É muito comum que as empresas contratem empreiteiras para realizarem obras ou reformas nos seus estabelecimentos. Muitas construções ou reformas de residências também são feitas por meio de contrato de empreitada celebrado, pelos proprietários, pessoas físicas, com empresas do ramo da construção civil. Nessas situações, surge a questão da responsabilidade do "dono da obra" pelos débitos trabalhistas da empresa contratada para executar os serviços. Ou seja, caso a empregadora (a empreiteira) deixe de pagar os trabalhadores, o "dono da obra" poderá ser responsabilizado pelos créditos trabalhistas inadimplidos?
A Orientação Jurisprudencial 191 do TST aborda o assunto, dispondo que:"Dono da obra. Responsabilidade. Diante da inexistência de previsão legal, o contrato de empreitada entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora". Entretanto, o conceito e o alcance da expressão "dono da obra", contida na Orientação Jurisprudencial, para efeito da isenção da responsabilidade sobre os débitos trabalhistas da empreiteira, sempre gerou questionamentos e polêmicas nos processos julgados pela JT mineira, despertando entendimentos divergentes dos julgadores. Mas, em sessão ordinária realizada no dia 13/08/2015, o TRT-MG procurou uniformizar a questão. Nessa data, o Tribunal Pleno do TRT de Minas, em cumprimento ao disposto no art. 896, parágrafo 3º, da CLT, e na Lei 13.015/2014, conheceu do Incidente de Uniformização de Jurisprudência (IUJ) suscitado no processo TST-RR-521-11.2014.4.03.0174 e, por maioria absoluta de votos, determinou a edição da Súmula nº 42, com a seguinte redação:"OJ 191 DA SBDI-I DO TST. DONO DA OBRA. PESSOA FÍSICA OU MICRO E PEQUENAS EMPRESAS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA OU SUBSIDIÁRIA. O conceito de "dono da obra", previsto na OJ n. 191 da SBDI-I/TST, para efeitos de exclusão de responsabilidade solidária ou subsidiária trabalhista, restringe-se à pessoa física ou micro e pequenas empresas, na forma da lei, que não exerçam atividade econômica vinculada ao objeto contratado.'".
Histórico do IUJ: Processo de origem - Entendendo a matéria objeto do incidente
No caso analisado no processo nº 0000521-11.2014.503.0174, a Ferrovia Centro Atlântico (FCA) contratou uma empreiteira (Guinness Construtora de Obras Ltda.) para a "construção de um posto de abastecimento de locomotivas em suas dependências". O reclamante, na qualidade de empregado da empreiteira, prestou serviços na obra da FCA e pretendia que a "dona da obra" também respondesse pelos seus créditos trabalhistas.
A juíza sentenciante deu razão ao trabalhador, entendendo que, no caso, a FCA não poderia ser beneficiada com a exclusão da responsabilidade do "dono da obra" prevista na OJ 191 da SDI-1 do TST. Isso porque a obra contratada pela FCA possuía caráter infra-estrutural e de apoio à dinâmica e funcionamento da empresa, ou seja, a prestação de serviço do reclamante não foi utilizada como instrumento de produção de mero valor de uso (construção ou reforma residencial). Assim, condenou a FCA, subsidiariamente, pelo pagamento dos créditos trabalhistas devidos ao reclamante pela empreiteira, na forma Súmula 331, inciso IV do C. TST. A responsabilidade subsidiária também foi imposta à Vale S/A, que assumiu o controle acionário da FCA desde 2003, configurando grupo econômico pelas empresas, consideradas empregador único para fins trabalhistas (termos do artigo 2º, § 2º da CLT Súmula 129 do TST).
Inconformadas, a empresas recorreram, mas 1ª Turma do TRT-MG manteve a sentença nesse aspecto. A Turma julgadora ressaltou que o entendimento firmado na OJ 191 da SDI-I do TST é no sentido de se excluir a responsabilidade do dono da obra pessoa física, que constrói para si ou sua família, o que não é o caso das empresas reclamadas.
