quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Dano moral negado: pequenos conflitos com clientes insatisfeitos são ossos do ofício de quem atua no mercado consumidor





O vendedor de uma empresa que comercializava planos telefônicos e aparelhos celulares procurou a Justiça do Trabalho pretendendo receber indenização por danos morais por ter sido alvo de xingamentos e humilhações por parte dos clientes no ambiente de trabalho. Mas, ao analisar o caso, a juíza Fernanda Garcia Bulhões Araújo, em atuação na 41ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, não deu razão ao trabalhador. Para ela, essas ocorrências são meros dissabores, típicos daquelas profissões que se relacionam diretamente com o mercado de consumidores, insuficientes para caracterizar violação de qualquer direito de personalidade do trabalhador.

A prova testemunhal demonstrou que acontecia de alguns clientes insatisfeitos reclamarem dos produtos, ou mesmo do atendimento, mas tudo dentro da normalidade, sem nada específico em relação ao reclamante. Por exemplo: certa vez, um cliente chegou a xingar o reclamante, requerendo atendimento preferencial, mesmo sem ter esse direito.

Entretanto, na visão da magistrada, essas circunstâncias são normais na vida profissional daquele que lida diretamente com os consumidores e, na medida do razoável, são insuficientes para caracterizar prejuízo ao sentimento de honra e dignidade pessoal do trabalhador. Além disso, de acordo com a juíza, mesmo que o reclamante tenha se deparado com a postura hostil de alguns clientes no desempenho de suas atividades, tratam-se de atos de terceiros, os quais não podem ser imputados à empregadora.

Por essas razões, foi indeferido o pedido de pagamento de indenização por danos morais. As partes apresentaram recurso no TRT-MG, mas o reclamante não requereu a reforma da decisão nesse ponto específico.


Fonte: TST

Seminário PJe-JT: Realidades e Perspectivas





Abertas inscrições para magistrados e servidores do TRT3

A Escola Judicial do TRT da 3ª Região promoverá o Seminário PJe-JT: Realidade e Perspectivas, na modalidade presencial, no dia 05 de março de 2015, das 8h30 às 12h e das 13h às 18h, no Centro de Convenções da Escola Superior Dom Helder Câmara – rua Álvares Maciel, 628, bairro Santa Efigênia, Belo Horizonte/MG.


Público-alvo 
Magistrados convocados e servidores do TRT3.

Vagas e inscrições
Serão oferecidas 400 vagas, distribuídas da seguinte forma:
- 325 vagas para magistrados do TRT3 convocados pela Presidência;
- 75 vagas para servidores do TRT3, observada a ordem de inscrição.
As inscrições deverão ser feitas mediante preenchimento, até o dia 27 de fevereiro de 2015, do formulário respectivo disponível aquiou na página da Escola Judicial.
A Escola Judicial divulgará, no dia 02.03.2015, a lista dos servidores selecionados.

Diárias e reembolso
Para viabilizar a participação do maior número de interessados, a Escola Judicial solicitará à Presidência deste Regional o pagamento das diárias relativas à frequência ao evento e o ressarcimento de despesa com transporte rodoviário, nos termos da IN 4/2013.

Certificação:
A Escola Judicial emitirá certificado aos magistrados e, em relação aos servidores, enviará declaração de participação de cursos à DSDRH.

Para aprovação no evento, é imprescindível a frequência em 100% da carga horária do evento e que respondam, até o dia 10 de março de 2015, à avaliação de aproveitamento, disponível aqui ou na página da Escola Judicial.



Escola Judicial do TRT-3ª Região

HSBC é condenado em ação civil pública por pesquisar dívidas de candidatos a emprego


A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou o HSBC Bank Brasil S.A. – Banco Múltiplo a pagar R$ 300 mil a título de dano moral coletivo por pesquisar dívidas dos candidatos a emprego nos cadastros dos serviços de proteção ao crédito, como SPC e Serasa. O HSBC ficou impedido ainda de realizar este tipo de pesquisa, ou de utilizar qualquer método seletivo que viole a "esfera íntima e privada do candidato", sob pena de multa de R$ 5 mil por candidato prejudicado.

