamento distinto da jurisprudência dominante.

Salomão reconheceu que o caso não trata de relação contratual de longa duração, na qual os costumes comerciais têm aptidão de gerar em um contratante a legítima expectativa de que o outro se comportará de forma previsível, mas ressaltou que problemas operacionais também são previsíveis.

“Em se tratando de problemas de produção, tem-se situação absolutamente previsível para ambos os contratantes, de modo que a redução no fornecimento de produtos, nessa situação, não revela nenhuma conduta ilícita por parte do fornecedor”, disse.

O ministro enfatizou que a própria contratante confirmou que a contratada era responsável por cerca de 70% da matéria-prima utilizada em sua linha de produção, não se tratando, portanto, de fornecedora exclusiva. Para ele, “cabia à contratante precaver-se contra oscilações previsíveis e comuns no fornecimento do produto, sobretudo em avenças de grande vulto” – que, no caso, seria de 90 toneladas/mês.

Dano hipotético

Luis Felipe Salomão também ressaltou em seu voto que não cabe condenação indenizatória com base em pedido genérico. Ele reiterou que, em ação de responsabilidade civil subjetiva, é incumbência do autor demonstrar, ainda no processo de conhecimento, a ocorrência do dano, a conduta ilícita do réu e o nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o resultado lesivo.

“A despeito de o julgador poder valer-se de seu livre convencimento motivado, descabe condenar o réu à indenização de um dano hipotético, sem comprovação da existência do prejuízo e do nexo de causalidade”, afirmou o relator.

Além de dar provimento ao recurso especial, a Turma condenou a empresa contratante ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, arbitrados em R$ 100 mil em razão da complexidade da causa e da longa duração do processo. A decisão foi unânime. 
Fonte: STJ

Confissão espontânea é um dos novos temas da Pesquisa Pronta

Confissão espontânea é um dos novos temas da Pesquisa Pronta


Confissão espontânea, devolução de benefícios previdenciários e atos infracionais são os novos temas da Pesquisa Pronta disponibilizados nesta segunda-feira (11) na página do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O STJ já decidiu que a confissão parcial do réu utilizada como elemento de convicção para a condenação deve ser considerada atenuante, compensável com a agravante da reincidência. Confira todos os julgados em Compensação da reincidência com a confissão espontânea na aplicação da pena.

Quanto ao segundo tema, há julgados do STJ que afirmam que o benefício previdenciário recebido via antecipação de tutela posteriormente revogada deve ser devolvido.

Em Registro de atos infracionais como fundamento para prisão preventiva, há precedentes do tribunal no sentido de que a prática de atos infracionais, apesar de não poder ser considerada para fins de reincidência ou de maus antecedentes, justifica a manutenção de prisão preventiva para a garantia da ordem pública.

Conheça a Pesquisa Pronta

A Pesquisa Pronta foi criada para facilitar o trabalho de interessados em conhecer a jurisprudência do STJ. O serviço é online e está totalmente integrado à base de jurisprudência do tribunal.

Como sugere o nome, a página oferece consultas a pesquisas prontamente disponíveis sobre temas jurídicos relevantes, bem como a acórdãos com julgamento de casos notórios.

Embora os parâmetros de pesquisa sejam pré-definidos, a busca dos documentos é feita em tempo real, o que possibilita que os resultados fornecidos estejam sempre atualizados.

Como utilizar a ferramenta

A Pesquisa Pronta está permanentemente disponível no portal do STJ. Basta acessar Jurisprudência > Pesquisa Pronta, na página inicial do site, a partir do menu principal de navegação.

As últimas pesquisas realizadas podem ser encontradas emAssuntos Recentes. A página lista temas selecionados por relevância jurídica de acordo com o ramo do direito ao qual pertencem.

Já o link Casos Notórios fornece um rol de temas que alcançaram grande repercussão nos meios de comunicação.

Ao clicar num assunto de interesse, o usuário é direcionado a uma nova página com os espelhos de acórdãos do tribunal que dizem respeito ao tema escolhido.