A FCA interpôs recurso de revista ao TST, admitido pelo Desembargador 1º Vice-Presidente, José Murilo de Morais, em razão de "possível contrariedade à OJ 191 da SBDI-I do TST". Remetidos o processo ao TST, o Ministro Relator da 5ª Turma, Emmanoel Pereira, suscitou o "Incidente de Uniformização de Jurisprudência (processo de nº TST-RR-521-11.2014.4.03.0174), versando sobre o tema: "Dono da obra. Responsabilidade subsidiária". Isso ocorreu em razão da constatação de decisões atuais e conflitantes, proferidas no âmbito do TRT-MG, sobre o conceito e alcance da expressão dono da obra, contida na Orientação Jurisprudencial 191 do TST.
Seguindo os trâmites, o processo retornou ao TRT-MG para o julgamento do IUJ e o Desembargador 1º Vice Presidente determinou a suspensão do andamento dos processos que tratem da mesma matéria, até o julgamento do incidente. Houve, então, remessa dos autos à Comissão de Uniformização de Jurisprudência, para emissão de parecer, sendo o processo distribuído ao desembargador relator José Eduardo de Resende Chaves Júnior.
O Ministério Público do Trabalho pronunciou-se pelo conhecimento do incidente e pela consolidação da jurisprudência, na forma de uma das opções de verbete sugerido pela Comissão de Uniformização, no seguinte sentido: "se insere no conceito de 'dono da obra' previsto na OJ n. 191da SBDI-I/TST a pessoa física ou jurídica que celebre contrato de empreitada por obra certa, cujo objeto não se vincule à atividade que lhe seja preponderante, hipóteses excludentes da responsabilidade subsidiária".Teses Divergentes
A Comissão de Uniformização de Jurisprudência (CUJ), após pesquisar o tema em relação a acórdãos publicados nos últimos dois anos no TRT/MG, aglutinou os principais fundamentos em duas correntes jurisprudenciais predominantes nas Turmas do Tribunal mineiro. Contudo, destacou que essas correntes, muitas vezes, interpenetram-se e apresentam pontos de convergência, dependendo da especificidade do caso concreto, apresentando oscilações entre a adoção ou rejeição da responsabilidade subsidiária do dono da obra prevista na OJ 191 do TST.Primeira corrente: Pela exclusão da responsabilidade subsidiária apenas quando "o dono da obra" for pessoa física ou pessoa jurídica de pequeno porte.
A primeira corrente entende que a excludente de responsabilidade subsidiária do dono da obra prevista, na OJ 191 da SBDI-I do TST, deve ser aplicada a contratos de empreitada celebrados por pessoa física ou, quando muito, por pessoa jurídica de pequeno porte, desde que firmado de forma esporádica, eventual, com curta duração, sem caráter lucrativo, mas com essencial valor de uso. Nas demais hipóteses, tais como de prestação de serviços necessários à infraestrutura para a realização de finalidades institucionais da empresa contratante, deverá incidir a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, decorrente da terceirização lícita prevista nos incisos IV e V da Súmula 331 do TST, ainda que se trate de ente de direito público, a não ser no caso de terceirização ilícita de mão de obra. Nesse sentido foram encontrados acórdãos das 1ª, 3ª, 4a., 5a., 6a., 7a., 10ª Turmas e, ainda, da Turma Recursal de Juiz de Fora.
De acordo com a pesquisa realizada pela CUJ, os fundamentos adotados pelos julgadores que partilham desse entendimento são os seguintes:O contrato de empreitada citado na OJ 191/TST diz respeito somente àquele celebrado por pessoa física, na execução de serviços que possuam essencial valor de uso, tal como ocorre na construção de casas para residência ou lazer, sem qualquer finalidade econômica ou caráter comercial e tem como fundamento a necessidade de proteção da pessoa natural. Contudo, pode-se, eventualmente, estender o conceito de dono da obra à pessoa jurídica contratante, desde que ela não se apresente na condição de empresa de grande porte e que não utilize os serviços contratados (na modalidade de empreitada) para exploração de sua própria atividade empresarial;
- o Enunciado n. 13 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho possui redação que segue a mesma linha desse entendimento e menciona os dispositivos legais que amparam a tese em questão: "DONO DA OBRA. RESPONSABILIDADE. Considerando que a responsabilidade do dono da obra não decorre simplesmente da lei em sentido estrito (Código Civil, arts. 186 e 927), mas da própria ordem constitucional no sentido de se valorizar o trabalho (CF, art.170), já que é fundamento da Constituição a valorização do trabalho (CF, art.1º,IV), não se lhe faculta beneficiar-se da força humana despendida sem assumir responsabilidade nas relações jurídicas de que participa. Dessa forma, o contrato de empreitada entre o dono da obra e o empreiteiro enseja a responsabilidade subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, a não ser na hipótese de utilização da prestação de serviços como instrumento de produção de mero valor de uso, na construção ou reforma residenciais";
- A responsabilidade subsidiária se fundamenta nos princípios da função social do contrato e da dignidade da pessoa humana, o que exige interpretação mais restrita da OJ n. 191. O objetivo é evitar que o entendimento nela sedimentado possibilite a isenção de responsabilidade de pessoas jurídicas, públicas ou privadas, beneficiárias dos serviços do trabalhador contratado para prestar serviços na obra, pelo simples fato de se tratar de contrato de empreitada. Isso porque, o contrato de trabalho lança seus efeitos e responsabilidades aos terceiros que dele se beneficiam;
- No contrato firmado entre duas pessoas jurídicas, em que o dono da obra tenha que realizar empreendimentos necessários à dinâmica normal de funcionamento de sua atividade, torna-se evidente a responsabilidade subsidiária da empresa contratante, não se aplicando a excludente da responsabilidade prevista na OJ 191 do TST.
