terça-feira, 18 de outubro de 2016

Justiça Federal é o único ramo que consegue arrecadar mais do que gasta





Por Tadeu Rover


Mais uma vez, a Justiça Federal foi o único ramo que conseguiu arrecadar mais do que gastou. Em 2015, as despesas dela foram de R$ 9,9 bilhões, ao passo que sua arredação foi de cerca de R$ 24 bilhões, de acordo com dados do relatório Justiça em Números 2016, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça.

Vale observar que em tais valores arrecadados não estão computados aqueles provenientes de ativos recuperados em ações criminais e de improbidade administrativa, especialmente referentes a casos de corrupção, como da operação "lava jato".

Entram no cálculo os recolhimentos com custas, incluindo as referentes à fase de execução, aos emolumentos e às eventuais taxas (R$ 93,1 milhões) e às receitas transferidas aos cofres públicos em decorrência da atividade de execução fiscal (R$ 23,9 bilhões).



"Tais números indicam a eficiência da Justiça Federal, que responde de maneira adequada à cobrança da dívida ativa da União, demonstrando que a manutenção de uma estrutura digna de trabalho para juízes federais e servidores é a certeza de mais arrecadação", afirma Roberto Veloso, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe)

Segundo o relatório do CNJ, a Justiça Federal é o segmento responsável pela maior parte das arrecadações, 53,7% do total do Poder Judiciário. É importante lembrar, no entanto, que a arrecadação não está entre as funções do Poder Judiciário, que existe para garantir os direitos individuais, coletivos e sociais e resolver conflitos entre cidadãos, entidades e Estado.

Despesas x Receita
No Poder Judiciário, como um todo, as despesas crescem a cada ano. Já as receitas, nem sempre seguem o mesmo caminho. Na Justiça do Trabalho, por exemplo, a arrecadação diminuiu 47% entre 2009 e 2015. Enquanto isso a despesa cresceu 9% no mesmo período.

O resultado dessa equação faz com o percentual de receitas em relação às despesas da Justiça do Trabalho caia. No ano de 2015, a receita foi de R$ 2,7 bilhões, o que representou um retorno da ordem de apenas 16,3% das despesas efetuadas. Em 2009, esse percentual era de 34%.



Na Justiça Estadual a receita praticamente dobrou entre 2009 e 2015. Contudo, as despesas seguiram ritmo semelhante, aumentando 42% nesse mesmo período. Com isso, a Justiça Estadual está longe de conseguir arrecadar mais do gasta. Em 2015, por exemplo, as despesas deste ramo do Judiciário chegaram à R$ 44,7 bilhões. Já as receitas somaram apenas R$ 18 bilhões, o que representa cerca de 40% dos gastos. Cabe observar que a Justiça Estadual é responsável por mais da metade (56%) de todas as despesas do Judiciário (R$ 79,2 bilhões).



O relatório Justiça em Números traz, ainda, dados da Justiça Militar Estadual. Nela, as despesas totais cresceram em 2015 em relação ao ano anterior, chegando a R$ 132,8 milhões. Por outro lado, a receita diminuiu 50%. Com isso, a Justiça Militar recolheu apenas 1,1% em relação ao que gastou.



Na Justiça Eleitoral, as despesas caíram em 2015 em relação à 2014. Contudo não é possível saber quanto que isso representa em relação às receitas. Isso porque esses dados não estão disponíveis no relatório Justiça em Números 2016.

Quanto às despesas da Justiça Eleitoral, é importante ressaltar que a queda é explicada pelo fato de a Justiça Eleitoral organizar eleições a cada dois anos, fazendo com que em anos pares, haja uma despesa maior que nos demais anos.

Custo por habitante
Com base nas receitas e despesas, o Conselho Nacional de Justiça calculou o custo pelo serviço de Justiça por habitante. De modo geral, a Justiça custa R$ 387,56 por habitante do país. Porém, se considerarmos cada ramo do Judiciário, o valor varia bastante. O custo da Justiça Militar, por exemplo, é o menor, apenas R$ 1,74 por habitante.

Assim como acontece com as despesas, o custo por habitante da Justiça Eleitoral também é menor em anos que não tem eleição. Em 2015, esse custo foi de R$ 22,39 por habitante. Já em 2014, ano eleitoral, foi de R$ 26,11.
Veja o custo pelo serviço de Justiça por habitante em 2015 Justiça estadual R$ 218,74
Justiça do Trabalho R$ 80,64
Justiça Federal R$ 48,81
Justiça Eleitoral R$ 22,39
Justiça Militar R$ 1,74


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Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 18 de outubro de 2016, 12h28

JT-MG condena empresa que adotou prática de salário complessivo





Já ouviu falar de "salário complessivo"? Essa prática consiste em pagar as parcelas salariais de forma englobada, sem especificar a que cada uma se refere. Prática essa não admitida no direito brasileiro, já que o empregado ficaria sem saber, exatamente, quanto e o que está recebendo.

A adoção desse procedimento por um portal de empregos na área de informática acabou rendendo à empresa uma condenação na Justiça do Trabalho. O caso foi julgado pelo juiz Antônio Gomes de Vasconcelos, titular da 45ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, que deferiu ao autor da ação o pagamento de diferenças salariais.

Ao analisar as provas, o magistrado constatou que o reclamante já tinha sido sócio da empresa. Após vender suas cotas, foi contratado como empregado para exercer a função de Diretor Executivo/Administrador. De acordo com o contrato de trabalho e carteira de trabalho, as partes ajustaram o salário fixo de R$22.500,00, por mês.

Conforme apurou o julgador, esse valor de salário constou dos recibos dos primeiros quatro pagamentos. Contudo, depois disso, a reclamada desmembrou a quantia nas seguintes parcelas: R$16.017,40 de salário fixo mensal e R$6.428,56 a título de adicional de 40% pelo cargo de confiança, na forma do artigo 62, inciso II, da CLT. Na Carteira de Trabalho foi registrado: "informamos que o salário contratado conforme página 14 já está incluso o adicional de 40% de cargo de confiança".

O magistrado também verificou que no contrato de trabalho constou expressamente se tratar de salário mensal bruto, sem adicionais previstos pela legislação brasileira. Segundo ele, portanto, não houve previsão de pagamento de comissões e adicionais. "Entendo que não se pode deduzir que a previsão dos benefícios da lei brasileira incluiria comissão ou adicional de cargo de confiança, considerando que a composição da remuneração é matéria concernente à livre disposição das partes (inteligência do artigo 444 da CLT)", destacou na sentença.

Para o juiz sentenciante, o desmembramento do salário contratual originário em salário base e comissões configura alteração ilícita do contrato de trabalho. A inclusão do adicional de cargo de confiança após cinco meses de contrato foi considerada contrária ao que dispõem os artigos 9º e 468 da CLT.

A decisão lembrou que a Súmula 91 do TST considera nula a cláusula contratual que fixa determinada importância ou percentagem para atender englobadamente vários direitos legais ou contratuais do trabalhador. Exatamente o caso da inclusão do adicional de cargo de confiança no salário fixo, sem a indispensável descrição de cada parcela, separadamente.

No mais, o julgador entendeu que a prova oral afastou a possibilidade de o empregado possuir autonomia e ser o responsável pela alteração do próprio contrato de trabalho. No seu modo de entender, a mudança se deu de forma unilateral, para atender as orientações repassadas pela empresa responsável pela contabilidade da ré. O objetivo era regularizar e agir preventivamente em face da situação trabalhista do autor. Também ficou evidente para o magistrado que o diretor do grupo para a América Latina tomou conhecimento da necessidade de acrescentar o valor de 40% ao salário do reclamante, mas não se importou em desafiar a legislação trabalhista do Brasil.

"É evidente que a alteração da composição da remuneração implementada pela empresa ré implicou na redução do salário básico do autor, em 40%, já que o adicional pago se realizou pelo desmembramento ilegal da remuneração", pontuou o julgador, por fim. Por tudo isso, deferiu o restabelecimento do salário básico nos termos ajustados originalmente, observada a variação salarial, aplicando-se sobre ele o adicional de 40% e o pagamento das diferenças salariais decorrentes, com reflexos nas atualizações salariais ocorridas, férias, décimos terceiros salários, aviso prévio e FGTS, nos limites da lide. Houve recurso, mas o TRT-MG manteve a decisão no aspecto.
PJe: Processo nº 0010268-84.2016.5.03.0183. Decisão em: 20/07/2016Para acessar a decisão, digite o número do processo em: https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam



Fonte: TRT3

NJ Especial: O Trabalhador informal e as regras que garantem saúde e segurança no trabalho




Decisão da JT mineira garante indenizações por danos morais e materiais a viúva de trabalhador autônomo, morto em decorrência de acidente sofrido quando fazia instalação de equipamento na empresa contratante, que foi responsabilizada por não observar normas que garantem saúde e segurança no trabalho.


O Brasil tem hoje 11 milhões de desempregados e as demissões trazem cada vez mais trabalhadores para a informalidade, deixando-os mais vulneráveis a uma recessão que pode ser a pior em 25 anos. Desde 2015, 1,5 milhão de pessoas que perderam seus empregos com carteira assinada começaram a trabalhar como autônomos, alguns vivendo de bicos, enquanto procuram uma nova oportunidade. O trabalho por conta própria, na maioria dos casos com rendimento inferior a R$ 1.300,00 por mês, já representa 19,5% de todas as ocupações nas principais cidades do Brasil, maior nível em oito anos, segundo dados colhidos em 2015 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Diante da crise atual, é fato que muitos profissionais foram empurrados para a informalidade, a qual se espera que seja temporária. Porém, por outro lado, o trabalho informal também pode ser a porta de entrada para muitos que querem empreender e inovar.

Ser um trabalhador autônomo, como tudo, traz vantagens e desvantagens. Quem não gosta de ser o próprio patrão, de não se submeter às ordens de outra pessoa, podendo gerenciar o seu trabalho e a forma de executá-lo e, ainda, de poder ajustar o horário de trabalho à forma que melhor lhe convier. Assim é a vida do trabalhador autônomo. Mas, claro, existe o outro lado. O autônomo tem de arcar com as despesas do seu trabalho e com os riscos de seu empreendimento. E, por não trabalhar com vínculo de emprego, não tem os direitos trabalhistas assegurados aos empregados pela CLT, como: férias, 13º salário, FGTS, repousos semanais remunerados, adicional noturno, horas extras, intervalo intrajornada no mínimo legal, e por aí vai...

