segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Tratamento jurídico e social à pessoa traída no passado e no presente



Por Vladimir Passos de Freitas


A traição no amor sempre fez parte das relações humanas. O nono dos Dez Mandamentos dispõe: não cobiçar a mulher do próximo. Por sua vez, Jesus Cristo (Evangelho de João, 8:1-11) revelou a necessidade de misericórdia com os que erram, dizendo: “Aquele que dentre vós está sem pecado, seja o primeiro que lhe atire uma pedra”.

Entre 1572 e 1617, o teólogo alemão Georg Braun escreveu em seis tomos a obra Civitates orbis terrarum, onde descreveu os costumes e características das mais importantes cidades de seu tempo. No quinto volume,[1] falando sobre a cidade de Sevilha, inseriu uma pintura (vide abaixo) com um castigo público a uma mulher adúltera e ao seu marido, que nela é chamado de “Cornudo Paciente”, pois, ao que tudo indica, concordava com as aventuras da sua mulher.

O homem trazia na cabeça uns galhos que imitavam chifres e, atrás dele, uma mulher com o rosto escondido e um provável servidor da Justiça que executava a sentença do Tribunal do Santo Ofício. Açoitavam-no com umas varas compridas, sob a supervisão de um homem a cavalo, certamente um alto servidor do Tribunal. Na frente, dois jovens caçoavam com os dedos em V, que tinha naquele tempo o mesmo significado de hoje.A traição conjugal sempre foi repudiada, mas, revelando o machismo milenar da humanidade, nas mais diferentes culturas, a reprovação era apenas contra a conduta da mulher.

Nosso Código Penal, de 1940, trazia no artigo 240 a previsão de adultério, punido com 15 dias a 6 meses de prisão simples. Como promotor de Justiça de 1970 a 1980, nunca vi uma ação penal por tal crime. Este artigo foi revogado em 2005.

Na verdade, quando havia alguma iniciativa policial o objetivo mesmo era o de colher provas para a ação de natureza civil, que no passado se chamava desquite. Com a prova do adultério, o marido traído venceria a ação civil e seriam a seu favor todas as consequências da sentença, por exemplo, não pagar alimentos.

Certa feita, no ano de 1968, como estagiário de delegado de Polícia na cidade de São Vicente, tive ocasião de acompanhar uma diligência policial relacionada com o então crime de adultério. O marido traído compareceu à Delegacia com seu advogado. Era um sábado à tarde, momento propício para o ato furtivo. Acompanhados do delegado e da vítima, fomos em caravana ao apartamento onde estaria se dando a prática sexual proibida. Após a autoridade policial dar três batidas na porta e dizer em voz alta “abra em nome da lei”, depois de uns 15 minutos saiu o conquistador, seguido pela envergonhada esposa, esta com uma toalha na cabeça. Foram autuados em flagrante e depois postos em liberdade.

Havia ainda uma circunstância paralela no pensamento da época. Não raramente maridos assassinavam mulheres adúlteras, às vezes por mera suspeita, e levados a julgamento perante o Tribunal de Júri, onde só havia homens, eram absolvidos por legítima defesa da honra.

No âmbito penal, foi lenta a evolução para firmar-se jurisprudência no sentido de que a honra não se transfere, ou seja, que o marido não podia considerar-se ofendido pela quebra de compromisso de fidelidade da mulher. Esta, sim, é que teria sua honra ferida, que deveria sentir vergonha e não ele. A partir desta mudança de foco surgiram as primeiras condenações em casos de homicídio. Cita-se, a título de exemplo, acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo:

Júri - Decisão contrária à evidência dos autos - Impossibilidade do seu reconhecimento - Decisão dos Jurados fundamentada em prova existente nos autos - Legítima defesa da honra - Marido que mata a mulher - Inexistência da legitima defesa da honra - Asfixia - Reconhecimento de meio cruel - Rejeição de homicídio privilegiado - Pena corretamente dosada, tendo em conta o afirmado pelos Jurados - Regime inicial fechado - Apelo improvido.[2]

O tempo passou e, com ele, a aplicação do Direito. Na sociedade atual, pelo menos no mundo ocidental, a traição passou a ser vista com menos rigor. O tema acabou se desenvolvendo no âmbito civil. Corretamente, pois o Direito Penal não deve ocupar-se de assunto que diz respeito exclusivo dos cônjuges. Vejamos a jurisprudência.