- Nos contratos celebrados pela Administração Pública para execução de serviços ou mesmo de obra certa com empresas especializadas, não se pode aplicar a exclusão da responsabilidade destinada ao dono da obra, tendo em vista a obrigação do poder público de oferecer, à população, as obras de infraestrutura necessárias. Nessas condições, a Administração Pública, incumbida de atender ao interesse público, equipara-se a uma construtora e/ou incorporadora
Segunda corrente: Tanto pessoa física, quanto pessoa jurídica de direito público ou privado, beneficiam-se da exclusão da responsabilidade do dono da obra prevista na OJ 191/TST
Já para os adeptos da segunda corrente (em favor da qual foram encontrados acórdãos da 1ª, 2a., 3ª, 4a., 7a., 8a., 9a. Turmas e também da Turma Recursal de Juiz de Fora), deve ser excluída a responsabilidade subsidiária do dono da obra, prevista na OJ 191 da SDI-I do TST, aos contratos de empreitada celebrados: 1) por pessoa física ou 2) por pessoa jurídica de direito público ou privado, nas hipóteses de empreitada por obra certa, cujo objeto não se insira na atividade principal da empresa contratante. Nessa linha de pensamento, o ente público contratante não pode ser comparado a uma empresa construtora ou incorporadora, por se encontrar apenas no exercício de suas funções administrativas, das quais decorre a necessidade de contratar serviços de caráter infraestrutural para a realização de suas finalidades institucionais. Além disso, quando não se tratar de obra certa, e sim, de mera prestação de serviços (terceirização de mão de obra), incidirá a responsabilidade subsidiária do tomador de serviço, quer seja pessoa de direito público ou privado (incisos IV e V da Súmula 331 do TST), salvo comprovada terceirização ilícita.
Os fundamentos apresentados pelos julgadores que aderem a essa segunda corrente são os seguintes:- O contrato de empreitada de que trata a OJ n. 191 da SBDI-I do TST não diz respeito somente àquele pactuado por pessoa física, pois o ¿dono da obra¿ também pode ser pessoa jurídica que não se revista da condição de construtora ou incorporadora, a quem se aplicará a exclusão da responsabilidade do dono da obra prevista na OJ.;
- A empresa, ao firmar contrato de empreitada, reveste-se da condição de dono da obra e não pode ser condenada subsidiariamente por eventual inadimplemento da contratada. A "obra" é tida como o resultado de um serviço transitório de construção civil. Trata-se, portanto, de contrato para a prestação de serviço episódico na área de construção civil, cujo objeto não se vincula à atividade-fim do contratante;
- Nas situações em que o objeto do contrato não seja obra por empreitada, e sim, terceirização de serviços ligados à atividade-fim do contratante, este não poderá ser considerado dono da obra;
- A natureza privada ou pública do dono da obra não serve de parâmetro para restringir a aplicação da exclusão de responsabilidade da empresa contratante. Portanto, tal condição (de dono da obra) pode isentar, inclusive, a própria Administração Pública dos encargos trabalhistas devidos pela empresa contratada, desde que o ente público não tenha como atividade preponderante a construção civil, na condição de construtora ou incorporadora. Em síntese, a formalização por qualquer contratante, inclusive a própria Administração Pública, de contrato por obra certa, com prazo e preço pré-fixados, o isentará de responsabilidade, já que pode se valer da condição de dono da obra a que se refere a OJ n. 191 da SBDI-I do TST.