Mas, e quanto às normas de segurança no trabalho? Elas se aplicam também ao trabalhador autônomo. Imagine, por exemplo, que um prestador de serviços, verdadeiramente autônomo, seja contratado por uma empresa para executar certo serviço e, quando em atividade, sofre um típico acidente de trabalho. Suponhamos ainda que essa empresa não se preocupou em adotar as medidas necessárias para que o profissional contratado realizasse seu trabalho com segurança e, em razão disso, o acidente deixou o prestador de serviços gravemente ferido. Nessa situação, surge a seguinte pergunta: A empresa contratante poderá ser responsabilizada pelos prejuízos morais e materiais que o acidente trouxe ao trabalhador, já ele trabalhava com autonomia e sem vínculo de emprego?

Manifestando sua preocupação com a questão do trabalho informal, o juiz Valmir Inácio Vieira, titular da Vara do Trabalho de Itaúna, adota a tese segundo a qual a saúde e segurança no trabalho são direitos básicos do trabalhador que devem ser protegidos e respeitados, independentemente da existência do vínculo empregatício entre ele e a empresa para a qual presta seus serviços. Assim, a empresa tem responsabilidade civil diante do acidente de trabalho sofrido por um trabalhador autônomo. Essa também é a tese que predomina no TRT-MG.

Essa NJ especial faz uma abordagem sobre o assunto, muito bem retratado na sentença do juiz Valmir Inácio Vieira, que trata do caso de um trabalhador autônomo falecido em decorrência de acidente de trabalho que sofreu quando prestava serviços para uma determinada empresa. Em sua decisão, o magistrado traz importantes esclarecimentos sobre a aplicação das normas de segurança ao trabalhador autônomo, abordando com minúcia e clareza as regras de segurança que devem ser observadas nessa modalidade especial de prestação de serviços, especificamente, nos serviços de reparos em máquinas e equipamentos, dado o perigo que envolve esse tipo de atividade. O juiz termina por reconhecer a responsabilidade e a culpa da empresa no acidente que vitimou o trabalhador autônomo. O julgador discorre ainda sobre a obrigatoriedade das empresas em observar as normas de segurança do trabalho, mesmo que o serviço que ela contratou seja realizado por profissional autônomo, sem vínculo de emprego.

Mas o leitor deve atentar para o fato de que a matéria é polêmica e as posições não são unânimes. Embora em menor número, há decisões no sentido de que, diante da autonomia desses profissionais na forma de execução dos serviços, eles mesmos são responsáveis pela aplicação das regras de segurança, não podendo transferir essa obrigação à empresa tomadora dos serviços. Mais adiante, na parte de jurisprudência, veremos como as Turmas do TRT mineiro têm encarado a questão. Empresa que contrata autônomo deve adotar medidas para que o serviço seja executado com segurança

"O mínimo existencial do trabalhador autônomo/informal, no tocante à saúde e à segurança no trabalho, deve ser obrigatoriamente observado por ocasião da prestação de serviços no interior da empresa tomadora e, por corresponder a direito ligado ao superprincípio da dignidade humana, exige também da contratante cuidados na sua observância, independentemente de cláusula contratual, expressa ou tácita, dispondo o contrário. O Poder Judiciário pode entender pela não prevalência de cláusula que estabeleça ser exclusivamente do trabalhador autônomo/informal a gestão de riscos ocupacionais". (Trecho da sentença do juiz Valmir Inácio Vieira, processo nº 0011685-18.2014.5.03.0062 - Publicação: 08/08/2015). Entendendo o caso

A reclamante era viúva de um trabalhador autônomo que, como encarregado de manutenção, fazia reparos nas máquinas de produção da empresa ré, sempre que elas apresentavam defeitos. Em intervalos médios de três meses, o marido era solicitado para prestar seus serviços na empresa, onde permanecia por cerca de 15 dias. Até que um dia, quando estava na empresa reparando o motor de uma máquina de pré-moldados, ele sofreu um gravíssimo acidente: o motor despencou e o atingiu, ferindo-o gravemente. Chegou a ser hospitalizado, mas não resistiu aos ferimentos e morreu.

Esse o trágico cenário encontrado pelo juiz Valmir Inácio Vieira, em sua atuação na Vara do Trabalho de Itaúna-MG, ao analisar a ação ajuizada pela viúva do trabalhador autônomo contra a empresa que contratou os serviços do marido. Alegando a culpa da empresa no acidente, a reclamante pretendia que ela fosse condenada a lhe pagar indenização por danos materiais (sob a forma de pensão mensal, até a data em que o marido falecido completaria 75 anos de idade, a ser paga de uma só vez), além de indenização por prejuízos morais. E, em sua análise, o juiz deu razão à reclamante e deferiu os pedidos. Os dois lados da história

Versão da reclamante - A esposa do trabalhador afirmou que, antes da morte do marido, foi necessário que se amputasse um dos seus pés, o que aumentou, em muito, o sofrimento de toda a família, que já não era pouco. Disse ainda que a empresa teve culpa no acidente que tirou a vida do trabalhador, tendo em vista que ele não usava qualquer equipamento de segurança quando se acidentou, fato que revela a negligência da empresa no cumprimento das normas de segurança do trabalho. Acrescentou que teve sua vida transformada com o acidente, pois tinha uma família tranquila e completa e, depois da morte do marido, passou a viver em constante estado de pânico e depressão, sendo obrigada a se sustentar com os parcos rendimentos de pensionista e a depender de favores de parentes e amigos, o que lhe traz enormes constrangimentos, totalmente ignorados pela empresa, a verdadeira culpada pelo infortúnio.

Versão da empresa - Ao se defender, a ré contou sua versão: a relação com o marido da reclamante era apenas comercial, já que ele nunca foi seu empregado, mas apenas lhe prestou serviços em algumas oportunidades. Na época do acidente, a empresa estava mudando um maquinário de local (unidade hidráulica de bombeamento de concreto) e, para seu transporte e fixação, contratou uma empresa especializada (Ita Montagens). O marido da reclamante foi contratado apenas para fazer regulagem e implantação da máquina, o que deveria ser feito apenas depois da fixação do equipamento pela Ita Montagens. Mas, quando o reservatório da unidade já estava sendo parafusado, o trabalhador pediu que aguardassem, dizendo que precisava terminar um procedimento. Foi aí que o prestador de serviço se desequilibrou e se apoiou, por reflexo, numa das mangueiras do reservatório, quando este acabou caindo sobre ele - e isso só ocorreu porque o próprio trabalhador solicitou que o reservatório não fosse fixado. Ele foi removido consciente pelo serviço de emergência e permaneceu no hospital João XXIII, em Belo Horizonte, por 24 dias, vindo a falecer, de acordo com a própria família, em consequência de uma infecção generalizada.

A empresa sustentou ainda que o trabalhador estava usando capacete, mas, pelo peso do reservatório, isso não impediu que ele se machucasse gravemente, inclusive na cabeça. Para a defesa, o acidente ocorreu por culpa exclusiva do trabalhador, que solicitou que o reservatório não fosse fixado e iniciou seu trabalho de instalação das mangueiras antes do combinado, assumindo pessoalmente um risco desnecessário.

Por fim, argumentou que não teve qualquer culpa no acidente, pois contratou o marido da reclamante, justamente, pela sua vasta experiência nesse tipo de trabalho e também porque, por ser autônomo, ele assumiu a responsabilidade e os riscos de entregar o serviço pronto, sem necessidade de ingerência ou coordenação da empresa. Finalizou dizendo que, por todas essas razões, o caso deve ser resolvido de acordo com as regras do Código Civil sobre o prestador de serviços autônomos, que lhe atribuem a responsabilidade sobre os riscos do seu trabalho, devendo entregá-lo realizado à contratante, de quem não se pode exigir as mesmas obrigações do empregador, inclusive a de fornecer e cobrar o uso de EPIs.

Enfim, a reclamada afirmou que marido da reclamante atuava como patrão de si mesmo, sem submissão aos poderes de comando da contratante, razão pela qual não havia como a empresa exigir que ele usasse EPIs. Além de tudo, para a responsabilização da ré seria necessária prova clara de seu dolo ou culpa no acidente, o que não existiu, já que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da vítima. E disse mais: era obrigação do próprio trabalhador autônomo se precaver e se equipar no intuito de evitar qualquer acidente e, portanto, não se pode exigir qualquer indenização da empresa. Entendimento do julgador: regras de segurança no trabalho também se aplicam ao trabalhador autônomo

Após examinar as provas, o magistrado notou algo que lhe chamou atenção: a empresa tem a prática de fornecer EPIs a todas as pessoas que entram em seu estabelecimento (capacete, óculos de segurança e botina), inclusive aos prestadores de serviços autônomos - como era, de fato, o caso do marido da reclamante. Segundo o juiz, o procedimento da empresa não traduz excesso de cuidado, mas está de acordo com o artigo 196 da Constituição da República Federativa do Brasil, segundo o qual: "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". Além disso, o artigo 2º da Lei 8.080/1990 dispõe que: "A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício". E, nos termos do parágrafo 2º dessa norma, "O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade".

Com base nessas regras, o julgador concluiu que a saúde é um direito de todos e, dessa forma, também alcança os trabalhadores autônomos, existindo, nas palavras dele, um "inexorável entrelaçamento entre o direito à saúde e o direito à saúde no trabalho". Tanto é assim que o parágrafo 1º. do art. 19 da Lei 8.2.13/91 é claro ao dispor que: "A empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador", ressaltou.

Em sua sentença, o juiz mencionou as seguintes normas previstas no Código de Saúde do Estado de Minas Gerais (Lei Estadual n. 13.317, de 24.09.1999):

"Art. 57. Para os efeitos desta lei, entende-se como saúde do trabalhador o conjunto de atividades destinadas à promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde do trabalhador submetido a riscos e agravos advindos das condições de trabalho.

Art. 58. Considera-se trabalhador aquele que exerça atividade produtiva ou de prestação de serviços no setor formal ou informal da economia".

E, para o magistrado, todas essas normas legais mostram a intenção do legislador em "resguardar o mínimo existencial dos trabalhadores" - de todos eles, inclusive dos informais e autônomos - no que diz respeito à saúde e segurança no trabalho, o que fica ainda mais evidente pela obrigatoriedade da adoção de medidas preventivas de acidentes do trabalho, que guarda estreita ligação com a ética nas relações de trabalho e também com o princípio da dignidade da pessoa humana.

Para reforçar seu entendimento, citando doutrina da área de ética e segurança no trabalho, o magistrado explicou que, no campo do direito, existe um dever básico, que é o de reconhecer a intangibilidade da vida humana, do qual decorre outros três: I - o respeito à integridade física e psíquica das pessoas; II - consideração pelos pressupostos materiais mínimos para o exercício da vida; III - respeito pelas condições mínimas de liberdade e convivência social igualitária (in artigo intitulado "Caracterização Jurídica da Dignidade da Pessoa Humana", Revista dos Tribunais, ano 91, volume 797, março de 2002. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 19).