O processo é uma ação civil ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho do Paraná em dezembro de 2008, em que a instituição acusa o banco de atitude discriminatória. Com a decisão, a Turma reformou julgamento do Tribunal Regional do Trabalho do Trabalho da 9ª Região (PR), que havia absolvido o banco da indenização por dano moral, imposta originalmente pelo juiz de primeiro grau no valor de R$ 500 mil. Embora tenha considerado a conduta do banco ilícita, o Tribunal Regional entendeu que o dano não teria ficado comprovado, pela falta de prova de que tenha havido prejuízo moral aos candidatos.

No entanto, o ministro José Roberto Freire Pimenta, relator do processo na Segunda Turma, ressaltou que o dano moral, no caso, decorre "da própria natureza das coisas, prescindindo, assim, de prova da sua ocorrência concreta, em virtude de ele consistir em ofensa a valores humanos". Assim, para sua comprovação, bastaria a "demonstração do ato ilícito ou antijurídico em função do qual a parte afirma ter ocorrido a ofensa ao patrimônio moral".

Quanto ao valor da indenização, o relator destacou que, como o ato praticado pelo banco não "tem conteúdo econômico palpável imediato", a indenização deve considerar os aspectos como a natureza, a gravidade e a repercussão da lesão, além da situação econômica do banco e os seus reflexos, "não somente para a classe trabalhadora, mas também para toda a sociedade". Dentro dessa perspectiva, e levando em conta ainda a necessidade de prevenir reincidências futuras, o valor foi arbitrado pela Turma em R$ 300 mil.

(Augusto Fontenele/CF)


Fonte: TST

Mãe consegue incluir nome de solteira na certidão das filhas sem retirar o de casada


A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a averbação do registro civil de duas menores para fazer constar em sua certidão de nascimento a alteração do nome da mãe, que voltou a usar o nome de solteira após a separação judicial. No entanto, ressaltou que o nome de casada deve permanecer no registro. 

Na ação original de retificação de registro civil, o objetivo da mãe era alterar a certidão das filhas para que constasse apenas seu nome de solteira. O pedido foi negado em primeiro e segundo graus sob o fundamento de que a mudança só seria possível em caso de erro capaz de gerar conflito, insegurança ou burla ao princípio da veracidade. 

Contudo, para o relator do recurso no STJ, ministro Villas Bôas Cueva, a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) não impede a mudança. O artigo 57 da lei admite a alteração de nome civil, desde que se faça por meio de exceção e de forma motivada, com a devida apreciação judicial.

Verdade real

“É justificável e plausível a modificação do patronímico materno na certidão de nascimento de suas filhas, situação que prima pela contemporaneidade da vida, dinâmica por natureza”, afirmou o relator. Ele ressaltou que a função do patronímico é identificar o núcleo familiar da pessoa e deve retratar a verdade real, fim do registro público, que objetiva espelhar da melhor forma a linhagem individual.

Segundo Villas Bôas Cueva, com o fim do casamento e a modificação do nome da mãe, sem nenhum prejuízo a terceiros, não há motivo para impedir a atualização do registro de nascimento dos filhos. A alteração facilita, inclusive, as relações sociais e jurídicas, pois não seria razoável impor a alguém a necessidade de outro documento público – no caso, a certidão de casamento dos pais – para provar a filiação constante de sua certidão de nascimento. 

Todavia, o relator ressalvou que, em razão do princípio da segurança jurídica e da necessidade de preservação dos atos jurídicos até então praticados, o nome de casada não deve ser suprimido dos assentamentos, procedendo-se, tão somente, à averbação da alteração requerida após o divórcio.

Leia a íntegra do voto do relator.

Fonte: STJ

Bancário que atropelou ciclistas em Porto Alegre não terá recurso analisado pelo STJ



O ministro Rogerio Schietti Cruz rejeitou pedido do bancário Ricardo José Neis para que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisasse seu recurso especial contra a decisão da Justiça do Rio Grande do Sul que o mandou a júri popular por tentativa de homicídio de 11 ciclistas.

O réu é acusado de avançar propositadamente o carro que dirigia, em 25 de fevereiro de 2011, sobre um grupo de ciclistas que trafegava pela rua José do Patrocínio, no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), no julgamento da apelação, decidiu que Neis deve responder por 11 tentativas de homicídio perante o tribunal do júri, competente para julgar crimes dolosos contra a vida.