A primeira observação é a de que não é mais necessário, como ao tempo dos romanos, que ocorra o que o advogado Paulo Sérgio Leite Fernandes membra em artigo anterior à descriminalização: “solus cum sola, nudus cum nuda, in eodem lecto” cuja tradução, em interpretação livre é: “Ambos nus, isolados, no mesmo leito”. [3] Não, agora para que haja a traição não precisam estar nus. Ela pode ser reconhecida mesmo que ambos estejam vestidos e à distância.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal julgou procedente ação de indenização de mulher contra o marido, por manter relacionamento com outra mulher via internet, condenando-o a pagar R$ 20 mil de indenização, mesmo não tendo relações carnais.[4] O demandado deixou gravadas no disco rígido de seu computador mensagens eróticas trocadas e a demandante, conhecendo a sua senha, teve acesso à prova material da conduta.

Não há mais distinção de tratamento pelo fato do traidor ser o homem ou a mulher. A jurisprudência vem condenando maridos sem distinção. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em decisão colegiada de 1988, portanto em época em que as mulheres tinham seus direitos menos respeitados, decidiu que

Separação judicial. Adultério do marido evidenciado nos autos. Nenhuma prova demonstrou vida desregrada da mulher: a prova do processo ha de ser analisada e valorada tendo-se em conta a época em que vivemos: critérios, valores, atitudes e comportamentos segundo as pessoas, no caso de classe media, que constituem os personagens vivos, de carne e osso, com que o juiz convive. Improveram a primeira e proveram a segunda apelação. [5]

Contudo, para que haja indenização por danos morais, há julgados que entendem necessária prova objetiva da lesão à honra. Vale dizer, não basta a traição, é preciso que ela tenha exposto a vítima ao ridículo, à humilhação. Veja-se, a título de exemplo, decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - INFIDELIDADE CONJUGAL - AUSÊNCIA DE PROVA DE OFENSA À HONRA SUBJETIVA - RESPONSABILIDADE CIVIL NÃO CONFIGURADA. A alegação de infidelidade conjugal, por si só, sem a prova de ofensa à honra objetiva da vítima, não enseja a condenação em indenização por danos morais, por ausência dos elementos configuradores da responsabilidade civil.[6]

E há, ainda, casos em que o marido participa da traição da mulher, seja porque se excita com o fato, seja porque dele obtém alguma vantagem econômica, social ou profissional. Isto não é algo típico dos tempos atuais, sempre existiu ainda que em menor quantidade. A diferença é que agora tornou-se público, inclusive objeto de sites na internet. Nestes casos, obviamente, não há direito a qualquer tipo de reclamação por infidelidade.

Em suma, a sociedade se transforma e o Direito deve acompanhar as mudanças. A traição não deixa de ser vista com reprovação. Todavia, sem os rigores da Idade Média. Felizmente.



[1] José Júlio García Arranz. El castigo del cornudo paciente: um detalle iconográfico en La Vista de Sevilla de Joris Hoefnagel (1593). Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/3755287.pdf. Acesso em 08 out. 2016.
[2] TJ-SP - ACR: 974554370000000 SP, Relator: Almeida Sampaio, Data de Julgamento: 13/10/2008, 2ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 25/11/2008. Acesso 7/9/2016.
[3] FERNANDES, Paulo Sérgio Leite.Revogação da punição de adultério na lei será um avanço. In: revista eletrônica Consultor Jurídico, 21/9/2004.
[4]http://www.jurisway.org.br/v2/noticia.asp?idnoticia=25169, acesso em 6/9/2016.
[5] TJRS, Apelação Cível Nº 587048166, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson Oscar de Souza, Julgado em 30/06/1988.
[6] TJ-MG - AC: 10699060652137001 MG, Relator: Brandão Teixeira, Data de Julgamento: 10/07/2013, Câmaras Cíveis / 2ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 19/07/2013.



Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

Revista Consultor Jurídico, 9 de outubro de 2016, 8h02

Quarta Turma adota método bifásico para definição de indenização por danos morais


A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) adotou o método bifásico para analisar a adequação de valores referentes a indenização por danos morais. A novo critério foi adotado em julgamento realizado no dia 4 de outubro.

Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, relator do processo, a aplicação desse método – que já foi utilizado pela Terceira Turma – uniformiza o tratamento da questão nas duas turmas do tribunal especializadas em direito privado.

O magistrado explicou que o método bifásico analisa inicialmente um valor básico para a indenização, considerando o interesse jurídico lesado, com base em grupo de precedentes que apreciaram casos semelhantes. Em um segundo momento, o juízo competente analisa as circunstâncias do caso para fixação definitiva do valor da indenização.