Na sentença, também foram destacados os ensinamentos de Roldão Alves de Moura, segundo o qual a saúde é direito tutelado independentemente de vínculo empregatício (Ética no meio ambiente do trabalho. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004, p. 43). No mesmo sentido, ressaltou-se o pensamento de Lenir Santos: "Assim, o indivíduo em sua atividade de trabalho tem o direito de não ser submetido a riscos, pouco importando se a atividade é executada no mercado formal ou informal, com ou sem carteira de trabalho, em ambiente urbano ou rural etc." (in artigo intitulado "Saúde do Trabalhador e o Sistema Único de Saúde: Conflito de Competência. União, Estados e Municípios. Interface Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério da Saúde e Ministério da Previdência Social". Revista de Direito do Trabalho. Volume 99, São Paulo: RT. 2000, p. 123).

Nesse contexto, o julgador não teve dúvidas sobre a obrigatoriedade de se observar a aplicação da Norma Regulamentadora n. 12 a todas as situações de trabalho que envolvam, no interior da empresa, as máquinas e os equipamentos, qualquer que seja a atividade econômica (conforme o item 12.1 da NR). E essa norma deve ser observada por todos, justamente diante da obrigação de se respeitar o mínimo existencial dos trabalhadores, incluindo os autônomos, como o era o marido da reclamante, frisou.

"Não se trata, portanto, de liberalidade da ré o fato de a mesma dedicar cuidados preventivos aos trabalhadores que adentrem em suas dependências e, em decorrência desse acesso, estarão sujeitos aos perigos ali existentes. Tratam-se, semelhantes cuidados, nada mais do que dar cumprimento aos preceitos do ordenamento jurídico nacional que impõem o respeito ao mínimo existencial dos trabalhadores no tocante à saúde e à segurança no trabalho", destacou o magistrado. Por fim, ele acrescentou que, como gestora dos itens de segurança, a empresa tinha o poder e mesmo a legitimidade para exigir que os trabalhadores que entravam em seu estabelecimento, inclusive os prestadores de serviços autônomos, usassem os equipamentos de segurança e observassem as regras básicas de segurança no trabalho. Os fatos - As normas aplicáveis ao caso específico

Em seu exame, o magistrado constatou que o acidente que tirou a vida do trabalhador autônomo ocorreu quando a empresa estava alterando a localização, ou seja, estava reinstalando o seguinte equipamento: bomba de concreto e o reservatório de óleo respectivo. E, conforme ressaltou, nesses casos, de instalação (ou reinstalação) de máquinas e equipamentos, a qual implica riscos ocupacionais de grande magnitude, a NR-12 (que, à época da decisão, ainda não havia sofrido as alterações publicadas em maio deste ano) é bastante minuciosa quanto às medidas que devem ser tomadas para evitar acidentes do trabalho, entre elas:

- As máquinas devem estar estabilizadas, de forma que não se desloquem intempestivamente por vibrações, choques ou outras forças externas (item 12.11); - A instalação deve observar os requisitos do fabricante ou projeto elaborado por profissional habilitado (item 12.11.1); - Devem ser elaborados procedimentos de trabalho e segurança específicos, padronizados, com descrição detalhada de cada tarefa, passo a passo, a partir da análise de risco (12.130); - Os serviços devem ser planejados e realizados conforme os procedimentos de trabalho e segurança, sob supervisão e anuência expressa de profissional habilitado ou qualificado (12.132) e, ainda, precedidos de ordens de serviço específicas- O projeto deve levar em conta a segurança intrínseca da máquina ou equipamento, por meio das referências técnicas indicadas na NR-12, que devem ser observadas para garantir a saúde e a integridade física dos trabalhadores (item 12.133).

Em sendo assim, segundo o magistrado, antes que o trabalhador iniciasse os reparos no reservatório, o equipamento deveria estar estabilizado para que não se deslocasse acidentalmente, o que não foi feito, tanto que o reservatório, de fato, caiu e atingiu o trabalhador. Além disso, conforme ressaltado pelo juiz, já que o próprio fabricante do maquinário não providenciou os requisitos necessários para a reinstalação, a empresa deveria ter buscado um projeto elaborado por profissional legalmente habilitado para a realização do serviço, o que também não cuidou de fazer, descumprindo a NR-12. "Constituía incumbência da ré, em observância à NR-12, ter providenciado o projeto de execução do serviço elaborado por profissional autorizado, em especial para a fixação do reservatório de óleo para os devidos ajustes. E essa medida preventiva obrigatória a ré não cumpriu", destacou o julgador. E mais. O perito do juízo informou que o serviço não foi precedido de projeto técnico de mudança do layout da unidade hidráulica.

Todos esses fatos, na visão do magistrado, são suficientes para configurar a culpa da empresa no acidente, já que ela permitiu que um trabalhador atuasse em seu complexo industrial sem estar resguardado com toda a segurança possível e previsível. Em outras palavras, a empresa se omitiu quanto à observância das normas de segurança do trabalho.

Isso porque, conforme registrado na sentença, para o tipo de serviço que seria realizado pelo trabalhador, a NR-12 exige projeto elaborado por profissional legalmente habilitado, considerado como tal alguém que tenha registro no conselho de classe, com formação específica, e que possa assumir essa responsabilidade técnica e emitir uma "Anotação de Responsabilidade Técnica". Dessa forma, não é suficiente a simples supervisão de profissional reconhecido na área, com experiência comprovada e capacitação, como, segundo afirmou a empresa, era o caso do marido da reclamante.

Essas constatações, na visão do magistrado, afastam a alegação da empresa sobre a culpa exclusiva da vítima na ocorrência do acidente. "Diante da ausência de observância às medidas preventivas mínimas que constariam em projeto elaborado por profissional legalmente habilitado, as alegações da empresa sobre a culpa do trabalhador não passam de simples conjectura", frisou o magistrado. Ele também registrou que empresa não comprovou a existência do ajuste prévio no sentido de que o trabalhador apenas faria a instalação das mangueiras após a fixação do reservatório. Além do mais, não houve notícia sobre qual a orientação a empresa Ita Montagens teria a respeito. Dessa forma, para o juiz, as alegações da empresa de que o trabalhador teve culpa exclusiva no acidente, por não ter esperado ¿um técnico experiente e seguido as regras de segurança, não passam, igualmente, de simples conjectura. "Portanto, não há como concluir que a empresa realmente observou todos os procedimentos de prevenção e segurança, como havia afirmado na sua defesa", ressaltou o juiz.

Mas, o magistrado foi além. Na visão dele, ainda que se entendesse que todas as medidas de segurança para a execução do serviço, no momento do acidente, estivessem sob a batuta do trabalhador, dada a sua condição de autônomo, mesmo assim estaria presente a negligência da empresa no ocorrido. É que, para a segurança naquele tipo de atividade, seria necessário adotar medidas preventivas mínimas, em especial uma prévia e séria análise de riscos, como determina a NR-12 (observância a normas da ABNT, inclusive), com a adoção de uma metodologia correta. E, ao contratar o serviço com o trabalhador autônomo, a empresa não exigiu dele o compromisso de seguir todos os parâmetros mínimos de segurança estabelecidos na NR-12, além de ter falhado na sua obrigação de fiscalizar a prestação de serviços para garantir, pelo menos, nas palavras do magistrado, "o mínimo observável, o mínimo existencial do trabalhador autônomo".

Para finalizar, o juiz sentenciante registrou que, caso existisse cláusula contratual, expressa ou tácita, no contrato de prestação de serviços entre a empresa e o trabalhador, estabelecendo que ele assumiria prestar os serviços sem observar as medidas mínimas de prevenção a acidente do trabalho previstas na NR-12, estaríamos diante de uma clara cláusula infringente ao princípio da função social do contrato (art. 421 do Código Civil) e que, portanto, não poderia prevalecer. Isso porque a própria Constituição Federal condiciona a liberdade de iniciativa e o direito de propriedade à sua função social (artigos 1º, III, 170, III, 182, § 2º, e 186). "E, de acordo com a Constituição, o Código Civil enaltece a função social do contrato, pela sua repercussão coletiva, impondo às partes contratantes a observância dos princípios da probidade e da boa-fé no exercício da autonomia, aspectos esses que têm alta relevância nas relações que envolvem trabalhadores autônomos", explicou o magistrado. "Ao Poder Judiciário incumbiria fazer prevalecer de modo diferente essa cláusula, com a aplicação dos artigos 187 ou 157, ambos do Código Civil, diante da caracterização de abuso de direito ou de lesão", arrematou.

Por tudo isso, a conclusão do magistrado foi a de que os parâmetros mínimos de segurança estabelecidos na NR-12 não estavam sendo observados por ocasião da prestação de serviços do trabalhador acidentado, sendo a ré omissa nesse ponto, daí sua culpa no acidente do trabalho que tirou a vida do marido da reclamante. As indenizações

Danos materiais - O julgador entendeu que, no caso, estão presentes os pressupostos da responsabilidade civil por danos (materiais e morais) decorrentes de acidente do trabalho, ou seja, o ato ilícito, consubstanciado no erro de conduta da empresa (omissão quanto ao respeito às regras mínimas de segurança do trabalho - NR-12), a ofensa a um bem jurídico ou dano (a morte do trabalhador e os prejuízos morais e materiais que isso trouxe à vida da reclamante) e a relação de causalidade entre a conduta ilícita e o dano causado.

E, segundo o juiz, os prejuízos que o acidente causou à vida da reclamante, como esposa do trabalhador falecido, são evidentes, o que confere a ela o direito às indenizações pleiteadas. "O prejuízo financeiro decorreu da perda da ajuda financeira que o marido da reclamante dava à família", destacou o juiz. Mas, ele acrescentou que, de qualquer forma, conforme ensina Sebastião Geraldo de Oliveira, "...na pensão decorrente de ato ilícito, não se questiona sobre a necessidade ou não de alimentos por parte dos dependentes do morto porque o objetivo é reparar o prejuízo da perda da renda familiar. Ainda que os prejudicados tenham posses suficientes para manter o padrão de vida anterior ao óbito, o ressarcimento é devido como reparação do dano causado. O fato gerador da pensão é o ato ilícito ... e não a necessidade de prover alimentos" (in Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doenças Ocupacionais, São Paulo: Ltr, 2006, p. 213).