Quem preferir pode clicar diretamente no link com o nome do ramo do direito desejado para acessar os assuntos que se aplicam a ele.
Fonte: STJ

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Publicidade de concessionária faz GM responder por defeito em seminovo



A General Motors terá de indenizar um consumidor por vício de qualidade de veículo seminovo comprado em concessionária da marca, pois a publicidade garantia que os automóveis ali vendidos haviam sido inspecionados e aprovados com o aval da montadora. A decisão é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

O consumidor adquiriu o seminovo confiando na publicidade da concessionária, segundo a qual os automóveis seriam qualificados e totalmente inspecionados. “Os únicos seminovos com o aval da GM e mais de 110 itens inspecionados”, dizia a propaganda.

O carro apresentou diversos problemas e foi trocado por outro, com pagamento de diferença, mas este também tinha defeitos. Em 2003, foi ajuizada ação de indenização por danos materiais e morais contra a concessionária e a GM.

Condenação

Em primeiro grau, as rés foram condenadas solidariamente a devolver as quantias pagas e reembolsar todas as despesas efetuadas, com correção monetária e juros. A indenização por dano moral ficou em R$ 15.990.

O TJSP manteve a condenação, pois entendeu que a GM deu aval à garantia dos seminovos comercializados pela concessionária. Segundo o tribunal, houve responsabilidade solidária por danos causados ao consumidor. A solidariedade está prevista nos artigos 18 e 34 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

No recurso ao STJ, a GM alegou que o chamado programa “Siga”, do qual a concessionária faz parte, não se relaciona a nenhuma garantia inerente aos veículos usados, mas apenas qualifica as condições das concessionárias quanto a instalações, disponibilidade de recursos financeiros e capacidade empresarial. Disse que jamais vistoriou ou certificou as condições dos veículos postos à venda, o que seria de inteira responsabilidade da concessionária.

Informação

Ao examinar o recurso, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, observou que a responsabilidade das rés vem da oferta veiculada por meio da publicidade. Lembrou que oartigo 6º do CDC preconiza o direito do consumidor de ter informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços e de receber proteção contra a publicidade enganosa ou abusiva.

Segundo o ministro, a informação afeta a essência do negócio, pois integra o conteúdo do contrato e, se falha, representa vício na qualidade do produto ou serviço oferecido. Salomão também observou que quando o fornecedor anuncia, a publicidade deve refletir fielmente a realidade.

Chancela

O caráter vinculativo da oferta aumenta quando há chancela de determinada marca, “exigindo do anunciante os deveres anexos de lealdade, confiança, cooperação, proteção e informação, sob pena de responsabilidade”, disse em seu voto.

Salomão constatou que a GM teve participação no informe publicitário, razão pela qual não é possível afastar a solidariedade diante da oferta veiculada. Ele assegurou que se trata de jurisprudência consagrada no STJ, que reconhece a responsabilidade solidária de todos os fornecedores que venham a se beneficiar da cadeia de fornecimento, seja pela utilização da marca, seja por fazer parte da publicidade.

O ministro entendeu que o slogan “Siga – os únicos seminovos com aval da Chevrolet” levou o consumidor a acreditar que os automóveis seminovos daquela revenda seriam de excelente procedência, justamente porque inspecionados pela GM. Se a mensagem não é clara, prevalece a aparência, ou seja, aquilo que o consumidor mediano compreende – explicou o relator.A Quarta Turma confirmou que a responsabilidade é objetiva, por não haver correspondência do produto com a expectativa gerada pela oferta veiculada. Conforme concluiu o ministro Salomão, “ao agregar o seu ‘carimbo’ de excelência aos veículos seminovos anunciados, a GM acabou por atrair a solidariedade pela oferta do produto/serviço e o ônus de fornecer a qualidade legitimamente esperada pelo consumidor”.
FONTE: STJ

"Temos grandes doutores do Direito, mas o sistema precisa é de bons gestores"



HORA DA TECNOLOGIA
"Temos grandes doutores do Direito, mas o sistema precisa é de bons gestores"



No aniversário de cinco anos do chamado “processo cidadão”, implantado na 7ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, o juiz Ali Mazloum decidiu dar uma passo além no projeto. Em abril, ele oficializou a utilização do aplicativo WhatsApp, de troca de mensagens, nos trâmites do processo. O objetivo é dar celeridade à Justiça, concluindo o processo no prazo máximo de dez meses.