Salomão, em voto que foi acompanhado pelos demais ministros da turma, disse que na segunda fase do método o juiz pode analisar a gravidade do fato em si e suas consequências; a intensidade do dolo ou o grau de culpa do agente; a eventual participação culposa do ofendido; a condição econômica do ofensor e as condições pessoais da vítima. Para o magistrado, o método é mais objetivo e adequado a esse tipo de situação.

“Realmente, o método bifásico parece ser o que melhor atende às exigências de um arbitramento equitativo da indenização por danos extrapatrimoniais, uma vez que minimiza eventual arbitrariedade de critérios unicamente subjetivos do julgador, além de afastar eventual tarifação do dano”, argumentou.

Razoabilidade

No caso analisado, os ministros mantiveram decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que fixou em R$ 250 mil uma indenização por danos morais decorrente da veiculação de entrevista falsa em rede nacional de televisão.

Os ofensores entraram com recurso e buscaram diminuir o valor da condenação. Para o ministro Luis Felipe Salomão, a valor foi fixado dentro de critérios razoáveis, sendo desnecessária qualquer alteração na decisão do TJSP. O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Destaques de hoje
Pesquisa mostra nível de satisfação do público com serviços do STJ
Quarta Turma adota método bifásico para definição de indenização por danos morais
Descumprimento de acordo de delação premiada pode restabelecer prisão preventiva
Ministro suspende ações sobre execução regressiva em empréstimo compulsório de energia elétrica

Fonte: STJ 

TST determina que farmacêutica integre prêmios por cumprimento de metas ao cálculo de horas extras








A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho determinou à Biosintética Farmacêutica Ltda. que integre o valor de prêmios ou bônus pelo cumprimento de metas ao cálculo das horas extras realizadas por um propagandista vendedor. O entendimento predominante foi o de que esses prêmios não têm a mesma natureza das comissões, que não incidem sobre as horas extras.

Na ação trabalhista, o empregado pediu o pagamento correto dos prêmios, alegando que a empresa, ao longo do contrato, alterou as regras para o recebimento da parcela, causando-lhe prejuízo. Sustentou ainda que os prêmios tinham natureza salarial, pois eram pagos mensalmente, e, portanto, deviam incidir sobre o cálculo do repouso semanal remunerado e das horas extras, entre outras parcelas.

Em decisão anterior, a Sétima Turma do TST não conheceu do recurso do empregado contra a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) que deferiu apenas o adicional de horas extras em relação ao prêmio sobre produção. A Turma aplicou ao caso a Orientação Jurisprudencial 397 da SDI-1 e a Súmula 340, que tratam da remuneração mista (parte fixa, parte variável), entendendo tratar-se de comissionista misto.

Nos embargos à SDI-1, o propagandista sustentou que a OJ 397 e a Súmula 340 não seriam aplicáveis ao caso, porque não se tratava de comissões, e sim de prêmios decorrentes de metas alcançadas. Segundo ele, os prêmios são decorrentes do alcance de metas, e as comissões são decorrentes de cada venda efetuada.

O relator, ministro Augusto César Leite de Carvalho, votou no sentido de que os pagamentos efetuados ao empregado a título de prêmios não se confundem com as comissões, uma vez que não dependem de vendas realizadas por ele, mas do resultado de metas globais. Ele apontou trecho do acórdão regional com afirmação expressa de que o propagandista não realizava vendas, e que parte de sua remuneração dependia da produção pelo alcance de metas. "Desse modo, não se pode reconhecer que os prêmios tenham a mesma natureza das comissões, que constituem parte variável dos ganhos", afirmou.

Assim, o relator considerou inaplicáveis ao caso a Súmula 340 do TST e OJ 397 da SDI-1, e sim a Súmula 264, segundo a qual a remuneração da hora suplementar é composta do valor da hora normal e integrado por parcelas de natureza salarial.

A decisão foi por maioria, ficando vencidos os ministros Márcio Eurico Vitral Amaro, Brito Pereira e Cláudio Brandão.

(Mário Correia/CF)

Processo: E-RR-445-46.2010.5.04.0029

A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, composta por quatorze ministros, é o órgão revisor das decisões das Turmas e unificador da jurisprudência do TST. O quórum mínimo é de oito ministros para o julgamento de agravos, agravos regimentais e recursos de embargos contra decisões divergentes das Turmas ou destas que divirjam de entendimento da Seção de Dissídios Individuais, de Orientação Jurisprudencial ou de Súmula.