Quanto ao nexo causal entre a conduta culposa da ré e os danos decorrentes do acidente, o julgador considerou ter sido claramente demonstrado pela prova documental, colocando uma pá de cal sobre as alegações da empresa de que uma suposta negligência do hospital pode ter ocasionado a morte do trabalhador, e não o ferimento em si. Isso porque o laudo de necropsia como da certidão de óbito registraram como "causa mortis" do trabalhador o "choque hipovolêmico" decorrente do trauma de face, crânio e tórax causados pelo acidente. Além disso, o Hospital João XXIII, onde o trabalhador permaneceu internado e veio a falecer, apresentou relatório médico contendo o histórico do paciente na unidade hospitalar, revelando que a infecção e posterior "sepse", são decorrentes das complicações e do manejo do paciente devido à condição em que ele se encontrava por causa do trauma.

"De qualquer forma, o dever de indenizar não exige nexo de causalidade exclusivo, sendo que a presença de um só elemento de responsabilidade do réu a causar dano é suficiente ao reconhecimento do nexo causal e do dever de indenizar. No caso, a atitude omissa da ré atuou, à evidência, como concausa para o acidente do trabalho verificado, gerador dos danos à reclamante", destacou o juiz sentenciante.

Ele concluiu que o dano material seria suficientemente remunerado com o pagamento de indenização, em cota única, de acordo com o art. 950, parágrafo único, do CPC, no valor de R$ 21.600,00 (R$ 400,00 mensais, correspondente a 2/3 da média dos valores que, razoavelmente, eram auferidos mensalmente pelo marido da reclamante, levando em conta o que ele recebia da ré e, também, das outras empresas para as quais prestava serviços). Esse valor foi multiplicado por 9 anos, conforme atual expectativa de vida que teria o trabalhador, segundo tabela do IBGE (108 meses), tudo dividido por dois, o que, para o juiz, se justifica porque o pagamento em cota única descapitaliza a empresa e, por outro lado, possibilita à reclamante efetuar aplicações financeiras que lhe trazem ganhos mensais correspondentes à pensão mensal.

Danos morais - Quanto à indenização por danos morais, o magistrado frisou que o sofrimento psicológico da reclamante, decorrente da perda de um ente querido (esposo) oriunda do acidente do trabalho, não pode ser colocado em dúvida, sendo evidentes os reflexos altamente negativos para o seu bem-estar e paz interior. "No caso, o dano moral corresponde a essa lesão a interesses não patrimoniais da autora, sendo que embora se saiba que o sentimento do homem seja algo intangível, a despeito de não ser palpável, é tutelado pelo Direito (no art. 5º., V e X, da Constituição Federal, estão protegidos os valores da intimidade)", destacou, na decisão.

Foi lembrado ainda que a necessidade da reparação nasce com o evento danoso e dispensa a comprovação do prejuízo, que deriva do próprio infortúnio. E, ressaltando que a indenização não pode servir de pretexto para o empobrecimento de um e enriquecimento de outro, mas que deve ser fixada da forma mais severa possível, atendendo às finalidades punitiva, preventiva e compensatória, o magistrado fixou em R$60.000,00 a indenização por danos morais a ser paga pela empresa à reclamante.

O Recurso - A empresa recorreu da decisão, que ficou integralmente mantida pela Terceira Turma do TRT de Minas, inclusive quanto ao valor das indenizações. O relator do recurso, desembargador Luis Felipe Lopes Boson, fez questão de ressaltar que a perícia técnica realizada no processo detectou falhas no sistema de segurança da ré, no que tange à construção da plataforma, já que esta não possui sistema de proteção contra queda, conforme determina a NR-8.3.6.

Ainda segundo pontuou o relator, "não há como prevalecer a tese defensiva de culpa exclusiva da vítima, tampouco de culpa concorrente, tendo em vista que as testemunhas apenas ouviram dizer que o reclamante teria pedido para que o reservatório não fosse parafusado".

Assim, o julgador entendeu configurada a culpa da empresa pelo acidente, uma vez que este ocorreu pelos riscos existentes no local, conforme conclusão pericial, e pelo risco criado pela não fixação do reservatório. Com isso, o relator afastou a tese, levantada pela ré, de que a sua condenação estaria fundada na responsabilidade objetiva, já que ficou demonstrada a culpa da empresa, decorrente da não observação das normas relativas à saúde e segurança no trabalho, as quais se estendem, sim, aos trabalhadores autônomos.

Ele considerou irrelevante que familiares trabalhador falecido tenham informado que a morte decorreu de infecção generalizada: "Essa infecção, evidentemente, foi mera decorrência da causa principal, informada na certidão de óbito, conforme necropsia realizada pelo Instituto Médico Legal", pontuou.

Por fim, corroborando o entendimento da sentença, o acórdão cita lição de Sebastião Geraldo de Oliveira, que vale registrar:

O dever de redução dos riscos no local de trabalho previsto no art. 7º, XXII, da Constituição da República, não se restringe ao trabalhador empregado, mas beneficia a todos os trabalhadores urbanos e rurais. Aliás, nesse sentido há previsão expressa do art. 8.2 da Convenção 167 da OIT: 'Quando empregadores ou trabalhadores autônomos realizarem atividades simultaneamente em uma mesma obra terão a obrigação de cooperarem na aplicação das medidas prescritas em matéria de segurança e saúde que a legislação nacional determinar.'"

[...] para os acidentes ocorridos com os trabalhadores autônomos ou eventuais, em princípio, não cabe atribuir culpa ao contratante pelos riscos inerentes aos serviços contratados, salvo se ficar caracterizada a sua culpa por ter criado, por ação ou omissão, um risco adicional que gerou o acidente (ou risco alheio aos serviços contratados)". (Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 7ª ed. - São Paulo: LTr, 2013, p. 445 e 446-verso). 0011685-18.2014.5.03.0062 - Sentença em: 28/08/2015 - Acórdão em: 11/11/2015

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Clique AQUI e confira a jurisprudência do TRT-MG sobre a matéria



Fonte: TRT3

Turma decide: Empresa só é obrigada a emitir CAT se acidente afastar o empregado do serviço por mais de 15 dias




A emissão da Comunicação de Acidente do Trabalho, a conhecida CAT, é obrigação do empregador. Mas, se o acidente de trabalho ou doença a ele equiparada não afastar o empregado do serviço por tempo superior a 15 dias o empregador não estará obrigado a emitir a CAT. Com esse entendimento, a 3ª Turma do TRT-MG julgou favoravelmente o recurso de uma empresa de "soluções em equipamentos" para julgar improcedente a ação civil pública interposta contra ela pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).

A decisão de primeiro grau acolheu os pedidos do MPT para condenar a empresa a expedir Comunicações de Acidentes de Trabalho (CATs) sempre que seus empregados sofressem lesões corporais leves ou levíssimas ou problemas de saúde decorrentes do trabalho, independente do tempo afastamento do serviço ou todo período de afastamento, sob pena de multa de R$ 20.000,00 por acidente não comunicado na forma da lei. A ré também foi condenada a afixar cartazes em todos os quadros de avisos do seu estabelecimento para dar ampla ciência aos empregados sobre essas obrigações determinadas na sentença.

Mas, de acordo com o desembargador Milton Vasques Thibau de Almeida, cujo posicionamento foi acolhido pela Turma, em afastamentos do trabalho inferiores a 15 dias, não há exigibilidade de emissão de CAT pelo empregado. Isso porque, nessas situações, faz parte do poder diretivo do empregador avaliar extrajudicialmente a ocorrência de suposto acidente do trabalho. E, no caso, os registros extraídos pelo MPT, a respeito dos controles e investigação de incidentes elaborados pela empresa nos anos de 2014 e 2015, consignavam afastamentos inferiores a 15 dias, quando não contavam que o incidente sequer chegou a gerar ausência ao trabalho. Nesse quadro, a Turma deu provimento ao recurso da empresa, para julgar improcedente a ação civil pública e absolvê-la das condenações que lhe foram impostas na sentença.

"O empregador detém poder diretivo para, não apenas determinar as medidas preventivas dos acidentes do trabalho, mas também para avaliar extrajudicialmente o enquadramento legal da definição de acidente do trabalho aos eventos supostamente acidentários que lhes são apresentados pelos seus empregados, principalmente se os afastamentos não excedam 15 (quinze) dias (hipótese de interrupção do contrato de trabalho - artigo 473 da CLT c/c artigo 60, § 3º, da Lei nº 8.213, de 1991) e a empresa dispuser de serviço médico próprio ou em convênio", destacou o julgador. Ele acrescentou que o artigo 60, § 4º, da Lei nº 8.213, de 1991 é claro ao dispor que o empregador somente deve encaminhar o segurado à perícia médica da Previdência Social quando a incapacidade ultrapassar 15 dias. Assim, o auxílio-enfermidade pago pelo empregador com duração inferior a 15 dias não gera obrigação de emissão da CAT, frisou.

Além disso, o desembargador explicou que a emissão da CAT (Comunicado de Acidente do Trabalho) não decorre de uma imposição legal inflexível, já que o artigo 22 da Lei nº 8.213, de 24/07/1991, em seu § 2º, faculta ao empregador o direito de omissão na emissão desse documento, elegendo outras pessoas que também podem emitir a CAT e apenas penalizando o empregador com uma multa administrativa (§ 5º) à exceção da hipótese prevista no caput do artigo 21-A (acidente do trabalho por equiparação).
PJe: Processo nº 0010645-07.2015.5.03.0081 (RO). Acórdão em: 08/09/2016Para acessar a decisão, digite o número do processo em: https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam



Fonte: TRT3

terça-feira, 11 de outubro de 2016

NJ Especial - Infância roubada: a triste realidade e os efeitos nefastos do trabalho infantil