Com o aplicativo, o juiz se comunica com advogados, procuradores, testemunhas e réus para lembrá-los da data de audiência, agendar consultas aos autos ou retiradas de certidões e alvarás.

O método é elogiado por alguns e criticado por outros. Para Mazloum, no entanto, está claro que o sistema de Justiça precisa sofrer mudanças profundas, que necessitam da tecnologia: “O Judiciário não consegue enxergar que está na hora de investir nos juízes, mas na área de TI, na área de gestão. É isso que vai tirá-lo do lugar onde está. Se você continuar fazendo sempre a mesma coisa você vai continuar obtendo sempre o mesmo resultado.”

A vara em que atua tem uma média de 270 processos em andamento. Em 90% dos casos, conta Mazloum, são encerrados em até dez meses, como previsto no processo-cidadão.

Apesar de se considerar um juiz pragmático, Ali Mazloum publicou cinco livros – quatro na área jurídica e outro sobre liderança e negócios. Recentemente concluiu mestrado sobre reserva de jurisdição na investigação criminal e um MBA em gestão e diz que tem novos projetos em vista.

Para ele, é hora do magistrado tomar para si o papel de juiz-gestor. “A organização que não trabalha hoje com 70% da sua força de trabalho em projetos vive no passado.”

Mazloum diz ainda que o Conselho Nacional de Justiça precisa ser instrumento fundamental para a implantação dessa mudança. “O CNJ tem desempenhado um papel importante como órgão de controle, mas falta nele o papel de órgão líder nessa área de gestão.”

Falta também ao conselho discutir o Judiciário do futuro, inclusive no que tange a questão da sustentabilidade, segundo o magistrado. “Hoje já podemos pensar em um prédio da Justiça Federal sustentável, com sistema de reutilização de água, com um sistema de aproveitamento de energia solar… O CNJ ainda tem pela frente um futuro muito promissor para capitanear esse tipo de cultura.”

Tal olhar, diz ele, vem do seu percurso de vida. Antes do Direito, Mazloum se formou em Arquitetura e Urbanismo. Optou pela carreira de promotor e, depois, de juiz, mas não deixou de lado a preocupação sobre os aspectos arquitetônicos e cenográficos, inclusive no Judiciário, onde testemunhas e réus prestam depoimentos.

Filho de imigrantes libaneses, começou a trabalhar desde criança no comércio do pai, na região da Penha, em São Paulo. A escolha pela carreira jurídica feita por ele e por quatros irmão advém da influência paterna. “Meu pai sempre foi muito correto e justo, a ponto de receber o apelido de outros comerciantes de ‘senhor nota fiscal’, pois ele, ao contrário de muitos, emitia documento fiscal em cada venda que fazia”, exemplifica.

Em seu percurso no Direito, foi promotor de Justiça. Na magistratura federal, passou pela Vara de Execuções Fiscais em Presidente Prudente e na Vara Civil de São Paulo, como substituto. Está na 7ª Vara Criminal da 3ª Região desde 1997, onde recebeu a ConJur para uma entrevista que durou mais de duas horas.