Fonte: TST 

JT não homologa arrematação por considerar vil lance inferior a 50% do valor do imóvel


Para satisfazer o direito da parte vitoriosa em uma ação trabalhista, concretizando o pagamento dos valores deferidos pelo Juízo, o Estado pode apreender bens do devedor e levá-los a leilão ou praça, que nada mais é que a venda pública de bens, pelo maior lanço ofertado, realizada por ordem do juízo ou por instituições públicas. E a propriedade dos bens penhorados é transferida a quem oferecer o maior lance, ato esse denominado de arrematação.

Mas existe limite mínimo para o lance? Conforme destacou a desembargadora Maria Cecília Alves Pinto, em um caso analisado na 1ª Turma do TRT mineiro, o novo Código de Processo Civil, suprindo lacuna anteriormente existente, dispôs que, não havendo estipulação de preço mínimo pelo juiz, considera-se vil o preço inferior a cinquenta por cento do valor da avaliação (artigo 891 do NCPC).

Com base nesse dispositivo legal, a desembargadora negou provimento ao recurso apresentado por um arrematante que pretendia a homologação da arrematação. No caso, o imóvel objeto de penhora foi avaliado pelo Oficial de Justiça em R$100.000,00, e o maior lance por ele ofertado foi de R$31.000,00, o que correspondia a 31% do valor da avaliação.

Esclareceu a relatora que, diante da omissão do CPC/73 em conceituar o "preço vil" e de especificar um percentual mínimo para validar a arrematação dos bens, cabe ao próprio magistrado, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e pautado nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, verificar se o lanço ofertado é ou não vil. A julgadora registrou que a jurisprudência do TRT de Minas se firmou no sentido de considerar vis somente os lances que não atingissem o mínimo de 30% do preço da avaliação. Aí o entendimento era de que a estipulação desse percentual não afrontaria os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, já que o crédito seria revertido em proveito do credor que teve frustrados seus direitos trabalhistas. Contudo, com a vigência do Novo Código de Processo Civil essa discussão ficou superada, já que está expressamente estabelecido no artigo 891 que será vil o lance inferior a 50% do valor de avaliação.

Assim, a julgadora concordou com o entendimento de que, embora não tenha sido estipulado preço mínimo pelo juiz, ele considerou que o lanço ofertado é vil, tendo em vista não só o Novo CPC, mas também as peculiaridades e características do imóvel levado à leilão. Acompanhando voto da relatora, a Turma negou provimento ao recurso, mantendo a decisão que deixou de homologar a arrematação. ( 0011000-31.2004.5.03.0104 AP )



Fonte: TRT3

Trabalhador cadastrado de forma errada no PIS não consegue indenização por atraso no seguro desemprego e no saque do FGTS


Uma empresa de pesquisa e extração de minério cadastrou, por engano, o PIS de um trabalhador como sendo de um dos seus empregados. E, por essa razão, constando erroneamente como empregado ativo, ao tentar levantar o FGTS e receber o seguro desemprego, o trabalhador teve seu pedido inicialmente negado, o que o impediu de honrar seus compromissos financeiros. Diante dessa situação, o trabalhador buscou na Justiça do Trabalho indenização pelos prejuízos que alegou ter sofrido.

Admitindo o erro, a empresa afirmou que o corrigiu rapidamente, assim que constatou a utilização equivocada do PIS do trabalhador. Assim, na versão da empresa, não seria cabível a indenização pretendida.

Ao analisar o caso, na titularidade da Vara do Trabalho de Conselheiro Lafaiete, a juíza Rosângela Pereira Bhering não deu razão ao trabalhador. Isso porque, como evidenciado pelas provas produzidas, a empresa, de fato, tão logo se cientificou do equívoco praticado, tomou todas as providências para corrigi-lo, de forma que o trabalhador sacou o FGTS e requereu o seguro desemprego.

Considerando que o engano não foi praticado de forma proposital ou leviana, a julgadora concluiu que não era o caso de se cogitar de indenização, até porque, a pendência acabou sendo solucionada, sem prejuízos para o trabalhador. Diante disso, negou o pedido feito na ação. Houve recurso, mas a decisão foi mantida pela 9ª Turma do TRT mineiro.
PJe: Processo nº 0011467-45.2013.5.03.0055. Sentença em: 24/09/2015Para acessar a decisão, digite o número do processo em: https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam



Fonte: TRT3

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

REVISTA JURÍDICA LUSO BRASILEIRA | ISSN 2183-539X

REVISTA JURÍDICA LUSO BRASILEIRA | ISSN 2183-539X

2016/4

  • CAPA - i
  • Admaldo Cesário dos Santos, "Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) e Liberdade Religiosa: O Caso Cha’are Shalom Ve Tsedek versus França. Uma Apreciação Crítica" - 1
  • Aldo Cesar Filgueiras Gaudencio & Biltis Diniz Paiano, "Avanços Tecnológicos e o Estado da Arte como Fatores de Riscos aos Consumidores: Uma Análise Comparada dos Direitos Português e Brasileiro sobre a (In)Admissão do Risco do Desenvolvimento" - 13
  • Alexandre Libório Dias Pereira, "O «Marco Civil da Internet» e seus Reflexos no Direito da União Europeia" - 53
  • Alexandre Coutinho Pagliarini, "Reforma Estrutural e Jurisdicional na Nova Ordem Mundial" - 107
  • Ana Flavia de Andrade Nogueira Castilho, "A Extrafiscalidade no Brasil" - 135
  • Beatriz Nunes Lira Braga, "O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana no Direito Previdenciário: Mínimo Existencial versus Reserva do Possível - Uma Análise dos Fundamentos Utilizados pelos Tribunais Brasileiros" - 161
  • Ben-Hur Silveira Claus, "Execução Trabalhista: Da Desconsideração Clássica à Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica" - 225
  • Carlo Bruno Lopes do Nascimento, "Jogos Oligopolistas de Poder: Um Ensaio sobre as Barreiras à Entrada, Conluio Tácito e Teoria dos Jogos" - 267
  • Célio Horst Waldraff, "Os Poderes Mandamentais do Juiz no Novo CPC e a Superação da Multa do Art. 475-J do CPC/1973" - 297
  • Celso Antonio Pacheco Fiorillo & Renata Marques Ferreira, "Gestão Integrada de Técnicas bem como Gerenciamento do Lixo Tecnológico na Sociedade da Informação em Face da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/10)" - 325
  • Cinthia Danielly Nepomuceno de Souza & Fillipe Azevedo Rodrigues, "Os Jogos da Colaboração Premiada" - 341
  • Cristiana Sanchez Gomes Ferreira & Carolina Fagundes Leitão, "A Holding Patrimonial Familiar e seus Incentivos: Uma Análise Juseconômica" - 369
  • Cristiane Catarina Fagundes de Oliveira & Márcia Rosa de Lima, "Sociedade, a Crise das Tradicionais Funções do Parlamento e os Protestos Populares no Brasil de 2013" - 395
  • Diego Carvalho Machado, "Do Sujeito de Direito à Pessoa Humana: Reflexões sobre Subjetividade Jurídica, Teoria do Direito Civil e Tutela da Pessoa" - 415
  • Diogo Leite de Campos, "O Estatuto Jurídico da Pessoa Depois da Morte" - 477
  • Dulcilene Aparecida Mapelli Rodrigues, "O Direito Constitucional, a Temática Ambiental e o Limite Ético-Responsável para a Atuação Jurídica" - 489
  • Edgardo Torres López, "El Concebido en el Artículo 1 del Código Civil Peruano" - 527
  • Edson João de Luna & Emiliane Priscilla Alencastro Neto, "O Direito de Resistência na Experiência Constitucional Luso-Brasileira e sua Fundamentalidade" - 533
  • Elida Séguin, Nadia Maria Bentes & Daiane Lima dos Santos, "Impactos Ambientais e a Lei de Defesa Civil" - 561
  • Fábio da Silva Veiga & Érica Guerra da Silva, "Empresa e Direitos Humanos: Da Governança Corporativa à Responsabilidade Social" - 603
  • Fernanda Molina de Carvalho Stança & Nayara Maria Silvério da Costa Dallefi, "Da Busca da Segurança Jurídica por Intermédio da Defensoria Pública em Respeito ao Princípio do Acesso à Justiça" - 633
  • Fernando Quadros da Silva, "Contratações Públicas: A Prova da Sustentabilidade em Juízo" - 653
  • Fernando Martins Maria Sobrinho & Fábio André Guaragni, "A Aplicação do Princípio da Continuidade da Atividade Empresarial no Universo do Direito Penal Econômico" - 669
  • Filipe Guedes de Oliveira, "Sujeição Passiva no IPI: Princípios, Contribuintes e Responsáveis Tributários" - 693
  • Francisco Rodrigues Rocha & Margarida Duarte Domingues, "Algumas Notas sobre a Comercialização de Seguros de Vida Ligados a Fundos de Investimento" - 721
  • Gerson Luiz Carlos Branco, "Primeiras Linhas sobre Contratos de Adesão e Arbitragem Comercial no Direito Brasileiro" - 745
