Informativo n. 0523
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Primeira Seção |
DIREITO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE DE SUSPENSÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR DIANTE DA EXISTÊNCIA DE AÇÃO PENAL RELATIVA AOS MESMOS FATOS.
Não deve ser paralisado o
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DIREITO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DO INTERESSADO APÓS O RELATÓRIO FINAL DE PAD.
Não é obrigatória a intimação do interessado para apresentar alegações finais após o relatório final de processo administrativo disciplinar. Isso porque não existe previsão legal nesse sentido. Precedentes citados: RMS 33.701-SC, Primeira Turma, DJe 10/6/2011; e MS 13.498-DF, Terceira Seção, DJe 2/6/2011. MS 18.090-DF, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 8/5/2013.
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DIREITO ADMINISTRATIVO. IRRELEVÂNCIA DO
Deve ser aplicada a penalidade de demissão ao servidor público federal que obtiver proveito econômico indevido em razão do cargo, independentemente do valor auferido. Isso porque não incide, na esfera administrativa — ao contrário do que se tem na esfera penal —, o princípio da insignificância quando constatada falta disciplinar prevista no art. 132 da Lei 8.112/1990. Dessa forma, o proveito econômico recebido pelo servidor é irrelevante para a aplicação da penalidade administrativa de demissão, razão pela qual é despiciendo falar, nessa hipótese, em falta de razoabilidade ou proporcionalidade da pena. Conclui-se, então, que o ato de demissão é vinculado, cabendo unicamente ao administrador aplicar a penalidade prevista. MS 18.090-DF, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 8/5/2013.
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DIREITO ADMINISTRATIVO. UTILIZAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA EM PAD.
É possível utilizar, em processo administrativo disciplinar, na qualidade de “prova emprestada”, a interceptação telefônica produzida em ação penal, desde que devidamente autorizada pelo juízo criminal e com observância das diretrizes da Lei 9.296/1996. Precedentes citados: MS 14.226-DF, Terceira Seção, DJe 28/11/2012; e MS 14.140-DF, Terceira Seção, DJe 8/11/2012. MS 16.146-DF, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 22/5/2013.
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DIREITO ADMINSTRATIVO. PRORROGAÇÃO DE PRAZO DE CONCLUSÃO DO PAD.
A prorrogação motivada do prazo para a conclusão dos trabalhos da comissão em processo administrativo disciplinar não acarreta, por si só, a nulidade do procedimento. De fato, a comissão deve cercar-se de todas as cautelas para colher os elementos de prova de modo a subsidiar a conclusão dos trabalhos. Muitas vezes, até mesmo para preservar o exercício da ampla defesa, é necessário que diversos atos sejam praticados no PAD, nem sempre possíveis dentro do prazo assinalado pela autoridade instauradora. Assim, se as prorrogações de prazo forem efetuadas de forma motivada, não há razão para inquiná-las de ilegalidade. MS 16.031-DF, Rel. Ministro Humberto Martins, julgado em 26/6/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DEGRAVAÇÃO DE DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA INQUIRIDA NO JUÍZO DEPRECADO POR MEIO AUDIOVISUAL.
No âmbito do processo civil, não é do juízo deprecado o encargo de providenciar a degravação de depoimento de testemunha por ele inquirida pelo método audiovisual. A princípio, vale ressaltar que o tema em discussão não possui regra específica na legislação processual civil capaz de elucidar a controvérsia. Diante dessa lacuna, revela-se conveniente observar a Res. 105/2010 do CNJ, a qual veio dispor, no âmbito do processo penal, sobre a “documentação dos depoimentos por meio de sistema audiovisual e realização de interrogatório e inquirição de testemunha por videoconferência”, não havendo óbice, por certo, para a aplicação dessa mesma regra no processo civil. Extrai-se da citada resolução “que caracteriza ofensa à independência funcional do juiz de primeiro grau a determinação, por magistrado integrante de tribunal, da transcrição de depoimentos tomados pelo sistema audiovisual”. Nesse contexto, a situação em análise revela maior grau de constrangimento, na medida em que a determinação de haver degravação procede de um magistrado de primeiro grau (deprecante) para outro de idêntica hierarquia (deprecado). De outra parte, não se pode olvidar a advertência existente na parte inicial da referida resolução no sentido de que, para cada minuto de gravação, leva-se, no mínimo, dez minutos para a sua degravação, a denotar grandes dificuldades, sobretudo de tempo e de esforço laboral, que permeiam o ato de transcrição de depoimentos colhidos na forma audiovisual. Dessa forma, o art. 2º da citada resolução estabeleceu que os depoimentos documentados por meio audiovisual não precisam de transcrição, e o parágrafo único desse artigo instituiu regra segundo a qual o magistrado, quando for de sua preferência pessoal, poderá determinar que os servidores afetos a seu gabinete ou secretaria procedam à degravação. CC 126.770-RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 8/5/2013.
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Segunda Seção |
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DE AÇÕES CONEXAS CUJA CAUSA DE PEDIR REMOTA ENVOLVA DIREITO DE PROPRIEDADE.
Compete ao foro do local em que situado o imóvel o julgamento de ação consignatória e de ação de rescisão contratual cumulada com retificação de escritura pública, perdas e danos e alteração do registro imobiliário na hipótese em que lhes for comum causa de pedir remota consistente em contrato verbal de sociedade de fato formada para a compra do referido bem. De início, cumpre esclarecer que há conexão entre as ações, já que possuem a mesma causa de pedir remota (art. 103 do CPC), sendo conveniente a sua reunião, a fim de evitar a prolação de decisões conflitantes. Posto isso, observa-se que o art. 95 do CPC prevê regra de competência absoluta ao dispor que, nas ações fundadas em direito real sobre imóveis, é competente o foro da situação da coisa, quando o litígio recair sobre direito de propriedade. Na hipótese, a ação de rescisão contratual contém, como decorrência lógica do pedido, pleito de modificação do próprio registro imobiliário. Assim, uma vez julgado procedente o pedido, ter-se-á a modificação da propriedade do imóvel, com alteração da respectiva matrícula. Dessa maneira, verificado o caráter real da ação, o foro da situação do imóvel é o competente para a reunião dos processos. CC 121.390-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 22/5/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA REFERENTES A MATÉRIA PROCESSUAL.
É possível o conhecimento de embargos de divergência na hipótese em que exista dissídio entre órgãos do STJ acerca da interpretação de regra de direito processual, ainda que não haja semelhança entre os fatos da causa tratada no acórdão embargado e os analisados no acórdão tido como paradigma. Precedente citado: EREsp 422.778-SP, Segunda Seção, DJe 21/6/2012. EAREsp 25.641-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 12/6/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INAPLICABILIDADE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 298 DO CPC AO PROCEDIMENTO SUMÁRIO.
Nas causas submetidas ao procedimento sumário, a desistência da ação em relação a corréu não citado não altera o prazo para o comparecimento dos demais réus à audiência de conciliação. Isso porque não pode ser aplicado ao procedimento sumário o parágrafo único do art. 298 do CPC, segundo o qual, se o autor desistir da ação quanto a algum réu ainda não citado, o prazo para a resposta correrá da intimação do despacho que deferir a desistência. De fato, embora o legislador tenha previsto a aplicação subsidiária das regras do procedimento ordinário ao sumário (parte final do parágrafo único do art. 272), também se previu que o procedimento sumário rege-se "pelas disposições que lhe são próprias" (parte inicial do parágrafo único do art. 272). Nesse sentido, pela busca de rapidez e simplificação das formas procedimentais, vige, no procedimento sumário, o princípio da concentração dos atos processuais, razão pela qual a audiência preliminar, conquanto seja formada por duas fases diversas e excludentes — a primeira, referente ao comparecimento do réu à audiência de conciliação (ou o de seu advogado, munido de mandato com poderes para transigir) com vistas à eventual composição do litígio, e a segunda, relativa ao oferecimento da resposta (quando frustrada a conciliação), sob pena de revelia —, materializa-se em um único ato processual. Sendo assim, mostra-se inviável a aplicação subsidiária das regras do procedimento ordinário ao sumário nesses casos, diante da existência de regras específicas no âmbito do procedimento sumário sobre o momento de conciliação e apresentação da resposta. EAREsp 25.641-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 12/6/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. REVELIA NO PROCEDIMENTO SUMÁRIO.
Nas causas submetidas ao procedimento sumário, o não comparecimento injustificado do réu regularmente citado à audiência de conciliação, caso não tenha oferecido sua resposta em momento anterior, pode ensejar o reconhecimento da revelia. Isso porque o § 2º do art. 277 do CPC — que dispõe que, deixando injustificadamente o réu de comparecer à audiência, reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados na petição inicial (art. 319), salvo se o contrário resultar da prova dos autos — aplica-se às demandas submetidas ao procedimento sumário. Além do mais, a decretação da revelia, na hipótese, também se justifica pelo não oferecimento de resposta em momento anterior à audiência de conciliação, fato que evitaria a revelia, mesmo no caso em que o réu citado não tivesse comparecido à audiência de conciliação. EAREsp 25.641-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 12/6/2013.
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Primeira Turma |
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INTERESSE DE AGIR EM AÇÃO NA QUAL SE BUSQUE A RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO ESTADO POR FRAUDE OCORRIDA EM CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS.
Deve ser extinto o processo, sem resolução do mérito, na hipótese de ação em que se pretenda obter do Estado, antes de declarada a nulidade do registro imobiliário, indenização por dano decorrente de alegada fraude ocorrida em Cartório de Registro de Imóveis. Nessa situação, falta interesse de agir, pois, antes de reconhecida a nulidade do registro, não é possível atribuir ao Estado a responsabilidade civil pela fraude alegada. Isso porque, segundo o art. 252 da Lei 6.015/1973, o registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais, ainda que, por outra maneira, prove-se que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido. REsp 1.366.587-MS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 18/4/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MP PARA O AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
O Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública contra a concessionária de energia elétrica com a finalidade de evitar a interrupção do fornecimento do serviço à pessoa carente de recursos financeiros diagnosticada com enfermidade grave e que dependa, para sobreviver, da utilização doméstica de equipamento médico com alto consumo de energia.Conforme entendimento do STJ, o MP detém legitimidade ativa ad causam para propor ação civil pública que objetive a proteção do direito à saúde de pessoa hipossuficiente, porquanto se trata de direito fundamental e indisponível, cuja relevância interessa à sociedade. Precedentes citados: REsp 1.136.851-SP, Segunda Turma, DJe 7/3/2013 e AgRg no REsp 1.327.279-MG, Primeira Turma, DJe 4/2/2013. AgRg no REsp 1.162.946-MG, Rel. Ministro Sérgio Kukina, julgado em 4/6/2013.
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Segunda Turma |
DIREITO ADMINISTRATIVO. INAPLICABILIDADE DO ART. 125, § 4º, DA CF NO CASO DE EXCLUSÃO DE MILITAR ESTADUAL COMO SANÇÃO DECORRENTE DE PAD.
Em processo administrativo disciplinar, é possível impor sanção consistente na exclusão de militar estadual que viole regras de conduta necessárias à sua permanência na corporação. De fato, admite-se aplicar essa sanção no âmbito administrativo, independentemente da regra contida no § 4º do art. 125 da CF, que estabelece competir à justiça militar estadual processar e julgar os militares dos estados, nos crimes militares definidos em lei, e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. Isso porque, de acordo com a jurisprudência do STF, o referido dispositivo legal somente se aplica no caso em que a perda da graduação for pena acessória de sanção criminal aplicada em processo penal, não incidindo quando se tratar de pena de demissão resultante da apuração de falta grave em processo administrativo disciplinar. RMS 40.737-PE, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 16/4/2013.