Leia a entrevista:

ConJur — O uso do aplicativo Whatsaap no andamento dos processos foi oficializada mês passado na vara em que o senhor atua. Como se dá a utilização dessa tecnologia?
Ali Mazloum — Quando há utilização do aplicativo, a gente imprime a comunicação feita e coloca no processo. Tomamos todo cuidado para não haver nulidade. Tivemos um caso na qual a testemunha respondeu a nossa mensagem dizendo que não poderia ir à audiência. Ele fotografou o atestado médico e enviou a imagem pelo aplicativo. Sem a ferramenta, só saberíamos disso no dia da audiência ou nem saberíamos. A testemunha simplesmente não viria e isso poderia travar tudo. Não poderíamos ouvir as testemunhas de defesa, fazer o interrogatório... Dentro da metodologia do processo-cidadão, o objetivo é julgar o processo em dez meses. Nesse caso que citei, se não houvesse a troca de mensagem, todo aquele preparativo iria por água abaixo. Por isso a importância de usar essa tecnologia. Resolvemos a questão combinando com a testemunha uma conversa pelo Skype.

Em outro caso, enviamos uma mensagem no WhatssApp para a testemunha que não havia chegado para a audiência. Após ser informada, ela respondeu, questionando se era possível aguardar a chegada dela. E em 40 minutos ela estava aqui. Para nós é vantajoso esperarmos quarenta minutos, uma hora, do que remarcar. Isso se chama gestão do processo, gestão da crise, coisa que muito juiz do Judiciário não está fazendo. Noventa e nove por cento dos juízes em um caso desses já redesigna. Por isso que o processo demora quatro, três anos. A tecnologia ajuda nessas situações.

O modelo tradicional de processo se tornou obsoleto hoje para a nossa metodologia de trabalho e para os nossos prazos, então eu fui procurando encontrar meios que fossem compatíveis com as minhas necessidades.

ConJur — Como os colegas magistrados reagiram a essa iniciativa?
Ali Mazloum — Alguns fazem gozação. Tem críticas: "Ih, isso aí vai gerar nulidade", porém, como disse, tomamos todos os cuidados.

Desde 2008, eu tenho feito esse trabalho e o Judiciário é muito resistente a mudanças. O Poder Judiciário hoje é um grande mamute. A introdução de metodologias novas, o uso da tecnologia, não é bem recebida num primeiro momento. Nesse caso específico do WhatsApp, eu já vinha fazendo muita coisa com SMS primeiro.

No caso dos advogados, por exemplo. Alguns nos enviam mensagens informando que vem aqui para ver o processo. Quando o processo não está aqui, informo de imediato pelo aplicativo. É uma ida e vinda a menos, uma petição a menos. Com isso, diminuímos o fluxo de gente no prédio, o fluxo de trânsito. Se pensarmos nisso numa escala macro, contribuiríamos para diminuição dos índices de acidentes e assaltos de alguma maneira.

ConJur — De onde veio essa metodologia de trabalho?
Ali Mazloum — É fruto da experiência e do estudo, de planejamento. O processo-cidadão é conjunto de práticas, dentro do quadro legal, porém com as nossas regras.

ConJur — Quando nasceu a meta dos dez meses?
Ali Mazloum — Começou a germinar em 2008, e, em 2010, oficializei. Como oficializei a Portaria que trata do Whatsapp agora em abril, mas já vinha usando de forma experimental antes.

ConJur — Qual o índice de cumprimento dessa meta?
Ali Mazloum — Eu posso dizer tranquilamente 90%. Cumpro o prazo inclusive em operações policiais, que normalmente envolvem muitos réus. Às vezes vai um pouquinho mais, mas, veja, ainda assim, é prazo, que, para o “padrão Brasil” é super razoável. Só não atinjo a meta quando tem que cumprir diligência fora do país.

ConJur — Alguns especialistas colocam que não caberia ao juiz ser gestor de vara ou do processo, ele teria que ser um julgador, e a Justiça deveria se moldar pra criar um novo cargo para que houvesse um gestor na vara. O senhor concorda?
Ali Mazloum — Eu discordo diametralmente. Acho que o Judiciário precisa se modernizar. Existe uma afirmativa com a qual eu concordo muito. Ela é mais ou menos assim: a organização que não trabalha hoje com 70% da sua força de trabalho em projetos vive no passado. Se pegarmos hoje o Poder Judiciário, sua força de trabalho não chega a 1% na área de projetos. Ele não se deu conta do quanto está atrasado, que o sistema penitenciário, penal e de Justiça estão falidos. Existe um abismo entre a Justiça e a área de ciência e tecnologia.