A infância costuma nos deixar saudades e doces lembranças: brincar de pique-esconde, bolinha de gude, bonecas e bichinhos de estimação... E aquela professora inesquecível? Mas, infelizmente, isso não acontece com todos. Milhões de pessoas em todo o mundo se recordam desse período sagrado da vida com tristeza e desesperança. Elas tiveram a infância roubada, escondida, nas carvoarias, nos lixões, nas pedreiras, no trabalho duro da roça, no não menos duro trabalho doméstico, nas minas, nas oficinas de tapetes, nos sinais de trânsito e nas muitas outras formas de trabalho infantil ainda praticadas em nossa sociedade.
Neste exato momento, milhões de crianças estão trabalhando e deixando de usufruir de seus direitos fundamentais, como a educação, a saúde, o lazer. A existência de trabalho infantil em todo o planeta é uma triste realidade e tão incômoda que a maioria das pessoas prefere mesmo nem pensar no assunto. Por isso é que a Organização Internacional do Trabalho, em 2002, criou o "Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil", celebrado em 12 de junho. O objetivo: alertar todas as comunidades e seus governos sobre essa prática terrível e destrutiva que, em pleno Século XXI, ainda assola diversas regiões do mundo, desenvolvidas ou não, inclusive o Brasil. Essa campanha é mais necessária do que parece, pois a principal arma contra o trabalho infantil é a sensibilização da sociedade contra a exploração das crianças e adolescentes.
Neste ano, o tema adotado pela OIT foi "Não ao Trabalho Infantil na Cadeia Produtiva", com base na nova realidade desse problema social, principalmente devido ao crescimento de casos em empresas terceirizadas.
A Justiça do Trabalho também entrou na luta pela erradicação do trabalho infantil no país: desde 2012, o Programa de Combate ao Trabalho Infantil vem promovendo uma série de medidas, como estudos técnicos, seminários, debates, publicações e ações de marketing de grande repercussão sobre o tema. Para tanto, este junho de 2016 teve, não só um dia, mas todo o mês dedicado ao combate dessa prática nefasta. Com o slogan "Trabalho Infantil. Você não vê, mas existe", a nova campanha do Programa pretende contribuir para uma mudança de cultura, mostrando que o trabalho infantil existe e precisa ser eliminado para que a criança possa ter tempo e o prazer de ser criança.
Antes, em maio, a Semana Nacional de Aprendizagem, uma parceria entre a Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), já promovia audiências públicas em 22 estados brasileiros, buscando conscientizar empresas, sindicatos e instituições sobre o cumprimento da Lei de Aprendizagem (nº 10.097, de 19/12/2000) e do Decreto Federal nº 5.598/2005. De acordo com os dispositivos, as empresas de médio a grande porte devem destinar uma porcentagem de 5% a 15% para jovens aprendizes. A norma é uma garantia que o jovem não deixará os estudos pelo trabalho, já que exige a manutenção da educação formal, além da técnico-profissional. "Se contratados de acordo com a lei, os jovens têm a carteira assinada, todas as garantias trabalhistas, segurança, jornada de trabalho diferenciada e, o melhor, sem deixar de estudar", complementa a ministra do TST, Kátia Arruda, coordenadora do programa.
Cientes de que a matéria prima do combate ao trabalho infantil é a informação, a Justiça do Trabalho publicou em 2012 a cartilha "Trabalho Infantil e Justiça do Trabalho: Primeiro Olhar" e, posteriormente a segunda cartilha "Trabalho infantil: 50 perguntas e respostas". Em 2016, o agora Programa de Combate ao Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem criou mais um canal de comunicação para divulgar ações e campanhas da Justiça do Trabalho na área: o perfil @combatetrabalhoinfantilJT no Instagram, rede social de compartilhamento de fotos.
E, nessa luta sem trégua, as ações não podem parar: vem aí o III Seminário de Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem, que ocorrerá nos dias 20 e 21 de outubro de 2016, em Brasília.
Nesta NJ Especial vamos tratar do Trabalho Infantil, como ele ocorre no mundo e na sociedade brasileira, passando pela legislação sobre a matéria, com um breve histórico desse antigo problema em nosso país, suas causas e formas, as tristes estatísticas, as principais políticas públicas de combate e, por fim, por duas decisões da JT mineira que ilustram bem a questão e as circunstâncias que a rodeiam.
Trabalho Infantil: o que é e como identificar
Mas, o que, afinal, pode ser considerado "trabalho infantil"? De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o termo "trabalho infantil" pode ser definido como o trabalho que prejudica o bem-estar de uma criança e compromete sua educação, desenvolvimento e meio de vida no futuro, sendo considerada criança toda pessoa abaixo de 18 anos. Ou seja, o trabalho infantil é aquele que, por sua natureza ou forma em que é realizado, prejudica e explora crianças, privando-as das oportunidades educacionais.
Portanto, nem todo trabalho feito por crianças deve ser classificado como trabalho infantil. Para a OIT, a participação de crianças ou adolescentes em trabalhos que não afetam a sua saúde e desenvolvimento pessoal e não interferem na sua educação podem ser positivos. O auxílio em casa ou em um negócio de família, fora do horário escolar, são alguns exemplos disso, pois fornece habilidade e experiência, preparando a criança para a vida adulta.
Elvira Mirian Veloso de Mello Cosendey, Técnica do MTE e coordenadora do Fórum Estadual de Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente de Minas Gerais, conhece de perto o problema, além de atuar no seu combate há mais de três décadas. Ela ressalta que o combate ao trabalho infantil não nega a importância desse contexto familiar que propicia o comprometimento, a responsabilidade e a cooperação da criança e do jovem, fortalecendo os vínculos familiares. O que se combate, nas palavras da especialista, "é o trabalho infantil explorador, que rouba o tempo precioso de vivenciar uma infância rica em brincadeiras, com boas horas de sono e amplo tempo para estudar e aprender" (Em Curso Online "A Escola no Combate ao Trabalho Infantil - O Trabalho Infanto-Juvenil: Características e Malefícios").
A maioria dos países estabelece uma idade mínima geral de admissão no emprego ou trabalho, geralmente fixada entre os 14 e 16 anos, com ressalvas a que o menor seja empregado em serviços leves, como aqueles que não prejudiquem sua saúde, sua frequência escolar, sua participação em programas de orientação ou formação profissional e, ainda, sua capacidade de se beneficiar da instrução Muitos países proíbem que crianças trabalhem em atividades consideradas perigosas, mesmo as que estão acima da idade mínima para admissão no emprego, mas abaixo de 18 anos. Essas situações estão previstas na lei nacional de cada país e, portanto, variam de um país a outro. Mas, geralmente, a legislação sobre a matéria se baseia nas duas convenções da OIT sobre trabalho infantil: a Convenção sobre a Idade Mínima de Admissão ao Emprego e ao Trabalho (C 138) e a Convenção sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil (C 182). Há, ainda, a Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas. O país que ratifica esses instrumentos, como o Brasil, assume o compromisso de observar suas disposições, embora, claro, tenha a liberdade de adotar leis que garantam mais proteções e que se ajustem às suas circunstâncias particulares.
No Brasil, só é permitido começar a trabalhar a partir dos 16 anos, exceto nos casos de trabalho noturno, perigoso, insalubre ou penoso, nos quais a idade mínima é de 18 anos, sendo permitido o trabalho a partir dos 14 anos, mas somente na condição de aprendiz. Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a pessoa é considerada criança até os 12 doze anos incompletos e adolescente, dos 12 completos aos 18 anos incompletos e o ECA conceitua Trabalho Infantil como aquele realizado por crianças ou adolescentes com idade inferior a 16 anos, a não ser na condição de aprendiz.
As piores formas de Trabalho Infantil
A Convenção sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil (C 182) se aplica a todas as crianças e adolescentes até a idade de 18 anos. Como seu título sugere, a Convenção se refere a determinados tipos de trabalho que não deveriam ser realizados por menores de 18 anos. São aqueles considerados como as piores formas de trabalho infantil, que abrangem as seguintes situações:
a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, tais como a venda e tráfico de crianças, a servidão por dívidas e a condição de servo, e o trabalho forçado ou obrigatório, inclusive o recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados;
b) a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição, a produção de pornografia ou atuações pornográficas;
c) a utilização, recrutamento ou a oferta de crianças para a realização de atividades ilícitas, em particular na produção e tráfico de entorpecentes, tais como definidos nos tratados internacionais pertinentes; e
d) o trabalho que, por sua natureza ou pelas condições em que é realizado, é suscetível de prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças.
O que se busca é que essas piores formas de trabalho infantil sejam definitivamente banidas da sociedade.
Perigo: proibido para menores
Como se vê, o trabalho de crianças e adolescentes em atividades perigosas está elencado entre as "piores formas de trabalho infantil". De acordo com a Convenção 182, o trabalho infantil perigoso é aquele realizado em condições de risco ou insalubres que podem ocasionar morte, lesão, ou doença em uma criança ou adolescente, em razão da inexistência ou precariedade de medidas de segurança e saúde ou de condições de trabalho inadequadas. O conceito de "trabalho infantil perigoso" também é abordado na Convenção da OIT sobre a Idade Mínima (C 138).

A OIT estabelece que a lista exata de atividades perigosas seja determinada por cada país. Mas recomenda que, ao se determinar o que seja trabalho perigoso, sejam consideradas as normas internacionais de trabalho, como as que dizem respeito a substâncias, agentes ou processos perigosos (inclusive radiações ionizantes), levantamento de cargas pesadas e trabalho subterrâneo.
A Recomendação da OIT sobre as "Piores Formas de Trabalho Infantil" (R 190) também orienta governos a proibir o trabalho infantil nas seguintes circunstâncias:
a) os trabalhos em que a criança fica exposta a abusos de ordem física, psicológica ou sexual;
b) os trabalhos subterrâneos, debaixo d'água, em alturas perigosas ou em locais confinados;
c) os trabalhos que se realizam com máquinas, equipamentos e ferramentas perigosos, ou que impliquem a manipulação ou transporte manual de cargas pesadas;
d) os trabalhos realizados em um meio insalubre, no qual as crianças estiverem expostas, por exemplo, a substâncias, agentes ou processos perigosos ou a temperaturas, níveis de ruído ou de vibrações prejudiciais à saúde; e
e) os trabalhos que sejam executados em condições especialmente difíceis, como os horários prolongados ou noturnos, ou trabalhos que retenham injustificadamente a criança no estabelecimento do empregador.
O Brasil e o trabalho infanto-juvenil: leis de sobra
Com o objetivo de erradicar o trabalho infantil e proteger o trabalho do adolescente, o Brasil ratificou a Convenção 138 da OIT, que versa sobre a idade mínima para admissão em emprego, através do Decreto nº 4.134/2002 e, também, a Convenção 182, esta pelo Decreto nº 3.597/2000, relativa à interdição das piores formas de trabalho das crianças e ação imediata com vistas à sua eliminação.