  • Gisela Maria Bester, Fábio da Silva Bozza & Bonfim Santana Pinto, "Em Tempo de Culturas do Estupro e da Violência, o Aceno à Cultura da Paz: Um Corte Transversal nos Estudos da Violência de Gênero sob as Óticas da Vitimologia e da Criminologia Feminista" - 771
  • Giuliana Bonanno Schunck, "Cláusulas de Limitação e Exoneração de Responsabilidade e sua Aplicação no Direito Civil Brasileiro" - 801
  • Gonçalo Sampaio e Mello, "Guilherme Braga da Cruz – Perfil Biográfico" - 827
  • Gustavo Bahuschewskyj Corrêa, "Os Utilizadores e os Direitos Autorais na Internet" - 921
  • Gustavo de Revorêdo Pugsley, "Vícios Redibitórios na Venda de Coisas Conjuntas: O Art. 503 do Código Civil Brasileiro" - 955
  • Heloisa Segalin Lettrari & Caio Cezar Bellotto, "A Concessão de Asilo Político no Ordenamento Jurídico Brasileiro (O Caso Snowden)" - 985
  • Herisberto e Silva Furtado Caldas, "Termo Inicial para Progressão de Regime e o Art. 387, §2º do Código de Processo Penal" - 1003
  • Iris Saraiva Russowsky, "Direitos Pessoais e Escravidão no Século XIX" - 1019
  • Isabelle Dias Carneiro Santos & Manoel Ambrosio Ribeiro Neto, "A Atuação das Organizações Internacionais para o Fortalecimento da Democracia: A Organização dos Estados Americanos e o Combate à Corrupção no Brasil" - 1057
  • José Fernando Simão, "Transmissibilidade dos Alimentos: A Lei, a Doutrina e Superior Tribunal de Justiça" - 1079
  • Leandro Peixoto Medeiros, "A Prescrição nos Casos de Responsabilidade Civil do Estado" - 1095
  • Leonardo Estevam de Assis Zanini, "O Direito de Superfície na Alemanha e o Seu Caráter Social" - 1121
  • Lucas Daniel Ferreira de Souza & Francisco António Morilhe Leonardo, "A Responsabilidade Civil por Atos de Bullying no Âmbito Escolar" - 1153
  • Luiz Guilherme Marinoni, "O «Problema» do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas" - 1173
  • Luiz Eduardo Gunther & Juliana Cristina Busnardo, "A Aplicação do Teletrabalho ao Poder Judiciário Federal" - 1199
  • Marcelo de Oliveira Burgati, "O Caso da Menina Anny Fischer e a Derrotabilidade do Crime de Tráfico de Drogas Ante o Princípio da Dignidade Humana" - 1247
  • Maria Letícia Xavier Fornazari & Vitor Santiago Malta, "O Novo Código de Processo Civil e suas Repercussões no Procedimento de Recuperação Judicial" - 1281
  • Michael César Silva & Vinícius Lott Thibau, "A Desconsideração da Personalidade Jurídica e o Novo Código de Processo Civil" - 1309
  • Miguel Patrício, "Correlações e Causalidade: Breves Reflexões numa Perspectiva Económica" - 1347
  • Paula Vaz Freire, "Good Faith in Contractual Law: A «Law and Economics» Perspective" - 1381
  • Renan Bruno Nascimento, "A Arbitragem Marítima como Método de Resolução de Conflitos no Estado do Espírito Santo" - 1395
  • Rennan Faria Krüger Thamay & Rafael Ribeiro Rodrigues, "Primeiras Impressões sobre o Direito Probatório no CPC/2015" - 1441
  • Ricardo Franco Pinto, "Sobre la Actualidad del Pensamiento de Francisco de Vitoria en la «Sociedad Globalizada» del Siglo XXI" - 1467
  • Rodrigo Coimbra & Tiago Silveira de Faria, "Reflexões sobre a Revalidação dos Diplomas Acadêmicos do Mercosul no Brasil" - 1499
  • Rui Carvalho Piva, "Registros Históricos sobre as Famílias Europeia Moderna, Chinesa, Japonesa, Indiana, Árabe, Africana e Norte-Americana Contemporânea. Em Busca da Identidade da Atual Família Brasileira" - 1523
  • Sergio Leandro Carmo Dobarro & André Villaverde, "A Importância do Cinema na Educação Jurídica como Ferramenta Didatica quanto a Reflexões acerca da Dignidade da Pessoa Humana na Obra O Solista" - 1553
  • Thiago Medeiros Caron, "Análise Crítica à Nova Sistemática do Recurso de Revista após a Reforma do Sistema Recursal Trabalhista" - 1579
  • Vera Amaral Carvalho Momo, "Questões de Direito Internacional Relacionadas ao Contrato de Sociedade e Possíveis Soluções Frente à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB" - 1627
  • Wilson Pantoja Machado, "O Sobreendividamento do Consumidor Luso-Brasileiro" - 1655

