quarta-feira, 7 de agosto de 2013

INFORMATIVO JURISPRUDENCIAL DO STJ Nº. 522



Informativo n. 0522
Período: 1º de agosto de 2013
As notas aqui divulgadas foram colhidas nas sessões de julgamento e elaboradas pela Secretaria de Jurisprudência, não consistindo em repositórios oficiais da jurisprudência deste Tribunal.

Corte Especial



DIREITO PROCESSUAL PENAL. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DE EXCEÇÃO DA VERDADE OPOSTA EM FACE DE AUTORIDADE QUE POSSUA PRERROGATIVA DE FORO.


A exceção da verdade oposta em face de autoridade que possua prerrogativa de foro pode ser inadmitida pelo juízo da ação penal de origem caso verificada a ausência dos requisitos de admissibilidade para o processamento do referido incidente. Com efeito, conforme precedentes do STJ, o juízo de admissibilidade, o processamento e a instrução da exceção da verdade oposta em face de autoridades públicas com prerrogativa de foro devem ser realizados pelo próprio juízo da ação penal na qual se aprecie, na origem, a suposta ocorrência de crime contra a honra. De fato, somente após a instrução dos autos, caso admitida a exceptio veritatis, o juízo da ação penal originária deverá remetê-los à instância superior para o julgamento do mérito. Desse modo, o reconhecimento da inadmissibilidade da exceção da verdade durante o seu processamento não caracteriza usurpação de competência do órgão responsável por apreciar o mérito do incidente. A propósito, eventual desacerto no processamento da exceção da verdade pelo juízo de origem poderá ser impugnado pelas vias recursais ordinárias. Rcl 7.391-MT, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 19/6/2013.

Primeira Seção



DIREITO ADMINISTRATIVO. GRATIFICAÇÃO DE ATIVIDADE (GAE) PAGA AOS ADVOGADOS DA UNIÃO. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).


A Gratificação de Atividade (GAE) instituída pela Lei Delegada 13/1992 é devida aos Advogados da União somente até a edição da MP 2.048-26/2000, momento em que foi substituída pela Gratificação de Desempenho de Atividade Jurídica (GDAJ). A MP 2.048-26/2000 reestruturou e reorganizou carreiras, cargos e funções comissionadas técnicas no âmbito da Administração Pública Federal, entre as quais a de Advogado da União, concedendo-lhes, no art. 41, uma nova gratificação, a GDAJ. Assim, não obstante o fato de o art. 1º dessa medida provisória não ter se referido ao cargo de Advogado da União, devem ser interpretados, sistemática e teleologicamente, seus arts. 41 e 59 para concluir que a GAE foi retirada de todos os cargos tratados por ela — e não apenas dos relacionados às carreiras elencadas em seu art. 1º — para ser substituída pela GDAJ. REsp 1.353.016-AL, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 12/6/2013.



DIREITO ADMINISTRATIVO. COBRANÇA DE REAJUSTE INCIDENTE SOBRE PARCELA REMUNERATÓRIA INCORPORADA. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).


A incorporação da Parcela Autônoma do Magistério (PAM) aos vencimentos dos professores públicos do Estado do Rio Grande do Sul não implica, por si só, a prescrição do fundo de direito da pretensão de cobrança dos reajustes incidentes sobre a parcela incorporada instituídos, antes da incorporação, pela Lei Estadual 10.395/1995. De fato, embora a PAM tenha sido incorporada aos vencimentos dos professores públicos do Estado do Rio Grande do Sul (Lei Estadual 11.662/2001), os reajustes incidentes sobre a parcela incorporada e anteriores a esse evento repercutem continuamente na esfera jurídico-patrimonial dos servidores, gerando efeitos financeiros de trato sucessivo. Assim, não há que se falar em negativa inequívoca do direito à revisão da verba incorporada ante a incorporação. Nessa situação, incide a regra da Súmula 85 do STJ, segundo a qual, nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação. Precedentes citados: REsp 1.313.586-RS, Segunda Turma, DJe 4/2/2013 e AgRg no REsp 1.313.646-RS, Primeira Turma, DJe 21/9/2012. REsp 1.336.213-RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 12/6/2013.



DIREITO ADMINISTRATIVO. PROMOÇÃO DE ANISTIADO POLÍTICO MILITAR. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).


Não é possível a promoção de anistiado político (art. 6º da Lei 10.559/2002) para carreira militar diversa da que ele integra. De fato, ao anistiado político foi assegurado, na forma do art. 8º do ADCT, as promoções a que teria direito se na ativa estivesse, em observância ao disposto no art. 6º, §§ 3º e 4º, da Lei 10.559/2002. Essa prerrogativa, contudo, é restrita às promoções da carreira à qual o anistiado pertence. Precedentes citados do STJ: AgRg no REsp 1.279.476-RJ, Primeira Turma, DJe 14/11/2012; e AgRg no AREsp 283.211-RJ, Primeira Turma, DJe 18/3/2013. Precedentes do STF: ARE 692.360-RJ AgR; e RE 630.868-RJ AgR. REsp 1.357.700-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 12/6/2013.



DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INTIMAÇÃO POR CARTA COM AVISO DE RECEBIMENTO DO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA NACIONAL. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).


É válida a intimação do representante judicial da Fazenda Pública Nacional por carta com aviso de recebimento quando o respectivo órgão não possuir sede na comarca em que tramita o feito. O STJ uniformizou o entendimento de que a Fazenda Pública Nacional, em regra, possui a prerrogativa da intimação pessoal. Entretanto, no caso de inexistência de órgão de representação judicial na comarca em que tramita o feito, admite-se a intimação pelos Correios, à luz do art. 237, II, do CPC, aplicável subsidiariamente às execuções fiscais. Ademais, o próprio legislador adotou a mesma solução nos casos de intimações a serem concretizadas fora da sede do juízo (art. 6º, § 2º, da Lei 9.028/1995). Precedentes citados: EREsp 743.867-MG, Primeira Seção, DJ 26/3/2007; REsp 1.234.212-RO, Segunda Turma, DJe 31/3/2011; e REsp 1.001.929-SP, Primeira Turma, DJe 7/10/2009. REsp 1.352.882-MS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 12/6/2013.



DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NOMEAÇÃO DE BENS À PENHORA EM EXECUÇÃO FISCAL. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).


Na execução fiscal, o executado não tem direito subjetivo à aceitação do bem por ele nomeado à penhora em desacordo com a ordem estabelecida no art. 11 da Lei 6.830/1980 e art. 655 do CPC na hipótese em que não tenha apresentado elementos concretos que justifiquem a incidência do princípio da menor onerosidade (art. 620 do CPC). Em princípio, nos termos do art. 9º, III, da Lei 6.830/1980, cumpre ao executado nomear bens à penhora, observada a ordem do art. 11 do mesmo diploma legal. É do devedor o ônus de comprovar a imperiosa necessidade de afastar a ordem legal dos bens penhoráveis e, para que essa providência seja adotada, é insuficiente a mera invocação genérica do art. 620 do CPC. Exige-se, para a superação da ordem legal estabelecida, que estejam presentes circunstâncias fáticas especiais que justifiquem a prevalência do princípio da menor onerosidade para o devedor no caso concreto. Precedentes citados: EREsp 1.116.070-ES, Primeira Seção, DJ 16/11/2010; e AgRg no Ag 1.372.520-RS, Segunda Turma, DJe 17/3/2011. REsp 1.337.790-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 12/6/2013.



DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DESNECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO ESPECÍFICA PARA A DISCUSSÃO DE ENCARGOS INCIDENTES SOBRE DEPÓSITOS JUDICIAIS. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).


A discussão quanto à aplicação de juros e correção monetária nos depósitos judiciais independe de ação específica contra o banco depositário. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.136.119-SP, Segunda Turma, DJe 30/9/2010 e AgRg no AG 522.427-SP, Terceira Turma, DJe 2/10/2009. REsp 1.360.212-SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 12/6/2013.



DIREITO PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS NO CASO DE RENÚNCIA AO DIREITO OU DESISTÊNCIA DE AÇÃO COM O OBJETIVO DE ADERIR AO REGIME DE PARCELAMENTO DA LEI 11.941/2009. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).


São devidos honorários advocatícios sucumbenciais na hipótese de renúncia ao direito ou desistência de ação com o objetivo de aderir ao regime de parcelamento tributário instituído pela Lei 11.941/2009. O art. 6º desse diploma legal dispõe que “o sujeito passivo que possuir ação judicial em curso, na qual requer o restabelecimento de sua opção ou sua reinclusão em outros parcelamentos, deverá, como condição para valer-se das prerrogativas dos arts. 1º, 2º e 3º desta Lei, desistir da respectiva ação judicial e renunciar a qualquer alegação de direito sobre a qual se funda a referida ação [...]”. Ainda, conforme o § 1º deste artigo, “ficam dispensados os honorários advocatícios em razão da extinção da ação [...]”. Assim, entende-se que a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação, para fins de adesão a parcelamento, não tem como efeito necessário a dispensa dos honorários. Há que analisar, no caso concreto, se existe subsunção ao disposto no art. 6º, § 1º, da Lei 11.941/2009, que condiciona a exoneração do pagamento dos honorários sucumbenciais à hipótese de extinção do processo com resolução de mérito por desistência ou renúncia em demanda na qual o sujeito passivo requer o restabelecimento de sua opção ou sua reinclusão em outros parcelamentos. Essa regra é excepcional em nosso sistema processual civil, o qual impõe os ônus sucumbenciais à parte que desistir ou reconhecer a renúncia (art. 26 do CPC), devendo, por conseguinte, ser interpretada restritivamente. Precedentes citados: EREsp 1.181.605-RS, Corte Especial, DJe 28/11/2012 e AgRg no REsp 1.258.563-RS, Segunda Turma, DJe 28/11/2012. REsp 1.353.826-SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 12/6/2013.



DIREITO TRIBUTÁRIO E PREVIDENCIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA DE VALOR INDEVIDAMENTE RECEBIDO A TÍTULO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).


Não é possível a inscrição em dívida ativa de valor correspondente a benefício previdenciário indevidamente recebido e não devolvido ao INSS. Isso porque a inscrição em dívida ativa de valor decorrente de ilícito extracontratual deve ser fundamentada em dispositivo legal específico que a autorize expressamente. Ocorre que, nas leis próprias do INSS (Lei 8.212/1991 e Lei 8.213/1991), não há dispositivo legal semelhante ao disposto no parágrafo único do art. 47 da Lei 8.112/1990 – o qual prevê a inscrição em dívida ativa de valores não pagos pelo servidor público federal que tiver sido demitido, exonerado ou tiver sua aposentadoria ou disponibilidade cassada. Se o legislador quisesse que o recebimento indevido de benefício previdenciário ensejasse a inscrição em dívida ativa, teria previsto expressamente na Lei 8.212/1991 ou na Lei 8.213/1991, o que não fez. Incabível, assim, por se tratar de restrição de direitos, qualquer analogia com o que dispõe o art. 47 da Lei 8.112/1990. Isso significa que, recebido o valor a maior pelo beneficiário, a forma prevista em lei para o INSS reavê-lo se dá através de desconto do próprio benefício a ser pago em períodos posteriores e, nos casos de dolo, fraude ou má-fé, a lei prevê a restituição de uma só vez (descontando-se do benefício) ou mediante acordo de parcelamento (art. 115, II e § 1º, da Lei 8.213/1991 e art. 154, II e § 2º, do Dec. 3.048/1999). Na impossibilidade da realização desses descontos, seja porque o beneficiário deixou de sê-lo (suspensão ou cessação), seja porque seu benefício é insuficiente para a realização da restituição de uma só vez ou, ainda, porque a pessoa que recebeu os valores o fez indevidamente jamais tendo sido a real beneficiária, a lei não prevê a inscrição em dívida ativa. Nessas situações, por falta de lei específica que determine a inscrição em dívida ativa, torna-se imperativo que seu ressarcimento seja precedido de processo judicial para o reconhecimento do direito do INSS à repetição. De ressaltar, ademais, que os benefícios previdenciários indevidamente recebidos, qualificados como enriquecimento ilícito, não se enquadram no conceito de crédito tributário ou não tributário previsto no art. 39, § 2º, da Lei 4.320/1964, a justificar sua inscrição em dívida ativa. Sendo assim, o art. 154, § 4º, II, do Dec. 3.048/99, que determina a inscrição em dívida ativa de benefício previdenciário pago indevidamente, não encontra amparo legal. Precedentes citados: AgRg no AREsp. 225.034-BA, Segunda Turma, DJe 19/2/2013; e AgRg no AREsp 188.047-AM, Primeira Turma, DJe 10/10/2012. REsp 1.350.804-PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 12/6/2013.



DIREITO TRIBUTÁRIO. CREDITAMENTO DE ICMS SOBRE A ENERGIA ELÉTRICA CONSUMIDA PELAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).


