William
Walbert dos Santos[2]
RESUMO
O
direito à saúde, como direito social, merece do Estado toda atenção, sobretudo
na implementação de políticas públicas. Entretanto, não é isso que acontece. Com
efeito, os reclamos das partes diretamente interessadas acabam por desaguar no
Judiciário, que exerce um papel contramajoritário, cujas decisões implicam
diretamente na questão orçamentária do Estado, causando um desequilíbrio. Tal
desequilíbrio desafia uma proposta de reforma do Sistema, o que exigirá da
sociedade, sobretudo da Sociedade Civil uma participação mais efetiva através
do processo discursivo.
PALAVRAS-CHAVES: TEORIA
DO DISCURSO – DIREITO À SAUDE – LITIGÂNCIA DE INTERESSE PÚBLICO – DEMOCRACIA –
SOCIEDADE CIVIL
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O
direito à saúde é garantido pela Constituição Federal de 1988 e está inserido
como direito social. Como direito social, sua implementação é garantida pelo Estado,
que deverá fazê-lo por meio de políticas públicas e ações específicas de
promoção, prevenção, reabilitação e recuperação da saúde, entretanto, o que se
vê, sobretudo no Brasil, é um completo abandono.
O
Judiciário, por sua vez, é chamado a tutelar o direito de inúmeros cidadãos que
necessitam de medicamentos ou tratamentos médicos não disponíveis por políticas
públicas idôneas, entretanto, suas decisões (contramajoritárias) provocam um
problema ainda maior, que é o desequilíbrio orçamentário, o que desafia novas
propostas de reforma do sistema de saúde.
O
presente estudo tem por finalidade, sem descer a minúcias, discutir os efeitos
da ausência de políticas públicas na área da saúde, sob a perspectiva da teoria
do discurso de Habermas, a partir de discussões públicas, provocadas, sobretudo
pela sociedade civil.
Sobre
tais considerações trataremos a seguir em três tópicos: no primeiro, far-se-á
breves considerações sobre o fenômeno da “litigância de interesse público”,
demonstrando suas implicações no chamado ativismo judicial e o papel
contramajoritário da jurisdição; no segundo, abordar-se-á a teoria discursiva e
de democracia de Habermas e a sociedade civil; no terceiro e último, será
realizada uma análise do cenário atual da saúde brasileira, com apontamentos
pessoais sobre a participação da sociedade civil na (re)construção do direito à
saúde e a implementação de políticas públicas.
2.
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O FENÔMENO DA LITIGÂNCIA DE INTERESSE PÚBLICO
O objetivo do
presente trabalho não é discutir as questões de decidibilidade que cercam o
direito à saúde, portanto, faremos neste tópico apenas alguns apontamentos
acerca do fenômeno jurídico denominado de “litigância de interesse público”, objeto de
inúmeros estudos, sobretudo em outros países.
Nunes citando o
Professor da Universidade de Chicago, Geraldo Rosenberg, discorre que o estudo
da litigância de interesse público parte da crença de que a jurisdição pode
agir para promover a defesa dos menos favorecidos[3].
O caso Brows vs Board of education of Topeka,[4] assim como muitos outros, demonstraram que o
Judiciário poderia ser utilizado para garantir direitos, atuando de forma
contramajoritária.[5]
Em artigo publicado
na Revista da Universidade de Harvard, em 1976, Abram Chayes demonstra que os esforços para garantir e
aplicar o direito num Estado de bem-estar social moderno (welfare state) havia produzido um novo tipo de litígio, a chamada “litígância de interesse público” (Public interest litigation – PIL) [6].
Esse novo litígio, na opinião do autor, enriquecera o repertório institucional
da democracia Norte Americana.
Charles F. Sabel e William H. Simon, sustentam
que a descrição analítica de CHAYES sobre litígio de direito público rendeu-lhe
algumas críticas. No início,
a legitimidade de litígio de direito público era tão suspeita como sua
eficácia. Para CHAYES, tal litígio seria legitimar-se através da resolução de
problemas públicos que outras instituições do estado administrativo não podia.
Mas muitos críticos argumentaram que mesmo a intervenção judicial efetiva deste
tipo, muitas vezes foram ilegítimas. Eles enfatizaram, como Chayes tinha
concedido, que estes casos não se encaixam facilmente em noções tradicionais do
papel judicial ou da separação de poderes[7].
Na argentina, segundo a professora Paola Bergallo, a partir
da reforma constitucional de 1994, “um grupo de advogados, defensores públicos,
organizações civis públicas se voltaram para os tribunais no sentido de
alcançar novos espaços para a participação na busca de mudança social”[8].
Já no Brasil, como em outros países onde
não há respeito aos direitos fundamentais e não existem políticas públicas
efetivamente implementadas, a utilização da litigância de interesse público
acaba sendo a opção, o que se torna fonte de inúmeras demandas repetitivas e
seriais[9].