Além disso, a nossa legislação é uma das mais completas do mundo quando se trata da proteção ao trabalho de crianças e jovens. Nas décadas de 80 e 90, foi aprovado o maior número de leis de garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes, colocando o Brasil em lugar de destaque internacional. Falta colocá-las em prática.
A Constituição Federal de 1988 proíbe a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor e estado civil (artigo 7º, inciso XXX). Além disso, a partir da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, no inciso XXXIII, do art. 7º, proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e qualquer trabalho a menores de 16 anos, exceto na condição de aprendiz, a partir de 14 anos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) reserva um capítulo inteiro para tratar do direito à profissionalização e à proteção no trabalho das crianças e adolescentes. Também dispõe sobre os direitos garantidos aos trabalhadores adolescentes e aos aprendizes, proibindo-lhes os trabalhos noturnos, perigosos, insalubres, penosos, realizados em locais prejudiciais à sua formação e desenvolvimento físico, moral, psíquico e social e àqueles que impeçam a frequência escolar.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com as alterações feitas pela Lei Federal nº 10.097, de 19 de dezembro de 2000, trata do assunto no capítulo IV - "Da proteção ao Trabalho do Menor", considerando "menor" aquela pessoa com idade compreendida entre os 14 e 18 anos. Nesse capítulo, estão estabelecidos vários critérios e deveres do empregador para com o adolescente empregado na sua empresa e o menor aprendiz. Entre eles, o de assegurar horários e locais de trabalho que permitam a frequência à escola, assim como a coincidência do período das férias do trabalho com as férias escolares. As empresas também são obrigadas a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções exijam formação profissional.
Destaca-se que o artigo 424 da CLT dispõe que: "É dever dos responsáveis legais de menores, pais, mães ou tutores, afastá-los de empregos que diminuam consideravelmente o seu tempo de estudo, reduzam o tempo de repouso necessário à sua saúde e constituição física, ou prejudiquem a sua educação moral ".
Lei penal: quando trabalho infantil é crime
Conforme a disposição constitucional, no Brasil, o trabalho infantil é considerado crime. E algumas formas mais nocivas da exploração de crianças são especialmente tratadas no CPB (Código Penal Brasileiro). Entre elas:
Trabalho infantil escravo - Reduzir o trabalhador à condição análoga à de escravo, por meio de trabalhos forçados, jornada exaustiva ou condições degradantes de trabalho, artigo 149 do Código Penal brasileiro de 1940, com a agravante de se tratar de criança ou adolescente (§ 2º, item I). A agravante foi introduzida pela lei 10.803, de 11 de Dezembro de 2003 e aumenta a pena em uma metade;
Maus-tratos (artigo 136 do Código Penal), crime aplicável a menores - Expor, a perigo, a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado. Se a pessoa for menor de 14 anos, há a agravante do § 3º, introduzida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90), que aumenta a pena em mais um terço.
Exploração da prostituição de menores - A exploração da prostituição infantil, considerada pela Organização Internacional do Trabalho como uma das piores formas de trabalho infantil, é crime previsto no artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Pornografia de menores - Crime previsto nos artigos 260 e 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Venda ou tráfico de menores - Constitui crime previsto no artigo 239 do Estatuto da Criança e do Adolescente
Conto de fadas às avessas: causas e formas do trabalho infantil no Brasil
A condição de miserabilidade e desestruturação das famílias, a insuficiência de políticas públicas e a péssima distribuição de renda são as principais causas da exploração do trabalho infantil no nosso país. Antigamente, os filhos trabalhavam em negócios familiares, sempre sob a coordenação e responsabilidade dos pais e o ofício era, dia-a-dia, gradualmente aprendido. Hoje, a criança pobre é obrigada a trabalhar para ajudar no sustento da família, ou seja, não passa mais pela convivência saudável do trabalho.
Os efeitos negativos da exploração do trabalho infantil são tantos que geram um ciclo perverso: os filhos explorados no trabalho, geralmente, têm pais que passaram pela mesma situação e assim por diante. Eles não conseguem interromper o ciclo, porque o tempo dedicado ao trabalho e o cansaço lhes rouba o acesso à educação e as oportunidades de melhora. E, por ignorância ou necessidade, acabam expondo seus filhos à mesma rotina de trabalho precoce, permitindo que prestem serviços até mesmo em situações perigosas, insalubres e penosas. Ao combater essa prática, as autoridades locais muitas vezes se intimidam diante da enorme carência material vivenciada por essas famílias. Por seu turno, a sociedade também tem sua parcela de culpa, ao consumir produtos advindos do trabalho infantil, ao invés de denunciar a prática aos órgãos competentes.
Com 36 anos de militância na luta contra o trabalho infantil, Elvira Cosendey ressalta que as horas trabalhadas por crianças e adolescentes no Brasil podem chegar a até 8, 12 ou mais, seja em horário noturno ou diurno, em atividades formais e informais, na zona rural e urbana. E, ao discorrer sobre as formas de trabalho infantil no Brasil, ela nos relata a trágica realidade de nosso país:
"Hoje, ainda encontramos crianças e adolescentes trabalhando nas lavouras, em pedreiras, carvoarias, olarias, lixões, matadouros, indústria calçadista e na fabricação de fogos de artifício, como também nas ruas como vendedores, pedintes, guardas-mirins, lavadores de carros. As condições de trabalho são degradantes, crianças e adolescentes expostas a longas filas de banco, em contato com agrotóxicos, graxas, óleos, ferramentas cortantes, descargas elétricas, explosivos, altura etc. Caminham longas distâncias como vendedores, ambulantes de todo tipo de quinquilharias em sinais e pelas madrugadas. Sentados em posição incorreta, descascando alho, mandioca, ou quebrando pedras. Carregam pesos além de sua capacidade física em feiras, comércio e na agricultura. Expostos a todos os riscos nas ruas, como atropelamentos, abordagem pelo tráfico de drogas, prostituição e furtos. O trabalho doméstico é uma forma de trabalho infantil-juvenil amplamente usada em nossa sociedade no qual meninas vindas do interior e de zonas rurais buscam melhores condições de vida e, com a promessa de estudo, se empregam em casas de famílias como babás e empregadas domésticas, permanecendo nesta situação eternamente. Há também o trabalho ilícito, em que jovens cada vez mais jovens estão sendo utilizados como mão-de-obra no tráfico de drogas".
Estatísticas do Trabalho Infantil: números que não são brincadeira
Dados do Relatório Mundial sobre Trabalho Infantil 2015, elaborado pela OIT, apontam que 168 milhões de crianças realizam trabalho infantil no mundo. Entre elas, 120 milhões tem idades entre 5 e 14 anos e cerca de 5 milhões vivem em condições análogas à escravidão. E, o que é pior, mais da metade (85 milhões) está envolvida com trabalhos perigosos. Segundo a OIT, entre 20% e 30% das crianças em países de baixa renda abandonam a escola e entram no mercado de trabalho até os 15 anos.
No Brasil o censo do IBGE de 2015 aponta 3,3 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalhando no país. Desse total, apenas 500 mil em situação regular, como aprendizes, ou com carteira assinada, os demais em situação de informalidade de vínculo, sem garantia de direitos. Meio milhão desses pequenos trabalhadores tem menos de 13 anos. E a maioria (62%) trabalha no campo, com agricultura (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD). Em suma: 84% dos jovens brasileiros estão trabalhando e mais da metade deles exercem atividades ilegais e perigosas, principalmente em indústrias, carvoarias e na agricultura. Ainda segundo o IBGE, no Brasil, 258 mil crianças e jovens realizam trabalho doméstico nas casas de outras pessoas. Nos centros urbanos, as crianças são encontradas como vendedores ambulantes nos semáforos e nos lixões. No campo, trabalham 450 mil meninos e meninas, sendo que quase 75% dessas crianças estão na agricultura familiar, sem receber pelos serviços realizados. Para coroar, um conto de horror: nos últimos cinco anos, 12 mil crianças sofreram acidentes de trabalho e 110 morreram.
Embora na década de 2000 a 2010 o país tenha reduzido o número de trabalhadores adolescentes e crianças em 12,8%, a pesquisa do IBGE de 2015 mostra dados preocupantes: o trabalho infantil aumentou 4,5% de 2013 e 2014, o que nos faz pensar que talvez não consigamos erradicar todas as formas de trabalho infantil até 2020, como prevê as chamadas "metas do milênio", reafirmadas na 3ª Conferência Global pela Erradicação do Trabalho Infantil, realizada no Brasil em 2013.
As autoridades que atuam no combate ao trabalho infantil no Brasil acreditam que nossa cultura aceita o trabalho de crianças e adolescentes como forma de ajudar o sustento da família e o maior desafio é mudar esta percepção. Quando a criança trabalha ela sai da escola ou tem um rendimento insuficiente e perde o direito de ser criança, de brincar e estudar. Só a conscientização da sociedade pode mudar esse quadro.
Combater para erradicar
As ações de erradicação ao trabalho infantil são guiadas pelo Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador. Criado em 2011 pela Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (Conaeti), sob coordenação do Ministério Público do Trabalho e Emprego (MTE) e com participação da sociedade, o plano tem como finalidade erradicar o trabalho infantil até 2020.
Pesquisa encomendada pela Fundação Telefônica para o "Projeto Promenino", divulgada em agosto 2013, revela que o custo com políticas públicas voltadas para tirar crianças do mercado de trabalho seria de 29,433 milhões de dólares, um investimento considerado pequeno em relação ao retorno econômico e social para um país ("Trabalho Infantil e Adolescente: impacto econômico e os desafios para a inserção de jovens no mercado de trabalho no Cone Sul").