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DIREITO ADMINISTRATIVO. INDISPONIBILIDADE DE BENS NA HIPÓTESE DE ATO DE IMPROBIDADE QUE ATENTE CONTRA OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
No caso de improbidade administrativa, admite-se a decretação da indisponibilidade de bens também na hipótese em que a conduta tida como ímproba se subsuma apenas ao disposto no art. 11 da Lei 8.429/1992, que trata dos atos que atentam contra os princípios da administração pública. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.311.013-RO, Segunda Turma, julgado em 4/12/2012. AgRg no REsp 1.299.936-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 18/4/2013.
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DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE PORTARIA QUE RECONHECE A CONDIÇÃO DE ANISTIADO POLÍTICO.
O procedimento de execução contra a Fazenda Pública (art. 730 do CPC) não é adequado ao cumprimento de portaria ministerial que tenha reconhecido condição de anistiado político. Isso porque não se trata apenas do recebimento de prestação pecuniária, mas sim do integral cumprimento de ato administrativo que reconhece a condição de anistiado político. Ademais, essa espécie de portaria não pode ser considerada título executivo extrajudicial nos termos do art. 585, II, do CPC, pois o referido dispositivo deve ser interpretado de forma restritiva. Ressalte-se, ainda, que não estão presentes, nesse tipo de portaria, os requisitos da certeza e da exigibilidade — que caracterizam os títulos executivos extrajudiciais —, devendo o interessado, primeiramente, ingressar com processo de conhecimento para que a dívida seja reconhecida, obtendo, assim, o título executivo hábil ao manejo de uma execução contra a Fazenda Pública. Precedente citado: AgRg no REsp 1.303.419-PE, Segunda Turma, DJe 20/8/2012.AgRg no REsp 1.362.644-PE, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 23/4/2013.
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DIREITO ADMINISTRATIVO. INAPLICABILIDADE DA APOSENTADORIA COMPULSÓRIA POR IDADE A SERVIDOR PÚBLICO OCUPANTE EXCLUSIVAMENTE DE CARGO EM COMISSÃO.
Não é aplicável a regra da aposentadoria compulsória por idade na hipótese de servidor público que ocupe exclusivamente cargo em comissão. Com efeito, a regra prevista no art. 40, § 1º, II, da CF, cujo teor prevê a aposentadoria compulsória do septuagenário, destina-se a disciplinar o regime jurídico dos servidores efetivos, não se aplicando aos servidores em geral. Assim, ao que ocupa exclusivamente cargo em comissão, aplica-se, conforme determina o § 13 do art. 40 da CF, o regime geral de previdência social, no qual não é prevista a aposentadoria compulsória por idade. RMS 36.950-RO, Rel. Min. Castro Meira, DJe 26/4/2013.
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DIREITO ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA POR VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
Configura ato de improbidade administrativa a conduta de professor da rede pública de ensino que, aproveitando-se dessa condição, assedie sexualmente seus alunos. Isso porque essa condutaatenta contra os princípios da administração pública, subsumindo-se ao disposto no art. 11 da Lei 8.429/1992. REsp 1.255.120-SC, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 21/5/2013.
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DIREITO ADMINISTRATIVO. IMPRESCRITIBILIDADE DA PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DECORRENTE DE ATOS DE TORTURA.
É imprescritível a pretensão de recebimento de indenização por dano moral decorrente de atos de tortura ocorridos durante o regime militar de exceção. Precedentes citados: AgRg no AG 1.428.635-BA, Segunda Turma, DJe 9/8/2012; e AgRg no AG 1.392.493-RJ, Segunda Turma, DJe 1/7/2011. REsp 1.374.376-CE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 25/6/2013.
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DIREITO ADMINISTRATIVO. PRAZO PRESCRICIONAL NA HIPÓTESE DE PRETENSÃO INDENIZATÓRIA DECORRENTE DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA.
A pretensão indenizatória decorrente de desapropriação indireta prescreve em vinte anos na vigência do CC/1916 e em dez anos na vigência do CC/2002, respeitada a regra de transição prevista no art. 2.028 do CC/2002. De início, cumpre ressaltar que a ação de desapropriação indireta possui natureza real e, enquanto não transcorrido o prazo para aquisição da propriedade por usucapião, ante a impossibilidade de reivindicar a coisa, subsiste a pretensão indenizatória em relação ao preço correspondente ao bem objeto do apossamento administrativo. Com base nessa premissa e com fundamento no art. 550 do CC/1916 — dispositivo legal cujo teor prevê prazo de usucapião —, o STJ firmou a orientação de que "a ação de desapropriação indireta prescreve em vinte anos" (Súmula 119/STJ). O CC/2002, entretanto, reduziu o prazo da usucapião extraordinária para quinze anos (art. 1.238, caput) e previu a possibilidade de aplicação do prazo de dez anos nos casos em que o possuidor tenha estabelecido no imóvel sua moradia habitual ou realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Assim, considerando que a desapropriação indireta pressupõe a realização de obras pelo poder público ou sua destinação em função da utilidade pública ou do interesse social, com fundamento no atual Código Civil, o prazo prescricional aplicável às desapropriações indiretas passou a ser de dez anos. REsp 1.300.442-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 18/6/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NA HIPÓTESE DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA.
Aplicam-se às desapropriações indiretas, para a fixação de honorários advocatícios, os limites percentuais estabelecidos no art. 27, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei 3.365/1941 (entre 0,5% e 5%). Precedentes citados: REsp 1.210.156-PR, Segunda Turma, DJe 23/4/2012; e REsp 1.152.028-MG, Segunda Turma, DJe 29/3/2011. REsp 1.300.442-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 18/6/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. OFERECIMENTO DE LANÇO POR DEPOSITÁRIO DO BEM PENHORADO.
O depositário de bem penhorado, na condição de representante de outra pessoa jurídica do mesmo grupo empresarial da executada, não pode, em leilão, fazer lanço para a aquisição desse bem. Isso porque, ainda que aquele não esteja entre os elencados no rol previsto nos incisos I a III do art. 690-A do CPC — que estabelece os impedidos de lançar —, deve-se observar que o referido artigo permite ao aplicador do direito interpretação e adequação, o que afasta sua taxatividade. REsp 1.368.249-RN, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 16/4/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DESCABIMENTO DE DISCUSSÃO, EM ARROLAMENTO SUMÁRIO, SOBRE EVENTUAL DECADÊNCIA OCORRIDA EM RELAÇÃO AO ITCMD.
Não é cabível, em arrolamento sumário, a discussão acerca da eventual configuração da decadência do direito da Fazenda Pública de efetuar lançamento tributário referente ao imposto sobre transmissão causa mortis e doação. Com efeito, segundo o art. 1.034, caput, do CPC, "no arrolamento, não serão conhecidas ou apreciadas questões relativas ao lançamento, ao pagamento ou à quitação de taxas judiciárias e de tributos incidentes sobre a transmissão da propriedade dos bens do espólio". Além da vedação expressa contida no referido dispositivo legal, deve-se destacar que a possibilidade de as instâncias ordinárias conhecerem, de ofício, a qualquer tempo, de matéria de ordem pública, não as autoriza a examinar pretensão tributária no âmbito de arrolamento sumário, tendo em vista a existência de incompatibilidade entre essa análise e o procedimento de jurisdição voluntária.REsp 1.223.265-PR, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 18/4/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INAPLICABILIDADE DO ART. 188 DO CPC AO INCIDENTE DE SUSPENSÃO DE LIMINAR.
Não incide o art. 188 do CPC — que confere prazo em dobro para recorrer à Fazenda Pública ou ao Ministério Público — na hipótese de o recurso interposto ser o incidente de suspensão de liminar previsto no art. 4º, § 3º, da Lei 8.437/1992. Precedente citado do STF: STA-AgR 172-BA, Tribunal Pleno, DJe 2/12/2010. REsp 1.331.730-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 7/5/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXCESSO DE EXECUÇÃO ALEGADO APÓS A OPOSIÇÃO DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO.
Não é possível ao juiz conhecer de suposto excesso de execução alegado pelo executado somente após a oposição dos embargos à execução. Isso porque eventual excesso de execução é típica matéria de defesa, e não de ordem pública, devendo ser arguida pelo executado por meio de embargos à execução, sob pena de preclusão. Precedentes citados: EDcl o AG 1.429.591 e REsp 1.270.531-PE, Segunda Turma, DJe 28/11/2011. AgRg no AREsp 150.035-DF, Rel. Ministro Humberto Martins, julgado em 28/5/2013.
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DIREITO TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DE CRÉDITOS PRESUMIDOS DE IPI.
Prescreve em cinco anos a pretensão de reconhecimento de créditos presumidos de IPI a título de benefício fiscal a ser utilizado na escrita fiscal ou mediante ressarcimento. Isso porque o referido prazo prescricional deve obedecer ao art. 1º do Dec. 20.910/1932, e não aos dispositivos do CTN. Precedentes citados: REsp 1.129.971-BA, Primeira Seção, DJe 10/3/2010 (julgado sob o procedimento dos recursos repetitivos); REsp 982.020-PE, Segunda Turma, DJe 14/2/2011; e AgRg no REsp 1.240.435-RS, Primeira Turma, DJe 22/11/2011. AgRg no AREsp 292.142-MG, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 21/5/2013.
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Terceira Turma |
DIREITO CIVIL. INCOMUNICABILIDADE DE BEM RECEBIDO A TÍTULO DE DOAÇÃO NO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS.
No regime de comunhão parcial de bens, não integra a meação o valor recebido por doação na constância do casamento — ainda que inexistente cláusula de incomunicabilidade — e utilizado para a quitação de imóvel adquirido sem a contribuição do cônjuge não donatário. De início, cumpre observar que, na relação conjugal em que há opção pelo regime de comunhão parcial, os cônjuges reconhecem que o fruto do esforço comum deve ser compartilhado pelo casal, não o patrimônio anterior, nem tampouco aquele que não advenha – direta ou indiretamente – do labor do casal. Ademais, sob o citado regime, a doação realizada a um dos cônjuges somente será comunicável quando o doador expressamente se manifestar nesse sentido e, no silêncio, presume-se feita apenas à donatária. Por fim, não há que aplicar norma atinente ao regime de comunhão universal, qual seja, a necessidade de cláusula de incomunicabilidade para excluir bens doados, quando há expressa regulação da matéria em relação ao regime da comunhão parcial de bens (arts. 1.659, I, 1.660, III, e 1.661 do CC). REsp 1.318.599-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/4/2013.
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DIREITO DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE DO CDC AOS CONTRATOS DE ADMINISTRAÇÃO IMOBILIÁRIA.
É possível a aplicação do CDC à relação entre proprietário de imóvel e a imobiliária contratada por ele para administrar o bem. Isso porque o proprietário do imóvel é, de fato, destinatário final fático e também econômico do serviço prestado. Revela-se, ainda, a presunção da sua vulnerabilidade, seja porque o contrato firmado é de adesão, seja porque é uma atividade complexa e especializada ou, ainda, porque os mercados se comportam de forma diferenciada e específica em cada lugar e período. No cenário caracterizado pela presença da administradora na atividade de locação imobiliária sobressaem pelo menos duas relações jurídicas distintas: a de prestação de serviços, estabelecida entre o proprietário de um ou mais imóveis e a administradora; e a de locação propriamente dita, em que a imobiliária atua como intermediária de um contrato de locação. Nas duas situações, evidencia-se a destinação final econômica do serviço prestado ao contratante, devendo a relação jurídica estabelecida ser regida pelas disposições do diploma consumerista. REsp 509.304-PR, Rel. Min. Villas Bôas Cueva, julgado em 16/5/2013.
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DIREITO EMPRESARIAL. INCIDÊNCIA DA BOA-FÉ OBJETIVA NO CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL.