A defesa interpôs recurso especial para o STJ alegando que seu cliente não deve ir a júri popular, pois não teve intenção de matar. A decisão do TJRS, segundo a defesa, ofenderia os artigos 23, incisos I e II, 24 e 121 do Código Penal. O recurso não foi admitido na origem, o que levou a defesa a entrar com agravo para tentar convencer o STJ a analisar o caso.

O ministro Schietti, porém, entendeu que o recurso especial apresentado pelo réu é intempestivo, já que foi protocolado antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração julgados no TJRS, e não houve a indispensável ratificação posterior.

Acesso à Justiça

A defesa acusava de ilegal a decisão da corte estadual que não admitiu seu recurso, afirmando que o Supremo Tribunal Federal permite o recebimento de recurso especial na pendência de julgamento de embargos declaratórios. Para ela, tal decisão afrontou a garantia de amplo acesso à Justiça e o princípio da razoabilidade.

Schietti explicou que, nos termos do artigo 26 da Lei 8.038/90, é de 15 dias o prazo para interposição do recurso especial. O acórdão de apelação foi publicado em 4 de abril de 2013, mas o Ministério Público estadual entrou com embargos de declaração.

O recurso especial, no caso, foi protocolado em 19 de abril, anteriormente à publicação do acórdão proferido nos embargos declaratórios, que ocorreu em 29 de maio daquele ano. Incide na questão, segundo o ministro, a Súmula 418 do STJ, que dispõe que “é inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”.O ministro Schietti informou que um recurso do Ministério Público estadual sobre o caso será julgado brevemente pelo STJ.
Fonte: STJ

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Não há justificativa legal para que se criem barreiras ao humor






“...a importância, para o homem e a sociedade, de que se garanta plena liberdade à natureza humana para se expandir em inumeráveis e conflitantes direções”[i]

J.S. Mill

Ano passado, em um debate sobre liberdade de expressão, para o qual fui honrosamente convidado, em determinado momento perguntaram-me se havia de existir limites para o humor. Efetivamente se questões religiosas, étnicas, bem como opções sexuais seriam os limites intransponíveis para o exercício do riso, a ponto de qualquer assunto desse chamado núcleo duro constituir uma ilegalidade.

Recentemente dois episódios colocaram o assunto novamente em destaque. O primeiro evento foi o atentado ao jornal francês Charlie Hebdo, que havia publicado em suas páginas caricaturas de Maomé; e o segundo, acontecido em terras nacionais, trata-se da veiculação, pelo grupo de humor — interessantíssimo, e conhecido de todos — Porta dos Fundos, de sátira das passagens bíblicas relacionadas ao nascimento e crucificação de Cristo.

Se adotarmos o conceito de que o humor é qualquer mensagem cuja intenção é a de provocar o riso ou um sorriso, entenderemos que através de filmes, do teatro, da música, da literatura, dos jornais, das revistas, dos programas radiofônicos, da internet e da televisão faz-se humor.

Segundo registros, o humor foi estudado pela primeira vez na Antiguidade, talvez com Aristóteles. Cícero também é fonte do vocabulário romano de humor[ii]. Não há como esquecermos dos chamados bobos da corte, que, entre os séculos XIV e XVI, tinham como objetivo fazer rir reis e rainhas da monarquia. Pelo humor, os “bobos” estavam até autorizados a criticar o comportamento da monarquia. Mais recentemente, pelo século XVI e XVII, o dramaturgo Willian Shakespeare produziu inúmeras obras que tinha o humor como forma de expor suas observações.

Percebe-se, portanto, que o humor sempre fez parte do caminho da humanidade.

Shakespeare talvez seja um bom exemplo para partirmos para a análise dos limites do humor, tendo em vista que suas obras, ainda que na roupagem do humor, tinham como finalidade muito mais do que provocar o riso. As obras do referido dramaturgo impunham uma reflexão dos conflitos da humanidade, das crises de amor, de comportamento e de preconceitos sociais.

Lendo as obras de Shakespeare, ou mesmo estudando as funções do bobo da corte, é que podemos entender melhor a finalidade do humor, admitindo que o riso talvez não seja a principal finalidade da obra, mas sim apenas um brinde, um algo a mais, em que o tema central sejam a verossimilhança dos fatos retratados, a permitirem uma reflexão, uma crítica.

