A Defensoria Pública é a instituição mais vocacionada ao exercício da tutela coletiva. Isso porque possui um radar natural, que é sua forte atuação na tutela individual. Assim, as lesões coletivas — sejam relativas a interesses difusos, coletivos stricto sensu ou individuais homogêneos — podem ser rapidamente identificadas, gerando enormes benefícios ao sistema de Justiça.
E não é só. Por meio da tutela individual, a Defensoria Pública já toma contato com uma vasta gama de provas documentais, trazidas pelas próprias partes, o que desvela uma dependência muito menor da instituição em relação a procedimentos de instrução, os quais geralmente demandam demasiado tempo e desgaste, tornando muitas vezes extemporânea a intervenção dos órgãos legitimados.
Assim, na labuta de seu atendimento diário, o defensor, mediante a análise de inúmeros casos e documentos que lhe são confiados, pode identificar, por meio de sua privilegiada visão global, as chamadas microlesões individuais, muito comuns na seara consumerista, das quais o assistido nem sequer tem conhecimento ou intenção de confrontar, ante a insignificância do valor do dano.
Tal confluência confirma o típico “perfil indutivo” da Defensoria Pública no sentido de atuar coletivamente a partir do contato com a aflição jurídica que lhe é posta, assim como pelo “crivo dedutivo”, segundo aquela atuação iniciada a partir da criação do órgão de execução. Ambas as situações se apresentam concorrentes e disjuntivas, sendo a primeira de maior ocorrência e que, por sinal, exorta, diferencia e legitima a atuação enquanto agentes de transformação social, e não como de gabinete.
Pois bem, feito esse pequeno introito, não se pode negar que a lesão pelo fornecedor de produtos e serviços muitas vezes é perpetrada de forma difusa no mercado de consumo, mormente pelas instituições financeiras. Isso se dá quando da atuação de sociedades integrantes de um mesmo grupo econômico.
A verdade é que a formação dos denominados grupos econômicos, ou seja, de um conjunto de sociedades empresariais que, de algum modo, coordenam sua atuação para maximizar o lucro e a produtividade, diminuir os custos e, assim, garantir posição no mercado, é tendência no cenário econômico não só brasileiro, mas bem como mundial.
Destarte, diante da detecção por parte da Defensoria Pública de conduta abusiva praticada por instituições financeiras, especialmente cláusulas inseridas em contratos de adesão, é preciso investigar a ocorrência de tais condutas no seio de todas as entidades integrantes de um mesmo grupo econômico.
A Defensoria Pública, portanto, pode e deve buscar junto, por exemplo, ao Banco Central — e outras autarquias que regulem inúmeras prestações de serviços — a informação acerca da existência desses conglomerados, de forma que, avaliando a existência de uma padronização abusiva de cláusula contratual, proceder a potencialização dos efeitos da atuação coletiva. Isso se dará mediante a inclusão, nos esforços de entabulamento de Termos de Ajustamento de Condutas, ou mesmo no polo passivo de eventual ação coletiva de todos os players envolvidos.
Um exemplo prático é o do Itaú Unibanco Holding S.A., publicizado pelo Banco Central do Brasil[1] que atua enquanto instituição financeira líder coordenando as diretrizes padronizadas de outras 20 empresas com o mesmo móvel.
Qualquer atuação em desfavor das controladas não estancará a propagação de litígios. Diante dessa realidade temos um quadro jurídico a exigir do defensor público uma atuação que atinja a empresa controlada de forma consectária a vincular, também, as empresas controladas. Tal dicção, por sinal, é plenamente aceita pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual vem decidindo que a instituição financeira, líder do grupo econômico ao qual pertence o agente financeiro signatário do contrato de depósito de poupança, pode figurar no polo passivo de ações coletivas[2].
Trata-se de uma forma de se garantir eficiência na atuação institucional(artigo 4º, VII, da Lei Complementar 80/94) e aplicação do artigo 83, do CDC, reequilibrando as relações jurídicas num único momento, evitando múltiplas ações contra todas as empresas controladas.
O artigo 506 do novo CPC enfatiza que a sentença não pode prejudicar terceiros, sendo certo que as empresas controladas são solidárias, e não estranhas à lide de maneira a não poderem arguir prejuízo, afora a oportunidade dada à empresa líder de fazer uso de todos os meios de defesa outorgados pelo ordenamento jurídico. Trata-se de um caso de manifesta defesa coletiva, por haver um representante adequado e interesse social relevante.
A diferenciação entre as pessoas jurídicas, conquanto inegável do ponto de vista técnico-jurídico, tem de ser desconsiderada nas relações envolvendo contratos de adesão seriados. Acresça-se à abordagem, igualmente, que tal modo de acionamento pode ocorrer quando a atuação entre empresas controladoras e controladas se faça, também, pela mera aparência, e não pelo crivo jurídico. Nesses casos, aplicável também a mesma exegese supra, com a adjetivação da teoria da aparência somada à do risco-proveito,conforme dicção do Superior Tribunal de Justiça, adotadas no chamado “caso Panasonic”, em que se reconheceu que a sucursal brasileira responderia pelo defeito de mercadoria da marca Panasonic adquirida no exterior[3].
Além desse leading case, tal conjuntura pode ocorrer também em sede de contratos envolvendo planos de saúde, montadoras de veículos, grupos securitários e até mesmo em situações envolvendo concessionárias de serviços públicos, a exemplo da Cemig S/A (MG), que detém grande parte acionária da Light (RJ)[4].
Reforçando esta segunda hipótese no tocante a teoria da aparência, o novo CPC, em seu artigo 22, II, determina caber à autoridade brasileira processar e julgar as ações de consumo quando o consumidor tiver domicilio ou residência no Brasil.
Pode-se, dessa forma, fazer valer a teoria da aparência caso a empresa controladora da marca detenha alguma empresa em solo nacional que usufrua dela (marca), bastando-se ver o julgado supra, que sinaliza a universalização da jurisdição.
Tal viés permite o acionamento da empresa controlada e controladora em solidariedade, quando esta tiver sede no exterior justamente para, se o caso, poder por ocasião de eventual cumprimento de sentença alcançar de forma célere e efetiva os bens em território nacional.
Essa solução sob o aspecto jurídico ou fático faz parte do elenco de medidas indispensáveis à asseguração da tutela jurisdicional efetiva ao litigante eventual em face do poderoso, onipresente e multímodo litigante habitual, exigindo do defensor público um novo agir na seara da tutela de direitos coletivos e na tutela coletiva de direitos.
[2] Vide REsp 128.998/RS, relator ministro Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª Turma, julgado em 3/3/1998, DJ 04/05/1998.
[3] Ver REsp 63.981/SP.
Roger Vieira Feichas é defensor público no estado de Minas Gerais, pós-graduado em Direito Público, professor de Direito do Consumidor e Direito Processual Civil, ex-assessor de juiz e autor do livro "Mandado de Segurança – Da Teoria à Prática".
Fabio Schwartz é defensor público do estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito Econômico e especialista em Direito do Consumidor e Responsabilidade Civil, além de autor do livro "Direito do Consumidor: Tópicos & Controvérsias".
Revista Consultor Jurídico, 20 de outubro de 2015, 8h15