É possível o creditamento do ICMS incidente sobre a energia elétrica consumida pelas prestadoras de serviços de telecomunicações para abatimento do imposto devido quando da prestação de serviços. O art. 19 da LC 87/1996, em âmbito legal, assegura o direito à não-cumulatividade para o ICMS, prevendo a compensação do que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte — interestadual e intermunicipal — e de comunicação com o montante cobrado nas operações anteriores pelo mesmo estado ou por outro. Por sua vez, o art. 33, II, “b”, do referido dispositivo legal prevê a possibilidade de creditamento de ICMS relativamente à aquisição de energia elétrica, na hipótese em que o estabelecimento a utilize no processo de industrialização. A propósito, por força do Dec. 640/1962 — recepcionado pela Constituição atual e compatível com a legislação tributária posterior —, os serviços de comunicação são equiparados à indústria. Assim, em virtude da essencialidade da energia elétrica, como insumo, para o exercício da atividade de telecomunicações, induvidoso se revela o direito ao creditamento de ICMS, em atendimento ao princípio da não-cumulatividade. Precedentes citados: REsp 842.270-RS, Primeira Seção, DJe 26/6/2012, e AgRg no AgRg no REsp 1.134.930-MS, Segunda Turma, DJe 19/12/2012 . REsp 1.201.635-MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 12/6/2013.



DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO COM BASE EM CONFISSÃO DE DÍVIDA REALIZADA APÓS A EXTINÇÃO DO CRÉDITO PELA DECADÊNCIA. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).


Não é possível a constituição de crédito tributário com base em documento de confissão de dívida tributária apresentado, para fins de parcelamento, após o prazo decadencial previsto no art. 173, I, do CTN. A decadência, consoante disposto no art. 156, V, do referido diploma legal, é forma de extinção do crédito tributário. Sendo assim, uma vez extinto o direito, não pode ser reavivado por qualquer sistemática de lançamento ou autolançamento, seja ela via documento de confissão de dívida, declaração de débitos, parcelamento seja de outra espécie qualquer (DCTF, GIA, DCOMP, GFIP etc.). Isso porque, além de não haver mais o que ser confessado sob o ponto de vista jurídico (os fatos podem ser sempre confessados), não se pode dar à confissão de débitos eficácia superior àquela própria do lançamento de ofício (arts. 145 e 149), forma clássica de constituição do crédito tributário da qual evoluíram todas as outras formas — lançamento por declaração (art. 147), lançamento por arbitramento (art. 148) e lançamento por homologação (art. 150). Se a administração tributária, de conhecimento dos mesmos fatos confessados, não pode mais lançar de ofício o tributo, por certo que este não pode ser constituído via autolançamento ou confissão de dívida existente dentro da sistemática do lançamento por homologação. Dessa forma, a confissão de dívida para fins de parcelamento não tem efeitos absolutos, não podendo reavivar crédito tributário já extinto. REsp 1.355.947–SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 12/6/2013.

Segunda Seção



DIREITO EMPRESARIAL. LEGITIMIDADE DA BRASIL TELECOM S/A PARA RESPONDER PELOS ATOS PRATICADOS PELA TELESC. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).


A Brasil Telecom S/A tem legitimidade para responder pelos atos praticados pela Telesc quanto a credores cujo título não tiver sido constituído até o ato de incorporação, independentemente de se referir a obrigações anteriores a ele. Isso porque a sucessão, por incorporação, de empresas determina a extinção da personalidade jurídica da incorporada, com a transmissão de seus direitos e obrigações à incorporadora. De fato, a incorporação, conforme o art. 227 da Lei 6.404/1976 e o art. 1.116 do CC, é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações. Por esse instituto, em linhas gerais, determinada sociedade empresarial, a incorporadora, engloba outra, a incorporada, integrando ao seu patrimônio tanto o ativo quanto o passivo da incorporada, a qual terá extinta sua personalidade jurídica, conforme se extrai dos enunciados normativos dos arts. 219 e 227, § 3º, da Lei 6.404/1976 e do art. 1.118 do CC. Dessa forma, fica claro que a incorporação caracteriza-se, essencialmente, por dois requisitos: a absorção total do patrimônio da incorporada pela incorporadora (todos os direitos e obrigações) e a extinção da personalidade jurídica da incorporada. Assim, deve-se reconhecer a legitimidade da sociedade empresária sucessora, por incorporação, para responder pelos atos da incorporada, inclusive quanto a credores cujo título não esteja constituído até o ato de incorporação, independentemente de se referir a obrigações anteriores a ele. REsp 1.322.624-SC, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 12/6/2013.



DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXISTÊNCIA DE CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE UM ÓRGÃO JURISDICIONAL DO ESTADO E UMA CÂMARA ARBITRAL.


É possível a existência de conflito de competência entre juízo estatal e câmara arbitral.Isso porque a atividade desenvolvida no âmbito da arbitragem tem natureza jurisdicional. CC 111.230-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 8/5/2013.



DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONHECIMENTO DE CONFLITO DE COMPETÊNCIA SUSCITADO APÓS O OFERECIMENTO DE EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA.


O anterior oferecimento de exceção de incompetência não obsta o conhecimento de conflito de competência quando o objeto deste for absolutamente distinto do objeto daquela. Isso porque não se pode interpretar a regra processual contida no art. 117 do CPC — segundo o qual não pode suscitar conflito a parte que, no processo, ofereceu exceção de incompetência — de modo a gerar uma situação de impasse, subtraindo da parte meios de se insurgir contra uma situação que repute injusta, haja vista que o direito processual deve, na máxima medida possível, estar a serviço do direito material, como um instrumento para a sua realização. CC 111.230-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 8/5/2013.



DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ARBITRAL PARA O JULGAMENTO DE MEDIDA CAUTELAR DE ARROLAMENTO DE BENS.


Na hipótese em que juízo arbitral tenha sido designado por contrato firmado entre as partes para apreciar a causa principal, será este — e não juízo estatal — competente para o julgamento de medida cautelar de arrolamento de bens, dependente da ação principal, que tenha por objeto inventário e declaração de indisponibilidade de bens. De fato, em observância aos requisitos fixados pelo art. 857 do CPC para o deferimento da medida cautelar de arrolamento de bens — demonstração do direito aos bens e dos fatos em que funda o receio de extravio ou de dissipação dos bens —, nota-se que não se trata de medida que, para ser deferida, demande cognição apenas sobre o receio de redução patrimonial do devedor. Na verdade, trata-se de medida cujo deferimento demanda, também, que esteja o juízo convencido da aparência de direito à obtenção desses bens, o que nada mais é do que uma análise ligada ao mérito da controvérsia, a qual, por sua vez, é de competência do juízo arbitral na hipótese em que exista disposição contratual nesse sentido. Ademais, é importante ressaltar que o receio de dissipação do patrimônio não fica desprotegido com a manutenção exclusiva da competência da corte arbitral para o julgamento da medida de arrolamento, pois os árbitros, sendo especialistas na matéria de mérito objeto da lide, provavelmente terão melhores condições de avaliar a necessidade da medida. Além disso, o indispensável fortalecimento da arbitragem, que vem sendo levado a efeito desde a promulgação da Lei 9.307/1996, torna indispensável que se preserve, na maior medida possível, a autoridade do árbitro como juiz de fato e de direito para o julgamento de questões ligadas ao mérito da causa. Isso porque negar essa providência esvaziaria o conteúdo da Lei de Arbitragem, permitindo que, simultaneamente, o mesmo direito seja apreciado, ainda que em cognição perfunctória, pelo juízo estatal e pelo juízo arbitral, muitas vezes com sérias possibilidades de interpretações conflitantes para os mesmos fatos. CC 111.230-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 8/5/2013.

Terceira Seção



DIREITO PENAL. COMPENSAÇÃO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA COM A AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).


É possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência. Precedentes citados: EREsp 1.154.752-RS, Terceira Seção, DJe 4/9/2012; HC 217.249-RS, Quinta Turma, DJe 4/3/2013; e HC 130.797-SP, Sexta Turma, DJe 1º/2/2013. REsp 1.341.370–MT, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 10/4/2013.



DIREITO PREVIDENCIÁRIO. DOCUMENTO NOVO PARA FINS DE COMPROVAÇÃO DE ATIVIDADE RURAL EM AÇÃO RESCISÓRIA.


É possível ao tribunal, na ação rescisória, analisar documento novo para efeito de configuração de início de prova material destinado à comprovação do exercício de atividade rural, ainda que esse documento seja preexistente à propositura da ação em que proferida a decisão rescindenda referente à concessão de aposentadoria rural por idade. Nesse caso, é irrelevante o fato de o documento apresentado ser preexistente à propositura da ação originária, pois devem ser consideradas as condições desiguais pelas quais passam os trabalhadores rurais, adotando-se a solução pro misero. Dessa forma, o documento juntado aos autos é hábil à rescisão do julgado com base no art. 485, VII, do CPC, segundo o qual a sentença de mérito transitada em julgado pode ser rescindida quando, “depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável”. AR 3.921-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 24/4/2013.



DIREITO PREVIDENCIÁRIO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL PARA COMPROVAÇÃO DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL.


Para a concessão de aposentadoria rural, a certidão de nascimento dos filhos que qualifique o companheiro como lavrador deve ser aceita como início de prova documental do tempo de atividade rurícola da companheira. Precedentes citados: AgRg no AG 1.274.601-SP, Sexta Turma, DJe 20/9/2010 e AgRg no REsp 951.518-SP, Quinta Turma, DJe 29/9/2008. AR 3.921-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 24/4/2013.

Primeira Turma



DIREITO ADMINISTRATIVO. TERMO INICIAL DO PRAZO PARA IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA OBJETIVANDO A NOMEAÇÃO EM CARGO PÚBLICO.


Na hipótese em que houver, em ação autônoma, o reconhecimento da nulidade de questões de concurso público, o termo inicial do prazo para que o candidato beneficiado impetre mandado de segurança objetivando sua nomeação no cargo público será a data do trânsito em julgado da decisão judicial. Isso porque o candidato favorecido pela decisão judicial somente passa a ter direito líquido e certo à nomeação a partir da referida data. AgRg noREsp 1.284.773-AM, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 23/4/2013.



DIREITO ADMINISTRATIVO. RESERVA DE VAGAS EM CONCURSO PÚBLICO PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA.


Os candidatos que tenham "pé torto congênito bilateral" têm direito a concorrer às vagas em concurso público reservadas às pessoas com deficiência. A mencionada deficiência física enquadra-se no disposto no art. 4º, I, do Dec. 3.298/1999. RMS 31.861-PE, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 23/4/2013.



DIREITO TRIBUTÁRIO. REQUISITOS PARA A INSTITUIÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA.


A instituição de contribuição de melhoria depende de lei prévia e específica, bem como da ocorrência de efetiva valorização imobiliária em razão da obra pública, cabendo ao ente tributante o ônus de realizar a prova respectiva. Precedentes citados: REsp 927.846-RS, Primeira Turma, DJe 20/8/2010; e AgRg no REsp 1.304.925-RS, Primeira Turma, DJe 20/4/2012.REsp 1.326.502-RS, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 18/4/2013.

Segunda Turma



DIREITO ADMINISTRATIVO. REFORMA DE MILITAR TEMPORÁRIO POR INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA O SERVIÇO ATIVO NAS FORÇAS ARMADAS.


Não tem direito à reforma o militar temporário no caso de incapacidade definitiva para o serviço castrense causada por evento que não guarde relação com o exercício da função.Isso porque aos militares temporários somente é garantida a reforma no caso de incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas se for comprovado que a lesão decorre de circunstância inerente ao exercício da função. Observe-se que o critério de concessão de reforma para militar temporário é diferente daquele considerado para militar estável. Com efeito, para a concessão de reforma de militar temporário, são consideradas duas informações: a extensão da incapacidade para o trabalho e a relação de causalidade da lesão com a atividade militar. Quanto à extensão da incapacidade para o trabalho, o Estatuto dos Militares (Lei 6.880/1980) a distingue em dois tipos: uma chamada de incapacidade definitiva para o serviço ativo nas Forças Armadas (que abrange exclusivamente as atividades militares, não considerando as atividades laborais civis) e a invalidez (conceito que engloba todas as atividades, castrenses ou civis). Quanto ao nexo causal da lesão incapacitante com o exercício da função militar, se comprovado, o militar temporário terá direito à reforma independentemente de sua extensão (incapacidade definitiva ou invalidez). Contudo, se o evento incapacitante não guardar relação com a função castrense, o militar temporário somente terá direito à reforma no caso de invalidez. REsp 1.328.915-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 4/4/2013.



DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO PELO ARRENDATÁRIO DIRETAMENTE CONTRA A UNIÃO NO CASO DE DESAPROPRIAÇÃO PARA REFORMA AGRÁRIA.


A União é parte legítima para figurar no polo passivo de ação em que o arrendatário objetive ser indenizado pelos prejuízos decorrentes da desapropriação, por interesse social para a reforma agrária, do imóvel arrendado. Isso porque o direito à indenização do arrendatário não se sub-roga no preço do imóvel objeto de desapropriação por interesse social para a reforma agrária, pois a relação entre arrendante (expropriado) e arrendatário é de direito pessoal. Assim, não se aplica, nessa hipótese, o disposto no art. 31 do Decreto-Lei 3.365/1941, pois a sub-rogação no preço ocorre apenas quanto aos direitos reais constituídos sobre o bem expropriado. REsp 1.130.124-PR, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 4/4/2013.



DIREITO ADMINISTRATIVO. INQUÉRITO CIVIL PARA APURAÇÃO DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.