Nunes acrescenta:
[L]utas de
movimento sociais, do movimento negro, de grupos religiosos, ambientais,[10] entre outras minorias, encontram espaço processual para
serem exercidos, em face da garantia constitucional processual de acesso à
justiça, que viabiliza a busca perante o Poder Judiciário de qualquer
pretensão. Ao mesmo tempo, coloca-se em discussão em qual medida esse exercício
de questões de variado matiz, perante a Jurisdição, teriam legitimidade em face
das incontáveis ressonâncias que podem conduzir. Nesse aspecto, é emblemática a
questão da judicialização da saúde no Brasil, na qual, de um lado, temos
milhares de cidadãos que precisam de medicamento e tratamento não ofertados por
políticas públicas idôneas, e de outro lado, temos decisões que desequilibram o
orçamento público de saúde. Seria preciso induzir o cumprimento de um
verdadeiro financiamento da saúde para tornar desnecessária a propositura das
demandas;[11] mas até lá como resolver tal paradoxo?[12].
Não resta dúvida que o Estado é negligente em
relação a diversos direitos sociais, principalmente o direito à saúde.
Entendemos que a ausência de implementação de políticas públicas e o gasto
excessivo e sem planejamento das receitas destinadas à saúde, são os principais fatores que
desencadeiam inúmeras ações, provocando uma atuação ativista e contramajoritária
dos Tribunais. Por sua vez, as decisõe, não invariavelmente, poderão provocar,
como de fato provocam, um desequilibrio orçamentário, o que nos chama a
atenção, como cidadão ou sociedade civil, a participar do debate e encontrar
uma solução viável.
3. Habermas:
Teoria do discurso e a Sociedade Civil
Habermas, sociólogo e filósofo alemão,
fazendo um caminho inverso da “razão
instrumental” de Horkheimer e Adorno, propôs uma teoria que não se
limitasse a observar os processos de dominação na sociedade. Para o Professor
Simioni, Habermas “reconstruiu a teoria crítica de Marx para uma dimensão
histórica onde o inimigo da crítica não era mais o capitalismo, mas a própria racionalidade
instrumental do Iluminismo burguês”[13].
Em 1981, em resposta a algumas acusações de
transcendentalismo,[14]
é publicada a obra “Ação Comunicativa”,
que é, sem dúvida, uma das principais teorias desenvolvidas por Habermas.
Simioni a classifica como uma das mais sofisticadas e complexas teorias da
sociedade [15].
Em linhas gerais, a teoria da ação
comunicativa pode ser delimitada como a teoria da sociedade moderna[16],
pois Habermas supera todas as críticas à sua teoria dos interesses no
conhecimento, demonstrando que a ação orientada (ação comunicativa) abandona o
paradigma da filosofia da consciência pela filosofia da linguagem[17]. Com efeito, a linguagem serve como garantia
da democracia, uma vez que a própria democracia pressupõe a compreensão de
interesses mútuos e o alcance de um consenso.
No pensamente habermasiano, a linguagem só
assumirá esse papel democrático caso a comunicação seja clara; distorção de
palavras e de sua compreensão impede uma comunicação efetiva, o consenso e,
portanto, a prática efetiva da democracia.
Elza Machado de Melo ao abordar a teoria da
ação comunicativa de Habermas discorre que:
Trata-se, pois, de uma ciência
reconstrutiva da linguagem que, como a Lingüística, postula que estas regras já
estejam intuitivamente dadas, como um saber pré-teórico (know-how), a
todo falante adulto, e que, à diferença da Lingüística, aborda, não apenas a
competência para formar orações, mas a competência de formá-las e
empregá-las, como atos de fala, em processos de entendimento, na prática
comunicativa cotidiana, inserindo-as na realidade e com elas definindo uma
situação demarcada pela referência ao mundo dos fatos (função expositiva da
linguagem), ao mundo das vivências (função representativa) e ao mundo das
normas (função interativa) – todo sujeito que fala tem a intenção de expressar,
de forma inteligível, conteúdos verdadeiros sobre o mundo objetivo, corretos em
relação às normas vigentes e verazes em relação ao seu mundo subjetivo, para
que possa chegar ao entendimento com o ouvinte. Com seu ato de fala, ele
levanta pretensões universais de validade, respectivamente, inteligibilidade,
verdade, correção normativa e veracidade (Habermas, 1990a; 1987, v. I e II;
1989; 1996; 2002). O entendimento lingüístico é o processo pelo qual se produz
um acordo fundado no reconhecimento intersubjetivo dessas pretensões de
validade, que são passíveis de julgamento objetivo, podendo ser, portanto,
fundamentadas e criticadas, pela adução de razões: "As pretensões de validade
são conectadas 'internamente' com razões" (Habermas, 1987 v. 1). Sendo
assim, o seu reconhecimento depende das tomadas de posição do ouvinte, que
sempre podem ser sim ou não. Ao levantar, com seu ato de fala, pretensões de
validade, o falante as quer reconhecidas pelo ouvinte – ele supõe ter razões
e assume a obrigação de explicitá-las, se preciso for, para levar o ouvinte a
aceitá-la; é exatamente esta garantia de que, se preciso for, o falante
fundamentará, com razões, a pretensão de validade levantada que leva o ouvinte,
racionalmente, a aceitá-la. Falantes e ouvintes supõem ter razões
para dizer o que dizem e fazer o que fazem; logo, o acordo que produzem em
processos de entendimento é um acordo racional. Dizer que um acordo é racional
implica que ele não pode conter nenhum tipo de coerção que induza ou obrigue os
participantes a adotar este ou aquele tipo de conduta e que apenas a força das
razões que os mesmos julgam adequadas podem atuar para produzi-lo. Infere-se do que foi dito acima que todo ato