Não é possível ao representante comercial exigir, após o término do contrato de representação comercial, a diferença entre o valor da comissão estipulado no contrato e o efetivamente recebido, caso não tenha havido, durante toda a vigência contratual, qualquer resistência ao recebimento dos valores em patamar inferior ao previsto no contrato. Inicialmente, cumpre salientar que a Lei 4.886/1965 dispõe serem vedadas, na representação comercial, alterações que impliquem, direta ou indiretamente, a diminuição da média dos resultados auferidos pelo representante nos últimos seis meses de vigência do contrato. De fato, essa e outras previsões legais introduzidas pela Lei 8.420/1992 tiveram caráter social e protetivo em relação ao representante comercial autônomo que, em grande parte das vezes, ficava à mercê do representado, que alterava livre e unilateralmente o contrato de acordo com os seus interesses e, normalmente, em prejuízo do representante, pois economicamente dependente daquele. Essa restrição foi introduzida para compensar o desequilíbrio entre o representado e o representante, este reconhecidamente mais fraco do ponto de vista jurídico e econômico. Nesse sentido, nem mesmo as alterações consensuais e bilaterais são admitidas quando resultarem em prejuízos diretos ou indiretos para o representante. Todavia, no caso em que a comissão tenha sido paga ao representante em valor inferior ao que celebrado no contrato, durante toda a sua vigência, sem resistência ou impugnação por parte do representante, pode-se concluir que a este interessava a manutenção do contrato, mesmo que em termos remuneratórios inferiores, tendo em vista sua anuência tácita para tanto. Verifica-se, nessa hipótese, que não houve uma redução da comissão do representante em relação à média dos resultados auferidos nos últimos seis meses de vigência do contrato, o que, de fato, seria proibido nos termos do art. 32, § 7º, da Lei 4.886/1965. Desde o início da relação contratual, tendo sido a comissão paga em valor inferior ao que pactuado, conclui-se que a cláusula que estipula pagamento de comissão em outro valor nunca chegou a viger. Ainda, observa-se que, nessa situação, não houve qualquer redução da remuneração do representante que lhe pudesse causar prejuízos, de forma a contrariar o caráter eminentemente protetivo e social da lei. Se o representante permanece silente durante todo o contrato em relação ao valor da comissão, pode-se considerar que tenha anuído tacitamente com essa condição de pagamento, não sendo razoável que, somente após o término do contrato, venha a reclamar a diferença. Com efeito, a boa-fé objetiva, princípio geral de direito recepcionado pelos arts. 113 e 422 do CC/2002 como instrumento de interpretação do negócio jurídico e norma de conduta a ser observada pelas partes contratantes, exige de todos um comportamento condizente com um padrão ético de confiança e lealdade, induz deveres acessórios de conduta, impondo às partes comportamentos obrigatórios implicitamente contidos em todos os contratos, a serem observados para que se concretizem as justas expectativas oriundas da própria celebração e execução da avença, mantendo-se o equilíbrio da relação. Essas regras de conduta não se orientam exclusivamente ao cumprimento da obrigação, permeando toda a relação contratual, de modo a viabilizar a satisfação dos interesses globais envolvidos no negócio, sempre tendo em vista a plena realização da sua finalidade social. Além disso, o referido princípio tem a função de limitar o exercício dos direitos subjetivos. A esta função, aplica-se a teoria do adimplemento substancial das obrigações e a teoria dos atos próprios como meio de rever a amplitude e o alcance dos deveres contratuais, daí derivando o instituto da supressio, que indica a possibilidade de considerar suprimida determinada obrigação contratual na hipótese em que o não exercício do direito correspondente, pelo credor, gerar ao devedor a legítima expectativa de que esse não exercício se prorrogará no tempo. Em outras palavras, haverá redução do conteúdo obrigacional pela inércia qualificada de uma das partes em exercer direito ou faculdade ao longo da execução do contrato, criando para a outra a sensação válida e plausível — a ser apurada casuisticamente — de ter havido a renúncia àquela prerrogativa. Assim, o princípio da boa-fé objetiva torna inviável a pretensão do representante comercial de exigir retroativamente valores que foram por ele dispensados, de forma a preservar uma expectativa legítima, construída e mantida ao longo de toda a relação contratual pelo representado. REsp 1.162.985-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 18/6/2013.
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DIREITO EMPRESARIAL. BASE DE CÁLCULO DA COMISSÃO DE REPRESENTANTE COMERCIAL.
O valor dos tributos incidentes sobre as mercadorias integra a base de cálculo da comissão do representante comercial. De acordo com o art. 32, § 4º, da Lei 4.886/1965, a comissão paga ao representante comercial deve ser calculada pelo valor total das mercadorias. Nesse contexto, na base de cálculo da comissão do representante, deve ser incluído o valor dos tributos incidentes sobre as mercadorias. Isso porque, no Brasil, o preço total da mercadoria traz embutido tanto o IPI — cobrado na indústria — quanto o ICMS, compondo o próprio preço do produto. Não é o que ocorre em outros países, onde se compra a mercadoria e o imposto é exigido depois, destacado do preço. No Brasil, o preço total da mercadoria inclui os tributos indiretos incidentes até a fase de cada operação. Ademais, depreende-se da leitura do art. 32, § 4º, que a lei não faz distinção, para os fins de cálculo da comissão do representante, entre o preço líquido da mercadoria — com a exclusão dos tributos — e aquele pelo qual a mercadoria é efetivamente vendida, constante da nota fiscal, razão pela qual a interpretação que deve ser dada ao dispositivo legal é que a comissão do representante comercial deve incidir sobre o preço final, pelo qual a mercadoria é vendida. Nesse sentido, o referido dispositivo legal veio vedar a prática antiga de descontar uma série variada de custos do valor da fatura, como despesas financeiras, impostos e despesas de embalagens. De fato, o preço constante na nota fiscal é o que melhor reflete o resultado obtido pelas partes (representante e representado), sendo justo que sobre ele incida o cálculo da comissão. Precedente citado: REsp 998.591-SP, Quarta Turma, DJe 27/6/2012. REsp 1.162.985-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 18/6/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO PARA A AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO EM REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
Não gera nulidade absoluta a ausência de citação do réu, na hipótese do art. 928 do CPC, para comparecer à audiência de justificação prévia em ação de reintegração de posse. O termo ‘citação’ é utilizado de forma imprópria no art. 928 do CPC, na medida em que, nessa hipótese, o réu não é chamado para se defender, mas sim para, querendo, comparecer e participar da audiência de justificação. Nessa audiência a prova é exclusiva do autor, cabendo ao réu, caso compareça, fazer perguntas. Somente após a referida audiência é que começará a correr o prazo para contestar, conforme previsão do parágrafo único do art. 930. REsp 1.232.904-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/5/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. REVISÃO DE CONTRATO EM EMBARGOS DO DEVEDOR.
No âmbito de embargos do devedor, é possível proceder à revisão do contrato de que se origine o título executado, ainda que, em relação ao referido contrato, tenha havido confissão de dívida. Precedentes citados: AgRg no REsp 716.961-RS, Quarta Turma, DJe 22/2/2011; AgRg no REsp 908.879-PE, Quarta Turma, DJe 19/4/2010; e AgRg no REsp 877.647-RS, Terceira Turma, julgado em 26/05/2009, DJe 8/6/2009.REsp 1.330.567-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/5/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PENHORABILIDADE DE VALORES APLICADOS EM FUNDO DE INVESTIMENTO.
É possível a penhora de valores que, apesar de recebidos pelo devedor em decorrência de rescisão de contrato de trabalho, tenham sido posteriormente transferidos para fundo de investimento.Destaque-se, inicialmente, que a solução da controvérsia exige uma análise sistemática do art. 649 do CPC, notadamente dos incisos que fixam a impenhorabilidade de verbas de natureza alimentar e de depósitos em caderneta de poupança até o limite de 40 salários mínimos. Segundo o inciso IV do artigo, são absolutamente impenhoráveis “os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios”, além das “quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal”. Por sua vez, o inciso X do mesmo artigo dispõe ser absolutamente impenhorável, “até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança”. Deve-se notar que, apesar de o inciso que cuida da impenhorabilidade das verbas alimentares não dispor expressamente até que ponto elas permanecerão sob a proteção desse benefício legal, infere-se de sua redação, bem como de seu próprio espírito norteador, que somente manterão essa condição enquanto “destinadas ao sustento do devedor e sua família”. Em outras palavras, na hipótese de qualquer provento de índole salarial se mostrar, ao final do período — isto é, até o recebimento de novo provento de igual natureza —,superior ao custo necessário ao sustento do titular e de seus familiares, essa sobra perde o caráter alimentício e passa a ser uma reserva ou economia, tornando-se, em princípio, penhorável. Por isso, não é razoável, como regra, admitir que verbas alimentares não utilizadas no período para a própria subsistência sejam transformadas em aplicações ou investimentos financeiros e continuem a gozar do benefício da impenhorabilidade. Até porque, em geral, grande parte do capital acumulado pelas pessoas é fruto de seu próprio trabalho. Assim, se as verbas salariais não utilizadas pelo titular para subsistência mantivessem sua natureza alimentar, teríamos por impenhorável todo o patrimônio construído pelo devedor a partir desses recursos. O legislador, porém, criou uma exceção à regra, prevendo expressamente que são igualmente impenhoráveis valores até o limite de 40 salários mínimos aplicados em caderneta de poupança. Estabeleceu-se, assim, uma presunção de que os valores depositados em caderneta de poupança até aquele limite assumem função de segurança alimentícia pessoal e familiar. Trata-se, pois, de benefício que visa à proteção do pequeno investimento, da poupança modesta, voltada à garantia do titular e de sua família contra imprevistos, como desemprego ou doença. É preciso destacar que a poupança constitui investimento de baixo risco e retorno, contando com proteção do Fundo Garantidor de Crédito e isenção do imposto de renda, tendo sido concebida justamente para pequenos investimentos destinados a atender o titular e sua unidade familiar em situações emergenciais, por um período determinado e não muito extenso. Outras modalidades de aplicação financeira de maior risco e rentabilidade — como é o caso dos fundos de investimento — não detêm esse caráter alimentício, sendo voltadas para valores mais expressivos, menos comprometidos, destacados daqueles vinculados à subsistência mensal do titular e de sua família. Essas aplicações buscam suprir necessidades e interesses de menor preeminência — ainda que de elevada importância —, como a aquisição de bens duráveis, inclusive imóveis, ou mesmo a realização de uma previdência informal de longo prazo. Aliás, mesmo aplicações em poupança em valor mais elevado perdem o caráter alimentício, tanto que o benefício da impenhorabilidade foi limitado a 40 salários mínimos e o próprio Fundo Garantidor de Crédito assegura proteção apenas até o limite de R$ 70.000,00 por pessoa, nos termos da Res. 4.087⁄2012 do CMN. Diante disso, deve-se concluir que o art. 649, X, do CPC não admite intepretação extensiva de modo a abarcar todo e qualquer tipo de aplicação financeira, para que não haja subversão do próprio desígnio do legislador ao editar não apenas esse comando legal, mas também a regra do art. 620 do CPC de que a execução se dê pela forma menos gravosa ao devedor. De fato, o sistema de proteção legal conferido às verbas de natureza alimentar impõe que, para manterem essa natureza, sejam aplicadas em caderneta de poupança, até o limite de 40 salários mínimos, o que permite ao titular e sua família uma subsistência digna por um prazo razoável de tempo. Valores mais expressivos, superiores ao referido patamar, não foram contemplados pela impenhorabilidade fixada pelo legislador, até para que possam, efetivamente, vir a ser objeto de constrição, impedindo que o devedor abuse do benefício legal, escudando-se na proteção conferida às verbas de natureza alimentar para se esquivar do cumprimento de suas obrigações, a despeito de possuir condição financeira para tanto. Com efeito, o que se quis assegurar com a impenhorabilidade de verbas alimentares foi a sobrevivência digna do devedor, e não a manutenção de um padrão de vida acima das suas condições às custas do credor. REsp 1.330.567-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/5/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. IMPOSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DE MULTA FIXADA EM AÇÃO CAUTELAR NO CASO DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO FORMULADO NA AÇÃO PRINCIPAL.