ConJur — A tecnologia tem se aproximado pelo menos da Ciência do Direito e da Ciência Criminal, ou o Direito como um todo está afastado disso?
Ali Mazloum — Eu acho que a gente está muito longe de tudo que o mundo tem inovado. Estamos fazendo muito do mesmo e a gente não sai do lugar. O Judiciário não consegue enxergar que está na hora de investir nos juízes, mas na área de TI, na área de gestão e é isso que vai tirar o Judiciário do lugar onde está. Se você continuar fazendo sempre a mesma coisa, vai continuar obtendo sempre o mesmo resultado. A gente tem hoje grandes doutores do Direito, temos grandes filósofos. Só que isso não vai tirar o Judiciário dessa morosidade, dessa mesmice. Temos um sistema falido aqui e do outro lado temos ciência e tecnologia despontando. Faltam bons gestores na área de Direito.

ConJur — A Folha de S.Paulo publicou reportagem na semana passada falando do "aplicativo vírus" que a Polícia Federal quer utilizar em investigações para obter outros dados do celular — além da ligação de voz —, como e-mails, comentários, perfis em rede social e a própria conversa no WhatsApp do dono da linha telefônica. Há previsão legal para isso?
Ali Mazloum — Eu não parei para estudar esse aplicativo, mas existe sigilo de conversa telefônica e sigilo de comunicações telemáticas, bem como existe a possibilidade de quebra disso com autorização judicial. Então, desde que haja autorização judicial...

ConJur — Mesmo uma apreensão de dados remota, sem a pessoa saber?
Ali Mazloum — Não quero dar uma resposta conclusiva, mas estamos falando de tecnologia. Se a gente pode chegar num avanço desse tipo, numa tecnologia que possibilite isso em vez de ser por meio físico, e desde que haja autorização judicial e especificação para que tipo de crime caberia essa quebra... Eu acho que aí precisa ver quem é o investigado, analisar o sigilo da fonte. No caso de pornografia infantil, por exemplo, é necessário ingressar, inclusive nesse sigilo de dados. Mas realmente não conheço esse aplicativo noticiado.

ConJur — Já se trabalha muito com quebra do sigilo do WhatsApp?
Ali Mazloum — Sim. É o sigilo telemático, é uma autorização normal.

ConJur — E é alto o número de pedidos?
Ali Mazloum — Não tem sido muito comum, pelo menos pra nós aqui na Vara. Mas a verdade seja dita: tem aumentado de uma forma geral essa forma de investigação com a quebra de sigilo de dados. É uma tendência mundial.

ConJur — A delação pode ser o primeiro indício para se executar prisões?
Ali Mazloum — Sou contra começar a aplicar medidas violadoras de direito fundamental a partir de uma mera delação ou uma carta anônima. No caso de delação, não basta acusar, tem que ser documentado, com prova. Isso é delação. Fora isso, é uma acusação ou confissão. Uma delação propriamente dita não se está só com base no verbo. Ela precisa apresentar a prova, um documento de depósito, por exemplo.

ConJur — Quando não aceitar uma delação?
Ali Mazloum — Quando é inconfiável. Eu já tive caso aqui de delator cuja delação eu não aceitei. Tomei aquilo como parcial confissão e condenei-o. Entendi que ele, na verdade, não trouxe nada de novo. Na delação, tem que trazer elemento realmente novo, não é simplesmente falar: "Fulano participou".

ConJur — O ministro Marco Aurélio criticou formas de obter a delação a partir de prisão. Isso faz sentido para a Justiça que a gente tem atualmente?
Ali Mazloum — Não. A lei não tem essa previsão de prisão para fins de delação, ela não traz esse tipo de autorização. Isso aí seria uma forma de tortura para obter uma confissão, uma delação.