de fala comporta imanentemente uma obrigação, por parte do falante, de
fundamentação, e isto pode ser feito recorrendo ao conjunto de experiências,
convicções e apelos que falantes têm disponíveis no próprio contexto da ação,
ou, se os questionamentos forem mais profundos, entrando nos discursos teórico
e prático, para fundamentar as pretensões de verdade e de correção normativa,
respectivamente. Neste último caso, porém, as próprias normas é que são
submetidas ao exame discursivo e não a pretensão de correção referente ao
contexto normativo, pois as normas presentes na sociedade, explica Habermas, à
diferença do mundo objetivo que tem uma base ontológica, precisam elas próprias
de justificação e, por isso, elas mesmas são objeto do discurso prático. Exatamente
por esse motivo é possível distinguir entre norma vigente e norma legítima
(Habermas, 1987a; 1989b; 2002). Questionamentos persistentes dos atos de fala
expressivos poderão ser resolvidos pela avaliação da consistência entre a fala
e o comportamento do falante. [...]. Observa-se que quando as energias da
linguagem orientada ao entendimento são utilizadas como mecanismo coordenador
da ação e funcionam como fonte de integração social, então, neste caso e
apenas nele, tem-se a ação comunicativa. Neste tipo de interação, os
planos dos participantes dirigidos a um fim – portanto, teleologicamente
estruturados – são harmonizados e integrados pelo acordo alcançado em
entendimentos lingüísticos; logo, a ação comunicativa envolve dois aspectos: um
deles o entendimento, pelo qual os participantes interpretam consensualmente a
situação da ação e realizam seus planos cooperativamente; o outro, o
aspecto teleológico relativo aos planos de cada um destes participantes. ...As
atividades orientadas para um fim, dos participantes da interação, estão
jungidas umas às outras através do meio que é a linguagem (Habermas, 1990a)
[18].
No mesmo
sentido Simioni
[A] linguagem coloca a ação
comunicativa exatamente no mecanismo de coordenação das ações sociais. Esse
mecanismo, segundo Habermas, é o próprio entendimento lingüístico[19],
que ajusta os planos de ação de cada participante para o estabelecimento de uma
interação social. A ação comunicativa, nessas condições, pode então ser
descrita como a mediação lingüística de todos os outros tipos de ação social[20].
As relações de um ator com o mundo, seja através da ação teleológica (mundo
objetivo), normativa (mundo social) ou dramatúrgica (mundo subjetivo), só pode
ser realizada através da linguagem[21].
Uma ação teleológica ou estratégica, governada por interesses individuais de
utilidade na manipulação do mundo subjetivo, são medidas por atos
comunicativos. Assim também com as ações normativas e dramatúrgicas, que
pressupõem a formação de um consenso de natureza lingüística entre os
participantes. Tanto a estratégicas como as normas e auto-encenações só têm
lugar na linguagem[22].
A ação comunicativa está, portanto, na mediação lingüística do entendimento
mútuo a respeito dos três mundos: objetivo, social e subjetivo[23].
Tais
apontamentos não têm outra finalidade senão demonstrar a importância da
linguagem na interação social. No tocante ao discurso, Habermas procura
introduzir um princípio de universalização, isto é, um princípio moral,
que analogamente ao princípio de indução do discurso teórico, harmonize, nos
discursos práticos, as posições individuais dos participantes e a vontade
universal, a partir delas formada, o que faz recorrendo ao Imperativo
Categórico de Kant,[24]
reformulando-o em termos discursivos[25].
Para se saber se uma vontade é universalizável
ou não, necessário se faz abandonar a consciência pessoal e entrar num processo
de discussão, em que as decisões se fazem dialogicamente – único modo de
alcançar a imparcialidade necessária para julgar questões morais. Só com
a interação e participação de todos os envolvidos, que, sem nenhuma coação
possam defender suas ideias e seus interesses, a partir de razões apresentadas
reciprocamente e que se colocam sob o julgamento de todos, é possível chegar a
um consenso que seja universal e ao mesmo tempo preserve a autonomia de todos.
Pelos processos discursivos é possível reunir universalidade e autonomia[26].
MELO discorre acerca do processo de
justificação de normas pelo procedimento discursivo sustentando, no pensamento
de Habermas, que é válido o princípio da universalização no qual resulta no
princípio do discurso onde só podem
reclamar validez as normas que encontrem (ou possam encontrar) o assentimento
de todos os concernidos enquanto participantes de um Discurso prático. “Com
o princípio do discurso, chega-se ao princípio fundamental de uma teoria da
moral”[27].
Com a junção entre o princípio fundamental
de uma teoria da moral e o direito gera o princípio da democracia,
entendido como a institucionalização dos processos discursivos de formação
política da opinião e da vontade, processo circular em que o princípio da
democracia legitima o direito e por ele é institucionalizado[28].
Para
Melo tem-se aqui a gênese de um sistema dos direitos legítimos – liberdades
iguais a todos os cidadãos – incluindo e tendo como núcleo – o mecanismo é
circular – o direito de participação dado pela institucionalização dos processos
discursivos de formação política da opinião e da vontade[29].
Os
direitos sociais, como o direito à saúde, representam os aspectos substantivos
da condição de liberdade e igualdade, razão pela qual devem ser garantidos pela
participação política dos envolvidos.