No caso de improcedência do pedido formulado na ação principal, será inexigível a multa cominatória fixada em ação cautelar destinada à manutenção de contrato de distribuição de produtos. A decisão concessiva da tutela cautelar é proferida com base em cognição sumária do direito acautelado, em juízo de mera probabilidade, de modo que, por imperativo lógico, a sentença definitiva prolatada na ação principal, fundada em cognição exauriente acerca da questão de fundo, sobrepõe-se àquela. Assim, o não acolhimento da pretensão formulada na ação principal esvazia o provimento acautelatório de um dos pressupostos sobre os quais se fundou: a verossimilhança do direito invocado. Além disso, o julgamento de improcedência do pedido deduzido na ação principal — que se reveste dos atributos de definitividade e satisfatividade em relação ao objeto litigioso — faz cessar a eficácia da sentença cautelar e, por conseguinte, inviabiliza a execução de eventual multa nela fixada. Precedentes citados: REsp 401.531-RJ, Quarta Turma, DJe 8/3/2010; e REsp 846.767-PB, Terceira Turma, DJ 14/5/2007. REsp 1.370.707-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/6/2013.
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Quarta Turma |
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO NO DIA EM QUE DISPONIBILIZADO O ACÓRDÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO.
Não é extemporâneo o recurso especial interposto na mesma data em que disponibilizado, no Diário da Justiça eletrônico, o acórdão referente ao julgamento dos embargos de declaração opostos no tribunal de origem. É certo que, nos termos do art. 4º da Lei 11.419/2006, considera-se como dia da publicação o dia útil seguinte àquele em que ocorrida a disponibilização. Todavia, deve-se observar que o referido dispositivo legal tem por escopo facilitar o exercício do direito de recurso, assegurando à parte o prazo integral, a contar do dia seguinte ao da disponibilização. Dessa forma, se o advogado da parte se dá por ciente no mesmo dia em que efetuada a disponibilização, oferecendo desde logo o recurso, não há prematuridade, mas simples antecipação da ciência e, portanto, do termo inicial do prazo. Nessa situação, não incide o entendimento contido na Súmula 418 do STJ — que dispõe ser “inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação” —, que deve ser aplicado apenas no caso de interposição do recurso especial antes do julgamento dos embargos de declaração. Com efeito, deve-se considerar a razão de ser da edição da referida súmula, qual seja, a de evitar que o recurso especial seja interposto antes do julgamento dos embargos de declaração, pois, nessa hipótese, não está exaurida a instância ordinária, sendo prematura a interposição do recurso especial, o que impõe a ratificação das razões do recurso especial após o julgamento dos embargos de declaração, sob pena de não conhecimento. AgRg no REsp 1.063.575-SP, Rel. Min. Isabel Gallotti, julgado em 16/4/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ALCANCE DA RESTRIÇÃO CONTIDA NO § 2º DO ART. 557 DO CPC.
Ainda que o recorrente tenha sido condenado ao pagamento da multa a que se refere o § 2º do art. 557 do CPC, não se pode condicionar ao seu recolhimento a interposição, em outra fase processual, de recurso que objetive a impugnação de matéria diversa daquela tratada no recurso que deu origem à referida sanção. Isso porque, sob pena de obstaculizar demasiadamente o exercício do direito de defesa, apenas a interposição do recurso que objetive impugnar a mesma matéria já decidida e em razão da qual tenha sido imposta a referida sanção está condicionada ao depósito do valor da multa. REsp 1.354.977-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/5/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO CABÍVEL CONTRA SENTENÇA NA QUAL TENHA SIDO INDEFERIDO PEDIDO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA.
O indeferimento, na prolação da sentença, do pedido de assistência judiciária gratuita é impugnável por meio de apelação. Isso porque, pelo princípio da unirrecorribilidade, cada ato decisório só pode ser atacado por um único recurso. Ressalte-se que a hipótese em análise não se confunde com aquela na qual o pedido de assistência judiciária gratuita é apreciado em decisão interlocutória, situação em que o recurso cabível será o agravo de instrumento. Precedente citado: AgRg no REsp 553.273-BA, Sexta Turma, DJ 6/3/2006.AgRg no AREsp 9.653-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/5/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NECESSIDADE DE CONCESSÃO DO DIREITO DE VISTA À DEFENSORIA PÚBLICA, EM DEMANDA SUBMETIDA AO PROCEDIMENTO SUMÁRIO, ANTES DA DATA DESIGNADA PARA A AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO.
No procedimento sumário, não pode ser reconhecida a revelia pelo não comparecimento à audiência de conciliação na hipótese em que tenha sido indeferido pedido de vista da Defensoria Pública formulado, dias antes da data prevista para a referida audiência, no intuito de garantir a defesa do réu que somente tenha passado a ser assistido após a citação. O procedimento sumário prevê a necessidade da presença do réu na audiência de conciliação para que, restando infrutífera a tentativa de autocomposição, prossiga-se com a apresentação de contestação, sob pena de decretação da revelia. Dessa forma, na situação em análise, a não concessão de vista dos autos à Defensoria Pública, responsável pela defesa da parte ré, acaba privando esta de seu direito à ampla defesa, ao contraditório e de acesso à Justiça, gerando, assim, evidentes prejuízos, os quais não podem ser desconsiderados. REsp 1.096.396-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 7/5/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL PARA A APLICAÇÃO DA PENA DE PROIBIÇÃO DE VISTA DOS AUTOS FORA DO CARTÓRIO.
Não é possível aplicar a sanção de proibição de vista dos autos fora do cartório (art. 196, caput, do CPC) ao advogado que não tenha sido intimado pessoalmente para sua devolução, mas apenas mediante publicação em Diário Oficial. Inicialmente, cumpre destacar que a configuração da tipicidade infracional não decorre do período de tempo de retenção indevida dos autos, mas do não atendimento à intimação pessoal para restituí-los no prazo de vinte e quatro horas estabelecido pelo art. 196, caput, do CPC. Por isso, a referida sanção somente poderá ser imposta após o término do mencionado prazo. AgRg no REsp 1.089.181-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 4/6/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INAPLICABILIDADE DA PENA DE PROIBIÇÃO DE VISTA DOS AUTOS FORA DO CARTÓRIO A ADVOGADOS E ESTAGIÁRIOS QUE NÃO TENHAM SIDO RESPONSÁVEIS PELA RETENÇÃO INDEVIDA DOS AUTOS.
No caso em que advogado não tenha devolvido os autos ao cartório no prazo legal, não é possível estender a sanção de proibição de vista dos autos fora do cartório (art. 196 do CPC), aplicada àquele advogado, aos demais causídicos e estagiários que, apesar de representarem a mesma parte, não tenham sido responsáveis pela retenção indevida.Isso porque, tratando-se de norma de ordem pública de natureza punitiva, sua interpretação não pode ser ampliativa, sob pena de subversão dos princípios básicos da hermenêutica jurídica. AgRg no REsp 1.089.181-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 4/6/2013.
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Quinta Turma |
DIREITO PROCESSUAL PENAL. ILEGALIDADE DE PRISÃO PROVISÓRIA QUANDO REPRESENTAR MEDIDA MAIS SEVERA DO QUE A POSSÍVEL PENA A SER APLICADA.
É ilegal a manutenção da prisão provisória na hipótese em que seja plausível antever que o início do cumprimento da reprimenda, em caso de eventual condenação, dar-se-á em regime menos rigoroso que o fechado. De fato, a prisão provisória é providência excepcional no Estado Democrático de Direito, só sendo justificável quando atendidos os critérios de adequação, necessidade e proporcionalidade. Dessa forma, para a imposição da medida, é necessário demonstrar concretamente a presença dos requisitos autorizadores da preventiva (art. 312 do CPP) — representados pelo fumus comissi delicti e pelo periculum libertatis — e, além disso, não pode a referida medida ser mais grave que a própria sanção a ser possivelmente aplicada na hipótese de condenação do acusado. É o que se defende com a aplicação do princípio da homogeneidade, corolário do princípio da proporcionalidade, não sendo razoável manter o acusado preso em regime mais rigoroso do que aquele que eventualmente lhe será imposto quando da condenação. Precedente citado: HC 64.379-SP, Sexta Turma, DJe 3/11/2008. HC 182.750-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 14/5/2013.
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DIREITO PENAL. ABSORÇÃO DA FALSIDADE IDEOLÓGICA PELO CRIME DE DESCAMINHO.
Responderá apenas pelo crime de descaminho, e não por este em concurso com o de falsidade ideológica, o agente que, com o fim exclusivo de iludir o pagamento de tributo devido pela entrada de mercadoria no território nacional, alterar a verdade sobre o preço desta. Isso porque, na situação em análise, a primeira conduta realizada pelo agente, com adequação típica no art. 299 do CP, serve apenas como meio para alcançar o fim pretendido, qual seja, a realização do fato previsto como crime no art. 334 do CP. Trata-se, pois, de uma das hipóteses em que se aplica o princípio da consunção, quando um crime é meio necessário ou normal fase de preparação ou de execução de outro crime. Nesse contexto, evidenciado o nexo entre as condutas e inexistindo dolo diverso que enseje a punição do falso como crime autônomo, fica este absorvido pelo descaminho. RHC 31.321-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 16/5/2013.
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DIREITO PENAL. EFEITOS DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO CRIME-MEIO EM RELAÇÃO AO CRIME-FIM.
No caso em que a falsidade ideológica tenha sido praticada com o fim exclusivo de proporcionar a realização do crime de descaminho, a extinção da punibilidade quanto a este — diante do pagamento do tributo devido — impede que, em razão daquela primeira conduta, considerada de forma autônoma, proceda-se à persecução penal do agente. Isso porque, nesse contexto, exaurindo-se o crime-meio na prática do crime-fim, cuja punibilidade não mais persista, falta justa causa para a persecução pelo crime de falso, porquanto carente de autonomia. RHC 31.321-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 16/5/2013.
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sexta-feira, 23 de agosto de 2013
INFORMATIVO JURISPRUDENCIAL DO STJ Nº. 523
Encerramento indevido de conta corrente gera danos morais
Santander pagará indenização por encerramento indevido de conta-corrente
Se a conta-corrente é antiga, ativa e tem movimentação financeira razoável, o banco não pode, sem que haja motivo justo, encerrá-la de maneira unilateral e mediante simples notificação. A decisão, unânime, é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Dois correntistas entraram na Justiça depois de receber notificação do Banco Santander informando que sua conta-corrente, ativa desde 1969, seria encerrada no prazo de dez dias por desinteresse comercial. A ação foi aceita pela primeira instância, que determinou a manutenção da conta e fixou indenização de mais de R$ 8 mil por danos morais. O banco recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que entendeu como possível o encerramento unilateral das contas pelo banco e afastou a indenização.
Ao analisar a legitimidade da rescisão unilateral do contrato baseada exclusivamente no desinteresse comercial da instituição financeira, a Terceira Turma, depois de um longo debate, reverteu a decisão do TJSP.
Abuso de direito
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino entende que o banco só poderia encerrar unilateralmente a conta se houvesse algum problema cadastral ou de inadimplemento dos correntistas. Simplesmente dizer que perdeu o interesse no contrato, sem qualquer outra justificativa, não seria suficiente. “Em pleno século XXI, adotou-se uma postura que seria razoável no século XIX, encerrando abruptamente uma relação contratual de longos anos”, afirma.
Sanseverino reconhece abuso de direito no caso. Para ele, a liberdade contratual deve ser exercida levando em consideração a função social do contrato e deve respeitar as regras éticas e da boa-fé objetiva.
Liberdade de contratar
Para a ministra Nancy Andrighi, a situação é diferente da contratação inicial, quando a instituição financeira pode aplicar a liberdade de contratar, por se tratar de uma atividade de risco e que exige diversas medidas de segurança.
No caso, afirma a ministra, falta uma justificativa razoável para a perda de interesse no contrato de conta-corrente por parte do banco após mais de 40 anos de relação contratual, mesmo que a rescisão unilateral por qualquer uma das partes esteja prevista em resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN).