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Lei Anticorrupção "Acordo de leniência é entre Administração e empresa e ninguém mais, nem o MP"








O ministro Gilson Dipp, aposentado do Superior Tribunal de Justiça, anda oferecendo cafezinhos de graça em suas palestras. Para ganhar um, diz ele, basta apontar, na Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), “uma linha” que trate da participação do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público nos acordos de leniência. No caso do TCU, o café sai ainda mais caro, já que a lei sequer cita o órgão.

Na opinião do ministro, o acordo de leniência só pode ser celebrado pelo ente lesado e pela empresa que causou o dano. Ninguém mais. “A participação do Ministério Público e do TCU dá mais garantias, mas, ao mesmo tempo, complica. As exigências passam a ser tão grandes, que acaba prejudicando qualquer acordo”, diz, em entrevista à ConJur.

Dipp está lançando um livro, junto com o desembargador Manoel Lauro Volkmer de Castilho, aposentado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sobre o assunto. Intitulada Comentários sobre a Lei Anticorrupção, a obra é justamente o que promete: textos sobre cada linha da lei, da ementa à data da entrada em vigor, passando pela exposição de motivos da Presidência da República, autora do projeto, e pela tramitação legislativa. E depois de pronto o livro, o ministro conclui: “A lei veio furada”.

A intenção da norma, lembra Dipp, era atender a exigências da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre combate a lavagem de dinheiro e a corrupção empresarial internacional. Tanto que o projeto foi enviado ao Congresso ainda pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deixou a o cargo em 2009 e dizia que provaria que a OCDE não era “um clube de ricos”.

O projeto dormiu na Câmara até 2013, quando a classe política foi pega de surpresa pelas manifestações de junho daquele ano, quando milhões de pessoas foram às ruas, em São Paulo, protestar contra o preço da passagem de ônibus e aproveitaram para reclamar das autoridades públicas do país. Aí a tramitação foi acelerada, e o texto foi aprovado em dois meses, para entrar em vigor em 180 dias.

Esse cronograma coincidiu com a deflagração da operação “lava jato”, que naquela época começava a descobrir contratos superfaturados entre empreiteiras e a Petrobras. Portanto, a lei que criou o acordo de leniência nasceu sob a égide de uma investigação policial, e o resultado, afirma Dipp, foi uma lei penal travestida de lei administrativa.

Desde o início, os textos da exposição de motivos e das relatorias no Congresso falavam em combate ao suborno, à corrupção, à lavagem de dinheiro etc. “Com toda essa linguagem explícita, desde a mensagem presidencial até as relatorias na Câmara e no Senado, se alguém encontrar uma linha da lei que fale em corrupção e suborno, eu pago um cafezinho “, desafia Dipp.

O ministro aposentou-se do STJ em 2014, no mesmo dia que o ministro Ari Pargendler, seu colega de faculdade. Foi corregedor nacional de Justiça e colaborou com a OCDE para a implantação de medidas de combate à lavagem de dinheiro. Entre elas, a especialização de varas na Justiça Federal e a criação da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla). Hoje, é sócio do escritório Carneiros e Dipp, do advogado Rafael Araripe Carneiro.

Leia a entrevista:

ConJur — O livro se chama Comentários à Lei Anticorrupção. Qual o principal comentário à lei?
Gilson Dipp — O interessante aqui é que é um livro que não tem uma citação, nem de jurisprudência, nem de doutrina. Ele não tem nenhuma ideia ou concepção que não seja dos autores. E a lei é comentada artigo por artigo, já trazendo todos os problemas que decorreriam dela.

ConJur — Quais são esses problemas?
Gilson Dipp — A lei foi feita porque a OCDE pediu ao Brasil a responsabilização das empresas por atos de corrupção, mas a doutrina penal brasileira não aceita a responsabilização jurídica penal das pessoas jurídicas, salvo em Direito Ambiental. É aquela velha história de que pessoa jurídica não é um ente e não pode delinquir, quem faz a delinquência são seus sócios etc. Portanto, essa lei tem toda a concepção de uma lei penal, mas teve que virar civil e administrativa. Todo o histórico parlamentar dela mostra isso. E aqui se fez uma responsabilização administrativa.