Neste ponto passemos a abordar, de forma
sintetizada, a noção de sociedade civil e sua finalidade. Por sociedade civil
se entende aquele conjunto formado pelos organismos denominados privados, e
sociedade política ou Estado. Ambos correspondem à função de hegemonia que o
grupo dominante exerce em toda sociedade e àquela de domínio direto ou de
comando que se expressa no Estado e no governo jurídico. Tais funções
configuram-se organizativas e conectivas.
Este conceito de sociedade civil fora
elaborado por Gramsci que o resgatou da tradição iluminista e hegeliana dos
séculos XVIII e XIX e o deu nova roupagem como parte de uma operação teórica e
política dedicada a interpretar as imponentes transformações que se
consolidavam nas sociedades do capitalismo desenvolvido. [30]
Como
pontua SEMERARO
[A]
novidade da noção de sociedade civil esboçada por Gramsci consiste no fato de
que não foi pensada em função do Estado, em direção ao qual tudo deve ser
orientado, como queria Hegel. Nem se reduz ao mundo exclusivo das relações
econômicas burguesas, como queriam algumas interpretações das teorias de Marx.
Para Gramsci, a sociedade civil é, antes de tudo, o extenso e complexo espaço
público não estatal onde se estabelecem as iniciativas dos sujeitos modernos
que com sua cultura, com seus valores ético-políticos e suas dinâmicas
associativas chegam a formar as variáveis das identidades coletivas. É lugar,
portanto, de grande importância política onde as classes subalternas são
chamadas a desenvolver suas convicções e a lutar para um novo projeto
hegemônico enraizado na gestão democrática e popular do poder[31].
Podemos concluir, embora não exista um conceito harmônico do termo, mas
partindo das ideias de Gramsci, a sociedade civil é considerada um espaço onde
são elaborados e viabilizados projetos globais da sociedade, se articulam
capacidades de direção ético-política, se disputa o poder e a dominação. É um
conceito complexo e sofisticado, com o qual se pode entender a realidade
contemporânea. E é também um projeto político, abrangente e igualmente
sofisticado, com o qual se pode tentar transformar a realidade.
Esta ideia de sociedade civil espelharia a
nova situação: uma expansão das individualidades e diferenciações, assim como agregações
e unificações superiores. Seria a sede de múltiplos organismos privados, mas
nem por isto menos estatais. Seus integrantes estariam dispostos como vetores
de relações de força, como agentes de consenso e hegemonia, candidatos a se
tornar Estado[32].
4. DIREITO À SAÚDE: ausência de políticas públicas,
controle judicial e participação da sociedade civil
O direito à saúde é consagrado pela
Constituição Federal como direito social e tem o Estado como seu garantidor. É
dever do Poder Público a formulação e execução de políticas públicas, as quais
estão elencadas nos Títulos VII e VIII da Constituição. Entretanto, o que se
vê, não raras vezes, é um total abandono, um verdadeiro descaso por parte do
Estado. O Sistema Único de Saúde (SUS) não presta um serviço público de
qualidade; muitos medicamentos e tratamentos não são ofertados, ante a ausência
de uma política pública idônea[33].
Com isso, inúmeros cidadãos buscam a tutela
do Estado, através do Poder Judiciário, esperando que as omissões do Poder
Executivo de do legislativo possam ser supridas. O grande problema, o qual
reputamos não menos importante que a própria ausência de implementação de
políticas públicas é o resultado catastrófico causado pelas decisões judiciais
que desequilibram o orçamento público.
O Estado tem o dever de formular e executar
as políticas públicas no sentido de assegurar a efetividade dos direitos
fundamentais. Ainda que a tutela desses direitos, como o caso do direito à
saúde, tenha que ser pensada a partir do binômio “mínimo existencial”
(garantidor do fundamento da dignidade da pessoa humana) e “reserva do
possível” – em meio às restrições orçamentárias e às prioridades governamentais
fixadas intertemporalmente pelo Poder Público-, tais políticas não podem
simplesmente ser negligenciadas. No entanto, não é o que se vê.
Sobre o tema colacionamos o pensamento da
Professora Élida Graziane Pinto em artigo publicado em 2007
Quando
se passa a cuidar da deliberação do quantum orçamentário ideal – sempre progressivo e
insuficiente – para essa ou aquela prestação social a cargo do Estado, sabe-se
que tal debate só pode ser empreendido durante o processo de elaboração e
aprovação das leis orçamentárias de cada ente. Por essa razão é que não se
trataria de senda passível de revisão judicial, mas de deliberação
político-representativa (por isso discricionária) à luz das disponibilidades de
receitas e das prioridades alocativas de um determinado governo.
Mas
como seria possível avançar em renovados instrumentos de controle postos à
disposição da sociabilidade democrática? Quiçá seja esse o grande desafio, para
além da emergência do Judiciário como gigante controlador da omissão (por vezes
eventual, vezes outras reiterada) do Executivo no cumprimento de seus deveres
constitucionais e das diversas insuficiências do Legislativo no estreitamento
do controle sobre a execução orçamentária e sobre as políticas públicas que
respondem por direitos fundamentais[34].
Nosso objetivo não é discutir a questão
orçamentária, até porque foge da proposta inicial, entretanto, não se deve
desconsiderar a importância do debate, sobretudo porque se estamos diante de
uma questão orçamentária, que afeta a todos daquele Estado, em tese, a matéria
deve ser deliberada (discutida) por todos, isso é democracia.