Não é possível impedir o prosseguimento de inquérito civil instaurado com a finalidade de apurar possível incompatibilidade entre a evolução patrimonial de vereadores e seus respectivos rendimentos, ainda que o referido procedimento tenha-se originado a partir de denúncia anônima, na hipótese em que realizadas administrativamente as investigações necessárias para a formação de juízo de valor sobre a veracidade da notícia. A CF impôs ao MP o dever de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III). O dever constitucional deve ser compatibilizado com a vedação ao anonimato (art. 5º, IV, CF), com base no princípio da concordância prática. Nos termos do art. 22 da Lei 8.429/1992, o MP pode, mesmo de ofício, requisitar a instauração de inquérito policial ou procedimento administrativo para apurar qualquer ilícito previsto no mencionado diploma legal. Ressalte-se que o art. 13 dessa lei obriga os agentes públicos a disponibilizar periodicamente informações sobre seus bens e evolução patrimonial. Vale destacar que os agentes políticos sujeitam-se a uma diminuição na esfera de privacidade e intimidade, de modo que se mostra ilegítima a pretensão de não revelar fatos relacionados à evolução patrimonial. Precedentes citados: RMS 37.166-SP, Primeira Turma, DJe 15/4/2013; e RMS 30.510-RJ, Segunda Turma, DJe 10/2/2010. RMS 38.010-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 4/4/2013.



DIREITO ADMINISTRATIVO. NOMEAÇÃO DE CANDIDATO APROVADO FORA DO NÚMERO DE VAGAS OFERECIDAS NO EDITAL.


Ainda que sejam criados novos cargos durante a validade do concurso, a Administração Pública não poderá ser compelida a nomear candidato aprovado fora do número de vagas oferecidas no edital de abertura do certame na hipótese em que inexista dotação orçamentária específica. Isso porque, para a criação e provimento de novos cargos, a Administração deve observar o disposto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), sendo imprescindível a demonstração do suporte orçamentário e financeiro necessário. A propósito, vale ressaltar que o STF, em repercussão geral, identificou hipóteses excepcionais em que a Administração pode deixar de realizar a nomeação de candidato aprovado dentro do número de vagas, desde que tenham as seguintes características: a) superveniência: os eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação do edital do certame público; b) imprevisibilidade: a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da publicação do edital; c) gravidade: os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital; d) necessidade: a solução drástica e excepcional de não cumprimento do dever de nomeação deve ser extremamente necessária, de forma que a Administração somente pode adotar tal medida quando absolutamente não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e imprevisível. RMS 37.700-RO, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 4/4/2013.



DIREITO ADMINISTRATIVO. CONVOCAÇÃO DE CANDIDATO PARA FASE DE CONCURSO PÚBLICO.


A convocação de candidato para a fase posterior de concurso público não pode ser realizada apenas pelo diário oficial na hipótese em que todas as comunicações anteriores tenham ocorrido conforme previsão editalícia de divulgação das fases do concurso também pela internet. Efetivamente, a comunicação realizada apenas pelo diário oficial, nessa situação, caracteriza violação dos princípios da publicidade e da razoabilidade. Ademais, a divulgação das fases anteriores pela internet gera aos candidatos a justa expectativa de que as demais comunicações do certame seguirão o mesmo padrão. Cabe ressaltar, ainda, que o diário oficial não tem o mesmo alcance de outros meios de comunicação, não sendo razoável exigir que os candidatos aprovados em concurso público o acompanhem. AgRg no RMS 33.696-RN, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 22/4/2013.



DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DIVERSO DO REQUERIDO NA INICIAL.


O juiz pode conceder ao autor benefício previdenciário diverso do requerido na inicial, desde que preenchidos os requisitos legais atinentes ao benefício concedido. Isso porque, tratando-se de matéria previdenciária, deve-se proceder, de forma menos rígida, à análise do pedido. Assim, nesse contexto, a decisão proferida não pode ser considerada como extra petitaou ultra petita. AgRg no REsp 1.367.825-RS, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 18/4/2013.



DIREITO TRIBUTÁRIO. CREDITAMENTO DO IPI EM RELAÇÃO À ENERGIA ELÉTRICA CONSUMIDA NO PROCESSO PRODUTIVO.


O contribuinte não tem direito a crédito presumido de IPI, em relação à energia elétrica consumida no processo produtivo, como ressarcimento das contribuições ao PIS/Pasep e à Cofins, na forma estabelecida pelo art. 1º da Lei 9.363/1996. Isso porque a energia elétrica consumida na produção industrial não integra o conceito de “matéria-prima”, “produto intermediário” ou “material de embalagem” para efeito da legislação do IPI. Efetivamente, é de se observar que os citados termos veiculam conceitos jurídicos que não se encontram diretamente definidos na legislação que instituiu o benefício do crédito presumido, mas sim na própria legislação do imposto, conforme remissão feita pelo parágrafo único do art. 3º da mesma lei, o qual permite a utilização subsidiária da legislação do IPI para o estabelecimento dos conceitos de “matéria-prima”, “produtos intermediários” e “material de embalagem”. Nesse contexto, o art. 82 do Dec. 87.981/1982 (RIPI) prevê que os estabelecimentos industriais poderão creditar-se “do imposto relativo a matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem, adquiridos para emprego na industrialização de produtos tributados, incluindo-se, entre as matérias-primas e produtos intermediários, aqueles que, embora não se integrando ao novo produto, forem consumidos no processo de industrialização”. De fato, a expressão "consumidos no processo de industrialização" significa consumo, desgaste ou alteração de suas propriedades físicas ou químicas durante a industrialização. Portanto, a legislação tributária considera como insumo aquilo que se integra, de forma física ou química, ao novo produto ou aquilo que sofre consumo, desgaste ou alteração de suas propriedades físicas ou químicas. Desse modo, a energia elétrica consumida no processo produtivo, por não sofrer ou provocar ação direta mediante contato físico com o produto, não integra o conceito de "matéria-prima" ou "produto intermediário" para efeito da legislação do IPI e, por conseguinte, para efeito da obtenção do crédito presumido do imposto como ressarcimento das contribuições ao PIS/PASEP e à COFINS. Ainda, observe-se que esse entendimento já se encontra pacificado na seara administrativa pela Súmula 12 do Segundo Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.000.848-SC, Primeira Turma, DJe 20/10/2010; e AgRg no REsp 919.628- PR, Segunda Turma, DJe 24/8/2010. REsp 1.331.033-SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 2/4/2013.



DIREITO TRIBUTÁRIO. TERMO INICIAL DA CORREÇÃO MONETÁRIA INCIDENTE SOBRE OS CRÉDITOS ESPONTANEAMENTE RECONHECIDOS PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA.


A correção monetária incide a partir do término do prazo de trezentos e sessenta dias, previsto no art. 24 da Lei 11.457/2007, contado da data do protocolo do pedido administrativo de ressarcimento realizado pelo contribuinte. Isso porque, conforme dispõe o art. 24 da Lei 11.457/2007, é “obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte”. Portanto, o Fisco somente deve ser considerado em mora a partir do término do referido prazo, quando, então, estará configurada a denominada "resistência ilegítima" prevista na Súmula 411 do STJ: "É devida a correção monetária ao creditamento do IPI quando há oposição ao seu aproveitamento decorrente de resistência ilegítima do Fisco". REsp 1.331.033-SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 2/4/2013.

Terceira Turma



DIREITO CIVIL. INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO CÚMPLICE DE RELACIONAMENTO EXTRACONJUGAL NO CASO DE OCULTAÇÃO DE PATERNIDADE BIOLÓGICA.


O “cúmplice” em relacionamento extraconjugal não tem o dever de reparar por danos morais o marido traído na hipótese em que a adúltera tenha ocultado deste o fato de que a criança nascida durante o matrimônio e criada pelo casal seria filha biológica sua e do seu “cúmplice”, e não do seu esposo, que, até a revelação do fato, pensava ser o pai biológico da criança. Isso porque, em que pese o alto grau de reprovabilidade da conduta daquele que se envolve com pessoa casada, o “cúmplice” da esposa infiel não é solidariamente responsável quanto a eventual indenização ao marido traído, pois esse fato não constitui ilícito civil ou penal, diante da falta de contrato ou lei obrigando terceiro estranho à relação conjugal a zelar pela incolumidade do casamento alheio ou a revelar a quem quer que seja a existência de relação extraconjugal firmada com sua amante. REsp 922.462-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 4/4/2013.



DIREITO CIVIL. ALIMENTOS NA HIPÓTESE DE FORMAÇÃO DE VÍNCULO SOCIOAFETIVO.


A esposa infiel não tem o dever de restituir ao marido traído os alimentos pagos por ele em favor de filho criado com estreitos laços de afeto pelo casal, ainda que a adúltera tenha ocultado do marido o fato de que a referida criança seria filha biológica sua e de seu “cúmplice”. Isso porque, se o marido, ainda que enganado por sua esposa, cria como seu o filho biológico de outrem, tem-se por configurada verdadeira relação de paternidade socioafetiva, a qual, por si mesma, impede a repetição da verba alimentar, haja vista que, a fim de preservar o elo da afetividade, deve-se considerar secundária a verdade biológica, porquanto a CF e o próprio CC garantem a igualdade absoluta dos filhos de qualquer origem (biológica ou não biológica). Além do mais, o dever de fidelidade recíproca dos cônjuges, atributo básico do casamento, em nada se comunica com a relação paternal gerada, mostrando-se desarrazoado transferir o ônus por suposto insucesso da relação à criança alimentada. Ademais, o STJ já firmou o entendimento de que a mulher não está obrigada a restituir ao marido o valor dos alimentos pagos por ele em favor da criança que, depois se soube, era filha de outro homem (REsp 412.684-SP, Quarta Turma, DJ 25/11/2002). De mais a mais, quaisquer valores que sejam porventura apurados em favor do alimentante estarão cobertos pelo princípio da irrepetibilidade dos alimentos já pagos, justificado pelo dever de solidariedade entre os seres humanos, uma vez que, em última análise, os alimentos garantem a própria existência do alimentando. REsp 922.462-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 4/4/2013.



DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS PELA OCULTAÇÃO DA VERDADE QUANTO À PATERNIDADE BIOLÓGICA.


A esposa infiel tem o dever de reparar por danos morais o marido traído na hipótese em que tenha ocultado dele, até alguns anos após a separação, o fato de que criança nascida durante o matrimônio e criada como filha biológica do casal seria, na verdade, filha sua e de seu “cúmplice”. De fato, a violação dos deveres impostos por lei tanto no casamento (art. 1.566 do CC/2002) como na união estável (art. 1.724 do CC/2002) não constitui, por si só, ofensa à honra e à dignidade do consorte, apta a ensejar a obrigação de indenizar. Nesse contexto, perde importância, inclusive, a identificação do culpado pelo fim da relação afetiva, porquanto deixar de amar o cônjuge ou companheiro é circunstância de cunho estritamente pessoal, não configurando o desamor, por si só, um ato ilícito (arts 186 e 927 do CC/2002) que enseje indenização. Todavia, não é possível ignorar que a vida em comum impõe restrições que devem ser observadas, entre as quais se destaca o dever de fidelidade nas relações conjugais (art. 231, I, do CC/1916 e art. 1.566, I, do CC/2002), o qual pode, efetivamente, acarretar danos morais. Isso porque o dever de fidelidade é um atributo de quem cumpre aquilo a que se obriga, condição imprescindível para a boa harmonia e estabilidade da vida conjugal. Ademais, a imposição desse dever é tão significativa que o CP já considerou o adultério como crime. Além disso, representa quebra do dever de confiança a descoberta, pelo esposo traído, de que a criança nascida durante o matrimônio e criada por ele não seria sua filha biológica. O STF, aliás, já sinalizou acerca do direito constitucional à felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma ideia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana (RE 477.554 AgR-MG, Segunda Turma, DJe 26/8/2011). Sendo assim, a lesão à dignidade humana desafia reparação (arts. 1º, III, e 5º, V e X, da CF), sendo justamente nas relações familiares que se impõe a necessidade de sua proteção, já que a família é o centro de preservação da pessoa e base mestra da sociedade (art. 226 CF). Dessa forma, o abalo emocional gerado pela traição da então esposa, ainda com a cientificação de não ser o genitor de criança gerada durante a relação matrimonial, representa efetivo dano moral, o que impõe o dever de reparação dos danos acarretados ao lesado a fim de restabelecer o equilíbrio pessoal e social buscado pelo direito, à luz do conhecido ditame neminem laedere. Assim, é devida a indenização por danos morais, que, na hipótese, manifesta-se in re ipsa. REsp 922.462-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 4/4/2013.



DIREITO PROCESSUAL CIVIL. REQUISITOS NECESSÁRIOS À CARACTERIZAÇÃO DO DOCUMENTO NOVO A QUE SE REFERE O ART. 485, VII, DO CPC.