"Humorismo não é apenas uma forma de fazer rir. Isto pode ser chamado de comicidade ou qualquer outro termo equivalente. O humor é uma visão crítica do mundo e o riso, efeito colateral pela descoberta inesperada da verdade que ele revela", asseverou o então ministro Carlos Ayres Brito no julgamento da ADI 4.451.

O humor, além de evidentemente ser marcado pela descontração, vale-se do exagero, da hipérbole, do óbvio, do absurdo como premissa para qualquer análise a respeito da possibilidade de se impor limites a esse tipo de comunicação.

Nos anos 80, no auge do grupo Os Trapalhões, a troça que mais se fazia era a de brincar com a etnia do personagem Mussum, com a característica do personagem negro e que gostava de tomar um “mé”. Também Zacarias era um personagem central da graça, em razão de suas características físicas, como também fora Didi, um personagem que encarnava o nordestino por vezes inocente e outras tantas perspicaz, tal qual em Macunaíma. Todos que assistiam ao programa tinham como premissa para as suas interpretações, mesmo que inconscientes, que se tratava de graça, de humor, cujas palavras expressadas pelos personagens não podiam ser interpretadas literalmente.

Em tempos mais presentes, podemos citar a frase de Danilo Gentili postada na internet, em que, diante da possibilidade de o bairro de Higienópolis receber uma estação de metrô e dos moradores desse antigo e tradicional local terem se manifestado contrariamente à linha metroviária, o humorista assim escreveu: "entendo os velhos de Higienópolis temerem o metrô. A última vez que eles chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwitz", em clara referência ao campo de concentração nazista e por conta de o bairro concentrar inúmeros descendentes de judeus.

Em nenhuma dessas passagens percebe-se a vilania da ofensa como propósito da graça. Este é ponto central para, a nosso ver, afastar o policiamento que se faz a respeito do humor, buscando-se defender que determinados assuntos não podem ser objeto dessa forma de manifestação do pensamento.

Lembrando do que falamos no primeiro artigo desta coluna, o legislador constituinte deixou bastante claro a impossibilidade de intervenção estatal no exercício da manifestação de pensamento (artigo 5º, inciso IX e artigo 220, parágrafo 1º da CF). E nesse sentido não há justificativa legal para que se criem barreiras ao humor, mesmo para os assuntos duros como etnia, sexualidade, política e religião.

Daí porque acertada a decisão da justiça paulista que determinou o arquivamento do procedimento instaurado contra o grupo Porta dos Fundos, que satirizava o nascimento e crucificação de Cristo. Como também temos de lamentar a agressão ao jornal francês, por conta das charges de Maomé estampadas em seu periódico, pois elas, de bom ou mau gosto, representam uma forma de exercício da palavra, uma manifestação da democracia.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4.451, assim se manifestou a respeito do humor:

“O humor presta serviço à Democracia. Com seu modo elegante ou um tanto agressivo, fino ou mais explícito, direto ou por ironia, ele consegue escancarar os conflitos sociais, políticos e culturais de uma forma não violenta, mas reflexiva. E reflexiva da melhor maneira, através do sorriso.”

Nesse sentido, Bobbio[iii] e Alexis de Tocqueville[iv] há muito sustentam que a democracia pressupõe o exercício do juízo crítico pelos cidadãos, de modo que privar a sociedade de separar a hipérbole da realidade é negar ao país uma maior democratização.

Há uma confusão estabelecida para se defender a condenação do mau humor como se ato ilícito fosse, muito possivelmente por conta de uma interpretação canhestra dos que defendem o politicamente correto. Na passagem do humorista Danilo Gentili, acima citada, em que faz alusão a Auschwitz, como nas caricaturas de Maomé feitas pelo jornal francês, ou ainda a brincadeira feita pelo Porta dos Fundos, podemos condenar o mau gosto, a desnecessidade dessa abordagem ou a forma dessa abordagem, mas em hipótese alguma concordamos que se trata, por si só, de violação às normas jurídicas. Como faço questão de sustentar, mau gosto não é ilícito.