Entendimento que prevalece no TST:
Ao analisar vários precedentes da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST, a Comissão de Uniformização e Jurisprudência constatou que o entendimento ali consolidado é que o conceito relativo ao ¿dono da obra¿ não se aplica apenas a pessoas físicas ou mesmo a serviços com essencial valor de uso. Admite-se a extensão desse conceito às pessoas jurídicas contratantes, desde que se trate de contrato de empreitada de obra certa, e não, de terceirização de serviços ligados à exploração da própria atividade da contratante.
Mas, quando se evidencia, em alguns casos específicos, conduta omissiva da contratante, que leve à existência de trabalho degradante ou de acidente de trabalho, afasta-se a isenção de responsabilidade do dono da obra prevista na OJ n. 191 do TST e adota-se, em contrapartida, a responsabilidade civil prevista nos artigos 187 e 927 do Código Civil.
Em relação aos contratos celebrados pela Administração Pública, foi apurado que o TST tem afastado a aplicação da OJ n. 191 da SBDI-1. O fundamento é que a administração deve ser responsabilizada por reparar os danos causados ao trabalhador, porque não teria agido com a necessária cautela na contratação e fiscalização dos serviços executados.Decisão da maioria - Conceito restrito de "dono da obra" - Motivos determinantes da súmula uniformizada
Tendo em vista o parecer da Comissão, o desembargador relator do IUJ verificou que a jurisprudência do TRT/MG encontra-se bastante dividida quanto à matéria. Mas ele observou uma pequena prevalência da corrente que confere uma interpretação mais abrangente à expressão "dono da obra", para nela incluir, também, a pessoa jurídica, mas desde que o objeto da obra contratada não se vincule à sua atividade principal.
Entretanto, após debate realizado na Sessão de Julgamento, o entendimento que prevaleceu, pela maioria dos julgadores, foi que o conceito de dono da obra é restrito, estando limitado tanto pelo porte do empreendimento, como pelo exercício de atividade de incorporação ou construção civil. Assim, a tese vencedora foi que a exclusão da responsabilidade pelo pagamento dos direitos trabalhistas deve se limitar às pessoas físicas ou às micro e pequenas empresas, desde que não exerçam atividades de empreitada da construção civil.
Os defensores dessa tese frisaram que, as pessoas físicas ou micro e pequenas empresas, quando não se dedicam à construção civil, inserem-se na hipótese do artigo 455 da CLT, que somente prevê a responsabilização para o empreiteiro, principal ou subempreiteiro, não para o dono da obra. Mas, em relação aos demais empreendimentos, prevaleceu o entendimento de que a complexidade da organização produtiva contemporânea torna o conceito de dono da obra "fugaz", já que passível de ser replicado, de maneira indistinta, para as próprias atividades principais da empresa, bastando, para tanto, a fragmentação formal dessas atividades. Além disso, ressaltou-se que a reorganização produtiva da empresa exige a realização de obras, inclusive aquelas ligadas à construção civil, que acabam sendo essenciais e indistinguíveis das atividades-fim do empreendimento.
Nessa linha, os julgadores destacaram que o valor conferido ao trabalho, um dos fundamentos da República, de acordo com a Constituição, impõe uma interpretação que proteja os direitos fundamentais do trabalho humano subordinado, de forma a evitar que os novos arranjos produtivos impeçam a aplicação dos direitos trabalhistas, liberando a responsabilidade das empresas que sejam destinatárias finais do resultado da mão de obra alheia.
Por fim, o relator destacou que as questões apresentadas pela Comissão de Jurisprudência a respeito da responsabilidade do ente público fogem ao objeto do IUJ analisado, pois não é abordada no acórdão que lhe deu origem.
Assim, por maioria absoluta de votos, o Tribunal Pleno do TRT/MG decidiu pela edição da súmula com a redação que restringe, à pessoa física, ou às micro e pequenas empresas, a exclusão da responsabilidade subsidiária do dono da obra prevista na Súmula 191 do TST, e desde que não exerçam atividade econômica vinculada ao objeto do contrato.
Proc. nº 00521-2014-174-03-00-9-IUJ. Acórdão publicado em 13/08/2015
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Fonte: TRT3