Com isso, estamos afirmando que não só os
afetados diretamente pela ausência de políticas públicas devem ter uma
participação mais efetiva no controle orçamentário, mas toda a sociedade. Se
partirmos do pressuposto que num regime democrático todo poder emana do povo, [35] que
o exerce por meio dos representantes eleitos, esse povo (que delegou poderes
aos representantes) deve controlar seus representantes.
Neste sentido, controlar se, na aplicação
discricionária da lei orçamentária, não houve desvio de finalidade ou
inadequação dos motivos apresentados com o caso concreto é exercício que passa
tanto pela submissão a processos discursivos de deliberação, quanto pelo
respeito a salvaguardas fundamentais. Ambas as hipóteses são necessárias
porque, por um lado, asseguram o respeito republicano às prioridades alocativas
inscritas constitucionalmente, quanto, por outro, asseguram o caráter
democrático dos eventuais remanejamentos orçamentários ocorridos entre todas
essas políticas públicas[36].
MELO discorre que
[D]o
mesmo modo, por falta de espaço, não é possível discutir aqui as implicações
práticas da Teoria da Ação Comunicativa de Habermas, mas, a título de
indicação, ressaltamos a fecundidade da intersubjetividade lingüisticamente
mediada para pensar a organização e o funcionamento do sistema de saúde, em
todos os seus aspectos, a saber, o financiamento, o desenho organizativo
(modelos institucionais), a formação de recursos humanos, o planejamento, a
construção de modelos assistenciais alternativos e, é óbvio, o controle social.
Nesse sentido, nossa experiência com a
promoção de saúde se beneficia dessa teoria e da sua tradução para um modelo de
democracia sob três grandes e interligados enfoques, a saber: (1) o
estabelecimento de relações de intersubjetividade abrindo o acesso ao mundo da
vida dos atores sociais envolvidos (Ayres, 2004; Ceccim & Feuerwerker,
2004; Melo, 1999; Merhy, 1998), que, por sua vez, possibilitam concretamente
(2) a associação imprescindível entre
exercício de autonomia e direito de saúde, de tal modo que todos os
participantes sejam de fato autores das ações implementadas (Saltmann,
1994; Westphal, 2000; Breilh, 2000; Andrade & Vaistman, 2002; Maia &
Fernandes, 2002; Sperandio et al. 2004),
gerando, em decorrência da participação nesse processo, (3) sociabilidade e
laços de solidariedade capazes de se contrapor à colonização do mundo da vida
(Melo, 2004; 2005; Maia & Fernandes, 2002). Sendo assim, os projetos que desenvolvemos na universidade se
estruturam segundo o princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão e têm na sua base a adoção de um procedimento, a saber, a criação de
espaços permanentes de participação e reflexão que se abrem à contribuição
concreta de todos os participantes dentro do que cada um sabe e gosta de fazer
de modo que, recebendo-a, integre-a ao conjunto, gerando assim saberes e
práticas coletivas constitutivas do corpo e do conteúdo do projeto. Citamos
especialmente a abordagem da violência social entre adolescentes do Aglomerado
Urbano Morro das Pedras, Belo Horizonte, onde vivem aproximadamente 20.000
habitantes, sujeitos às mais duras condições de vida – a pobreza, a exclusão
social, o tráfico de drogas, as gangues, perversa combinação que faz desse um
dos espaços mais violentos de Belo Horizonte, com o maior índice de homicídios
da nossa capital, motivo pelo qual, além de outras catástrofes, como
desabamentos, está sempre presente, e de forma estigmatizante, na mídia. Se a
violência pode ser definida como perda de reconhecimento pelo outro, mediante o
uso do poder, da força física ou de qualquer forma de coerção (Zaluar, 2001),
então, para nós, combatê-la é, antes de tudo, recuperar em cada espaço, no
cotidiano, essa competência de falar e agir que nos dá a todos a condição de
sujeitos – é explorar ao máximo as potencialidades interativas e criadoras da
fala – no sentido do uso da linguagem como práxis social. Uma das questões
que a proposta de democracia deliberativa deixa em aberto é o aspecto
motivacional do cidadão em participar (Habermas, 1996). No entanto,
configura-se aqui uma das contribuições da experiência à teoria: aprendemos com
a prática que os atores sociais, se chamados a participar e se avaliarem que
são ouvidos e levados em conta, eles participam [37].
Em especial, as sociedades civis exercem um
papel de fundamental importância no processo democrático, sobretudo no debate
das políticas públicas. Seus integrantes estariam dispostos como vetores de
relações de força, como agentes de consenso e hegemonia. É verdade que a
decisão não está nas mãos da sociedade civil, enquanto entidade, e, tampouco
dos cidadãos individualmente considerados e afetados diretamente, mas sua
participação é imprescindível.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito à saúde
encontra barreiras, por ora, intransponíveis, para sua perfeita implementação.
É verdade que o Estado, garantidor dos ideais constitucionais, principalmente
dos direitos fundamentais, tem o dever de regular e executar políticas
públicas, sobretudo aquelas elencadas nos Títulos VII e VIII da Constituição
Federal, especificamente no campo da saúde; não menos verdade, tais
implementações devem passar pelo crivo do mínimo existencial e da reserva do
possível, mas não podem, sobe este pretexto ser preteridas.