“Não há como compreender como legítimo exercício do direito de não contratar, sem qualquer alegação de alteração da situação fática das partes, que o interesse comercial por tantos anos existente, tenha se perdido”, esclareceu.
Em seu voto, Andrighi ainda cita que, mesmo que o planejamento estatal sirva apenas de indicativo ao setor privado, a extinção imotivada de conta-corrente contraria o atual movimento do governo brasileiro pela inclusão bancária.
Dever de manutenção
O ministro Sidnei Beneti, relator do processo, primeiramente votou pela manutenção do acórdão do TJSP. Com o debate gerado, Beneti convenceu-se de que a solução legal mais adequada seria aquela dada pela sentença de primeiro grau, uma vez que o caso apresenta particularidades não presentes nos precedentes jurisprudenciais citados em seu primeiro entendimento.
Após enaltecer a importância do julgamento colegiado, que possibilita, segundo ele, uma formação da vontade jurisdicional mais profunda do que o julgamento que se atenha à análise inicial individual, o relator concordou com os pontos levantados por seus pares e entendeu que é necessário proteger o correntista como consumidor.
Para o ministro, o fato de ser uma conta-corrente vinda de longo tempo e mantida em constante atividade afasta a faculdade do banco de, imotivadamente, por seu próprio arbítrio e com uma simples notificação, encerrá-la: “A pura e simples conclusão de que o banco não teria o dever de manutenção das contas-correntes de longa duração, vivas e com razoável movimento, dada a pretensa liberdade unilateral de contratar, encerraria rendição do intérprete judiciário à inquestionabilidade do positivismo jurídico”.
Com a decisão, fica restabelecido o que foi determinado pela sentença de primeiro grau, que condenou o Banco Santander a manter as contas-correntes e, levando em consideração o dano à honra sofrido pelos correntistas, reconheceu o direto à indenização por danos morais.
A notícia ao lado refere-se
aos seguintes processos:
REsp 1277762
Fonte: STJ
quinta-feira, 22 de agosto de 2013
Extravio de carteira do trabalho não gera indenização por dano moral a empregado
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento a agravo de instrumento de um empregado da empresa capixaba Enfil Construções e Montagens Ltda. que pretendia receber indenização por danos morais pelo extravio da sua Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), ocorrido na empresa durante sua demissão.
Na reclamação, o empregado informou que foi contratado pela Enfil como mecânico e prestou serviços de montagem e manutenção industrial à Vale S.A. de abril a novembro de 2009, quando foi dispensado imotivadamente. Na reclamação trabalhista, alegou que o extravio da CTPS teria dificultado sua colocação em novo emprego.
O Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES) entendeu que a simples alegação de impossibilidade de obtenção de novo emprego decorrente da perda da CTPS não gerava uma "espécie de dano moral presumido", sendo necessária a demonstração de efetivo prejuízo advindo da perda do documento, o que não foi realizado pelo trabalhador.
Ao examinar o agravo de instrumento na Sexta Turma do TST, o relator, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, afirmou que o empregado não conseguiu comprovar qualquer prejuízo. Ele inclusive confirmou a obtenção da segunda via da CTPS, sem custos, e disse que o empregador anotou devidamente a baixa do contrato. Segundo o relator, qualquer entendimento contrário ao adotado pelo Tribunal Regional, ou seja, de que a conduta da empresa tenha causado prejuízos evidentes ao trabalhador, demandaria o reexame dos fatos e provas não registrados no acórdão regional, procedimento que é vedado pela Súmula nº 126 do TST. Dessa forma, negou provimento ao agravo de instrumento do empregado. Seu voto foi aprovado por unanimidade.
Processo: AIRR-19600-38.2010.5.17.0008
Fonte: Editora Magister
CURSO DE TEORIA GERAL DO PETICIONAMENTO ELETRÔNICO NA JUSTIÇA DO TRABALHO
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Pelo menos a palmeira jussara, a euterpe edulis, evolui
Leio artigo de Fernando Reinach, no Estadão,
dando conta de que a palmeira jussara, em face do desaparecimento dos
animais de bico grande (principalmente os tucanos), vem produzindo
frutos menores, para que estes possam ser devorados pelas aves menores
e, assim, espalharem suas sementes para longe de seus próprios caules. A
natureza é incrível, não? Em face das adversidades, ela mesma se
renova, buscando a sobrevivência. Ou seja, até os vegetais evoluem.
Melhor dizendo, ainda: não são os tucanos que, ameaçados em sua
sobrevivência, buscam adaptação... Por eles, a espécie pode se explodir.
Estão pouco se lixando. Quem os salvará é a euterpe edulis.
A proliferação dos predadores
Pois olhando para o nosso ecossistema administrativo-financeiro-ético-moral-jurídico de terrae brasilis, é possível observar que o aumento de predadores não produziu uma evolução à altura da preservação da própria espécie, quer dizer, o Estado. A proliferação de predadores da coisa pública deveria levar o “sistema” a produzir anticorpos (ou imitar o porco-espinho, que produziu uma bela camada protetiva contra os seus predadores). Isso seria, digamos assim, natural. Vejamos: qual é a diferença dos vigaristas e proxenetas de verbas públicas da Alemanha e de Pindorama? O Brasil teria tido azar em ter em sua “mata nativa” predadores do dinheiro público mais espertos e mais operosos que os habitantes das “matas” tedescas?
Para mim, a diferença está nos predadores dos predadores, isto é, o problema reside no fato de os predadores de primeiro nível — aqueles que predam o ervanário da viúva (nos três níveis de viuvidade: federal, estadual e municipal) — não encontrarem os seus predadores. Sendo mais claro: aqueles que, do lado de cá do ecossistema, têm a função de predar os predadores, não estão predando adequadamente. E quando faltam predadores dos predadores, cria-se uma anomalia sistêmica. Algo como ocorreu no interior do Rio Grande do Sul: os fazendeiros, descontentes com os caranchos que matavam filhotes de ovelhas, incentivaram o seu extermínio. Resultado: esqueceram que a sobremesa dos caranchos eram os ovinhos das caturritas, que, livres do predador, multiplicaram-se a tal ponto que tiveram que fazer campanhas de extermínio das pequenas aves verdes que dizimavam as plantações. Então: na Alemanha, preserva-se o carancho, porque ele salva as plantações... Por exemplo, o pai de Stefe Graff sonegou “grossos” impostos. Foi pego no aeroporto e jogado no ergástulo da cidade. Vejam: meus livros e artigos são um álibi a meu favor. Não precisaria dizer que não estou achando “bonito” que o pai da tenista vá para a prisão ou que o zagueiro Breno, do multimilionário Bayern de Munich (que lá cumpre pena por colocar fogo na própria casa) se lasque. As prisões brasileiras são a piores do mundo etc., etc. Ser ou não ser a favor de mais duras punições não parece ser o cerne da discussão. O cerne da discussão parece ser a “questão da impunidade”. E nisso somos craques.
O ecossistema autofágico
Por isso, quero falar da não-evolução-do-nosso-ecossistema... Isto é, quero relembrar que certa espécie de predadores voa livre e solta. E os dentes do predador “do bem”, isto é, dos mocinhos (chamemo-los assim), já de há muito são apenas um conjunto de restos de meio-caninos repletos de buracos de cáries. Some-se a esse desdentado predador uma fábrica de gambiarras e, bingo: eis aí o que está aí. É o que a casa oferece.
Por isso, o escândalo dos trens de São Paulo, o chamado “Trensalão”, só vem à tona por um azar histórico, ou seja, a Siemens ter dado com a língua nos dentes (ou algo assim). E “deu no New York Times”, isto é, se não sai na imprensa, o fato não existe. Como é possível que essa cartelização nas licitações envolvendo tanta “gente boa” tenha ficado velada por tanto tempo? Mas essa gente não declara Imposto de Renda? Como vivem os proprietários das empresas “carteleiras”? E para quem eles pagaram propina? É tudo dinheiro “não lavado”? Mas como circulou?
Para entender tudo isso, sugiro a leitura do livro A Especulação Imobiliária, de Italo Calvino. Em tempos de maré-baixa moral, é bom ver o comportamento do personagem Caissotti, construtor trambiqueiro e inescrupuloso. E o povo pode ser visto a partir da família de Anfossi: em meio a um contingente enorme de causídicos, engenheiros, burocratas da função pública e outros quetais, fica perplexa diante do desenrolar dos fatos. Sem nada poder fazer. Até sai para a rua, mas “meio-que-sem-esquema-tático-definido”.
A crise do nosso ecossistema faz com que ninguém se surpreenda com o fato de — e a notícia está na Folha de S.Paulo de domingo (18/8) — o governador do Ceará ter gastado R$ 3,4 milhões em caviar, taças de cristal, salmão, crepes de lagosta nos últimos anos. Na verdade, parece que não sou eu quem está estocando comida. É o governador quem está... E que comida, não? E as boas gentes da empresa Grendene — que sempre estão nas colunas sociais dos grandes jornais — que doou R$ 1,2 milhões para a campanha eleitoral do governador, que, além da doação, dá carona no jatinho para sua excelência e ainda recebe incentivos fiscais dos impostos pagos pela patuleia? E como explicar que gastou R$ 650 mil em show para inaugurar um hospital que não funciona? Sintomas da falta de predador. As caturritas estão soltas. E os milharais se esvaindo... Por certo algum predador de predador, escalado para investigar tudo isso, dirá, em conclusão: tudo foi feito de acordo com a lei, embora seja imoral. Pronto: teorias do século XIX para resolver problemas do século XXI. Gambiarras epistêmicas, pois!
Nessa crise de predadores no ecossistema, o direito do consumidor foi transferido para os tribunais. O call center das grandes empresas tem novo lugar: o Judiciário. Ninguém respeita o consumidor. Reclame para o 0800, ligue para a ouvidoria. Quiá, quiá, quiá, riria o Pateta, companheiro do rato Mickey, que, engraçado, não trabalhava e vivia bem, sempre à disposição para ajudar o coronel Cintra... (ratos sempre se dão bem). As companhias aéreas estroinam da malta diariamente. Ônibus voadores, espremem seus utentes como em latas de sardinha. Cancelam voos, atrasam, trocam de terminal... Vá reclamar na Anac (e farfalhe de tanto rir). Notícia importante na Folha, também de domingo (18/8): Ações sobre direitos do consumidor entopem o STF. Em lugar das ações fiscais e previdenciárias, hoje o must são as ações consumeristas. E ainda fazemos teses e dissertações sobre isso tudo... muitas vezes com bolsas pagas... claro, pela combalida viúva. As companhias telefônicas, de TV a cabo, as companhias aéreas... Todas se lixam para o consumidor. Por que sabem que, mesmo perdendo, elas ganham. O cálculo é atuarial. Isto é: fazem um estudo frio e calculado sobre o que lucrarão com o abuso e o que gastarão com eventuais ações. Ou seja: vale a pena lograr a malta. E, por vezes, contratam bons instrutores, gente que se formou com boas bolsas da viúva, as vezes no exterior. É a autorreprodução do ecossistema. É a viúva pagando para ensinar como driblar o consumidor e a ela mesma.