Não é possível a rescisão de sentença com fundamento no inciso VII do art. 485 do CPC na hipótese em que, além de não existir comprovação acerca dos fatos que justifiquem a ausência de apresentação do documento em modo e tempo oportunos, este se refira a fato que não tenha sido alegado pelas partes e analisado pelo juízo no curso do processo em que se formara a coisa julgada. Ressalte-se, inicialmente, que doutrina e jurisprudência entendem que o “documento novo” a que se refere o inciso VII do art. 485 do CPC deve ser: a) contemporâneo à prolação da decisão rescindenda; b) ignorado pela parte que o aproveitaria ou estar ela impossibilitada de utilizá-lo no momento oportuno; c) apto a, por si só, sustentar julgamento favorável à postulante; e d) estreitamente relacionado com o fato alegado no processo em que se formou a coisa julgada que se pretende desconstituir, representando, dessa forma, prova que se refira a fato aventado pelas partes e analisado pelo juízo no curso do processo em que se formara a coisa julgada. Nesse contexto, para que se faça presente o requisito da impossibilidade de apresentação do documento no momento oportuno, tem-se por indispensável a comprovação dos fatos que corroborem a escusa de não se ter apresentado o documento em modo e tempo corretos. Além do mais, a intenção do legislador em inscrever o "documento novo" no rol das hipóteses não fora a de premiar aquele que exercera mal seu direito de defesa, mas sim a de dar a chance de afastar a injustiça que decorreria da impossibilidade de a parte utilizar prova de fato por ela efetivamente alegado no curso da ação da qual adveio a coisa julgada. Trata-se, nessa conjuntura, de requisito cujo objetivo é evitar que causas de pedir ou argumentos defensórios não alegados e encobertos pela eficácia preclusiva da coisa julgada (art. 474 do CPC) venham a colocar em xeque o instituto da ação rescisória, que, por sua primaz importância, não pode ser fragilizado por argumentos que sequer tenham sido submetidos à análise jurisdicional. REsp 1.293.837-DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 2/4/2013.

Quarta Turma



DIREITO CIVIL. CORREÇÃO MONETÁRIA SOBRE O VALOR DAS PARCELAS PAGAS NO CASO DE RESCISÃO DE CONTRATO.


No caso de rescisão de contrato de compra e venda de imóvel, a correção monetária do valor correspondente às parcelas pagas, para efeitos de restituição, incide a partir de cada desembolso. De fato, a correção monetária não constitui acréscimo pecuniário à dívida, mas apenas fator que garante a restituição integral do valor devido, fazendo frente aos efeitos erosivos da passagem do tempo. Dessa forma, para que a devolução se opere de modo integral, a incidência da correção monetária deve ter por termo inicial o momento dos respectivos desembolsos, quando aquele que hoje deve restituir já podia fazer uso das importâncias recebidas. Precedente citado: REsp 737.856-RJ, Quarta Turma, DJ 26/2/2007. REsp 1.305.780-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 4/4/2013.



DIREITO CIVIL E AGRÁRIO. DIREITO DE PREFERÊNCIA NA AQUISIÇÃO DE IMÓVEL RURAL.


O contrato firmado como “arrendamento de pastagens”, na hipótese em que não tenha havido o exercício da posse direta da terra explorada pelo tomador da pastagem, não confere o direito de preempção previsto na Lei 4.504/1966 e no Dec. 59.566/1966. De fato, o art. 92, § 3º, da Lei 4.504/1966 e o art. 45 do Dec. 59.566/1966 estabelecem o direito de preempção do arrendatário rural na aquisição do imóvel arrendado. Pode-se afirmar que o referido direito foi conferido ao arrendatário rural como garantia do uso econômico da terra explorada por ele, não abrangendo outras modalidades de contratos agrários por se tratar de norma restritiva do direito de propriedade. Nesse contexto, vale observar que o contrato de arrendamento rural tem como elemento essencial a posse do imóvel pelo arrendatário, que passa a ter o uso e gozo da propriedade. Dessa forma, na hipótese em que tenha sido firmado contrato de “arrendamento de pastagens” sem que o tomador da pastagem tenha a posse direta da terra a ser explorada, deve-se afastar a natureza do contrato de arrendamento para considerá-lo como de “locação de pastagem”, caso em que não é possível exercer o direito de preferência que a lei estabelece para o arrendatário. REsp 1.339.432-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/4/2013.



DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INTERESSE DE AGIR PARA O AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS EM FACE DE ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA.


O participante de entidade de previdência privada tem interesse em demandar a respectiva entidade em ação de prestação de contas para esclarecimentos sobre as importâncias vertidas ao fundo por ela administrado, ainda que ele não tenha esgotado a via administrava e mesmo que sejam cumpridas pela entidade as exigências legais de divulgação anual das informações pertinentes ao plano por ela administrado. Com efeito, mesmo com a divulgação anual das informações referentes ao plano de benefícios — conforme determinam os arts. 22 a 24 da LC 109/2001 —, não afasta o interesse de participante da entidade em postular judicialmente, na forma individualizada, a prestação de contas. Além disso, o esgotamento da via administrativa não é condição para o surgimento do interesse em ajuizar a referida ação de prestação de contas. Precedentes citados: AgRg no Ag 1.163.447-DF, Quarta Turma, DJe 17/12/2010; e AgRg no REsp 888.090-DF, Terceira Turma, DJe 7/6/2010. AgRg noAREsp 150.390-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 9/4/2013.



DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PRESTAÇÃO DE CONTAS REALIZADA POR ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA DE FORMA DIVERSA DA MERCANTIL.


O magistrado não pode desconsiderar a prestação de contas realizada por entidade de previdência privada, ainda que de forma diversa da mercantil, na hipótese em que as contas tenham sido apresentadas de maneira clara e inteligível. Com efeito, o magistrado deve verificar se as contas apresentadas atingem as finalidades do processo e, em caso positivo, afastar o rigor da norma inserida no art. 917 do CPC, pois o escopo da referida norma é apenas a indicação pormenorizada dos débitos e créditos, das receitas e despesas, a fim de permitir aos autores a exata compreensão da forma como se chegou ao resultado apresentado. Precedentes citados: AREsp 11.904-DF, Terceira Turma, DJe 17/2/2012; e REsp 1.171.676-DF, Terceira Turma, DJe 19/3/2012. AgRg no AREsp 150.390-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 9/4/2013.



DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NÃO CONFIGURAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO NO CASO DE AÇÃO EM QUE SE OBJETIVE A RESTITUIÇÃO DE PARCELAS PAGAS A PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA.


Na ação em que se objetive a restituição de parcelas pagas a plano de previdência privada, não há litisconsórcio passivo necessário entre a entidade administradora e os participantes, beneficiários ou patrocinadores do plano. Com efeito, no caso em que existam diversos titulares de direitos que derivem do mesmo título ou do mesmo fato jurídico e que estejam em jogo direitos patrimoniais, cabendo a cada titular uma parcela do todo divisível, será, em regra, eficaz o provimento concedido a algum deles, mesmo sem a presença dos demais. Isso porque a própria lei confere caráter de excepcionalidade ao litisconsórcio necessário, impondo-o apenas nas hipóteses previstas em lei ou pela natureza da relação jurídica (art. 47 do CPC). Sendo assim, como não se trata de hipótese em que o litisconsórcio necessário seja imposto por lei, tampouco se cuida de uma única relação jurídica indivisível, não há como falar, nesses casos, na configuração de litisconsórcio passivo necessário. REsp 1.104.377-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 18/4/2013.

Quinta Turma



DIREITO PROCESSUAL PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DE MEDIDA DE SEGURANÇA EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL COMUM.


O inimputável submetido à medida de segurança de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico não poderá cumpri-la em estabelecimento prisional comum, ainda que sob a justificativa de ausência de vagas ou falta de recursos estatais. Isso porque não pode o paciente ser submetido a situação mais gravosa do que aquela definida judicialmente. Precedentes citados: HC 211.750-SP, Sexta Turma, DJe 26/10/2011; HC 207.019-SP, Quinta Turma, DJe 31/8/2011. HC 231.124-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 23/4/2013.



DIREITO PROCESSUAL PENAL. RATIFICAÇÃO DA DENÚNCIA NA HIPÓTESE DE DESLOCAMENTO DO FEITO EM RAZÃO DE SUPERVENIENTE PRERROGATIVA DE FORO DO ACUSADO.


Não é necessária a ratificação de denúncia oferecida em juízo estadual de primeiro grau na hipótese em que, em razão de superveniente diplomação do acusado em cargo de prefeito, tenha havido o deslocamento do feito para o respectivo Tribunal de Justiça sem que o Procurador-Geral de Justiça tenha destacado, após obter vista dos autos, a ocorrência de qualquer ilegalidade. Isso porque tanto o órgão ministerial que ofereceu a denúncia como o magistrado que a recebeu eram as autoridades competentes para fazê-lo quando iniciada a persecução criminal, sendo que a competência da Corte Estadual para processar e julgar o paciente só adveio quando iniciada a fase instrutória do processo. Assim, tratando-se de incompetência superveniente, em razão da diplomação do acusado em cargo detentor de foro por prerrogativa de função, remanescem válidos os atos praticados pelas autoridades inicialmente competentes, afigurando-se desnecessária a ratificação de denúncia oferecida. Desse modo, não há que se falar em necessidade de ratificação da peça inaugural, tampouco da decisão que a acolheu, uma vez que não se tratam de atos nulos, mas válidos à época em que praticados. Ademais, não tendo o órgão ministerial — após análise da denúncia ofertada e dos demais atos praticados no Juízo inicialmente competente — vislumbrado qualquer irregularidade ou mácula que pudesse contaminá-los, conclui-se, ainda que implicitamente, pela sua concordância com os termos da denúncia apresentada. HC 202.701-AM, Rel. Ministro Jorge Mussi, julgado em 14/5/2013.

Sexta Turma



DIREITO PROCESSUAL PENAL. POSSIBILIDADE DE RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA APÓS A DEFESA PRÉVIA DO RÉU.


O fato de a denúncia já ter sido recebida não impede o juízo de primeiro grau de, logo após o oferecimento da resposta do acusado, prevista nos arts. 396 e 396-A do CPP, reconsiderar a anterior decisão e rejeitar a peça acusatória, ao constatar a presença de uma das hipóteses elencadas nos incisos do art. 395 do CPP, suscitada pela defesa. Nos termos do art. 396, se não for verificada de plano a ocorrência de alguma das hipóteses do art. 395, a peça acusatória deve ser recebida e determinada a citação do acusado para responder por escrito à acusação. Em seguida, na apreciação da defesa preliminar, segundo o art. 397, o juiz deve absolver sumariamente o acusado quando verificar uma das quatro hipóteses descritas no dispositivo. Contudo, nessa fase, a cognição não pode ficar limitada às hipóteses mencionadas, pois a melhor interpretação do art. 397, considerando a reforma feita pela Lei 11.719/2008, leva à possibilidade não apenas de o juiz absolver sumariamente o acusado, mas também de fazer novo juízo de recebimento da peça acusatória. Isso porque, se a parte pode arguir questões preliminares na defesa prévia, cai por terra o argumento de que o anterior recebimento da denúncia tornaria sua análise preclusa para o Juiz de primeiro grau. Ademais, não há porque dar início à instrução processual, se o magistrado verifica que não lhe será possível analisar o mérito da ação penal, em razão de defeito que macula o processo. Além de ser desarrazoada essa solução, ela também não se coaduna com os princípios da economia e celeridade processuais. Sob outro aspecto, se é admitido o afastamento das questões preliminares suscitadas na defesa prévia, no momento processual definido no art. 397 do CPP, também deve ser considerado admissível o seu acolhimento, com a extinção do processo sem julgamento do mérito por aplicação analógica do art. 267, § 3º, CPC. Precedentes citados: HC 150.925-PE, Quinta Turma, DJe 17/5/2010; HC 232.842-RJ, Sexta Turma, DJe 30/10/2012. REsp 1.318.180-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 16/5/2013.




terça-feira, 6 de agosto de 2013

Acesso à Justiça


Acesso à Justiça


ACESSO À JUSTIÇA

1. Jurisdição e seus escopos no Estado Contemporâneo:

À medida que as sociedades evoluíram e se tornaram complexas, passou a existir a necessidade de regramentos do exercício de poder, ou seja, foi necessário institucionalizar o poder e as formas de acesso a ele.

Desta necessidade surgiu o Estado e com ele regras sociais, que também passaram a ser institucionalizadas, dando origem à legislação estatal. Ao lado de tais normas de controle viu-se a necessidade, para evitar a ocorrência de conflitos, da criação de normas que definissem as formas pelas quais tais conflitos e insatisfações seriam resolvidos, bem como quem os resolveria. Dando origem ao direito processual e a jurisdição. (HORACIO, 1994, 22)

Logo, a manifestação do Judiciário, no exercício da função jurisdicional, é a manifestação do próprio Estado, que legisla para fixar normas que permitam a existência e desenvolvimento da sociedade. Este é o escopo jurídico, contudo, é necessário que a aplicação deste direito se dê de tal forma que consiga pacificar a sociedade com justiça.

A decisão judicial necessita ser justa e útil, sendo necessário também que possua legitimidade, pois preenchendo tal requisito, será um instrumento de educação da coletividade, para seus direitos e obrigações, cumprindo assim seu escopo social. E por fim ao decidir e impor sua decisão o Estado esta afirmando sua autoridade, bem como a existência de uma instância última para quais os indivíduos possam recorrer, correspondendo, portanto, ao escopo político da jurisdição.

2. Evolução do conceito de Acesso à Justiça:

Para Mauro Cappelletti, o conceito de acesso à justiça tem sofrido uma transformação importante, correspondente a uma mudança equivalente no estudo e ensino do processo civil. Destaca que, nos estados liberais burgueses dos séculos XVIII e XIX, os procedimentos adotados para solução dos litígios civis refletiam a concepção individualista dos direitos então vigentes. Direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação. (CAPPELLETTI, 1988, 09)

A teoria era a de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um "direito natural", tais direitos não necessitavam de uma ação do Estado para sua proteção. Esses direitos eram considerados anteriores ao Estado, sua preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros. O Estado, portanto, permanecia passivo, com relação a problemas, tais como a aptidão de uma pessoa para reconhecer seus direitos e defendê-los adequadamente, na prática.