A propósito, o Superior Tribunal de Justiça analisou demanda que discutia a prática de humor e assim se manifestou:

“...a respeito do ‘nível’ do humor praticado pelo periódico – apontado como ‘chulo’ – não é tema a ser debatido pelo Judiciário, uma vez que não cabe a este órgão estender-se em análises críticas sobre o talento dos humoristas envolvidos; (...) Não cabe ao STJ, portanto, dizer se o humor é ‘inteligente’ ou ‘popular’. Tal classificação é, de per si, odiosa, porquanto discrimina a atividade humorística não com base nela mesma, mas em função do público que a consome, levando a crer que todos os produtos culturais destinados à parcela menos culta da população são, necessariamente, pejorativos, vulgares, abjetos, se analisados por pessoas de formação intelectual ‘superior’ – e, só por isso, já dariam ensejo à compensação moral quando envolvessem uma dessas pessoas...”[v]

Não se quer dizer, contudo, que o humor é uma excludente de ilicitude, de modo a permitir que o uso da palavra na forma de humor não possa resvalar numa ilegalidade. Dependendo das circunstâncias, poderá haver ofensa ou qualquer outra violação a direitos. Mas toda interpretação nas questões que envolvem o humor devem ser por demais elásticas, na medida em que é da essência da "caricatura, da sátira e da farsa operarem mediante deformações hiperbólicas da realidade, residindo nesse exagero ou distanciamento dramático em relação ao real, que pode ser tanto dos eventos históricos-sociais, como das pessoas ou das coisas o fator específico da identidade dessas formas de criação artística e da sua comicidade mesma, cujas manifestações, neste caso, constituem o elemento alegórico de uma crítica severa, mas justa, inspirada por motivo de grande valor social" (Cesar Peluso, ADI 4.451).

A elasticidade para a interpretação do humor deve levar em consideração as pessoas, os fatos e as circunstâncias objeto da graça. Da mesma forma que para uma crítica jornalística em que os atores da vida pública devem tolerar mais as notícias, o mesmo deve acontecer para o humor.

Nos tempos atuais há, sem dúvida alguma, uma suscetibilidade exagerada, em que uma crítica ou uma sátira mais cáustica provocam toda sorte de intolerância, como a que motivou o deputado Marco Feliciano a representar o site Porta dos Fundos por conta da esquete intitulada Especial de Natal, bem como contribuiu — além evidentemente de um radicalismo religioso —, para o atentado ao jornal francês Charlie Hebdo.

É fácil defender a liberdade de expressão, a Democracia, quando temos de apenas concordar com o direito que entendemos como certo. Na medida em que somos objeto dessa liberdade, agimos como tiranos contra a nossa própria conquista. Como escreveu o articulista da Folha de S. Paulo, Contardo Caligaris, "a liberdade do vizinho (sobretudo se ele for muito diferente de mim) é sempre a melhor garantia da minha própria liberdade."



[i] Mill, John Stuart. A liberdade: Utilitarismo. São Paulo: Martins Fontes, 2000


[ii] Conf. Bremmer, Jan e Roodengurg, Herman. Uma história cultural do humor. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2000, p. p. 17


[iii] Bobbio, Norberto. O futuro da democracia;


[iv] Tocqueville, Alexis de. La Democracia en América


[v] RESP 736.015


Alexandre Fidalgo é advogado e sócio do escritório Espallargas Gonzalez Sampaio Fidalgo Advogados.



Revista Consultor Jurídico, 25 de fevereiro de 2015, 8h23

O passado ilumina o futuro – eis o novo CPC! Sanciona, presidenta!








E o Novo CPC finalmente foi para o Planalto para ser sancionado...
Vejam todos que, de pronto, deixamos de lado qualquer discussão sobre se devemos chamar a primeira mandatária da nação de presidente ou presidenta. E resolvemos chamá-la como ela gosta. Portanto, esperamos que Sua Excelência olhe com carinho este pleito de dois juristas que representa — sem medo de errar — o anseio de centenas de milhares de advogados, professores e, também, de boa parcela da magistratura de nosso país. Além das partes que litigam cotidianamente. Queremos apresentar para a senhora presidenta alguns pontos que devem ser preservados no novo Código de Processo Civil.



Comecemos com um parágrafo e alguns incisos. Esses nomes “parágrafo” e “inciso” parecem designar coisa sem importância, mas, aqui, no caso, eles representam o cerne de um artigo que trata desse anseio e da preocupação da comunidade jurídica do país.