Tentamos demonstrar no presente trabalho que
o direito à saúde carece de atenção por parte do Poder Público, o que,
invariavelmente, provoca a participação do Poder Judiciário em questões
emergenciais, o qual, por sua vez, vem exercendo um papel contramajoritário,
muitas vezes criticado de ativista, mas essencial, pelo menos no atual cenário,
à garantia do direito à saúde. Essa necessidade de intervenção do Judiciário,
ante a omissão do Poder Público, denominada de litigância de interesse público,
cada vez mais presente no Brasil, foi e ainda é objeto de inúmeros estudos,
sobretudo no estrangeiro.
Restou consignado que as questões de saúde no
Brasil decorrem da má distribuição orçamentária. Enquanto de um lado se
questiona o dever do Estado de regular e executar políticas públicas da saúde,
pautada no mínimo existencial; do outro, se alega que a intervenção do
Judiciário nestas questões, violam não só a independência dos poderes, com
também a reserva do possível. Neste contexto, concluímos que o povo, aqui
entendido como destinatário dos direitos sociais (portanto, todos), tem o dever
de controlar aqueles que ele elegeu.
Essa
participação, seja individual (aqueles diretamente afetados), ou por meio das
entidades públicas ou privadas (sociedades civis), deve ser efetiva e por meio
do debate público, modo discursivo. Somente assim, tentar-se-á buscar o
equilibro desejado entre a prestação de um serviço público com qualidade e a possibilidade
de manutenção desse serviço através de uma política orçamentária séria e
idônea. [38]
. REFERÊNCIAS
2.
BERGALLO, Paola. Justicia y experimentalismo: la función remedial del poder judicial en
el litigio de derecho público en Argentina. SELA 2005 Panel 4: El papel de
los abogados.
4.
NUNES, DIERLE. Processualismo constitucional democrático e o
dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva: a litigância de interesse público e as
tendências “não compreendidas” de padronização decisória. Revista de Processo 2011, vol. 199.
5.
PINTO, Élida Graziane. Controle de Políticas Públicas: ainda às
voltas com a indigência analítica. Veredas
do Direito. vol. 4. Nº. 8, pp 65-80. Belo Horizonte. Junho-dezembro/2007
7.
SEMERARO, Giovanni. Da sociedade de massa à sociedade civil: A
concepção da subjetividade em Gramsci. Educação & Sociedade. Ano XX.
Nº. 66. Abril de 1999. PP. 65-83. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v20n66/v20n66a3.pdf.> Acesso em: 24/2/2012.
[1] Mestrando em Constitucionalismo
e Democracia pela Faculdade de Direito do Sul de Minas; especialista em Direito
Processual Civil e Direito Civil pelo CEPG, Faculdade de Direito de Varginha;
advogado militante e professor universitário pelo Centro Universitário de
Lavras – UNILAVRAS.
[2] Graduando em Direito pelo Centro
Universitário de Lavras – UNILAVRAS.
[3] NUNES, DIERLE. Processualismo
constitucional democrático e o
dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva: a litigância de interesse público e as
tendências “não compreendidas” de padronização decisória. Revista de Processo 2011, vol. 199.
[4] "1954) U.S. Supreme Court case in which the court ruled
unanimously that racial segregation in public schools violated the 14th
Amendment to the U.S. Constitution. The amendment says that no state may deny
equal protection of the laws to any person within its jurisdiction. The court
declared separate educational facilities to be inherently unequal, thus
reversing its 1896 ruling in Plessy v. Ferguson. The Brown ruling was limited
to public schools, but it was believed to imply that segregation is not
permissible in other public facilities. Guidelines for ending segregation were
presented and school boards were advised to proceed “with all deliberate
speed.” Disponível
em: http://encyclopedia2.thefreedictionary.com/Brown+v.+Topeka+Board+of+Education. Acesso em: 24/2/2012. "1954) EUA
caso da Suprema Corte em que o tribunal decidiu por unanimidade que a segregação racial em escolas públicas violava a 14 ª Emenda à Constituição dos EUA. A emenda diz que nenhum estado pode negar igual
proteção das leis de qualquer pessoa sob sua jurisdição. O tribunal Orientações declarados
separados estabelecimentos de ensino
para ser inerentemente desigual, invertendo assim a sua decisão de 1896 em Plessy v Ferguson.
a decisão Brown limitou-se
a escolas públicas, mas acreditava-se
sugerir que a segregação não é admissível em outras instalações
públicas. para acabar com a
segregação foram apresentados e
os conselhos escolares foram
aconselhados a continuar "com a máxima urgência.” Tradução livre.
[5] Em 1987, Geraldo Ataliba escreveu
um pequeno texto [ATALIBA,
Geraldo. O Judiciário e minorias. Revista de informação legislativa, v.24, nº
96, p. 189-194, out./dez. de 1987. Disponível em: < http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/181799/1/000433557.pdf.> Acesso em: 21/2/2012.] onde demonstra toda sua
preocupação com esta parcela do povo, onde expõem suas ideias e prevê uma
atuação mais efetiva do Judiciário, o que denominamos hoje de o papel
contramajoritário da jurisdição:
De nada
adianta fazer uma constituição, se ela não for obedecida. Não adiante haver lei
[5]para
tudo, se não for respeitada. Daí a importância do Poder Judiciário. Este merece
especial cuidado dos constituintes, pois é a chave de todas as instituições.
Elas só funcionam com o virtual ou atual controle do Judiciário, como demonstra
o sábio SEABRA FAGUNDES.