À medida que as sociedades do laissez-faire cresceram em tamanho e complexidade, o conceito de direitos humanos começou a sofrer uma transformação radical. A partir do momento em que as ações e relacionamentos assumiram, cada vez mais, caráter coletivo que individual, as sociedades modernas necessariamente deixaram para trás a visão individualista dos direitos, refletida nas declarações de direitos, típicas dos séculos XVIII e XIX. (CAPPELLETTI, 1988, 10)

O movimento fez-se no sentido de reconhecer os direitos e deveres sociais dos governos, comunidades, associações e indivíduos. Esses novos direitos humanos, exemplificados pelo preâmbulo da Constituição Francesa de 1946, são, antes de tudo, os necessários para tornar efetivos, quer dizer, realmente acessíveis a todos, os direitos antes proclamados. Entre esses direitos garantidos nas modernas constituições estão os direitos ao trabalho, a saúde, a segurança material e a educação.

Portanto, o direito ao acesso efetivo a justiça ganhou particular atenção na medida em que as reformas do welfare state procuraram armar os indivíduos de novos direitos substantivos em sua qualidade de consumidores, locatários, empregados e, mesmo, cidadãos. De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. (CAPPELLETTI, 1988, 11)

3. Obstáculos do Acesso à Justiça:

Em obra clássica, O Acesso à Justiça, Mauro Cappelletti consagrou os principais obstáculos a serem transpostos para que se alcançasse o acesso efetivo à Justiça, bem como propôs soluções para quebrar tais barreiras. Vejamos quais são os obstáculos e, posteriormente, a forma de transpô-los.

a. Custas Judiciais:

Os procedimentos judiciais necessários à solução de uma lide, na maioria dos países, possuem custos normalmente elevados e devem ser necessariamente pagos pelos autores. No Sistema Americano, o vencido não é obrigado a responder pelos honorários do advogado da parte vencedora. Nos países que adotam o princípio da sucumbência, a penalidade é duas vezes maior e pode inibir o litigante em potencial de ingressar em juízo, já que, se vencido, além de arcar com os honorários do seu advogado, terá que pagar os honorários da parte contrária.

Não se pode esquecer também que, ao autor, cabe o pagamento das custas de distribuição, as provas que desejar produzir (perícias, diligências, etc.), e ainda o preparo de recursos, ficando distantes, em virtude de seu preço, das partes economicamente menos favorecidas.

A duração dos processos é também um fator que limita o acesso à justiça. Essa delonga eleva consideravelmente as despesas das partes, pressionando os economicamente mais fracos a abandonarem suas causas, ou aceitarem acordos por valores muito inferiores aqueles a que teriam direito.

O processo é um instrumento indispensável não somente para a efetiva e concreta atuação do direito de ação, mas também para a remoção das situações que impedem o pleno desenvolvimento da pessoa humana e a participação de todos os trabalhadores na organização política, econômica e social do país, portanto, sua morosidade estrangula os direitos fundamentais do cidadão.

A morosidade do processo está ligada à estrutura do Poder Judiciário e ao sistema de tutela dos direitos. Para que o Poder Judiciário tenha um bom funcionamento, necessário se faz, dentre outros, que o número de processos seja compatível com o número de juízes que irão apreciá-los, porém, não é isso que ocorre. A imensa quantidade de processos acumulados por um juiz prejudica não só a celeridade da prestação da tutela jurisdicional, como também a sua qualidade.

Muitas demandas não seriam levadas ao Poder Judiciário se o réu não tivesse do seu lado a lentidão da tutela jurisdicional, certamente a celeridade evitaria a propositura de muitas ações. A morosidade gera descrença na justiça, a partir do momento em que o cidadão toma conhecimento da sua lentidão, das angústias e dos sofrimentos psicológicos trazidos por ela.

b. Possibilidade das Partes:

As limitações causadas em razão do estrato social a que pertence o cidadão, apesar da decorrência lógica da desigualdade econômica, possuem também aspectos sociais, educacionais e culturais. A grande parte dos cidadãos não conhece e não tem condições de conhecer os seus direitos. Quanto menor o poder aquisitivo do cidadão, menor o conhecimento acerca de seus direitos e menor a sua capacidade de identificar um direito violado e passível de reparação judicial, além disto, é menos provável que conheça um advogado ou saiba como encontrar um serviço de assistência judiciária.

Além disto, a complexidade das sociedades faz com que mesmo as pessoas dotadas de mais recursos tenham dificuldade para compreender as normas jurídicas. (CAPPELLETTI, 1988, 23) São barreiras pessoais que necessitam ser superadas para garantir o acesso à justiça.

c. Problemas dos Interesses Difusos:

Para Cappelletti interesses difusos são interesses coletivos, tais como o direito ao meio ambiente saudável e equilibrado. Ainda, no entendimento de tal autor os indivíduos até podem interpor ações visando interesses coletivos, no entanto, a máquina governamental recusa tais ações e confia no seu poder de proteger os interesses públicos e de grupos. (CAPPELLETTI, 1988, 27)

No Brasil, o problema referente à tutela dos interesses difusos e coletivos se deu em razão da invisibilidade destes para o sistema. O Estado organizou um sistema jurídico único e abrangente, suficiente para responder todas as questões. Dividindo de num lado direito individual e de outro direito público. Assim, tudo que se assemelhasse a coletivo deveria ser entendido como estatal. Permanecendo os direitos coletivos e difusos invisíveis para o ordenamento jurídico. (SOUZA FILHO, 1999, 315)

4. Movimento do Acesso à Justiça:

Neste tópico, explicita-se a solução para o acesso à justiça formulada por Cappelletti que se dá através do entendimento de três "ondas", qual sejam, a assistência judiciária; representação jurídica para os interesses difusos e enfoque de acesso à justiça. . (CAPPELLETTI, 1988, 31)

4.1 Assistência Jurídica para Pobres:

A assistência judiciária é instituto destinado a favorecer o ingresso em juízo, a pessoas desprovidas de recursos financeiros suficientes à defesa judicial de direitos e interesses. É uma forma de possibilitar aos necessitados a obtenção da tutela jurisdicional afastando destes qualquer impedimento de cunho econômico.

A assistência judiciária integra o ideal de que em sentido global é um sistema destinado a minimizar as dificuldades dos pobres perante o direito e para o exercício de seus direitos. Na ordem constitucional brasileira a assistência judiciária integra a ampla garantia da assistência jurídica integral, contida no capítulo onde se definem direitos e garantias individuais e coletivas, o artigo 5º, inciso LXXIV destaca que: "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". Este artigo, redigida por esse modo na Constituição Brasileira de 1988, é mais amplo do que os contidos nas Constituições precedentes porque inclui além da garantia de meios para o acesso à justiça mediante o exercício do direito ao processo (assistência judiciária), a oferta de apoio para o correto e efetivo exercício dos direitos fora da esfera jurisdicional.

A legislação infraconstitucional vigente sobre a matéria é anterior à Constituição de 1988. A Lei da Assistência Judiciária fala em assistência judiciária aos necessitados (lei n. 1.060, de 5.2.50) e conceitua como tais aqueles cuja situação econômica não lhes permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família. Diz ainda que para obter o benefício basta ao interessado fazer a simples afirmação de seu estado, na petição com que comparecer perante a Justiça; e acrescenta que se presume pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição. Trata-se de presunção relativa, cabendo à parte contrária o ônus de desfazê-la.

4.2 Tutela dos Direitos Difusos:

Após, a questão da assistência judiciária aos pobres entra em pauta também como uma forma de quebrar a barreira do acesso à justiça, a busca de soluções acerca da representação da tutela dos direitos difusos e coletivos.

Até o século XIX a regra era tutelar direitos individuais, beneficiando somente aquele que, comprovando interesse próprio, acionava o Poder Judiciário. Portanto, os direitos eram apenas individuais e a tutela se dava pelas regras básicas do processo civil clássico. (VERRI, 2008, 17)

O processo civil clássico de cunho individualista e patrimonial não estava preparado para tutelar interesses metaindividuais e não patrimonializados, tais como os interesses difusos e coletivos.

A concepção tradicional do processo civil não deixava margem para a proteção dos interesses difusos e coletivos, pois o processo era visto como interesse das partes. A partir do momento que começaram a surgir direitos que já não se enquadravam mais em público ou privado e que demandavam proteção por parte do Estado, este se viu obrigado a reformar as noções tradicionais do processo civil e o papel dos tribunais.

E isso resultou em aberturas para a evolução no sentido de ampliar a tutela jurisdicional de tais direitos. Os interesses difusos e coletivos estão previstos na Constituição Federal de 1988, no artigo 129, inciso III, diante da atuação do Ministério Público, e também em outros capítulos e artigos desta, bem como no artigo 81, inciso I do Código de Defesa do Consumidor.

4.3 Enfoque mais amplo do Acesso à Justiça:

Dando continuidade às formulações para a busca de novas alternativas para a resolução de conflitos, visualizou-se que os mecanismos anteriores eram insuficientes para o efetivo acesso à justiça, uma vez que o processo ordinário contencioso não era a solução mais eficaz, nem no plano de interesses das partes, nem nos interesses mais gerais da sociedade. (CAPPELLETTI, 1988, 134)

Estas idéias partiram das reformas precedentes que buscavam a proteção judicial aos hipossuficientes e aos interesses difusos não representados ou representados de forma ineficaz e objetivam a mudança dos procedimentos judiciais, de forma ampla, pretendendo tornar efetivos os direitos buscados. A necessidade de se possibilitar o acesso à justiça e propiciar a solução de conflitos têm apontado para a procura por uma justiça conciliadora que pode ser mais eficaz para a solução dos contenciosos.

Dessa forma, é imprescindível assegurar ao cidadão que busca solucionar um conflito, uma justiça capaz de promover uma aproximação das posições, onde a solução seja pelos litigantes reciprocamente compreendidas, com uma modificação bilateral ou multilateral dos comportamentos, rompendo dessa forma com um modelo de justiça que prima pelo conflito.

Assim, torna-se necessário o emprego de técnicas processuais diferenciadas, onde a simplificação dos procedimentos é a via alternativa de solução de demandas. Este enfoque proporciona o envolvimento do Estado como um todo no acesso à justiça, não só pela via judicial, mas com a criação de políticas públicas de incentivo a conciliação, arbitragem e mediação, bem como da inserção de mecanismos administrativos de proteção das relações de consumo e da possibilidade do acesso, análise e concessão de direitos pela via administrativa.

Portanto, é necessário o aperfeiçoamento dos mecanismos processuais, simplificando os procedimentos a fim de tornar mais acessível à justiça, edificando um sistema apto a atingir os escopos jurídicos, mas também sociais e políticos da jurisdição.

Assim, diante da ampliação dos mecanismos do acesso à justiça, e modificações existentes no ordenamento processual, surgiram vários instrumentos de pleno acesso à justiça e de participação popular.

5. Conclusões:

Foi efetivamente com a Constituição Federal de 1988 que o acesso à justiça, tomou contornos transformadores e conferiu aos jurisdicionados as garantias do pleno acesso, como também outras garantias, tais como: devido processo legal, juiz natural contraditório e ampla defesa, dentre outros.

Nesta seara de discussão em que houve a ampliação dos mecanismos de acesso à justiça, promoveram-se também diversas modificações no ordenamento processual, através de vários instrumentos de participação popular, voltados a atender às exigências e endereçar social e politicamente o sistema processual.

Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, a Ação Popular, a Ação Civil Pública o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente , etc, são exemplos das modificações ocorridas no sistema. Com estas e outras medidas, teremos no Brasil uma Justiça de acesso cada vez mais amplo, com significativa contribuição para a paz social.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988.

CESAR, Alexandre. Acesso à justiça e cidadania. Cuiabá: EdUFMT, 2002.

DINAMARCO, Candido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987.

EFING, Antonio Carlos. Fundamentos do direito das relações de consumo. 2ª Ed. Curitiba: Juruá, 2004.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita. Rio de Janeiro: Forense, 1996.

RODRIGUES, Horacio Wanderlei. Acesso à Justiça no Direito Processual Brasileiro. São Paulo: Acadêmica, 1994.

ROCHA, José Albuquerque. Teoria Feral do Processo. São Paulo: Saraiva, 1991.

SANTOS, Carla Maia dos. Ação Popular e o exercício da cidadania no paradigma de Estado Democrático de Direito. Disponível em http://www.lfg.com.br. 28 de novembro de 2008. Acesso em 05 de maio de 2009.

SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Os Direitos Invisíveis. In: OLIVEIRA, Francisco; PAOLI, Maria Célia. Os sentidos da democracia: políticas do dissenso e hegemonia global. São Paulo: Vozes/FAPESP, 1999.

VERRI, Marina Mezzavilla. Legitimidade da Defensoria Pública na Ação Civil Pública: Limites. Franca: Ribeirão Gráfica e Editora, 2008.

WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Participação e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.




por Kerlay Lizane Arbos
Advogada, Especialista em Gestão Ambiental pela UFPR, Mestranda do Programa de Pós-graduação em Direito da PUCPR, bolsista CAPES.

Fonte: IBRAJUS

Decisão explicita jurisprudência do STJ sobre controvérsias em contratos bancários

Cobrança de comissão de permanência, descaracterização de mora, parcelamento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e o cabimento de compensação de valores e repetição de indébito foram analisados em decisão monocrática proferida pelo ministro Luis Felipe Salomão em recurso especial da BV Financeira S/A Crédito Financiamento e Investimento.

A instituição financeira entrou com recurso questionando decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que considerou justa a compensação de valores e a repetição do indébito (para recebimento da quantia paga indevidamente pelo cliente); limitou os juros remuneratórios, considerados abusivos; afastou a possibilidade de cobrança da comissão de permanência cumulada com a multa moratória e vetou a cobrança do IOF em parcelas mensais, considerando que nos valores cobrados já estavam embutidos os demais encargos.

Comissão de permanência

A comissão de permanência é uma taxa cobrada pela instituição financeira de devedores que tenham algum título vencido. O valor pode ser exigido durante o período de inadimplência, levando em consideração a taxa média dos juros de mercado e limitando-se ao percentual fixado previamente no contrato.

Porém, não é possível que seja cumulada com a multa contratual nem com a correção monetária, juros remuneratórios ou moratórios. Segundo o ministro Salomão, após a comprovação da mora, os encargos devem ser todos afastados, mantendo-se apenas a comissão de permanência.

Descaracterização da mora

Mesmo que o simples ajuizamento não gere o afastamento da mora, o abuso na exigência dos “encargos da normalidade”, seja com juros remuneratórios ou com capitalização de juros, é suficiente para a descaracterização da mora do devedor.

No caso analisado, houve uma interferência jurídica que limitou os juros remuneratórios à taxa média do mercado por considerá-los abusivos. Se houve a comprovação da abusividade durante a vigência do contrato, a mora do devedor fica, então, descaracterizada.

Parcelamento de IOF

Quanto à impossibilidade da cobrança do IOF de forma parcelada, o ministro ressaltou a jurisprudência do STJ, que entende que o encargo só deve ser considerado ilegal e abusivo quando demonstrada, de forma definitiva, a vantagem exagerada por parte do agente financeiro, algo que cause desequilíbrio na relação jurídica.

Diferentemente do TJRS, Salomão entendeu que não houve abuso no caso em questão e autorizou o parcelamento do tributo.

Compensação e repetição

Com base em jurisprudência sólida do STJ sobre o assunto, o ministro afirmou que sempre que ocorrer pagamento indevido, que possa causar o enriquecimento ilícito de quem o recebe, deve haver compensação de valores e repetição de indébito.

Limitação de juros

Em sua decisão, o ministro Luis Felipe Salomão ressaltou que o tema da limitação de juros remuneratórios já tem jurisprudência firmada no STJ. Segundo entendimento do Tribunal, a Lei da Usura não alcança os contratos bancários quando se trata de juros, devendo eventual abuso ser demonstrado em cada caso, com a comprovação cabal do desequilíbrio contratual ou de lucros excessivos.

O simples fato de os juros ultrapassarem 12% ao ano e a estabilidade inflacionária do período são insuficientes para demonstrar o abuso.

O ministro lembrou posicionamento firmado em recente decisão de recurso repetitivo sobre o tema. No REsp 1.061.530, relatado pela ministra Nancy Andrighi, foi estabelecido que a determinação de abusividade é variável e a adoção de critérios genéricos é impossível, ainda que se encontre na taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central, um valioso referencial.

“Mas cabe somente ao juiz, no exame das peculiaridades do caso concreto, avaliar se os juros contratados foram ou não abusivos”, afirmou a ministra. Portanto, em situações excepcionais, quando caracterizada a relação de consumo e comprovado abuso que coloque o consumidor em desvantagem exagerada, a revisão das taxas de juros remuneratórios é admitida.

No caso em questão, o TJRS, levando em consideração a taxa média de mercado, de 23,54% ao ano, julgou abusiva a taxa de 31,84% cobrada pela instituição financeira. O entendimento foi mantido porque sua eventual revisão exigiria reexame de provas, o que não é admitido em recurso especial, por força da Súmula 7.

Provimento parcial

Depois de analisar todos os pontos do recurso, o ministro Luis Felipe Salomão manteve a decisão da instância inferior em sua quase totalidade, aceitando apenas o questionamento sobre o parcelamento do tributo. Nesse ponto, conheceu do recurso especial e autorizou a cobrança de forma parcelada.
Acórdão
Fonte: STJ

Benefícios da gratuidade judiciária incluem honorários de perito

Em caso de perícia técnica solicitada por quem seja beneficiário de assistência judiciária gratuita, se o perito não aceita aguardar o fim do processo para receber seus honorários, o juiz deve nomear um novo perito, servidor de órgão público, para a produção das provas. Este foi o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O autor entrou com ação cautelar de produção antecipada de prova depois de ter adquirido uma barra de cereais e supostamente ter encontrado nela “teias de aranha, ovos, restos de insetos e larvas”. Ele afirmou que a produção antecipada de prova – para instruir ação indenizatória que seria ajuizada posteriormente contra o fabricante – seria fundamental por se tratar de alimento perecível.

Ainda que tenha reconhecido o autor da ação como beneficiário da Justiça gratuita, o juiz de primeiro grau determinou que ele arcasse com o pagamento dos honorários periciais. O tribunal estadual manteve a sentença, ao argumento de que não se pode obrigar o perito, não pertencente ao quadro de servidores do Judiciário, a fazer o trabalho sem remuneração.

O consumidor recorreu então ao STJ, alegando que, por ser beneficiário da Justiça gratuita, deve ser isento do pagamento.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do processo no STJ, reconheceu que, quando requerida, a perícia deve ser paga por quem a requereu ou de acordo com a determinação do juiz, porém a Lei 1.060/50, que regula a assistência judiciária gratuita, em seu artigo 3º, explicita que os honorários do perito também fazem parte dessa assistência.

Não adiantamento

O caso julgado na Terceira Turma não trata da responsabilidade definitiva pelo pagamento, mas de seu adiantamento, uma vez que a sentença é que imporá ao vencido na demanda o pagamento das despesas do processo. Em sua decisão, a ministra Nancy Andrighi afirmou que os honorários periciais não devem ser adiantados pelo beneficiário da assistência judiciária gratuita nem pela outra parte, que não requereu a prova pericial.

“Os honorários periciais serão pagos ao final, pelo vencido ou pelo estado, se o vencido for beneficiário da Justiça gratuita. Não concordando o perito com o recebimento dos honorários apenas ao final, o estado, através de seus órgãos públicos, deve arcar com a realização do exame pericial, em colaboração com o Poder Judiciário”, afirmou a relatora.

A decisão unânime da Terceira Turma declara que o depósito prévio dos honorários do perito para realização da prova pericial não pode ser exigido. Caso o especialista indicado anteriormente pelo juiz não concorde em aguardar o fim do processo para receber seus honorários, um novo perito deve ser escolhido entre técnicos de órgão público.
 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

'Ativismo judicial é uma imbecilidade que inventaram'

Em 1977, Nelson Nery Junior se formou em Direito na Universidade de Taubaté. No ano seguinte, entrou para o Ministério Público do Estado de São Paulo, onde ficou até 2004. Cinco dias depois de se desligar do cargo de promotor, foi procurado por um colega advogado, que lhe pediu para fazer seu primeiro parecer, sobre uma questão processual. A partir desse dia, Nery conciliou a atuação como advogado com uma produção incansável de pareceres — que ele chama de “filé mignon da advocacia” — ao custo médio de R$ 300 mil cada.

O advogado dá cerca de quatro pareceres por mês. Além disso, é autor ou organizador de 90 livros — a maioria envolvendo Direito Civil ou Processo Civil. A escrita é conciliada com as aulas, que ministra na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) desde 1979 e com a atuação no escritório próprio, que lançou há três meses — depois de oito anos no Magalhães, Nery e Dias Advocacia.
Em suas conversas, repete constantemente — e orgulhosamente — uma frase de três palavras:  “Foi meu aluno”. Além dos pupilos que hoje ocupam cargos no Judiciário, seus ensinamentos e teses também seguem da sala de aula e livros para os tribunais. Uma busca simples de seu nome na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça aponta 9,5 mil citações em decisões monocráticas e 2,2 mil em acórdãos. Apenas a título de curiosidade, o nome de Humberto Theodoro Júnior, outro luminar da doutrina jurídica, aparece em 3,8 mil decisões monocráticas e o de Cândido Rangel Dinamarco, em 4,9 mil.
O valor da jurisprudência dos tribunais superiores e do Supremo Tribunal Federal, aliás, tem sido uma grande preocupação de Nery Junior. O ministro acha que o Judiciário têm privilegiado demais a jurisprudência, com a criação de súmulas, que subvertem a ordem do Common Law, forçando que juízes decidam de determinada maneira, quando deveriam utilizar, por vontade própria, decisões anteriores como base para julgamentos atuais. “Você só sabe o que é um precedente quando se depara com um caso semelhante no futuro. Precedente obrigatório não é precedente”, diz o professor.
As súmulas, além de muitas inconstitucionalidades, têm contornos autoritários, na visão de Nery. Segundo ele, o projeto de novo Código de Processo Civil pretende aumentar o poder do Estado e reduzir direitos do cidadão. Foi um código pautado pelo Judiciário, “que visa apenas baixar pilha de processo de prateleira de juiz”.
O próprio ativismo judicial é criticado pelo advogado, para quem a atuação do Supremo ao ampliar o alcance de seus julgamentos, como no caso do casamento entre pessoas do mesmo sexo, contraria a Carta Magna. “O Supremo não pode mudar a Constituição. Ele não foi eleito para isso”.
Mesmo tendo sido do Ministério Público por 27 anos, Nery não se esquiva de criticar a atuação do órgão, principalmente nos casos criminais. Os promotores de Justiça, que deveriam promover a Justiça, de forma imparcial, como manda a Constituição, têm atuado de forma midiática e inquisitorial, em sua avaliação. Para Nery, o próprio MP pode ser responsabilizado pela sensação de impunidade que atinge a população brasileira, pois dá peso demais às acusações, sem ter consistência para mantê-las.
Ao receber a reportagem da revista eletrônica Consultor Jurídico em seu escritórioem São Paulo, onde mantém um  piano de meia cauda para prática diária, o professor falou sobre a carreira e sobre os rumos do Judiciário brasileiro.
Leia a entrevista:
ConJur — Uma busca simples de jurisprudência aponta seu nome em 134 acórdãos e 384 decisões monocráticas no Supremo. No STJ os números são impressionantes: seu nome aparece em 2.249 acórdãos e 9.549 decisões. Muito por conta da sua produção acadêmica — com 90 livros publicados ou organizados e edições — e de pareceres. Em 2010, o senhor publicou uma coletânea de pareceres intitulada Soluções Práticas de Direito, que teve de ser editada em quatro volumes, com 4.236 páginas. Como é possível ter essa produção intensa e manter um escritório?
Nelson Nery — Eu e minha esposa (Rosa Maria Andrade Nery) escrevemos. Nossos horários para isso são das 5h às 8h ou das 22h às 4h, quando não toca telefone e conseguimos produzir. Depende do dia. Eu tenho quatro livros de referência, que são os códigos comentados, Constituição comentada, que tenho que atualizar diariamente, porque não adianta eu trabalhar neles quando o editor chegar e falar: "Precisa fazer uma nova edição". Tem 2 mil páginas, não dá para fazer se não for todos os dias. Esses livros saem todo ano.

ConJur — Como é a produção de pareceres?
Nelson Nery — São em média quatro por mês. Cada parecer tem 80 ou 100 folhas. Quem me ajuda a fazer pesquisa é a equipe que trabalha comigo, evidentemente. Quem escreve e faz as teses? Sou eu. Em reunião, o cliente relata o caso, eu chamo meus advogados para ouvir. Eu estudo o caso três ou quatro dias, vou pesquisar na biblioteca, consulto a jurisprudência para ver se a tese é viável. Ligo, então, para o cliente, apontando como podemos fazer, que pontos podemos mudar e pergunto se ele concorda com a tese que eu desenhei. Ele aceitando, eu reúno minha equipe, explico a tese — pois o caso eles já ouviram na reunião — e já listo uns 50 livros onde eu já pesquisei, dizendo o que eles vão encontrar neles. Cito também a jurisprudência do Supremo, do STJ, peço para eles acharem para mim, imprimirem e trazerem.

ConJur — Quanto tempo leva para fazer isso tudo?
Nelson Nery — Umas duas semanas, mais ou menos.

ConJur — De uma reunião até a entrega do parecer?
Nelson Nery — Não. A entrega do parecer é em 30 dias. Já aconteceu de me pedirem parecer para amanhã, mas isso não é rotina. Normalmente levamos 20 ou 30 dias.