Pois bem. Esse parágrafo e esses incisos tratam da necessidade de que os juízes e tribunais fundamentem aquilo que eles estão decidindo. Presidenta: Acredite. Muitas vezes o cidadão entra em juízo e sai de lá totalmente surpreendido. Por quê? Porque o que ele alegou nem foi levado em conta. Ou foi simplesmente deixado de lado. Diz-se por aí que, por vezes, o cidadão corre sozinho e chega em segundo. Também há o conhecido folclore de quede urna, barriga de mulher e de cabeça de juiz nunca se sabe o que vai sair. Ledo engano, porque as pesquisas boca de urna já nos dizem antes quem vai ganhar; o ultrassom já resolveu de há muito o sexo do bebê. Então, senhora presidenta, por que temos que ser surpreendidos pelo que sai da cabeça do juiz?

Pois, senhora presidenta, esse é o grande mote do novo CPC: previsibilidade.As partes e os advogados — e isso inclui o governo, maior litigante do país — não devem mais ser surpreendidos com o que o Judiciário decide ou vai decidir. Por isso o Parlamento resolveu colocar vários procedimentos no novo Código para impedir que os juízes decidam como querem. Ninguém quer um juiz autômato. Mas também não queremos um juiz que seja o contrário disso.

Daí que os artigos 10 e 489 — que apenas deixam mais claro o que está na Constituição (artigo 5º, inciso LV e artigo 93, inciso IX) — que vão para a Sua mesa para receber sanção ou veto, são dispositivos que cuidam disso. Há outros também, por exemplo, um — o 926 — , que exige que a jurisprudência do país seja estável, íntegra e coerente – que são um imenso avanço nisso que falamos acima: previsibilidade e garantia de as partes não serem surpreendidas.

Inclusive pedimos sua especial atenção para o artigo 10, sobre o qual já falamos inúmeras vezes e nem merece aqui maiores digressões, até mesmo porque defender-se hoje que o contraditório não seja uma garantia de influência e não surpresa representaria uma profunda ignorância do direito constitucional e processual mundial dos últimos 30 anos (ao menos). Acho que mesmo aqui no Brasil ninguém teria tamanha ousadia de criticar o referido artigo 10 e revelar tamanha limitação cognitiva. É uma unanimidade entre quem pensa! De todo modo, gostaríamos que Vossa Excelência ficasse alerta em relação a esse artigo.

Desculpe-nos a insistência, mas defender-se o contrário — por exemplo, um veto ao artigo 10 — seria manter o quadro de leitura superficial do contraditório que se desconsidera o que é dito no processo, com surpresas constantes na fundamentação: sentença kinder ovo, com surpresinha...

Na sequência, fixemo-nos no 489 que trata das garantias do jurisdicionado para que tenha uma sentença justa e bem fundamentada. Vejamos:

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

Presidenta: o Parlamento aqui esteve iluminado, pois garante que uma decisão (sentença, acórdão) que não tenha alguns requisitos, não vai valer, porque é nula. Simples assim.

O primeiro deles é:

I – [a sentença não estará fundamentada] se [ela] se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

Veja, presidenta: o que o Parlamento está pedindo é que o juiz deve sempre explicar a relação de causa e efeito entre um argumento que estiver usando e a causa em jogo. Isto é para evitar que o juiz diga: conforme o artigo tal, decido assim. Ele necessitará dizer qual é a relação dos alhos com os bugalhos da causa.

II – [a sentença não estará fundamentada se] empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

Sanciona, presidenta! Esse pequeno inciso garante que o juiz ou tribunal não use conceitos “ônibus”, nos quais caibam dezenas de sentidos; por exemplo, ele não poderá proibir a caça com base no principio da dignidade da pessoa humana (como já aconteceu, presidenta); ele terá que sempre explicar em que sentido está usando a expressão.

III – [a sentença não estará fundamentada se] invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

Senhora presidenta: muito justo que o Parlamento tenha dito isso. Afinal, não dá para usar os motivos da ilegalidade de um tributo, válidos em um processo, em outro processo que nem trata desse tipo de imposto. Por falar em impostos e tributos, a Senhora sabe do que estamos tratando, pois não?

IV – [a sentença não estará fundamentada se] não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

Este, senhora presidenta, talvez seja o mais importante para evitar as surpresas e aquela coisa de “de cabeça de juiz...”. A senhora mesmo não se pergunta, as vezes, algo como “de onde o tribunal tirou essa ideia? Isso nem foi alegado...!”. Pois é, presidenta.