Os principais programas nacionais direcionados à erradicação do trabalho infantil e à eliminação da pobreza são o "O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti)" e o Bolsa Família. O Peti foi criado no início de 1996 e realiza um conjunto de ações que buscam retirar crianças e adolescentes de até 16 anos das práticas de trabalho infantil. Ao ingressar no Peti, a família tem acesso à transferência de renda do Bolsa Família quando atender aos critérios de elegibilidade. Também passa a ter um atendimento assistencial, com encaminhamento para serviços de saúde, educação, cultura, esporte, lazer ou trabalho, quando necessário.
Já entre os benefícios do Bolsa Família está a garantia de que as crianças e adolescentes tenham a frequência mínima na escola e o cumprimento do calendário de vacinação do Ministério da Saúde. O programa completa 10 anos em 2013 e, atualmente, atende quase 14 milhões de famílias (mais de 50 milhões de pessoas), segundo dados da pesquisa da Fundação Telefônica. Além disso, é reconhecido internacionalmente como uma política pública social que conseguiu romper o círculo da miséria pela educação. Esses dois programas têm um papel importante no combate ao trabalho infantil, pois apoia as famílias mais pobres. Afinal, trabalho infantil e pobreza são as duas faces de uma mesma moeda.
Mesmo não tratando da questão do trabalho infantil diretamente, outras políticas voltadas às crianças e aos adolescentes que oferecem proteção à vulnerabilidade são de grande ajuda para o problema, como o Projeto Sentinela, que atende vítimas da violência e exploração sexual. Outro exemplo é o Programa Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano, que prepara adolescentes de 15 a 17 anos de idade para atuarem em suas comunidades em diversas áreas, promovendo o desenvolvimento e amadurecimento do jovem para o mercado de trabalho.
Trabalho infantil: tristes casos julgados na Justiça do Trabalho mineira
A seguir, duas decisões da JT mineira em que o tema Trabalho Infantil esteve em pauta. A primeira, retratando a situação do adolescente que, mesmo nos centros urbanos, trabalha em condições irregulares e perigosas, tudo para completar a renda necessária à própria subsistência e de sua família. A segunda ilustra com precisão a triste e ainda atual realidade das famílias que vivem em condições miseráveis nas zonas rurais do Brasil e que acabam por explorar o trabalho de seus filhos menores, muitos, ainda crianças bem pequenas.
1º Caso - Menor morre eletrocutado em acidente de trabalho
Nessa situação analisada pelo juiz Luiz Olympio Brandão Vidal, em sua atuação na 3ª Vara do Trabalho de Governador Valadares, o espólio de um menor falecido em acidente de trabalho aos 17 anos de idade pretendia o reconhecimento do vínculo de emprego entre o menor e uma serralheria, com o pagamento dos direitos trabalhistas decorrentes. Na mesma ação, a mãe do menor pediu indenização por danos morais e matérias em razão do acidente que tirou a vida de seu filho.
Vínculo de emprego - Pelo exame das provas, o magistrado constatou que a serralheria tinha como uma de suas atividades a montagem de estruturas metálicas (placas de aço) em eventos. E uma testemunha confirmou que, por cerca de um ano, o menor vinha trabalhando para a empresa na montagem e desmontagem dessas estruturas, que eram utilizadas para o fechamento do espaço das festas, o que fazia por dois finais de semana por mês.
Segundo o magistrado, embora descontínuo, o serviço do menor era permanente e necessário à consecução dos objetivos da empresa, ou seja, inserido em sua atividade normal. Dessa forma, o juiz afastou a alegação da ré de que o trabalho era eventual.
Constatando a presença dos elementos previstos no artigo 3º da CLT, o julgador reconheceu que o menor trabalhou com vínculo de emprego e determinou que a empresa anotasse sua CTPS no período de 01/02/2011 a 21/04/2012, na função de auxiliar de serralheiro, com remuneração proporcional do tempo trabalho (em dois fins de semana por mês, de sexta-feira a domingo), equivalente a R$ 210,00 por mês (R$ 35,00 por dia trabalhado). Ela também foi condenada a pagar ao espólio do empregado falecido as parcelas trabalhistas devidas (FGTS, saldo de salários, férias integrais e proporcionais e 13ºs. salários).
Acidente fatal - O acidente de trabalho ocorreu quando o menor subiu em uma torre onde eram apoiadas placas de propaganda que tinham que ser retiradas para dar passagem aos trios elétricos. Ele queria verificar como era feita a solda das placas. Nesse momento, encostou a cabeça em uma linha de transmissão de alta tensão, que ficava perto da estrutura, e foi eletrocutado, caindo de uma altura aproximada de 4 metros. O trágico acidente lhe tirou a vida, aos 17 anos de idade.
A empresa chegou a alegar a culpa exclusiva da vítima no acidente, afirmando que o adolescente subiu na torre por sua própria vontade, para verificar se ali teria uma vista privilegiada do parque de exposição, mas isso não foi provado. Ao contrário, o conjunto das circunstâncias convenceu o juízo de que o menor estava a serviço da ré, que atuava demarcando o local da festa, de onde as tais placas de propaganda tinham que ser retiradas. Assim, prevaleceu o entendimento de que, ao subir na torre onde foi eletrocutado, o menor estava cumprindo ordens da empresa. Com isso, ficou afastada a tese de culpa exclusiva da vítima.
Além disso, o "Relatório de Análise de Acidente do Trabalho" tornou evidente a culpa da empresa no infortúnio que subtraiu a vida do operário, pela negligência quanto às normas de segurança no trabalho, ao deixar de oferecer treinamento adequado para o acesso às áreas controladas ou de risco (Anexo I da NR-10); não proceder ao desligamento da rede ou a proteção dos locais energizados durante a execução do trabalho e, ainda, não fornecer EPI-Equipamento de Proteção Individual. E mais: conforme constou em auto de infração aplicado à empresa, o trabalho em montagem de estruturas metálicas é elencado na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, vedado para menores de 18 anos. O reclamante tinha 17 quando foi vítima do acidente fatal.
Danos materiais: lucros cessantes - Além do espólio, a mãe do menor também foi parte autora na ação trabalhista, com a pretensão de receber indenização por danos materiais (lucros cessantes, na forma de pensão mensal vitalícia ou parcela única) da ex-empregadora de seu filho. O pedido foi parcialmente acolhido pelo magistrado.
De acordo com o juiz, o artigo 948, II, do Código Civil ampara a pretensão da mãe do menor, estabelecendo uma reparação consistente na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima. Também o artigo 229 da Constituição da República justifica o pensionamento dos pais, que retroage à data do ato ilícito (artigo 398 do Código Civil), no caso, o acidente que provocou a morte do adolescente.
"O menor era solteiro e não tinha descendentes. Como residia com a mãe, uma beneficiária do Programa Bolsa-Família, integrava uma família de baixa renda, o que faz presumir a dependência econômica entre os seus integrantes. Assim, é razoável que a mãe do de cujus receba uma indenização contabilizada por 55,8 anos, que era essa a expectativa de sobrevida de seu filho, segundo a Tábua de Mortalidade 2012 do IBGE (ou antes disso, em caso de falecimento da beneficiária)", destacou o julgador.
A indenização foi deferida na forma de pensionamento mensal, equivalente a 2/3 do salário do menor (R$210,00), fixada proporcionalmente ao salário mínimo (0,23 salários mínimos, desde o óbito (21/04/2012) até por mais 55,8 anos, limitada ao dia em que completaria 74 anos. Segundo o juiz, a pensão não pode ser no valor do total dos rendimentos da vítima, como pretendeu a mãe do menor, ou haveria concessão de indenização além do prejuízo material. "Deve ser levado em conta que a vítima gastava consigo 1/3 (um terço) do que recebia, segundo critério adotado pelo Supremo Tribunal Federal (RE 85.417, 1ª Turma, Rel.: Ministro Cunha Peixoto, julgado em 31/08/1976)", ponderou.
Por fim, o magistrado reduziu o pensionamento pela metade, a partir de 21/04/2019, quando a vítima completaria 25 anos, por presumir que ele constituiria nova família, seja pelo casamento, seja pela união estável ou, simplesmente, deixando o convívio familiar para ter uma vida independente, mas sem deixar de contribuir para o sustento dos pais, por se tratar de família de baixa renda.
Danos morais - Além da indenização por danos materiais, foi deferida à mãe do adolescente uma indenização por danos morais no valor de R$ 50.000,00. Conforme explicou o juiz, no caso, o dano moral se extrai dos próprios fatos, dispensando-se a comprovação do sofrimento íntimo. "Existe na hipótese o que a doutrina chama de "dano moral em ricochete", ou seja, os danos causados pelo óbito atingem reflexamente outra pessoa que compartilhava da convivência do acidentado", ressaltou o magistrado.
Recurso - Ao analisar o recurso dos reclamantes, a 4ª Turma do TRT-MG deu-lhe provimento, aumentando a indenização por dano moral para R$ 75.000,00. De acordo com o relator, Paulo Chaves Correa Filho, " o valor fixado na sentença é insuficiente para surtir os efeitos pedagógicos desejados, já que o acidente ocorrido era de fácil prevenção. Além disso, o trabalhador possuía apenas 17 anos de idade quando vitimado e o trabalho por ele exercido se encontra na Lista TIP (Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil), o que agrava ainda mais o dano causado".
01367-2013-135-03-00-9 RO - sentença: 19/05/2014 - acórdão: 08/10/2014
2º caso - MTE flagra trabalho de crianças em propriedade rural
No recurso apreciado pela Turma Recursal de Juiz de Fora, um proprietário rural pretendia a anulação de três autos de infração lavrados pelo Ministério do Trabalho em 30/07/2007. O primeiro, ao fundamento de que o proprietário mantinha em sua fazenda trabalhadores menores de 16 anos em serviços diversos. O segundo, por falta de fornecimento e fiscalização do uso dos equipamentos necessários à proteção e segurança dos trabalhadores. Por fim, o último, por ter o fazendeiro deixado de fornecer os documentos solicitados pela fiscalização. E, por maioria de votos, adotando o entendimento do relator, desembargador Marcelo Lamego Pertence, a Turma julgou desfavoravelmente o recurso, ao constatar que o proprietário rural praticou, de fato, as infrações descritas nos autos, inclusive quanto ao uso de mão de obra infantil. Assim, manteve a sentença que já havia declarado a validade dos autos de infração.
Em seu exame, o relator achou correto o procedimento do fiscal do trabalho, que desconsiderou a condição de parceiros agrícolas dos trabalhadores identificados na ação fiscal, reputando-os como meros empregados do fazendeiro. Isto porque, no contrato de parceria rural, o proprietário cede ao trabalhador o imóvel rural, ou parte dele, para que ali exerça atividade (agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal, mista, cria de animais, etc), cujos frutos, produtos ou lucros são partilhados, assim como os riscos do empreendimento (Lei 4.504/64 - Estatuto da Terra, artigo 96). Mas, no caso, o relato das testemunhas e do fiscal do trabalhado revelaram que os trabalhadores encontrados na propriedade rural não possuíam estrutura financeira para suportar os ônus desse tipo de contrato. "A prova dos autos evidencia, especialmente a testemunhal, que os supostos parceiros eram pessoas simples, que auferiam baixa remuneração pelos serviços que prestavam, juntamente com suas famílias, inclusive, necessitavam de empregar até mesmo a mão de obra de seus filhos menores para garantirem o mínimo se subsistência", frisou o desembargador.
As declarações de um trabalhador da fazenda, ouvido como testemunha, retratam bem as condições miseráveis das famílias que sujeitam seus filhos ao trabalho infantil. Ele disse que recebia cerca de R$350,00 mensais pela sua parte na meação do leite, necessitando contar com a ajuda de seus cinco filhos para o ajudarem nos serviços, a quem ele próprio remunerava. Além disso, o julgador constatou que os trabalhadores recebiam a parte que lhes cabia em espécie e estavam subordinados ao proprietário, de quem recebiam ordens sobre a execução dos serviços. Tais circunstâncias, segundo o relator, não se amoldam ao contrato de parceria agrícola, por contrariar a lei que rege o instituto. Ou seja, os "parceiros" do proprietário rural eram, na verdade, empregados, que prestavam serviços sem carteira assinada e sem receber os direitos trabalhistas que lhes eram devidos. Nesse quadro, foi reconhecida a nulidade dos contratos de parceria firmados com os trabalhadores, com base no artigo 9º da CLT e no Princípio da Primazia da Realidade.
Quanto à consistência do auto de infração pela constatação de trabalho infantil, não teve dúvidas o relator. Nas palavras dele: "Ficou evidente a existência de crianças trabalhando na propriedade do réu, o que não foi desmentido nem mesmo por suas testemunhas. Dentre as várias crianças encontradas trabalhando, todas tinham função definida, algumas na colheita de café, outras no corte da cana, sendo importante ressaltar que uma das crianças tinha apenas 08 (oito) anos de idade, o que, a meu ver, é inaceitável e lamentável".
Vale registrar aqui trechos da decisão, nos quais o desembargador expõe suas impressões sobre o tema do trabalho infantil:
"O trabalho infantil é prática odiosa que vem sendo combatida com esmero por toda a sociedade. Trata-se de um antigo problema de origem cultural e social arraigado há séculos no país. Porém, a partir de 1980, ao surgir um movimento social em favor dos direitos das crianças e dos adolescentes, esse quadro começou a mudar.
Vários foram os mecanismos criados para a solução do problema, como a promulgação da Constituição da República de 1988; a adoção, em 1989, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança; a aprovação, em 1990, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); os suportes técnico e financeiro do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC) da Organização Internacional do Trabalho (OIT), somados aos programas do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) a partir de 1992, acabaram por incluir definitivamente o tema do combate ao trabalho infantil na agenda nacional de políticas sociais e econômicas do país e do mundo.
A partir daí o trabalho infantil tornou-se uma questão de garantia e defesa de direitos e passou a ser responsabilidade de toda a sociedade, nos termos do art. 227 da CR/88. "Assim, a adoção de leis e a atuação da fiscalização são necessários, mas insuficientes para um permanente e eficaz combate a esta nefasta prática. É imprescindível garantir a participação efetiva e integrada de todos os segmentos sociais. ".
Citando as Convenções da OIT 138 (sobre a idade mínima para admissão ao emprego) e 182 (sobre as piores formas de trabalho infantil), o relator pontua: "A ratificação dessas Convenções representa a consolidação de um comprometimento nacional com a efetiva erradicação do trabalho infantil".
Voltando ao caso julgado, ele conclui que: "pouco interessa seja a situação decorrente de parceria agrícola ou de trabalho com vínculo de emprego, o trabalho infantil nos moldes verificados é intolerável e deve ser combatido com rigor, pois atenta contra toda a sociedade, já que os prejuízos futuros serão experimentados por toda a coletividade". E lembra que a agropecuária, especialmente o corte da cana-de-açúcar, é considerada uma atividade perigosa por excelência, por expor os trabalhadores a ferramentas e máquinas que lhes trazem risco, como serras, motores, tratores e facões, além da exposição a produtos químicos, como agrotóxicos e herbicidas. Além disso, a preparação do solo, plantio, colheita e trato dos animais são atividades que exigem grande esforço físico e exposição às intempéries climáticas. "Imaginar uma criança de apenas 08 (oito) anos de idade exposta a tal situação é cruel", arremata.
Por fim, o desembargador reconheceu a validade dos autos de infração remanescentes, um por ausência de apresentação da documentação exigida pela ação fiscal e o outro pelo não fornecimento aos trabalhadores dos necessários equipamentos de proteção individual, já que não foi produzida nenhuma prova capaz de contrariar as constatações que embasaram a autuação. Acompanhado o relator, a Turma, por maioria de votos, negou provimento ao recurso do proprietário rural.
00589-2008-068-03-00-0-RO - acórdão em 06/10/2009