Ecossistema e estado de natureza
Nosso ecossistema virou um estado-de-natureza. Faz-se o que quer. Jovens advogados (e executivos, batizados de CEOs) aparecem, de repente, ricos. Da noite para o dia. No Rio Grande do Sul, um jovem desses está preso. Enganou a viúva gaúcha em mais de R$ 100 milhões. E também enganou alguns clientes, que por sua vez queriam enganar a viuvinha de bombachas... Jornais noticiam que advogado, jovem filho de um potentado estamental, atuou em contrato que previa propina de US$ 10 milhões a partido político (como sabemos, para além da luta de classes, existem os estamentos!). Parece que o contrato foi cancelado em face de pressões de outros personagens que “não gostaram” da história. Mas a coisa só veio à baila não porque os predadores dos predadores (no caso, os mocinhos) descobriram a maracutaia, e, sim, por causa de “outros interesses”. Ah, essas caturritas são terríveis. Por vezes, são alvo de outras caturritas. Diz-se por aí que lobo não come lobo, mas, no caso das caturritas, caturrita come caturrita. Isso é importante? Bem... quando o mal se banaliza, perde-se a capacidade de separar o joio do trigo. Isto é apenas um componente simbólico do imaginário patrimonialista. É disso que se trata. Ou seja, a coluna não é balcão de denúncias. Busca, apenas, mostrar os elefantes que se escondem atrás das formigas...
E não esqueçamos daqueles que parece quererem fazer carreira solo fora do ecossistema. Descobriram que a turma do Fora do Eixo gosta muito da bolsa da viúva, sendo campeões em participação de editais. Bom, até aí o que estaria mesmo fora do eixo? Desculpem-me o trocadilho.
E nem o irmão do governador de Pernambuco está fora do eixo, porque sabe bem o caminho das pedras. Jornais noticiam que “feira de irmão de governador recebe patrocínio recorde” (Pernambuco dá R$ 3,5 milhões à Fliporto). Claro, com o dinheiro da viúva até eu. Mas, não existe algo na legislação que proíbe essas coisas de parentesco? Lembro, aqui, de antigo livro, chamado Coronelismo, enxada e voto, de Victor Nunes Leal... Como se vê na música, alguma coisa está fora da ordem... Mas, acrescento, se tudo está, nada está... A pergunta é: por que ocorre a naturalização dessa relação promíscua entre o publico e o privado?
Veja-se que, entre os predadores do lado dos mocinhos, por vezes há uma atrapalhação, como no caso do Ministério Público Federal. Por escrito, o PGR sustentou que era a contra o projeto de Lei 4.470/2012, que limita as regras para a criação de novos partidos, e a sua vice-procuradora foi lá no plenário do Pretório Excelso e sustentou posição em contrário (particularmente, até gostei mais da posição dela do que a do PGR, mas não é disso que se trata). Afinal, quem detém a soberania no MPF? Só para a planície saber. Qual é a posição oficial do MPF? Muda-se, assim, da noite para o dia? Quer dizer que o os interesses do Brasil, defendidos na causa, dependem da escalação do membro do MP? São coisas assim que fragilizam o ecossistema... Há independência funcional nessa hipótese junto ao Pretório Excelso? Pode mudar assim? Parece que o MPF, até agora, não tem ou teve “posição institucional” sobre determinado assunto. Tem ou teve posição pessoal do PGR. Mas, deve ser assim? Não seria bom fazer uma agenda no plano da PGR para discutir esses temas em equipe? A chefia simplesmente espera que seus substitutos sigam seus entendimentos? É tão simples assim? E quando isso (não) acontece (caso Duprat no Projeto de Lei 4.470), o que a nação e a comunidade jurídica pensa disso tudo? Que os interesses da nação dependem da posição pessoal de cada um? Temos que refletir melhor isso, para que o ecossistema no qual o Ministério Público tem fundamental importância não fique fragilizado, em face de fragmentações desse nível.
Outro problema é que no ecossistema há muitos dentes superpostos. Leio que a CGU investigará contratos federais de cartel. E tem também TCU, MPU etc. Que bom. Mas, pergunto: com tanta gente para fiscalizar e investigar, os predadores (do lado dos bandidos) não deveriam estar tremendo de medo? E vejam a “dureza” da fala do Controlador-Geral: “Em linhas gerais, serão solicitados esclarecimentos que contenham informações capazes de demonstrar a efetiva aplicação das medidas previstas no programa de integridade da empresa (a Siemens) nos últimos anos”. Ah, bom. Agora vai. Assim eu gosto: tem que ser peremptório com essa gente... A(s) empresa(s) deve(m) estar em pânico... com o duro conteúdo da missiva. Para ser mais claro: com tantas instituições e órgãos encarregados de cuidar da coisa pública, como é possível que haja tanta corrupção, que ocorre nas barbas do ecossistema?
Só para mostrar o gambiarrismo que assola terrae brasilis, leio também na Folha de S.Paulo que tem gente que sustenta que a não reprovação de alunos é melhor que a reprovação. Claro. Límpido. Só para esclarecer: a pergunta que o jornal fez foi: “A reprovação melhora o desempenho escolar”? E um especialista respondeu “sim, melhora”. Bingo. Por isso, quando chegam para fazer Faculdade de Direito, alimentam-se, no ecossistema da leitura, de livros simplificadores. Não chumbaram no ensino fundamental, chegaram ao ensino superior à meia boca. Ou alguém acharia que a crise está apenas no ecossistema jurídico?
As costumeiras gambiarras
Passados 25 anos da nova Constituição, continuamos com o mesmo Código Penal de 1940. Como tratar do nosso ecossistema? O Código Criminal de 1830 foi feito para pegar escravos; o de 1890 para pegar ex-escravos (tanto é que, em vez de fazermos políticas de inclusão para os ex-escravos e seus familiares, achamos melhor “dar-lhes” um novo Código Penal); o de 1940, em face da industrialização e urbanização, foi um Código feito para proteger mais a propriedade do que a vida.
Graças a isso, ingressamos no século XX com a divisão dos títulos e capítulos escamoteando idelogicamente os interesses de um Direito Penal nitidamente de classes. Por exemplo, estupro estava no título dos crimes contra os costumes... E se o estuprador casasse com o estuprada ou com terceiro, ficava isento de pena. Viva a família. Viva a propriedade. Viva os tipos penais como “escalada”, pelo qual hoje condenamos qualquer pé-de-chinelo que pula um muro, quando, na origem, o tipo era para proteger o dinheiro que o andar de cima guardava nas suas casas, porque não havia bancos (ou havia poucos). E o que dizer da chave falsa? Nem vou falar da comparação entre os diversos tipos e bens “protegidos”. O que fizemos? Gambiarras e puxadinhos. Fizemos a lei da lavagem e não pegamos praticamente ninguém. Lei mal feita. Mas a do furto qualificado foi bem feita. Tão fácil de aplicar que é quase um tipo-penal-periguete. O tipo penal do furto tem um fetiche... É tão importante que na última prova da OAB “incendiou” o Brasil, com a discussão da saga da ladravaz Jane, que furtou um automóvel em Cuiabá para vender a um terceiro, paraguaio de boa-fé. Eis aí o nosso ecossistema penal.
E o Código de Processo Penal? Cheio de gambiarras hermenêuticas. E quando o bem emendamos, por exemplo, alterando ao artigo 212 do CPP para institucionalizar o sistema acusatório, impedindo provas ex-officio, o Judiciário, com a conivência da doutrina, diz que “devemos manter a tradição”, isto é, o juiz deve continuar a fazer perguntas, mesmo que o texto do artigo 212 diga exatamente o contrário. E o STF diz, no HC 102.525, que o não cumprimento do artigo 212 gera apenas... nulidade relativa. Pronto. Nada mais é preciso dizer.
A sábia palmeira jussara
Por tais razões, a palmeira jussara, com o lindo nome científico de euterpe edulis, com “medo” de não sobreviver por falta de espalhamento de suas sementes, evoluiu, diminuindo o tamanho dos seus frutos. Já o Brasil, mesmo diante de manifestações populares, de escândalos, de provas da OAB alienadas da realidade, de bolsas jatinho, de cartelização de licitações, parece que não chegou ao patamar da palmeira jussara, também conhecida como “palmiteira”. Não fosse por nada, as Instituições deveriam evoluir para, simplesmente, sobreviverem. Poderia até mesmo ser por egoísmo. Para dar emprego para os membros dos próprios estamentos. Comportamo-nos como os tucanos do ecossistema em que vive a palmeira. Apenas comem os frutos. Não se preocupam com a sobrevivência daquilo que lhe dá o alimento: a palmeira jussara. Por isso a palmeira é que está mudando!
No fundo, quando se vê tudo isso, do exemplo da palmeira jussara pulamos para a alegoria do escorpião, que, mesmo pegando carona nas costas do sapo, no meio do rio não resiste a tentação... e o pica. Morrerão juntos. Mas, como ir contra a própria natureza? O patrimonialismo e o estamentismo estão na “essência” do homo empoderadus de terrae brasilis.
Mas, cá para nós, bem que o réu podia se ajudar, pois não? Não precisaria o Congresso predar o Executivo nestes duros tempos e tampouco o Executivo necessitaria liberar R$ 1,2 bilhões em emendas parlamentares em apenas alguns dias. Que o Presidencialismo é de coalisão, todos sabemos. Mas, assim, descaradamente...me parece mais uma atitude de escorpião. É da natureza...
Por último: sobre o concurso para juiz em Santa Catarina
Causou frisson na comunidade jurídico-concurseira uma questão do TJ-SC (concurso para juiz), que tratava de parte de meu livro O que é Isto – Decido Conforme Minha Consciência?. A pergunta falava do sujeito solipsista (Selbstsüchtiger) e do pan-principiologismo. Os que erraram (ou nem passaram perto) querem (queriam) anular a questão, ameaçando ir ao CNJ. Interessante isso. Quando um concurso, de fato, quer entrar em searas mais sérias e sofisticadas, indagando acerca de temas reflexivos, de base da teoria do direito (lato sensu), vem uma saraivada de críticas. Dizem que isso não é coisa que se pergunte. É verdade. Concursos tem de indagar sobre o que fazer com Jane, que furta automóvel em Cuiabá... Ou Caio que faz usucapião de terras de Tício... Ou sobre ponderação... Enfim, a malta quer mesmo quiz shows. Ou ela quer perguntas sobre Filosofia do Direito ou teoria do direito do tipo “direito simplificado-plastificado”? Quem sabe edito um livro do tipo Hermenêutica Jurídica Simplificada? Ou Teoria do Direito Mastigadinha? Ou Lenio Streck em dez lições?”
Ora, a questão do TJ-SC é absolutamente pertinente, pois trata da questão mais candente da aplicação do Direito. Com efeito, o abuso dos princípios vem sendo tratado por inúmeros autores. O termo pan-principilogismo (ou pan-principialismo) é que é criação minha. O assunto é universal, tratado não apenas no Brasil, mas na Europa em geral. Veja-se a crítica que Ferrajoli faz sobre isso. Aliás, Ferrajoli escreveu um texto tratando de um texto meu sobre o assunto (veja-se o livro Garantismo, Neoconstitucionalismo e Hermenêutica – Diálogos com Luigi Ferrajoli, Editora Livraria do Advogado). Mais: a questão do sujeito solipsista diz respeito ao paradigma da subjetividade (filosofia da consciência). Ou seja, trata daquilo que institui a modernidade. As correntes críticas contemporâneas buscam exatamente superar o esquema sujeito-objeto, “lugar” em que reside esse “sujeito”. Nem preciso falar de meus textos ou de Gadamer. Chamo à colação o insuspeito Habermas, que já no início de seu Fakticität und Geltung, diz: substituo a razão prática, eivada de solipsismo, por uma razão comunicativa. Bom, não concordo com a solução que ele, Habermas, propõe. Mas ele vai no “rim” da coisa. Aponta as baterias para o inimigo certo... Portanto, parabéns à Comissão de Concurso do TJ-SC. Alvíssaras. Há luz no fim do túnel. E não é um trem. Ou seja: aqui há evolução!
A proliferação dos predadores
Pois olhando para o nosso ecossistema administrativo-financeiro-ético-moral-jurídico de terrae brasilis, é possível observar que o aumento de predadores não produziu uma evolução à altura da preservação da própria espécie, quer dizer, o Estado. A proliferação de predadores da coisa pública deveria levar o “sistema” a produzir anticorpos (ou imitar o porco-espinho, que produziu uma bela camada protetiva contra os seus predadores). Isso seria, digamos assim, natural. Vejamos: qual é a diferença dos vigaristas e proxenetas de verbas públicas da Alemanha e de Pindorama? O Brasil teria tido azar em ter em sua “mata nativa” predadores do dinheiro público mais espertos e mais operosos que os habitantes das “matas” tedescas?