ConJur — A delação tem sido usada mais agora ou ela só ficou em evidência por que ela está numa operação mais conhecida?
Ali Mazloum — Ela foi regulamentada agora de forma mais pormenorizada. Um caso de repercussão a colocou mais em evidência. Por isso, acredito que é um instrumento que vai passar a ser mais utilizado.

ConJur — Aqui, na 7ª Vara, ela é bastante utilizada?
Ali Mazloum — Eu tenho uns três ou quatro casos. Mas é preciso cuidado, porque a delação está sendo subvertida. Está sendo usada pelo patrão delatando o mordomo, o empregado. Não é para isso que é feita. Se continuar como está, amanhã vai funcionar justamente para manter impune quem a Justiça queria alcançar. É uma forma de subverter o sistema e isso com o beneplácito da Justiça, com o nosso carimbo.

ConJur — Qual sua opinião sobre a execução da pena logo após a decisão em segunda instância?
Ali Mazloum — Temos o princípio da presunção de inocência, que é um princípio caro ao Brasil, importante. Agora, a gente precisa realmente entender o que ele significa. No caso da Lei da Ficha Limpa, por exemplo, entendeu-se que ele não precisa esperar o trânsito em julgado para impedir que a pessoa possa deixar de se candidatar. Acho que talvez seja uma boa medida também, havendo já um julgamento de primeira instância, depois de um colegiado confirmando a condenação, talvez aí seja um meio termo para o que se pretende estabelecer como parâmetro para se iniciar o cumprimento de uma condenação. Não é nem esperar o trânsito em julgado, porque realmente demora, há muitos recursos. Por outro lado, a condenação em primeira instância, por si só, não permite, porque seria um ato arbitrário.

ConJur — Caberia cortar alguns recursos do nosso processo penal?
Ali Mazloum — O processo penal, no nosso sistema recursal, ainda é melhor que o sistema recursal do processo civil. Se chegarmos nesse meio termo de iniciar o cumprimento da pena já com o julgamento da segunda instância, acho que resolve o problema. Eventualmente para o advogado e para réu já não interessará recorrer, porque o recurso é justamente para evitar o cumprimento da pena, tentar jogar com a prescrição. Caso ele comece a cumprir a pena após decisão na segunda instância, ele não teria esse tipo de vantagem. Então, talvez nem recorresse.

ConJur — Nesse mesmo período em que o juiz federal Sergio Moro e a Associação dos Juízes Federais do Brasil se manifestaram a favor da antecipação da execução da pena, o governo federal apresentou um pacote anticorrupção, o Ministério Público Federal apresentou outro pacote — que incluía, inclusive, a proposta de o uso de prova ilícita não anular o processo... O senhor acha que a gente está vendo a escalada do punitivismo no Brasil?
Ali Mazloum — Não tenho dúvida. O nosso discurso continua sendo o discurso do Direito Penal inimigo, o discurso populista, o clamor das ruas continua movendo a atividade, tanto do Judiciário quanto do Legislativo. Acho que nós não temos pautado nosso trabalho de acordo com aquilo que deve ser feito mesmo. Então, é mais fácil você reduzir a idade penal ou tentar consertar esse menor? Eu sou totalmente contra, não vai resolver em nada reduzir, ao contrário, você vai piorar, vai aumentar ainda mais a criminalidade no país, vai jogar logo de cara no sistema penal mais 30 mil pessoas. Serão pessoas que serão de imediato aliciadas pelas organizações criminosas.

ConJur — Qual seria o resultado imediato no caso da não anulação do processo pelo uso da prova ilícita?
Ali Mazloum — O aumento no uso da prova ilícita. Ao invés de nós termos um processo penal voltado para o respeito aos direitos fundamentais, para a dignidade da pessoa humana, ou um processo penal de acordo com o Estado Democrático de Direito, a gente vai voltar para um estado penal ditatorial. E isso é deletério, é maléfico, porque acaba se voltando contra as pessoas de bem também. Amanhã não é o bandido que vai ser vítima disso, são as pessoas de bem. Então, eu acho que podemos ter um bom sistema penal, um bom processo, um bom sistema de investigação. O problema é querer ser imediatista, querer resolver as coisas para ontem.