Notícias Jurídicas do TRT mineiro sobre o tema:

05/09/2014 06:05h - Município de Ituiutaba e conselho municipal são condenados por utilização de trabalho infantil ilícito

01/04/2011 06:01h - Funções de cobrador e motorista de transporte coletivo não podem ser exercidas por menor aprendiz

28/03/2011 06:02h - Juíza identifica fraude em caso de trabalhador assistido por advogado do empregador

25/10/2010 06:09h - Empresa indenizará menor que teve a mão triturada em máquina de moer carne

08/05/2010 06:09h - Empregador que explorava mão-de-obra infantil em lavoura de café é condenado em danos morais coletivos

LINK PARA MATÉRIAS DO SITE DE COMBATE AO TRABALHO INFANTIL

Futuro em Jogo - Game de combate ao trabalho infantil já está disponível para celular e tablete
Fiscalização flagra trabalho escravo e infantil em marca de roupas de luxo em SP
A menina que vendia merenda, tornou-se desembargadora e hoje é referência contra trabalho infantil
Dia do Combate ao Trabalho Infantil é lembrado com participação da Justiça do Trabalho no Lixão de Porto Velho
ASSISTA AO VÍDEO SOBRE A LEI DO APRENDIZ LINK PARA DOWNLOAD DO JOGO
Clique AQUI e confira a jurisprudência do TRT-MG sobre trabalho infantil


Fonte: TRT3

Não é empregado o pedreiro que reforma residência de pessoa física que não atua em construção civil




O reclamante era pedreiro e trabalhava na empresa ré, com CTPS assinada, desde 02/02/2015. Entretanto, disse que prestava serviços nas unidades da empresa, uma indústria de café, assim como nas propriedades de seus sócios, desde 20/10/2014. Pretendia o reconhecimento do vínculo de emprego no período sem registro e o pagamento dos direitos trabalhistas decorrentes. Mas o juiz Antônio Neves de Freitas, que julgou o caso na 2ª Vara do Trabalho de Alfenas, não deu razão ao trabalhador.

Ao examinar as provas, o magistrado constatou que, antes de ser admitido na empresa, o reclamante trabalhava como profissional autônomo e, como tal, executou serviços de pedreiro em duas casas de um dos sócios da empresa, sob o regime de empreitada e, portanto, sem vínculo de emprego. O próprio reclamante, em depoimento pessoal, reconheceu que, por quase 10 anos antes de ser admitido na empresa, atuou como trabalhador autônomo, em atividades de vendedor e pedreiro, fazendo reformas em residências. Disse, ainda, que de outubro a fevereiro de 2015, fez a reforma de duas casas de propriedade de um dos sócios da ré.

Diante desse quadro e, também, com base em outras provas, o julgador não teve dúvidas de que, no período anterior a 02/02/2015, o reclamante não trabalhou para a empresa, mas sim para um de seus sócios proprietários. Além disso, o magistrado ressaltou que esse sócio não atuava na área da construção civil e contratou o pedreiro apenas para que ele executasse a reforma de suas casas, uma delas destinada ao lazer, tratando-se, portanto, de trabalho eventual, já que não integra a atividade normal do sócio.

"A forma usual de contratação de pedreiros, pintores, eletricistas, bombeiros hidráulicos, e outros profissionais da área da construção civil, por particulares, com a finalidade de construção ou reforma de prédio residencial de propriedade de pessoa física, como no caso, ou mesmo de estabelecimento comercial - se dá, realmente por meio de empreitada, até mesmo por ser mais vantajoso para ambas as partes", destacou o juiz, na sentença. É que, segundo o julgador, o empreiteiro tem maior autonomia na condução do trabalho e recebe valor bem maior do que o piso salarial geralmente previsto em normas coletivas dos trabalhadores da construção civil. Por outro lado, o dono da obra se livra de toda a burocracia decorrente do contrato de trabalho.

"Em situações como esta, o contrato de empreitada é a modalidade de que se vale geralmente o dono da obra, conforme se tem observado reiteradamente nos dias atuais. A jurisprudência, inclusive, tem se posicionado no sentido de não reconhecer a relação de emprego nos casos de contratação de profissionais da área de construção civil para prestação de serviços em reformas ou obras de pessoas físicas, que não exercem atividade econômica, exatamente como ocorreu no caso", finalizou o magistrado, rejeitando os pedidos do reclamante. O trabalhador apresentou recurso ordinário que se encontra em trâmite no TRT-MG.
PJe: Processo nº 0010535-98.2016.5.03.0169. Sentença em: 13/07/2016

Para acessar a decisão, digite o número do processo em:

https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam


Fonte: TRT3

Defesa genérica não afasta aplicação da multa do artigo 467 da CLT


A perda do emprego, somada à sonegação das parcelas trabalhistas decorrentes, é um fato social de muita relevância e que pode trazer sérios desdobramentos à vida do trabalhador. Assim, visando reprimir a conduta do empregador que, mesmo reconhecendo o débito trabalhista ao seu ex-empregado quando demandado perante a Justiça Trabalhista, permanece inadimplente, nossa legislação estipulou a multa do artigo 467 da CLT. Esse dispositivo legal determina que, em caso de rescisão do contrato de trabalho, o empregador deve pagar ao empregado, na data do comparecimento à Justiça do Trabalho, a parte incontroversa das verbas rescisórias, sob pena de serem devidas estas com acréscimo de 50%. Assim, somente as parcelas sobre as quais haja fundada controvérsia não serão abrangidas por essa multa em caso de inobservância da determinação legal.

Mas e se o empregador nega dever as parcelas pedidas pelo trabalhador, apresentando defesa genérica em juízo? Nesse caso, a apresentação de defesa genérica, somada à ausência de pagamento das verbas rescisórias no prazo legal ou na primeira audiência, não será capaz de livrar o empregador do pagamento da multa do artigo 467 da CLT. Com esse entendimento, a 9ª Turma do TRT mineiro, acompanhando entendimento da desembargadora Maria Laura Franco Lima de Faria, deu provimento ao recurso de quatro empregados para condenar a empregadora ao pagamento da multa celetista.

No caso, os trabalhadores afirmaram que, apesar de dispensados, não haviam recebido as verbas rescisórias. E apresentaram TRCTs que não registravam o pagamento de nenhuma dessas verbas, estando todas as rubricas zeradas. A empregadora, apesar de devidamente intimada, não compareceu à audiência em que deveria apresentar defesa e, por essa razão, foi considerada revel. Uma das tomadoras defendeu-se alegando que o pagamento das verbas rescisórias havia sido feito no prazo legal. Essa mesma defesa foi estendida à outra tomadora de serviços dos trabalhadores.

Diante da ausência de negativa da prestação de serviços em favor das duas tomadoras, bem como da ausência de impugnação dos TRCTs juntados, a julgadora não teve dúvidas de que a argumentação defensiva genérica não serve como pretexto para afastar a aplicação da multa do artigo 467/CLT, já que inexiste controvérsia válida e razoável acerca do direito às verbas rescisórias. Nesse quadro, a relatora deferiu o acréscimo de 50% sobre todas as parcelas rescisórias concedidas na decisão de 1º grau. O entendimento foi acompanhado pelos demais julgadores da Turma.
PJe: Processo nº 0010730-48.2015.5.03.0095. Acórdão em: 13/09/2016

Para acessar a decisão, digite o número do processo em:
https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...