Para mim, a diferença está nos predadores dos predadores, isto é, o problema reside no fato de os predadores de primeiro nível — aqueles que predam o ervanário da viúva (nos três níveis de viuvidade: federal, estadual e municipal) — não encontrarem os seus predadores. Sendo mais claro: aqueles que, do lado de cá do ecossistema, têm a função de predar os predadores, não estão predando adequadamente. E quando faltam predadores dos predadores, cria-se uma anomalia sistêmica. Algo como ocorreu no interior do Rio Grande do Sul: os fazendeiros, descontentes com os caranchos que matavam filhotes de ovelhas, incentivaram o seu extermínio. Resultado: esqueceram que a sobremesa dos caranchos eram os ovinhos das caturritas, que, livres do predador, multiplicaram-se a tal ponto que tiveram que fazer campanhas de extermínio das pequenas aves verdes que dizimavam as plantações. Então: na Alemanha, preserva-se o carancho, porque ele salva as plantações... Por exemplo, o pai de Stefe Graff sonegou “grossos” impostos. Foi pego no aeroporto e jogado no ergástulo da cidade. Vejam: meus livros e artigos são um álibi a meu favor. Não precisaria dizer que não estou achando “bonito” que o pai da tenista vá para a prisão ou que o zagueiro Breno, do multimilionário Bayern de Munich (que lá cumpre pena por colocar fogo na própria casa) se lasque. As prisões brasileiras são a piores do mundo etc., etc. Ser ou não ser a favor de mais duras punições não parece ser o cerne da discussão. O cerne da discussão parece ser a “questão da impunidade”. E nisso somos craques.
O ecossistema autofágico
Por isso, quero falar da não-evolução-do-nosso-ecossistema... Isto é, quero relembrar que certa espécie de predadores voa livre e solta. E os dentes do predador “do bem”, isto é, dos mocinhos (chamemo-los assim), já de há muito são apenas um conjunto de restos de meio-caninos repletos de buracos de cáries. Some-se a esse desdentado predador uma fábrica de gambiarras e, bingo: eis aí o que está aí. É o que a casa oferece.
Por isso, o escândalo dos trens de São Paulo, o chamado “Trensalão”, só vem à tona por um azar histórico, ou seja, a Siemens ter dado com a língua nos dentes (ou algo assim). E “deu no New York Times”, isto é, se não sai na imprensa, o fato não existe. Como é possível que essa cartelização nas licitações envolvendo tanta “gente boa” tenha ficado velada por tanto tempo? Mas essa gente não declara Imposto de Renda? Como vivem os proprietários das empresas “carteleiras”? E para quem eles pagaram propina? É tudo dinheiro “não lavado”? Mas como circulou?
Para entender tudo isso, sugiro a leitura do livro A Especulação Imobiliária, de Italo Calvino. Em tempos de maré-baixa moral, é bom ver o comportamento do personagem Caissotti, construtor trambiqueiro e inescrupuloso. E o povo pode ser visto a partir da família de Anfossi: em meio a um contingente enorme de causídicos, engenheiros, burocratas da função pública e outros quetais, fica perplexa diante do desenrolar dos fatos. Sem nada poder fazer. Até sai para a rua, mas “meio-que-sem-esquema-tático-definido”.
A crise do nosso ecossistema faz com que ninguém se surpreenda com o fato de — e a notícia está na Folha de S.Paulo de domingo (18/8) — o governador do Ceará ter gastado R$ 3,4 milhões em caviar, taças de cristal, salmão, crepes de lagosta nos últimos anos. Na verdade, parece que não sou eu quem está estocando comida. É o governador quem está... E que comida, não? E as boas gentes da empresa Grendene — que sempre estão nas colunas sociais dos grandes jornais — que doou R$ 1,2 milhões para a campanha eleitoral do governador, que, além da doação, dá carona no jatinho para sua excelência e ainda recebe incentivos fiscais dos impostos pagos pela patuleia? E como explicar que gastou R$ 650 mil em show para inaugurar um hospital que não funciona? Sintomas da falta de predador. As caturritas estão soltas. E os milharais se esvaindo... Por certo algum predador de predador, escalado para investigar tudo isso, dirá, em conclusão: tudo foi feito de acordo com a lei, embora seja imoral. Pronto: teorias do século XIX para resolver problemas do século XXI. Gambiarras epistêmicas, pois!
Nessa crise de predadores no ecossistema, o direito do consumidor foi transferido para os tribunais. O call center das grandes empresas tem novo lugar: o Judiciário. Ninguém respeita o consumidor. Reclame para o 0800, ligue para a ouvidoria. Quiá, quiá, quiá, riria o Pateta, companheiro do rato Mickey, que, engraçado, não trabalhava e vivia bem, sempre à disposição para ajudar o coronel Cintra... (ratos sempre se dão bem). As companhias aéreas estroinam da malta diariamente. Ônibus voadores, espremem seus utentes como em latas de sardinha. Cancelam voos, atrasam, trocam de terminal... Vá reclamar na Anac (e farfalhe de tanto rir). Notícia importante na Folha, também de domingo (18/8): Ações sobre direitos do consumidor entopem o STF. Em lugar das ações fiscais e previdenciárias, hoje o must são as ações consumeristas. E ainda fazemos teses e dissertações sobre isso tudo... muitas vezes com bolsas pagas... claro, pela combalida viúva. As companhias telefônicas, de TV a cabo, as companhias aéreas... Todas se lixam para o consumidor. Por que sabem que, mesmo perdendo, elas ganham. O cálculo é atuarial. Isto é: fazem um estudo frio e calculado sobre o que lucrarão com o abuso e o que gastarão com eventuais ações. Ou seja: vale a pena lograr a malta. E, por vezes, contratam bons instrutores, gente que se formou com boas bolsas da viúva, as vezes no exterior. É a autorreprodução do ecossistema. É a viúva pagando para ensinar como driblar o consumidor e a ela mesma.
Ecossistema e estado de natureza
Nosso ecossistema virou um estado-de-natureza. Faz-se o que quer. Jovens advogados (e executivos, batizados de CEOs) aparecem, de repente, ricos. Da noite para o dia. No Rio Grande do Sul, um jovem desses está preso. Enganou a viúva gaúcha em mais de R$ 100 milhões. E também enganou alguns clientes, que por sua vez queriam enganar a viuvinha de bombachas... Jornais noticiam que advogado, jovem filho de um potentado estamental, atuou em contrato que previa propina de US$ 10 milhões a partido político (como sabemos, para além da luta de classes, existem os estamentos!). Parece que o contrato foi cancelado em face de pressões de outros personagens que “não gostaram” da história. Mas a coisa só veio à baila não porque os predadores dos predadores (no caso, os mocinhos) descobriram a maracutaia, e, sim, por causa de “outros interesses”. Ah, essas caturritas são terríveis. Por vezes, são alvo de outras caturritas. Diz-se por aí que lobo não come lobo, mas, no caso das caturritas, caturrita come caturrita. Isso é importante? Bem... quando o mal se banaliza, perde-se a capacidade de separar o joio do trigo. Isto é apenas um componente simbólico do imaginário patrimonialista. É disso que se trata. Ou seja, a coluna não é balcão de denúncias. Busca, apenas, mostrar os elefantes que se escondem atrás das formigas...
E não esqueçamos daqueles que parece quererem fazer carreira solo fora do ecossistema. Descobriram que a turma do Fora do Eixo gosta muito da bolsa da viúva, sendo campeões em participação de editais. Bom, até aí o que estaria mesmo fora do eixo? Desculpem-me o trocadilho.
E nem o irmão do governador de Pernambuco está fora do eixo, porque sabe bem o caminho das pedras. Jornais noticiam que “feira de irmão de governador recebe patrocínio recorde” (Pernambuco dá R$ 3,5 milhões à Fliporto). Claro, com o dinheiro da viúva até eu. Mas, não existe algo na legislação que proíbe essas coisas de parentesco? Lembro, aqui, de antigo livro, chamado Coronelismo, enxada e voto, de Victor Nunes Leal... Como se vê na música, alguma coisa está fora da ordem... Mas, acrescento, se tudo está, nada está... A pergunta é: por que ocorre a naturalização dessa relação promíscua entre o publico e o privado?
Veja-se que, entre os predadores do lado dos mocinhos, por vezes há uma atrapalhação, como no caso do Ministério Público Federal. Por escrito, o PGR sustentou que era a contra o projeto de Lei 4.470/2012, que limita as regras para a criação de novos partidos, e a sua vice-procuradora foi lá no plenário do Pretório Excelso e sustentou posição em contrário (particularmente, até gostei mais da posição dela do que a do PGR, mas não é disso que se trata). Afinal, quem detém a soberania no MPF? Só para a planície saber. Qual é a posição oficial do MPF? Muda-se, assim, da noite para o dia? Quer dizer que o os interesses do Brasil, defendidos na causa, dependem da escalação do membro do MP? São coisas assim que fragilizam o ecossistema... Há independência funcional nessa hipótese junto ao Pretório Excelso? Pode mudar assim? Parece que o MPF, até agora, não tem ou teve “posição institucional” sobre determinado assunto. Tem ou teve posição pessoal do PGR. Mas, deve ser assim? Não seria bom fazer uma agenda no plano da PGR para discutir esses temas em equipe? A chefia simplesmente espera que seus substitutos sigam seus entendimentos? É tão simples assim? E quando isso (não) acontece (caso Duprat no Projeto de Lei 4.470), o que a nação e a comunidade jurídica pensa disso tudo? Que os interesses da nação dependem da posição pessoal de cada um? Temos que refletir melhor isso, para que o ecossistema no qual o Ministério Público tem fundamental importância não fique fragilizado, em face de fragmentações desse nível.
Outro problema é que no ecossistema há muitos dentes superpostos. Leio que a CGU investigará contratos federais de cartel. E tem também TCU, MPU etc. Que bom. Mas, pergunto: com tanta gente para fiscalizar e investigar, os predadores (do lado dos bandidos) não deveriam estar tremendo de medo? E vejam a “dureza” da fala do Controlador-Geral: “Em linhas gerais, serão solicitados esclarecimentos que contenham informações capazes de demonstrar a efetiva aplicação das medidas previstas no programa de integridade da empresa (a Siemens) nos últimos anos”. Ah, bom. Agora vai. Assim eu gosto: tem que ser peremptório com essa gente... A(s) empresa(s) deve(m) estar em pânico... com o duro conteúdo da missiva. Para ser mais claro: com tantas instituições e órgãos encarregados de cuidar da coisa pública, como é possível que haja tanta corrupção, que ocorre nas barbas do ecossistema?
Só para mostrar o gambiarrismo que assola terrae brasilis, leio também na Folha de S.Paulo que tem gente que sustenta que a não reprovação de alunos é melhor que a reprovação. Claro. Límpido. Só para esclarecer: a pergunta que o jornal fez foi: “A reprovação melhora o desempenho escolar”? E um especialista respondeu “sim, melhora”. Bingo. Por isso, quando chegam para fazer Faculdade de Direito, alimentam-se, no ecossistema da leitura, de livros simplificadores. Não chumbaram no ensino fundamental, chegaram ao ensino superior à meia boca. Ou alguém acharia que a crise está apenas no ecossistema jurídico?
As costumeiras gambiarras
Passados 25 anos da nova Constituição, continuamos com o mesmo Código Penal de 1940. Como tratar do nosso ecossistema? O Código Criminal de 1830 foi feito para pegar escravos; o de 1890 para pegar ex-escravos (tanto é que, em vez de fazermos políticas de inclusão para os ex-escravos e seus familiares, achamos melhor “dar-lhes” um novo Código Penal); o de 1940, em face da industrialização e urbanização, foi um Código feito para proteger mais a propriedade do que a vida.