Na nossa
sociedade tão deformada, involuída e subdesenvolvida, o Judiciário é mais
importante do que nos países adiantados (que, aliás, o são porque têm boas
instituições judiciais.
É que os
fracos, os pobres, os destituídos, os desamparados, bem como as minorias
(raciais, religiosas, econômicas, políticas e étnicas etc), só têm por arma a
defesa do direito. E direito só existe onde haja juízes que obriguem seu
cumprimento.
Na
democracia, governam as maiorias. Elas fazem as leis, elas escolhem os
governantes. Estes são comprometidos com as maiorias que o elegeram e a elas
devem agradar. As minorias não têm força. Não fazem leis, nem designam agentes
políticos ou administrativos.
Sua única
proteção está no judiciário. Este não tem compromisso com a maioria. Não
precisa agradá-la, nem cortejá-la. Os membros do judiciário não são eleitos
pelo povo. Não são transitórios, não são periódicos. Sua investidura é
vitalícia. Os magistrados não representam a maioria, são a expressão da
consciência jurídica nacional.
Seu único
compromisso é com o direito, com a Constituição e as leis; com os princípios
jurídicos encampados pela Constituição e por ela não repelidos (...).
[8] BERGALLO, Paola. Justicia y experimentalismo: la función
remedial del poder judicial en el litigio de derecho público en Argentina.
SELA 2005 Panel 4: El papel de los abogados. p. 1.
[9] NUNES. Op. Cit. p. 43.
[10] A utilização da litigância de
interesse público vem se tornando comum no Brasil, mediante a utilização de
Ações Coletivas promovidas pelo Ministério Público. Este não é um fenômeno tão
somente brasileiro. Como noticia Gao Jie desde 27 de dezembro de 2007 tal
litigância vem se tornando viável na China, quando a Corte Ambiental de
Qingzhen, uma cidade em nível de distrito sob a jurisdição da capital
provincial, Guiyang, Província de Guizhou, publicamente proferiu sua decisão no
caso da Fábrica Química Tiangeng. Inclusive há uma tendência para criação de
órgãos jurisdicionais especializados para a temática. JIE, Gao.
Environmental Public Interest Litigation and the Vitality of environmental
Courts: the development and future of environmental courts in China. Disponível em:
[www.greenlawchina.org/2010/03/environmental-public-interest-litigation-continues-to-develop/].
[11] Como demonstra Élida Graziane
Pinto “É preciso rever o modelo definido no artigo 77 do ADCT, o qual já
deveria ter sido substituído por lei complementar desde 2005. Eis a raiz do
problema: há uma omissão inconstitucional na falta de regulamentação da Emenda
29 que torna nebuloso o horizonte e que esconde a mais flagrante verdade não
revelada pela União. Faltam recursos ao SUS, a despeito de a arrecadação
federal bater recordes sucessivos e vertiginosos de crescimento, porque a União
não tem nenhum dever de correlação de gasto mínimo na saúde em face do
comportamento da sua receita. Enquanto o fasto mínimo federal continuar sendo
corrigido apenas pela variação nominal do PÌB e a regulamentação da Emenda
29/2000 continuar sendo inconstitucionalmente negligenciada, o SUS sofrerá não
é com a falta da CPMF, mas com a regressividade do gasto federal em saúde.”
Pinto. Élida. Volta da CPMF não corrigirá subfinanciamento no SUS. Disponível
em: [www.conjur.com.br/2011-abr-02/volta-cpmf-não-corridira-subfinanciamento-sistema-único-saude].
[12] NUNES. Op. Cit. pp. 43-44.
[13] SIMIONI, Rafael Lazzarotto. Direito
e racionalidade comunicativa: A Teoria Discursiva do Direito no Pensamento de
Jürgem Habermas. Curitiba: Juruá, 2007. 332p. p.25-26.
[14] Simioni
apresenta algumas questões que se colocavam à teoria de Habermas: a teoria dos interesses no
conhecimento pode identificar interesses em seu próprio conhecimento? Que
condições tem essa teoria de produzir emancipação social se ela mesma está
inevitavelmente inserida na racionalidade instrumental que pretende criticar?
[16] “Para sistematizar os aportes da
teoria da ação comunicativa, pode-se iniciar identificando três objetivos
fundamentais de sua proposta teórica: a) Habermas pretende desenvolver um conceito
de racionalidade abrangente e capaz de emancipar-se do modelo de racionalidade
subjetivista e individualista a racionalidade comunicativa; b) pretende também
explicar como é possível uma ordem social a partir da distinção entre
“integração sistêmica” (para integrar a teoria dos sistemas) e “integração
social” (para integrar a tradição fenomenológica, baseada no conceito de “mundo
vivido” de Husserl); c) e por fim, Habermas utilizará esses aportes para uma
teoria crítica da sociedade contemporânea, capaz de produzir novas
possibilidades de reconstrução do projeto iluminista, que tem como hipótese de
fundo a existência de âmbito de ação comunicativamente estruturados, os quais
se encontram submetido a imperativos sistêmicos, isto é, sistemas de ação formalmente
organizados que conquistaram autonomia. A diferença, então, entre integração
sistêmica – realizada principalmente através de meios como o dinheiro e o poder
burocrático – e integração social – realizada pelo conjunto de todas as
crenças, práticas, culturas e tradições compartilhadas intersubjetivamente em
um “mundo vivido” – constituirá o fundamento para as descrições das condições
de validade das ações sociais.” (SIMIONI, Rafael Lazzarotto. Direito e
racionalidade comunicativa: A Teoria Discursiva do Direito no Pensamento de
Jürgem Habermas, p. 27)
[19] HABERMAS, Jürgen. Teoria de La
acción comunicativa I, p. 138.
