A Justiça do Trabalho de Minas rejeitou pedido de reconhecimento de vínculo de emprego feito por uma mulher que alegou ter trabalhado como cuidadora de uma idosa ao longo de 17 anos. Ao apreciar o recurso da parte, os julgadores da Oitava Turma do TRT de Minas mantiveram o entendimento do juízo da Vara do Trabalho de Monte Azul de que a relação era, na verdade, de natureza afetiva, sem os requisitos do vínculo de emprego.
A autora insistia em que teria prestado serviços como empregada, sem anotação na carteira de trabalho. Alegou que tratava a falecida senhora com atenção e cuidado, recebendo meio salário mínimo por mês. Segundo ela, embora tenha sido tratada com respeito e carinho, não deixou de desempenhar o papel de empregada. Em defesa, o espólio sustentou que a autora foi criada como filha pela falecida. A idosa teria, inclusive, arcado com todos os custos de sua formação escolar e de graduação, e, após o seu falecimento, a reclamante também teria sido agraciada na distribuição da partilha dos bens.
Em seu voto, a juíza convocada Clarice dos Santos Castro explicou que a relação de emprego se assemelha à prestação de serviços, pois o que é contratado são os serviços e não o produto final, mas dela se distancia porque, para sua caracterização, devem estar presentes, concomitantemente, os requisitos previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, quais sejam: pessoalidade, subordinação, onerosidade e não eventualidade. Por sua vez, o artigo 3º da CLT define empregado como "toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário".
Para ela, no caso examinado, a prova oral foi favorável à tese da defesa de que não existiu relação de emprego. Ficou evidente a existência de uma relação afetiva de parceria familiar, sem subordinação na prestação dos serviços, nem mesmo de forma estrutural.
Além de fotografias retiradas das redes sociais que confirmavam a relação afetiva e íntima da autora com a idosa e seus familiares, a decisão se baseou em declarações de testemunhas. Uma delas trabalhou na casa da idosa, tendo relatado conhecer a autora desde criança, "quando a mãe dela pedia esmola na rua, porque tinha muitos filhos". Segundo o relato, a mulher acabou indo morar com a falecida senhora, que “deu tudo pra ela, deu estudo, deu faculdade, que ela era como uma filha". A testemunha afirmou que sempre teve empregada na casa. Além disso, a autora teria ganhado uma casa da falecida e do marido. O depoimento confirmou que ela foi criada pela falecida como se fosse filha, tendo arcado com todos os custos de seus estudos. Como retribuição, também cuidou da idosa como se fosse sua mãe, o que mais se intensificou no período que antecedeu seu falecimento, diante do quadro de adoecimento da idosa.
Com base no depoimento de outra testemunha, vizinha da idosa, a relatora se convenceu de que a autora adotava a mesma postura das filhas biológicas da senhora falecida, tendo para com ela um carinho ímpar. Chamou a atenção da magistrada a referência à amizade que tinha com a idosa e suas filhas, indicando que, inclusive, a autora participava das rodas de conversas sempre com igualdade, como se fosse da família. A testemunha disse que a autora dormia na mesma cama da idosa, o que, na visão da julgadora, mostra que a relação mantida entre as partes era exclusivamente afetiva.
Por fim, a juíza registrou que uma testemunha ouvida como informante deixou revelar em diversas passagens de seu depoimento a relação de proximidade existente entre a autora e a falecida e seus familiares, sendo tratada como se fosse da família. Tanto que recebeu um quinhão da herança do marido da idosa, o que distancia ainda mais da ideia de relação de emprego. Documentos provaram que a autora recebeu mais de R$ 11 mil pela venda de carro e pena d'água, bens integrantes de herança. A própria autora confirmou o fato ao ser interrogada.
E mais: documento indicou que a autora adquiriu um imóvel de propriedade do marido da idosa pelo valor de R$ 500,00. Na avaliação da julgadora, trata-se mais de uma doação do que de compra e venda propriamente dita, distanciando da ideia que uma testemunha tentou passar de que o imóvel teria sido adquirido pela autora como forma de recompensa pelo trabalho.
Por tudo isso, a relatora concluiu que a autora realmente cuidava da idosa, tendo, inclusive, ajudado nos afazeres domésticos, mas não como empregada. Havia uma forte relação que a ligava à referida senhora e a seus familiares, de natureza afetiva e, portanto, extra laboral. Nesse caso, conforme explicado, não há como reconhecer o vínculo de emprego, principalmente pela falta da subordinação jurídica e da onerosidade, em sua faceta subjetiva. É necessário que o trabalho seja desempenhado pela necessidade de subsistência, isto é, pelo dinheiro que dele rende, em troca de salário, de vantagens, do pagamento. No caso, não foi o dinheiro, por si só, que motivou os cuidados prestados pela autora para com a idosa. O que mais se destacou, segundo a decisão, foi a forte e recíproca relação de proximidade e carinho mútuo existente entre elas, sentimento que, inclusive, transcendia para toda a família da falecida.
“Tratando-se de vínculo afetivo bem consolidado, fica inviabilizado o reconhecimento do vínculo empregatício, porque o objetivo do Direito do Trabalho não é mercantilizar as relações humanas, principalmente aquelas ligadas por laços afetivos e familiares”, destacou a juíza convocada ao final, negando provimento ao recurso. Por unanimidade, os demais julgadores acompanharam o voto da relatora.
Fonte: TRT3