Não queremos nos exibir, mas na Alemanha isso é assim já há muito tempo (Para citar apenas um país porque inúmeros outros também seguem este pressuposto há tempos). Até o nosso Supremo Tribunal tem decisões referindo-se a essa garantia. Falamos do dever do juiz de levar em consideração os argumentos relevantes das partes[1], que atribui ao magistrado não apenas o dever de tomar conhecimento das razões apresentadas[2], como também o de considerá-las séria e detidamente[3]em seu artigo 489, parágrafo 1º, inciso IV, do NCPC.[4] Há muito a doutrina percebeu que o contraditório não pode mais ser analisado tão somente como mera garantia formal de bilateralidade da audiência, mas sim como uma possibilidade de influência[5] sobre o desenvolvimento do processo e sobre a formação de decisões racionais, com inexistentes ou reduzidas possibilidades de surpresa.

Sem querer chatear e tomar mais o seu precioso tempo, senhora presidenta,mas tal concepção significa que não se pode mais acreditar que o contraditório se circunscreva ao dizer e contradizer formal entre as partes, sem que isso gere uma efetiva ressonância (contribuição) para a fundamentação do provimento, ou seja, afastando a ideia de que a participação das partes no processo possa ser meramente fictícia, ou apenas aparente, e mesmo desnecessária no plano substancial.

Para fechar: no sistema alemão, o princípio, nos termos do artigo 103, parágrafo 1º, da Grundgezets (Lei Fundamental alemã) inclui não só o direito de se expressar, mas também o direito a que essas declarações sejam devidamente levadas em consideração. Julgados do Tribunal Constitucional Federal (por exemplo, BVerfGE 70, 288 NJW 1987, 485) localizam esse dever como decorrência do contraditório (Anspruch auf rechtliches Gehör), apontando que ele assegura às partes o direito de ver seus argumentos considerados. É isso. Portanto, achamos que conseguimos nos explicar e agora podemos pedir: Sanciona, presidenta!

Já o inciso V diz que [a sentença não estará fundamentada] se [ela] se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

Excelência: este é um velho pleito. Todos os alunos do primeiro ano de faculdade ouvem de seu professor: “- A sentença não é um silogismo; não basta fazer dedução; isso é do século XIX”. Pois bem. Agora, com o NCPC, temos a chance de garantir que isso que dissemos aos alunos é verdade, isto é, que uma sentença ou acordão não pode se limitar a dizer “julgo conforme a sumula tal”, sem explicar as razões que ligam o enunciado ao caso concreto em jogo. Pode acreditar, presidenta: vale a pena sancionar!

VI - Por último, [a sentença não estará fundamentada] se [ela] deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Por que é de fundamental importância esse inciso? Para garantir que exatamente o precedente que uma parte está usando, seja utilizado pelo Juiz; e se ele não serve para decidir aquela causa, o juiz terá que dizer porquê. Com isto, senhora presidenta, vai diminuir consideravelmente o número de recursos no país.

Sempre é bom saber que, quando disputamos uma corrida entre dois, no máximo que vai acontecer é chegar em segundo; nunca em terceiro. Por que a senhora acha que o Brasil é campeão de uma coisa chamada “embargos de declaração”? Simples: porque as partes precisam saber aquilo que agora os juízes estarão obrigados a dizer na decisão.

O Brasil ganhará. E muito. Sanciona, presidenta!



[1] Recht auf Berücksichtigung von Äußerungen.


[2] Kenntnisnahmepflicht


[3] Erwägungspflicht


[4] cf. THEODORO JR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre; PEDRON, Flávio. Novo Código de Processo Civil: Fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: GEN Forense, 2015. Tb Streck, L.L. Verdade e Consenso, SP, Saraiva, parte final.


[5] Einwirkungsmöglichkeit . BAUR, Fritz. Der Anspruch auf rechliches Gehör. Archiv für Civilistiche Praxis, Tubingen, J.C.B. Mohr, n. 153, p. 403, 1954.


Lenio Luiz Streck é jurista, professor, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.

Dierle Nunes é advogado, doutor em Direito Processual, professor adjunto na PUC Minas e na UFMG e sócio do escritório Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia (CRON Advocacia). Membro da Comissão de Juristas que assessorou na elaboração do Novo Código de Processo Civil na Câmara dos Deputados.



Revista Consultor Jurídico, 25 de fevereiro de 2015, 8h52

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...