Graças a isso, ingressamos no século XX com a divisão dos títulos e capítulos escamoteando idelogicamente os interesses de um Direito Penal nitidamente de classes. Por exemplo, estupro estava no título dos crimes contra os costumes... E se o estuprador casasse com o estuprada ou com terceiro, ficava isento de pena. Viva a família. Viva a propriedade. Viva os tipos penais como “escalada”, pelo qual hoje condenamos qualquer pé-de-chinelo que pula um muro, quando, na origem, o tipo era para proteger o dinheiro que o andar de cima guardava nas suas casas, porque não havia bancos (ou havia poucos). E o que dizer da chave falsa? Nem vou falar da comparação entre os diversos tipos e bens “protegidos”. O que fizemos? Gambiarras e puxadinhos. Fizemos a lei da lavagem e não pegamos praticamente ninguém. Lei mal feita. Mas a do furto qualificado foi bem feita. Tão fácil de aplicar que é quase um tipo-penal-periguete. O tipo penal do furto tem um fetiche... É tão importante que na última prova da OAB “incendiou” o Brasil, com a discussão da saga da ladravaz Jane, que furtou um automóvel em Cuiabá para vender a um terceiro, paraguaio de boa-fé. Eis aí o nosso ecossistema penal.
E o Código de Processo Penal? Cheio de gambiarras hermenêuticas. E quando o bem emendamos, por exemplo, alterando ao artigo 212 do CPP para institucionalizar o sistema acusatório, impedindo provas ex-officio, o Judiciário, com a conivência da doutrina, diz que “devemos manter a tradição”, isto é, o juiz deve continuar a fazer perguntas, mesmo que o texto do artigo 212 diga exatamente o contrário. E o STF diz, no HC 102.525, que o não cumprimento do artigo 212 gera apenas... nulidade relativa. Pronto. Nada mais é preciso dizer.
A sábia palmeira jussara
Por tais razões, a palmeira jussara, com o lindo nome científico de euterpe edulis, com “medo” de não sobreviver por falta de espalhamento de suas sementes, evoluiu, diminuindo o tamanho dos seus frutos. Já o Brasil, mesmo diante de manifestações populares, de escândalos, de provas da OAB alienadas da realidade, de bolsas jatinho, de cartelização de licitações, parece que não chegou ao patamar da palmeira jussara, também conhecida como “palmiteira”. Não fosse por nada, as Instituições deveriam evoluir para, simplesmente, sobreviverem. Poderia até mesmo ser por egoísmo. Para dar emprego para os membros dos próprios estamentos. Comportamo-nos como os tucanos do ecossistema em que vive a palmeira. Apenas comem os frutos. Não se preocupam com a sobrevivência daquilo que lhe dá o alimento: a palmeira jussara. Por isso a palmeira é que está mudando!
No fundo, quando se vê tudo isso, do exemplo da palmeira jussara pulamos para a alegoria do escorpião, que, mesmo pegando carona nas costas do sapo, no meio do rio não resiste a tentação... e o pica. Morrerão juntos. Mas, como ir contra a própria natureza? O patrimonialismo e o estamentismo estão na “essência” do homo empoderadus de terrae brasilis.
Mas, cá para nós, bem que o réu podia se ajudar, pois não? Não precisaria o Congresso predar o Executivo nestes duros tempos e tampouco o Executivo necessitaria liberar R$ 1,2 bilhões em emendas parlamentares em apenas alguns dias. Que o Presidencialismo é de coalisão, todos sabemos. Mas, assim, descaradamente...me parece mais uma atitude de escorpião. É da natureza...
Por último: sobre o concurso para juiz em Santa Catarina
Causou frisson na comunidade jurídico-concurseira uma questão do TJ-SC (concurso para juiz), que tratava de parte de meu livro O que é Isto – Decido Conforme Minha Consciência?. A pergunta falava do sujeito solipsista (Selbstsüchtiger) e do pan-principiologismo. Os que erraram (ou nem passaram perto) querem (queriam) anular a questão, ameaçando ir ao CNJ. Interessante isso. Quando um concurso, de fato, quer entrar em searas mais sérias e sofisticadas, indagando acerca de temas reflexivos, de base da teoria do direito (lato sensu), vem uma saraivada de críticas. Dizem que isso não é coisa que se pergunte. É verdade. Concursos tem de indagar sobre o que fazer com Jane, que furta automóvel em Cuiabá... Ou Caio que faz usucapião de terras de Tício... Ou sobre ponderação... Enfim, a malta quer mesmo quiz shows. Ou ela quer perguntas sobre Filosofia do Direito ou teoria do direito do tipo “direito simplificado-plastificado”? Quem sabe edito um livro do tipo Hermenêutica Jurídica Simplificada? Ou Teoria do Direito Mastigadinha? Ou Lenio Streck em dez lições?”
Ora, a questão do TJ-SC é absolutamente pertinente, pois trata da questão mais candente da aplicação do Direito. Com efeito, o abuso dos princípios vem sendo tratado por inúmeros autores. O termo pan-principilogismo (ou pan-principialismo) é que é criação minha. O assunto é universal, tratado não apenas no Brasil, mas na Europa em geral. Veja-se a crítica que Ferrajoli faz sobre isso. Aliás, Ferrajoli escreveu um texto tratando de um texto meu sobre o assunto (veja-se o livro Garantismo, Neoconstitucionalismo e Hermenêutica – Diálogos com Luigi Ferrajoli, Editora Livraria do Advogado). Mais: a questão do sujeito solipsista diz respeito ao paradigma da subjetividade (filosofia da consciência). Ou seja, trata daquilo que institui a modernidade. As correntes críticas contemporâneas buscam exatamente superar o esquema sujeito-objeto, “lugar” em que reside esse “sujeito”. Nem preciso falar de meus textos ou de Gadamer. Chamo à colação o insuspeito Habermas, que já no início de seu Fakticität und Geltung, diz: substituo a razão prática, eivada de solipsismo, por uma razão comunicativa. Bom, não concordo com a solução que ele, Habermas, propõe. Mas ele vai no “rim” da coisa. Aponta as baterias para o inimigo certo... Portanto, parabéns à Comissão de Concurso do TJ-SC. Alvíssaras. Há luz no fim do túnel. E não é um trem. Ou seja: aqui há evolução!
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito.
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Revista Consultor Jurídico, 22 de agosto de 2013
quarta-feira, 21 de agosto de 2013
STJ aplica teoria da perda da chance em erro médico
O
pedido de indenização por perdas e danos pode ser formulado pelo
paciente e/ou seus familiares nos casos de erro médico, desde que
presentes os tradicionais requisitos da responsabilidade civil, que são:
(i) a culpa (por negligência, imprudência ou imperícia do médico),(ii) o
dano (prejuízo efetivo e concreto causado ao paciente) e (iii) nexo
causal (relação entre o erro médico e o dano).
No entanto, é aconselhável que a classe médica esteja atenta a um novo gênero da responsabilidade civil que vem sendo aplicado pelos tribunais, o qual relativiza esses requisitos. Trata-se do instituto da perda da chance, que surgiu na França na década de 1960 e é caracterizado pelas situações em que, por culpa do agente, a vítima fica privada de alcançar uma vantagem ou evitar uma perda. Exemplo clássico é o do candidato impedido de prestar um concurso por culpa de terceiro. Na seara médica, pode ser citado o exemplo do paciente, acometido de doença grave, que é submetido a um tratamento médico equivocado e vem a falecer em razão daquela doença pré existente ao tratamento.
Observe-se que, especificamente nesse último exemplo, não há nexo de causalidade direto entre o dano (falecimento) e a imperícia do médico que aplicou um tratamento equivocado, pois a causa do óbito foi a doença que já existia antes de haver sido cometido o erro médico, e não há garantia de que o tratamento correto impediria o falecimento. Na doutrina tradicional, ausente o nexo de causalidade, inexiste a responsabilidade civil e, portanto, não haveria obrigação do médico de indenizar. No entanto, os Tribunais têm entendido que o simples fato do paciente ser impedido de se submeter ao tratamento correto, o qual, ainda que somente em tese, poderia lhe trazer um benefício, representa um dano que deve ser indenizável. Vale dizer, a mera chance do tratamento já é um bem jurídico indenizável.
Esse tipo de situação foi recentemente objeto de julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 1.254.141-PR, que teve decisão publicada em 20 de fevereiro de 2013. A ação foi proposta pelo viúvo da vítima e seus filhos, em face do médico que tratou da paciente. A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, aplicou a teoria da perda da chance, defendendo que “não há necessidade de se apurar se o bem final (a vida, na hipótese deste processo) foi tolhido da vítima. O fato é que a chance de viver lhe foi subtraída, e isso basta. O desafio, portanto, torna-se apenas quantificar esse dano, ou seja, apurar qual o valor econômico da chance perdida”. Esse entendimento, provavelmente, norteará decisões judiciais futuras sobre o tema.
Portanto, a defesa geralmente apresentada pela classe médica nas ações de indenização nos casos de erro médico, que via de regra defende a ausência dos requisitos tradicionais da responsabilidade civil (culpa, dano ou nexo causal), deve agora revista para contemplar também a situação sob a ótica da teoria da perda da chance, a qual relativiza esses requisitos.
No entanto, é aconselhável que a classe médica esteja atenta a um novo gênero da responsabilidade civil que vem sendo aplicado pelos tribunais, o qual relativiza esses requisitos. Trata-se do instituto da perda da chance, que surgiu na França na década de 1960 e é caracterizado pelas situações em que, por culpa do agente, a vítima fica privada de alcançar uma vantagem ou evitar uma perda. Exemplo clássico é o do candidato impedido de prestar um concurso por culpa de terceiro. Na seara médica, pode ser citado o exemplo do paciente, acometido de doença grave, que é submetido a um tratamento médico equivocado e vem a falecer em razão daquela doença pré existente ao tratamento.
Observe-se que, especificamente nesse último exemplo, não há nexo de causalidade direto entre o dano (falecimento) e a imperícia do médico que aplicou um tratamento equivocado, pois a causa do óbito foi a doença que já existia antes de haver sido cometido o erro médico, e não há garantia de que o tratamento correto impediria o falecimento. Na doutrina tradicional, ausente o nexo de causalidade, inexiste a responsabilidade civil e, portanto, não haveria obrigação do médico de indenizar. No entanto, os Tribunais têm entendido que o simples fato do paciente ser impedido de se submeter ao tratamento correto, o qual, ainda que somente em tese, poderia lhe trazer um benefício, representa um dano que deve ser indenizável. Vale dizer, a mera chance do tratamento já é um bem jurídico indenizável.
Esse tipo de situação foi recentemente objeto de julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 1.254.141-PR, que teve decisão publicada em 20 de fevereiro de 2013. A ação foi proposta pelo viúvo da vítima e seus filhos, em face do médico que tratou da paciente. A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, aplicou a teoria da perda da chance, defendendo que “não há necessidade de se apurar se o bem final (a vida, na hipótese deste processo) foi tolhido da vítima. O fato é que a chance de viver lhe foi subtraída, e isso basta. O desafio, portanto, torna-se apenas quantificar esse dano, ou seja, apurar qual o valor econômico da chance perdida”. Esse entendimento, provavelmente, norteará decisões judiciais futuras sobre o tema.
Portanto, a defesa geralmente apresentada pela classe médica nas ações de indenização nos casos de erro médico, que via de regra defende a ausência dos requisitos tradicionais da responsabilidade civil (culpa, dano ou nexo causal), deve agora revista para contemplar também a situação sob a ótica da teoria da perda da chance, a qual relativiza esses requisitos.
Gislene Barbosa da Costa é advogada do L.O. Baptista, Schmidt, Valois, Miranda, Ferreira & Agel Advogados
Revista Consultor Jurídico, 21 de agosto de 2013
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