[20] Assim, Habermas prepara um
conceito de ação comunicativa capaz de abranger todas as funções da linguagem,
isto é, capaz de abranger o interacionismo simbólico de Mead, os jogos de
linguagem de Wittgenstein, os atos de fala de Austin e até a hermenêutica
filosófica de Gadmer. Segundo Habermas, a ação social não pode ser reduzida a
operações de interpretação, onde atuação seria sinônimo de fala e interação
sinônimo de conversação (ibidem, p. 138).
[23] SIMIONI. Op. Cit. pp. 38-39.
[24] O Imperativo Categórico de Kant é um princípio moral, segundo o qual são
justas apenas as ações cujas máximas podem se transformar em lei universal (Kant apud Melo, p.171).
[25] HABERMAS, Jürgen. Consciência
moral e agir comunicativo. Ed. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro. 1989.
[26] MELO. Op. Cit. p. 171.
[28] Habermas apud MELO, op. Cit.
173.
[30] SEMERARO, Giovanni. Da sociedade
de massa à sociedade civil: A concepção da subjetividade em Gramsci. Educação
& Sociedade. ano XX. Nº. 66. Abril de 1999. PP. 65-83. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v20n66/v20n66a3.pdf. Acesso em: 24/2/2012. [Texto apresentado para
o Congresso Internacional: “Antonio Gramsci: Da un secolo all’altro”,organizado
pela Internacional Gramsci Society, no Istituto Italiano per gli Studi Filosófici , Napoli, 16-18 de
outubro de 1997].
[33]
DIERLE, op. cit., 44.
[34] PINTO. Élida Graziane. Controle
de Políticas Públicas: ainda às voltas com a indigência analítica... Veredas do
Direito. vol. 4. Nº. 8, pp 65-80. Belo Horizonte. Junho-dezembro/2007
[35] Para definir um sistema
democrático, pode-se começar verificando empiricamente os modos lingüísticos de
utilização da palavra "povo" nos textos das normas do direito
vigente, sobretudo nas constituições. Dessa análise, resultam vários modos de
utilização. O primeiro deles é, também, o único que, até agora, foi usado na
bibliografia da Ciência do Direito como conceito jurídico de "povo":
os titulares dos direitos eleitorais. Denomino esse modo de utilização
"povo ativo". Isso basta para o Poder Legislativo, na medida em que
se compreende, graças à idéia de representação, que "o povo" é,
indiretamente, a fonte da legislação. Mas isso não funciona no caso das
atividades dos Poderes Executivo e Judiciário, que, afinal de contas, também
devem ser "demo"craticamente justificadas. O povo ativo decide
diretamente ou elege os seus representantes, os quais co-atuam, em princípio,
nas deliberações sobre textos de normas legais que, por sua vez, devem ser
implementadas pelo governo e controladas pelo Judiciário.
Na medida em que isso é feito
corretamente em termos do Estado de Direito, aparece, no entanto, uma
contradição no discurso da democracia: por um lado, faz sentido dizer que os
governantes, os funcionários públicos e os juízes estariam democraticamente
vinculados; mas não faz sentido dizer que, aqui, o povo ativo ainda estaria
atuando "por intermédio" de seus representantes. Onde funcionários
públicos e juízes não são eleitos pelo povo, a concretização de leis não basta
para torná-los representantes deste mesmo povo. O ciclo da legitimação foi
rompido, ainda que de forma democrática; mas ele foi rompido. Os vínculos são
cortados de forma não-democrática quando a decisão executiva ou judicial for
ilegal; aqui, o povo invocado pelo titular do respectivo cargo ("em nome
do povo, profiro a seguinte sentença...") produz somente o efeito de um
ícone, de um mero passepartout[35] ideológico.
No caso já mencionado, ou seja,
na decisão defensável em termos do Estado de Direito, o papel do povo
apresenta-se diferentemente: como instância de uma atribuição global de
legitimidade. Tal papel transcende, na sua abrangência, o povo ativo; abrange
todos os que pertencem à nação.
Além disso, as decisões dos
órgãos que instituem, concretizam e controlam as normas afetam a todos aqueles
aos quais dizem respeito: o "povo" enquanto população efetiva. Uma
democracia legitima-se a partir do modo pelo qual ela trata as pessoas que
vivem no seu território - não importa se elas são ou não cidadãs, ou titulares
de direitos eleitorais. Isso se aproxima, finalmente, da idéia central de
democracia: autocodificação, no direito positivo, ou seja, elaboração das leis
por todos os afetados pelo código normativo. O princípio "one man, one
vote" (pensado em outra acepção) também pode ser compreendido não com
vistas a uma camada social específica, mas com vistas à qualidade humana de
cada pessoa afetada, independentemente da cidadania. Desse povo-destinatário,
ao qual se destinam todos os bens e serviços providos pelo Estado Democrático
de Direito, fazem parte todas as pessoas, independentemente, também, de idade,
estado mental e status em termos de direitos civis. MÜLLER,
Friedrich. Democracia e exclusão social em face da
globalização. Op. Cit.
[37] MELO. Op. Cit. pp.176-177.