ConJur — Nos últimos anos, vimos grandes operações (satiagraha, castelo de areia, sundown) serem derrubadas em instâncias superiores por conta de erros da acusação, erros que ficaram comprovados no processo. O que leva a essa quantidade de erros?
Ali Mazloum — Eu acho que a gente tem um problema no nosso sistema processual. Eu volto a dizer, é um sistema em que você não sabe muito bem qual é o papel do Ministério Público, qual é papel da polícia e qual é o papel do Judiciário na investigação. Como a gente acaba tendo pessoas que não devem estar numa investigação, de repente elas estão lá participando, estão fazendo coisas que não devem.

ConJur — É uma falta de especificação do processo, no Código do Processo Penal?
Ali Mazloum — O nosso sistema processual não atribui de forma bem definida o papel de cada um. Além disso, existe hoje essa vontade justiçamento, de fazer acontecer e de aparecer mesmo. Também há o sentimento de impunidade, que impera dentro da instituição, do Ministério Público Federal, quando age numa investigação assim de porte.

ConJur — Quem está atuando no MPF tem esse sentimento de que pode fazer de tudo e ficar impune?
Ali Mazloum — Sim. Se você pegar essas grandes operações que citou, em todas elas houve abuso de poder, houve crime. Em alguma delas o procurador ou o juiz foram punidos? Não. Ninguém foi punido. Então, enquanto isso acontecer, vamos continuar tendo nulidades. Por que o Ministério Público Federal veio a público, num Estado Democrático de Direito, dizer que quer flexibilizar uma cláusula pétrea da Constituição Federal e ninguém fala nada? Dizer que quer relativizar a proibição do uso da prova ilícita como se isso fosse correto? É o heroísmo. É aquele sentimento de que o Brasil precisa de um salvador da pátria, e o mais conhecido salvador da pátria foi o Partido Nazista, que deu no que deu. Acho impressionante quando uma instituição que deveria velar pela integridade da Constituição vem a público se aproveitando de uma operação que recebeu o aplauso da população e da mídia de um modo geral, para defender uma cusparada na Constituição Federal, foi isso que eles fizeram.

ConJur — Em 2011, o senhor disse que o CNJ exagerava no seu lado punitivista. De lá para cá, algo mudou no conselho
Ali Mazloum — Eu acho que o CNJ tem desempenhado um papel muito importante. Só que eles não podem atropelar as corregedorias locais, para não se tornar também mais um órgão arbitrário. Acho que, nos casos das operações, as corregedorias locais nada fizeram, os órgãos que anularam nada disseram. O CNJ tem desempenhado um papel importante como órgão de controle, mas falta nele o papel de órgão líder na área de gestão. Liderando a magistratura nessa gestão do processo da vara, em primeiro lugar. Em segundo, falta também se criar uma cultura na área de sustentabilidade, que não tem também. Não se vê nenhuma medida sendo tomada por nenhum órgão de cúpula nessa área. Podemos pensar hoje num prédio da Justiça Federal sustentável, com sistema de reutilização de água, com um sistema de aproveitamento de energia solar… O CNJ ainda tem pela frente um futuro muito promissor para capitanear esse tipo de cultura, ele tem que criar.

Para o Judiciário, de um modo geral, tem sido útil o papel do conselho em criar e focar em metas, porque o Judiciário é realmente ruim, é atrasado. Mas acho que ele não tem trabalhado para esse Judiciário do futuro, ele está trabalhando para esse Judiciário do passado.

Quando o conselho tomou esse caminho de estipular metas, a 7ª Vara já estava à frente de todas elas. O CNJ pode ser um órgão de mudança, mas não tem sido.