ConJur — Com cerca de quatro pareceres por mês, a produção é intensa. Teve algum ou alguns que te marcaram mais?
Nelson Nery — Vários. Parecer é o filé mignon da advocacia, porque você resolve um caso pontual, é remunerado por isso e acabou. Tem começo, meio e fim em pouquíssimo espaço de tempo. Não é uma causa de advocacia, que você começa hoje e pode terminar em dois, cinco ou 22 anos. Eu sou advogado e é claro que eu tenho causa que vai demorar 15 ou 20 anos. Todo advogado tem. Quando eu sou contratado para dar parecer, sou um jurista, e não advogado. Como advogado, tenho que defender o interesse do cliente, do ponto de vista dele e ponto final. Mas quando eu sou parecerista, preciso ver se a tese é plausível, se não conflita com aquilo que eu já escrevi ou com aquilo que penso.

ConJur — Quando há conflito o senhor diz que não vai fazer e pronto?
Nelson Nery — Lógico. Já aconteceu várias vezes. Um exemplo recente: veio aqui um laboratório me procurar pedindo um parecer sobre medicamento genérico. Eu disse: “Pode parar, porque eu penso o contrário, eu já dei um parecer afirmando que isso que você está pedindo em matéria de genérico não é possível. Então, não posso dar esse parecer.” Liguei então para o professor Arruda Alvim, conversei com ele sobre o caso. Ele respondeu que não tinha conflito com o caso e falou que eu poderia mandar o cliente para ele, que é um jurista gabaritado. E eles contrataram o Arruda Alvim.

ConJur — Teses suas já mudaram a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. O senhor pode dar exemplos?
Nelson Nery — Houve, por exemplo, quando a Seção de Direito Público do STJ estava decidindo que não poderia haver repasse da Contribuição Social sobre o Lucro Liquido (CSLL) e do Cofins para o consumidor, no caso das operadoras de telecomunicações. Esse era o entendimento do STJ. Fui, então, procurado por todas as teles — Oi, Tim, Vivo, Brasil Telecom — para fazer um parecer. Eu dei um parecer só para todas juntas, no sentido de que o repasse não ofendia o direito do consumidor e que, no final das contas, se a empresa não puder repassar os tributos, vai ficar inviável. Ela ficaria com todo o custo e depois de três anos teria só prejuízo. A votação mudou e teve só um ou dois votos contra a minha tese.

ConJur — O senhor também atuou no caso do ISS em leasing.
Nelson Nery — Também foi acolhida a tese de que a entidade tributante poderia fazer o lançamento no lugar da sede da empresa de leasing e não da operação. Vários municípios do Brasil estavam fazendo lançamento em outras praças. O empresário questionava, então: “Eu pago na sede onde eu tenho a minha empresa de leasing. Eu estou sendo bitributado, tritributado, quadritributado... Onde vai parar isso?” A lei complementar diz o contrário, mas, no caso do leasing, o serviço principal é prestado no local da sede.

Outro caso foi o que discutiu a prescrição da ação coletiva. Tem várias teses. Eu dei uns três ou quatro pareceres no STJ sobre a matéria: “Prescrição da execução da sentença coletiva; da pretensão individual homogênea no processo coletivo. Em uma delas, por exemplo, a 3ª e 4ª Turmas já tinham fixado entendimento, ou seja, a 2ª Seção já tinha fixado entendimento em um sentido. Quando dei um parecer no caso, o ministro Luís Felipe Salomão ofertou a tese e eles mudaram a orientação das duas turmas.
ConJur — São muitos pareceristas no Brasil?
Nelson Nery — Tem menos de dez que dão parecer, mesmo, que são os mais procurados. A maioria [dos chamados pareceristas] dá opinião legal ou memorando.

ConJur — O que diferencia o parecer de uma opinião legal?
Nelson Nery — Primeiro, o peso do nome de quem vai assinar. Segundo, a profundidade com que vai ser examinado o tema. Tem pessoas que ligam para mim e falam: “Eu não quero um parecer. Eu quero uma opinião legal sua, [com] dez folhas no máximo. Porque parecer vai levar um mês e vai ter umas 80 folhas. Eu quero uma coisa simples, com o seu nome, em que você me diga que o Nelson Nery pensa dessa ou daquela forma”. Isso não é parecer. É opinião legal. Isso tem bastante no mercado. Agora, pareceristas você conta nos dedos.

ConJur — O senhor dá quatro pareceres por mês. O escritório vive de pareceres?
Nelson Nery — Não. Eu vivo de pareceres, porque é uma coisa singular, minha. Eu contrato parecer, a remuneração é minha. Os advogados que trabalham nessas pesquisas são remunerados, mas muito modicamente, porque fazem pesquisa, não escrevem nada. No contencioso do escritório eles recebem mais, porque nesse caso todos trabalham.

ConJur — O que segura o escritório financeiramente é o contencioso ou o consultivo?
Nelson Nery — Vamos dizer que fica 50% para cada um. Tem mês que o faturamento é 60% contencioso e 40% do consultivo, tem mês que isso se inverte.

ConJur — Qual o parecer mais trabalhoso que o senhor já fez?
Nelson Nery — Foram vários. Eu fiz um grande de planos econômicos, quando vários bancos contrataram o parecer. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) havia entrado em contato comigo para contratar o parecer, como eu vi que era muito complexo e complicado, falei que levaria uns dois meses para fazer o parecer, pois a responsabilidade é imensa. Nós estamos falando de um passivo de mais de R$ 100 bilhões do sistema financeiro inteiro. A minha responsabilidade cresce, então a minha remuneração tinha que ser alta. A Febraban fez uma reunião e não aprovou o orçamento do parecer. Então um dos bancos veio aqui e falou que ia bancar o parecer. Eu fiz e a tese foi acolhida no Supremo. No dia seguinte, a Febraban veio aqui pedir dois pareceres para mim e nem perguntou o valor.

ConJur — Esse foi o parecer mais caro que o senhor já cobrou? 
Nelson Nery — Não. Teve um parecer muito caro, eu não vou falar sobre o caso nem sobre a empresa, que envolvia uma questão de petróleo, e foi usado para uma arbitragem no exterior.

ConJur — O senhor pode dizer o valor?
Nelson Nery — Foi R$ 1,2 milhão. Esse foi o mais caro que eu cobrei, mas o valor de mercado que eu cobro é mais barato que isso.

ConJur — Quanto é em média?
Nelson Nery — Costuma ser R$ 300 mil ou R$ 400 mil.

ConJur — É a média do mercado?
Nelson Nery — Não. A média do mercado é 30 mil.

ConJur — Como o parecerista não é o advogado do caso, a responsabilidade dele é menor?
Nelson Nery — Não. É grande a responsabilidade. O Brasil ainda não acordou para isso, mas na Europa e nos Estados Unidos já estão discutindo a responsabilidade do advogado que presta consultoria — aquele que diz: “Olha, acho que deve fazer assim ou seguir por esse caminho”. Nos Estados Unidos e na Europa, se o cliente fizer o que for recomendado e der errado, ele vai responsabilizar o advogado.

ConJur — Como se define o preço de um parecer?
Nelson Nery — Tem um caso engraçado. Uma vez, o nosso escritório pediu um parecer para o [ministro aposentado do STF] Moreira Alves, quando ele tinha acabado de aposentar do Supremo. Eu advogava para uma siderúrgica e foi o primeiro caso que ele pegou depois de deixar o STF. Quando fomos conversar com o ministro aposentado, ele falou: “Vamos estabelecer o preço. Eu vou cobrar de vocês R$ 15 mil”. Eu respondi: “Ministro, eu não tenho nem coragem de falar para o cliente que você vai cobrar R$ 15 mil, porque ele vai desconfiar da qualidade do seu trabalho”. Eu estava atuando junto com o Tercio Sampaio Ferraz e nós falamos para ele cobrar uns R$ 100 mil. O Moreira Alves respondeu que achava caro demais e resolveu cobrar R$ 80 mil. O cliente topou na hora.

ConJur — O senhor lembra qual foi o seu primeiro parecer?
Nelson Nery — Foi em um caso da Nestlé e Garoto. Eu tinha me aposentado do Ministério Púbico no dia 28 de Dezembro de 2004, três dias antes de entrar em vigor a Emenda [Constitucional] 45, que me impediria de advogar por três anos. No dia 2 de janeiro, recebi uma ligação do Tercio Sampaio Ferraz, que disse: “Nelson, você não quer dar um parecer aqui em um caso? Tem que ser você, porque é um processo administrativo da Nestlé e Garoto, envolve uma questão processual”. Ele foi à minha casa, porque eu ainda não tinha escritório, e expôs o caso. Eu achei que era viável a tese e dei o parecer para a Nestlé. O parecer não foi acolhido no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que acabou reprovando a operação da compra da Garoto pela Nestlé. Depois eu entrei na ação e estou nela até hoje, defendendo a Nestlé no Judiciário. Tem uma ação de anulação contra o acórdão do Cade. Nós ganhamos no primeiro grau em tudo, no segundo grau eles reformaram a decisão e ela ficou meio estranha. Agora tem Embargos Infringentes que estão há dois anos com o relator.

ConJur — O senhor já esteve no MP e na advocacia. Como avalia a relação do Ministério Público com o advogado e o juiz? 
Nelson Nery — Eu sempre me dei bem com juízes e hoje à tarde mesmo tive uma audiência no Ministério Público. Fui lá falar com o promotor como advogado. Conversamos, juntei a petição, ele despachou na hora. A minha relação é tranquila com juízes também. No geral, porém, é muito difícil a relação de advogado, juiz e promotor. Juiz não gosta de promotor e os dois não gostam de advogado.

ConJur — Isso se refletiu na “briga” pela Proposta de Emenda Constitucional 37?
Nelson Nery — Foi até uma surpresa ela ter sido derrubada, porque eu achava que, por o MP ter exorbitado um pouco suas funções ultimamente, a PEC ia balançar um pouco a coisa. Já estava acertado no Congresso que ia passar, mas o pessoal arrefeceu, porque a rua disse o contrário.

ConJur — Mas a rua disse o contrário, porque se baseou em uma informação errada?
Nelson Nery — A informação estava completamente distorcida. E olha que eu fui do Ministério Público por 27 anos, fiz a Lei da Ação Civil Pública, que está dando a maior força para o MP em inquérito civil. Tudo isso que estão fazendo de caça a político, improbidade administrativa, é derivado de inquérito civil, que é um instituto que eu inventei. Está colocado na Lei de Ação Civil Pública, que foi redigida por mim e mais dois colegas. O Código do Consumidor eu também fiz enquanto era promotor. Teve também a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, da qual participei. Eram trabalhos que fazíamos como Ministério Público para dar mais força para a instituição defender os direitos da cidadania.

ConJur — E o senhor acha que ela está com força demais agora?
Nelson Nery — Não é que está com força demais, mas a força não está sendo usada corretamente. Você vê promotor hoje fazendo inquérito civil como se fosse um procedimento inquisitorial. Ele não dá vista dos autos para o investigado, fica escondendo testemunha, sem dizer quem foi depor. O Ministério Público não é para isso. É para ser imparcial. Ele tem que investigar com todo rigor, mas de forma imparcial. Tem que colocar no inquérito as coisas que também favorecem o investigado. Hoje, parece que ele descarta isso, dando a entender que só quer condenar o investigado.

ConJur — Esse é o problema da investigação pelo Ministério Público?
Nelson Nery — Não é o Ministério Público. Eu era Ministério Público e não fazia isso. Cansei de pedir arquivamento, cansei de pedir absolvição de réu em júri. Promotor tem que ser promotor de Justiça, promover Justiça. O inquérito é aberto porque tinha um indicio de qualquer fato criminoso. No momento em que investigo com total imparcialidade, ouvindo prós e contras, sopeso tudo e chego à conclusão de que não tem nada, eu mesmo arquivo. O artigo 37 da Constituição diz que a administração pública é regida pelo princípio da impessoalidade.

ConJur — Existe uma pressão institucional para que seja feita a denúncia?
Nelson Nery — Não. Existem bandeiras. O promotor chama a imprensa e diz: “Esse sujeito aqui não é sério e eu vou abrir uma investigação contra ele”. Isso já tumultua o mercado. Está errado. Até pode dar notícia na imprensa, mas não pode condenar o suspeito sem abrir a investigação.

ConJur — Mas o promotor que abre o inquérito se sente pressionado a apresentar uma denúncia?
Nelson Nery — Ele acha que ele estará sendo incoerente com ele mesmo, porque fez uma pressão tão grande, chamou a imprensa, falou tão mal do suspeito, que não consegue admitir que não tem nada contra o sujeito. Os instrumento que existem à disposição do Ministério Público são ótimos. Não podemos generalizar, querendo tirar da instituição suas atribuições porque tem alguns poucos que cometem abusos.

ConJur — Esse é o motivo de muitas denúncias caírem na Justiça?
Nelson Nery — Caem todas. Quando se apresenta para o juiz o que tem que ser apresentado, não sobra uma. O juiz recusa. O Ministério Público faz aquele carnaval, chama a imprensa, execra, condena e crucifica o sujeito perante a opinião pública, e, um ano depois, quando vem o processo, o juiz fala: “Não é nada disso”.

ConJur — Esse comportamento do  Ministério Público contribui para a sensação de insegurança jurídica e impunidade da sociedade?
Nelson Nery — É isso. E quando o pessoal quer tirar poder do MP, dizem: “Estão querendo impunidade. Não são sérios”. Isso é meia verdade, pois também existem os aproveitadores.