ConJur — E a sustentabilidade na atuação da Justiça, não no sustentável verde, mas como um sistema que se aguente, em um país com 100 milhões de processos e 200 milhões de habitantes?
Ali Mazloum — Tem esse lado também, mas essa é uma questão de mudança processual. A coletivização das demandas é importante porque tem muita demanda repetida. O Processo Civil perdeu uma grande oportunidade, que era de coletivizar uma demanda individual e acabou afastando essa possibilidade do Novo Código de Processo Civil. De última hora, tiraram essa possibilidade, talvez isso possa ser introduzido mais para frente. Mas, eu acho que seja interessante fomentar um pouco a cultura da arbitragem, da conciliação, tudo isso acho que vai acabar diminuindo um pouco a demanda.

ConJur — Mazloum, em árabe, significa oprimido ou injustiçado. O senhor viveu uma história que lembra o significado do próprio nome, ao ser citado em um midiático processo criminal. Não foi para frente, tendo o seu nome, inclusive, sido excluído da denúncia pelo Supremo Tribunal Federal. Isso influenciou a sua relação com a Justiça?
Ali Mazloum — Eu vi o outro lado do balcão. O processo-cidadão vem um pouco disso também. Desenvolvi um método que a Justiça não fosse tão invasiva e para que fosse menos impertinente na vida da pessoa. O processo não deve ser uma pena, ele não é a punição. A finalidade dele é outra, ele é o veículo para se fazer a justiça.

No processo-cidadão, o oficial de Justiça vai uma vez na casa do réu, não mais que isso. Ele já intima de tudo que vai acontecer, recebe uma cartilha de tudo que vai acontecer e o dia do julgamento. Eu uso o WhatsApp, porque eu sei que daqui a dez meses o sujeito pode esquecer. A testemunha, daqui a alguns meses esquece, então na véspera eu a relembro. No sistema tradicional, no entanto, o juiz intima que abriu um processo, daqui a pouco, intima porque despachou, depois intima de novo. Está toda a hora constrangendo o acusado de alguma forma, indo à casa dele. O processo foi feito para o inocente, se fosse feito para culpado não precisaria de processo.

ConJur — O senhor acredita que o direito de defesa está sendo rebaixado atualmente?
Ali Mazloum — Temos o direito a ampla defesa, mas ele é formal. É utilizado como bem se quer, quando se quer, dependendo das forças envolvidas. O Judiciário não tem, nesse ponto, a coragem necessária de enfrentar esse tipo de situação.

ConJur — Vazamentos de pedaços de processos facilitam o papel de acusação pública?
Ali Mazloum — Não tenha dúvida. Tive, na minha vara, um caso concreto de vazamentos seletivos que favoreciam a acusação. Eram vazamentos seletivos que incriminavam o acusado. Então eu tirei o sigilo do processo. Já que eu não consegui acabar com esses vazamentos, optei por levantar o sigilo.

ConJur — O senhor tem outros quatro irmãos que optaram pela carreira no Judiciário. Qual a raiz desse interesse?
Ali Mazloum — Eu acho que foi o meu pai. Ele chegou em 1950 aqui no Brasil e sempre pautou a vida dele nesta palavra: justiça. Somos em oito irmãos, sete homens e uma mulher, e éramos muito pobres. Por isso, cada filho, quando tinha dez ou 12 anos, tinha de começar a trabalhar com ele na "lojinha".

Meu pai sempre foi muito correto e justo, a ponto de receber o apelido de outros comerciantes de "senhor nota fiscal", pois ele, ao contrário de muitos, emitia documento fiscal em cada venda que fazia. A palavra justiça era coisa do dia a dia. “Não erre, não faça, não pegue, não...” Sabe? A ponto de ele costumar falar que gravou essa palavra no osso da gente.

ConJur — O que está lendo atualmente?
Ali Mazloum — Parei na metade o livro Tuareg, de Alberto Vásquez, que retrata um pouco a história de luta e injustiças de meus antepassados. Pretendo retomar assim que concluir o processo de implantação de todo o serviço de WhatsApp.


Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.

Marina Gama Cubas é repórter da revista Consultor Jurídico.



Revista Consultor Jurídico, 3 de maio de 2015, 9h11

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