ConJur — O MP pode ser condenado por litigância de má-fé? 
Nelson Nery — Pode. Tem um acórdão, que acho que foi o leading case, do Araken de Assis,[desembargador do Tribunal de Justiça] do Rio Grande do Sul. Ele foi meu aluno. O Araken me ligou perguntando se eu achava que MP pode agir de má-fé. Respondi que sim e ele me disse: “Então, vou te mandar um acórdão para você ver, porque acabei de condenar um”. Hoje ele está aposentado e advoga. Acho que deveria haver mais dessas condenações, porque a sensação de impunidade que existe é péssima. O MP diz que fez a parte dele e que a culpa é do Judiciário, mas ele não fez nada consistente.

ConJur — O que o senhor acha do uso do CPC na Justiça do Trabalho? Ele pode ser usado para outras coisas, como na área tributária?
Nelson Nery — O CPC é aplicado subsidiariamente no processo do trabalho. Os juízes trabalhistas não gostam disso e sempre procuram as regras próprias do Tribunal Superior do Trabalho. Mas está escrito na lei. Por exemplo: não tinha previsão de Embargos de Declaração, pega o CPC para aplicar. Não tinha previsão de Ação Rescisória, pega o CPC para aplicar. Hoje está previsto tudo isso na CLT, mas ela não tinha muitas coisas. É um uso subsidiário perfeitamente viável. Não existe um código de processo tributário aqui no Brasil, alguns países como Itália, França e Alemanha têm. A Lei de Execução Fiscal é curta, tem poucos artigos. Como o Brasil não optou por codificar o Direito Tributário, a lei tem lacuna. Por isso que o CPC tem uma natureza jurídica, digamos, de lei geral do processo. Ele é perfeitamente aplicado dentro do sistema ao processo tributário, ao processo trabalhista, até ao processo penal.

ConJur — O artigo 741 do CPC fala da relatividade da coisa julgada e, nos casos tributários, tem gerado problemas, que é aquela coisa ter uma decisão transitada em julgado, mas quando muda a jurisprudência do Supremo Tribunal em ADI, a decisão perde a validade. Essa interpretação está correta?
Nelson Nery — Está tudo errado. O Supremo e o STJ têm decidido, mas o Supremo não é infalível. Ele é feito de homens também, que erram. Como é que um artigo do CPC pode contrariar a Constituição Federal? Aquele artigo foi uma proposta do [ministro] Gilmar Mendes, em uma Medida Provisória, quando ainda era subchefe da Casa Civil do [ex-presidente] Fernando Henrique [Cardoso]. Ele fez 99% das 100% de medidas inconstitucionais que o Fernando Henrique tomou. Uma delas foi essa. Ele copiou literalmente a Constituição portuguesa, que diz que quando a decisão tiver sido julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, a Fazenda poderá alegar inexigibilidade, respeitada a coisa julgada. Ele só não colocou a parte que diz “respeitada a coisa julgada”. Mas que tem que haver respeito, porque isso é matéria constitucional. A Fazenda faz vista grossa, o Supremo faz vista grossa, o STJ faz vista grossa, todo mundo faz vista grossa... Esse artigo é absolutamente inconstitucional, formal ou materialmente. O segundo ponto é que não pode ter mudança de jurisprudência sem alteração da lei, mudança de jurisprudência no curso do processo com retroação, que é o que a Fazenda faz todo dia. O Supremo muda uma decisão, o STJ muda, vem a Fazenda e entra com uma rescisória. Coisa julgada é coisa julgada. O poder público não pode jamais mudar a sua orientação de jurisprudência e ter eficácia ex tunc, retroagindo. De jeito nenhum. Se mudei a jurisprudência é daqui para frente.

ConJur — O senhor é a favor ou contra o novo CPC?
Nelson Nery — Eu até seria a favor de um CPC novo. 

ConJur — O senhor acha que é hora de fazer um novo CPC?
Nelson Nery — Não. Não acho.

ConJur — O senhor é a favor desse projeto que está posto?
Nelson Nery — Eu seria a favor de um que não fosse pautado pelo Poder Judiciário. Esse é um código que visa apenas reduzir pilha de processo de prateleira de juízes, do Supremo ao primeiro grau. Não querem que tenha recurso disso e daquilo, querem incentivar o [artigo] 285-A [do CPC], que prevê o julgamento liminar do mérito por improcedência, quando o caso contrariar a jurisprudência... Então vão acabar com a pilha de processos proibindo o cidadão de entrar com ações. Pense em um pobrezinho, com a demanda que o INSS não quer atender, entrando com a ação. O responsável pelo protocolo vira e fala: “Não. Isso aqui está contrariando a súmula tal do STJ, então eu estou devolvendo a sua petição. O senhor está proibido de entrar com essa ação”. Em cinco anos, em vez de ter 90 milhões de processos em andamento no Brasil, vai ter 5 milhões, 10 milhões.

ConJur — Se as ações estão discutindo uma tese pacificada, porque não tirá-las dos tribunais?
Nelson Nery — A equação não é tão assim cartesiana quanto se está sugerindo. Primeiro, a Constituição é quem permite. Tem um artigo que diz que a lei não pode excluir da apreciação judicial lesão, ameaça ou direito. Então, não é o CPC que vai dizer que eu não posso entrar com a ação. A Constituição disse que eu posso. E o Supremo já decidiu 20 vezes isso. Se não fosse essa dinâmica, não se mudaria uma súmula do Supremo, não se revogaria uma ação no STJ, não haveria mudança de jurisprudência. Isso acontece porque novos argumentos, novas teses, estão surgindo e os juízes param para pensar e falam: “Fizemos besteira nas decisões anteriores. Vamos anular isso e cancelar essa súmula”.

ConJur — O novo CPC trata o Judiciário como um poder perfeito...
Nelson Nery — Isso. Quando ele não é perfeito. É o chamado Direito Jurisprudencial. Eu sou contra, absolutamente contra o Direito Jurisprudencial.

ConJur — O Brasil não está caminhando para o Common Law?
Nelson Nery — Não. Isso é um mito. O Common Law trabalha com precedentes. A gente não tem essa fórmula aqui no Brasil. Um precedente só será encarado como tal no futuro. Ou seja: o justice daSupreme Court of United States julgou, em 1700, o caso Fulano X Cicrano. Julgou normalmente. Em 1850, alguém pega e fala: “O justice julgou de um jeito que eu concordo. Vou aplicar nesse caso também”. Pronto, o caso virou precedente 150 anos depois. Não é a corte que diz o que vai servir como precedente no futuro.

ConJur — Cria-se um precedente obrigatório?
Nelson Nery — Então não é precedente. No Common Law, quem fixa o precedente é o “juiz futuro”, não o “juiz passado”. O Supremo não pode dizer como os juízes vão decidir daquele ponto em diante. Isso não é precedente. Esse sistema não é evolução para o Common Law, é uma involução para as Ordenações do reino de Portugal. É uma legislação seiscentista do Brasil, do direito português. A Casa de Suplicação, que era o Supremo de Portugal, dizia como deveriam julgar com os chamados assentos portugueses, que eram a nossa súmula vinculante de hoje. E tanto eles eram ridículos, que foram declarados inconstitucionais pela Corte Constitucional de Portugal. A nossa Constituição, legalizou isso, que é a súmula vinculante. Só não foi tão forte o movimento porque houve uma grita geral no Brasil. Se tivesse deixado, seria muito mais autoritário do que é hoje. E o Supremo tem baixado um monte de súmulas, várias delas inconstitucionais.

ConJur — Que súmulas são inconstitucionais?
Nelson Nery — Existem várias. A inconstitucionalidade é cabal, os ministros cometeram muitas inconstitucionalidades ao redigirem algumas súmulas. Não é só opinião minha. Certa vez, quando o Supremo baixou 60 súmulas de uma vez, eu estava em um congresso, em uma mesa com os ministros [do Supremo] Sidney Sanches, Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio, quando me perguntaram sobre as súmulas. Eu respondi: “O Supremo baixou diversas súmulas que ele não tinha competência para baixar. Quem diz a última palavra sobre interpretação de lei federal no país é o STJ”. O Supremo não tem competência. Não é questão de hierarquia. O Sidney Sanches lembrou que o STF, quando julga ação de competência originária, também julga lei federal, mas eu rebati dizendo que eles têm de obedecer o STJ nessa matéria. A Súmula Vinculante 11, sobre o uso de algemas, por exemplo, é inconstitucional. Não pelo mérito, mas pela forma. 

ConJur — Por que?
Nelson Nery — A Constituição diz que, depois de reiteradas decisões do Supremo em um sentido, se ainda persistir insegurança no Judiciário, a corte deve baixar a súmula vinculante. A súmula da algema foi criada na primeira que o caso chegou ao Supremo.

ConJur — Qual seria outro exemplo?
Nelson Nery — A Súmula Vinculante 5 diz: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”. Essa súmula é inconstitucional e foi criada porque havia um sem número de ações no Supremo questionando processos administrativos por não ter sido concedido advogado para o acusado. Alguns previam suspensão, outros advertência, outros demissão. Ou seja, chega o patrão e diz que o empregado vai ser demitido por ter cometido uma falta funcional. Ele dá ao funcionário tempo para ele fazer a própria defesa. O sujeito com pouca instrução provavelmente não sabe o que é uma portaria inepta nem a prescrição da pretensão punitiva administrativa. A Constituição diz que se dará o contraditório e a ampla defesa no processo administrativo judicial, mas simplesmente dar tempo para o funcionário falar, sem o auxílio de um advogado, não é ampla defesa.

ConJur — Há outras súmulas inconstitucionais?
Nelson Nery — A Súmula Vinculante 3 diz que incide a garantia do contraditório no processo do Tribunal de Contas da União. Até aí, repete o que a Constituição diz, ia no caminho certo, mas [os ministros] resolveram acrescentar a seguinte observação: “excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão”. Como assim? A Constituição não faz ressalvas. Uma das características da hermenêutica constitucional é dar uma interpretação ad amplianda nas garantias constitucionais, porque todo o texto constitucional tem que ser interpretado restritivamente, só o é ampliativamente nas garantias constitucionais, nos direitos fundamentais e direitos sociais. É um absurdo essa súmula. O Supremo está cometendo uma série de inconstitucionalidades em súmula vinculante, uma atrás da outra. Então, nesse sentido, não está sabendo agir..

ConJur — E nesse balaio entra repercussão geral, recurso repetitivo, os filtros...
Nelson Nery — Tudo tem o objetivo de baixar pilha de processos de juiz, ninguém pensou no jurisdicionado. Se eu acabo com o processo, faço uma estatística para a população mostrando que o Judiciário está uma maravilha, mas ninguém consegue entrar com uma ação.

ConJur — Então qual é a solução para baixar a pilha de processos na mesa dos juízes?
Nelson Nery — O poder público cumprir a Constituição é a primeira solução. É o pacto social que tem que ser cumprido. O maior cliente do Poder Judiciário é o poder público, ele não cumpre a Constituição nem as leis.

ConJur — Assim criaria uma segurança jurídica, sem impedir ninguém de entrar com uma ação? 
Nelson Nery — Depois de muitas críticas, fizeram algumas emendas no projeto do novo CPC, colocando o distinguishing, o overruling, que são mecanismos que o Common Law tem para fazer revisões e precedência. Mas continua o defeito na premissa: súmula não é a mesma coisa que precedente. O projeto quer vincular tudo. Aí eu pergunto: “Súmula vinculante vincula, jurisprudência vincula, e a lei, não vincula?” O juiz tem que, antes de tudo, aplicar a lei. A lei está escrita. Já a jurisprudência muda a toda hora. Não pode servir de lei. Eu já vi um ministro do STJ votar um caso, sair para tomar um cafezinho, voltar para a sessão e votar exatamente o contrário, em outro caso. 

ConJur — O que a gente vê em julgamentos é a discussão sobre qual era a vontade do constituinte ou do legislador nesse ou naquele artigo. É normal haver essa discussão?
Nelson Nery — Achar que a lei não dá margem a nenhuma dúvida é ser positivista, é ficar jungido à estrita literalidade da lei. Isso é um sofisma. Mas existem verdades, como quando a lei diz que fazer alguma coisa é proibido. É simples. Os deputados e senadores, e o presidente quando sancionou a lei, quiseram que fosse proibida determinada coisa. Se os legisladores acham que pode casar homem com homem, mudem a Constituição. Isso não pode ficar a cargo do Judiciário porque os deputados não querem desgaste com a bancada evangélica. São os ônus do Estado de Direito. Quem faz lei é o Congresso, não é o presidente, nem o Supremo. O ativismo [judicial] é outra imbecilidade que inventaram e que estão apoiando. Essa história de “Supremo protagonista” é contra o Estado de Direito, isso é autoritário, o Supremo não pode mudar a Constituição. Ele não foi eleito pelo povo para mudar a constituição, só pode decidir o caso concreto. Se o Joaquim quer casar com Manuel e o caso chega até o Supremo, ele pode admitir aquele casamento. Acabou. Isso não pode virar jurisprudência válida para tudo e para permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil.
Alessandro Cristo é editor da revista Consultor Jurídico
Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 4 de agosto de 2013

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

MANUAL DE REDAÇÃO FORENSE

Por Luiz Cláudio Borges

Segue abaixo excelente ferramenta para os alunos e operadores do Direito, Manual de Redação Forense do Desembargador Dr. Alexandre Moreira Germano, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

MANUAL DE REDAÇÃO FORENSE

Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...