ConJur — Isso se refletiu na lei como um todo, então?
Gilson Dipp — Claro. Todos os tipos de ilícitos administrativos elencados na lei têm um tipo penal correspondente com uma redação um pouco diferente. As penas aplicadas muitas vezes correspondem às penas aplicadas ao Direito Penal: suspensão de atividades, bloqueio de bens, proibição de contratar com bancos públicos.

ConJur — A grande novidade da lei foi a história do compliance, ou “programa de integridade”, que é como o governo decidiu traduzir. Existe novidade nisso? Já existia a preocupação com compliance muito antes dessa lei.
Gilson Dipp — Claro! Todas as grandes empresas, em especial aquelas que investem na Bolsa de Nova York, têm programas de compliance. Mesmo grandes empresas sem exigência já tinham programas de integridade, tudo copiado do sistema americano, do sistema inglês, todas empresas multinacionais, isso não é novidade. O programa de compliance existe no Brasil desde a Lei de Lavagem de Dinheiro, de 1998.

ConJur — Já do mesmo jeito que está na Lei Anticorrupção?
Gilson Dipp — Ela fala principalmente a bancos. Diz que os bancos, para evitar que dinheiro sujo entre no sistema financeiro devem conhecer seus clientes. Foi seguida a orientação do Gafi [Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo], que funciona junto à OCDE, fica no mesmo prédio e tudo. E as recomendações do Gafi ao Banco Central foram: antes de abrir uma conta, conheça o seu cliente, conheça a origem do dinheiro do seu cliente, conheça as transações comerciais do seu cliente com outras empresas. E eu brinco em palestras: “Conheça a ex-mulher do seu cliente, porque ninguém melhor para informar que a ex-mulher, que delata sem precisar de premiação”.

ConJur — E aquela medida provisória, que acabou caducando?
Gilson Dipp — Fui ouvido duas ou três vezes lá na comissão especial Câmara sobre essa MP, porque ela visava mudar não o processo administrativo, mas o acordo de leniência – leia-se, em função da “lava jato”. A intenção era aplicar multas menores, para possibilitar acordos menos drásticos, para que não ficasse impossibilitada de contratar com o poder público, de ter financiamentos. Ou seja, o regulamento visou atenuar a rigidez da lei por uma questão factual de momento, que foi a “lava jato”.

ConJur — Ainda há a confusão sobre quem pode se envolver nos acordos...
Gilson Dipp — Antes, quando se falava em acordo de leniência, a CGU tinha exclusividade. Mas quando é que começou a dar problema? Eu sempre critiquei isso. Como o acordo de leniência, que é o processo administrativo de responsabilização a cargo da entidade lesada, deu ibope, tanto o TCU quanto o Ministério Público quiseram participar. Mas não tem uma linha na lei sobre TCU, muito menos sobre Ministério Público. Cada um tem a sua atribuição. Como há uma tibiez, houve uma total submissão do nosso Legislativo às exigências do MP. Um Executivo fraco, um Legislativo incipiente, e ambos sob suspeita, aceitaram qualquer coisa que o Ministério Público impunha.

ConJur — Prevaleceu a vontade de um ator interessado, então.
Gilson Dipp — Não estou dizendo que isso seja ruim. O que lamento é essa submissão dos poderes, que de resto ficaram enfraquecidos. Com a judicialização da política e com a politização do Judiciário e o ativismo judicial, quem manda é o Judiciário. Até mesmo o Supremo Tribunal Federal.

ConJur — O Supremo deveria ter recuado?
Gilson Dipp — Não é que ele queira mandar em tudo, é que pediram, e ele não teve a consciência de que não deveria avançar para além da sua atribuição. Por exemplo, as questões do impeachment. Isso é interna corporis do Legislativo! Ou o Legislativo usa de sua competência ou se demite dela. Tudo isso eu disse quando fui à Câmara falar na comissão especial que analisava a medida provisória.

ConJur — Era a MP que falava do TCU, não era?
Gilson Dipp — O TCU não está na lei, está numa instrução normativa dizendo que o acordo de leniência trata de desvio de patrimônio público, de recursos públicos. Ora, nem todo ato ilícito decorre de verba pública. A missão do TCU é verificar as contas públicas. Qualquer prejuízo que um ente público tivesse, a qualquer momento o TCU poderia atuar, por força Constituição. Querer participar desde o início das negociações do acordo de leniência é uma pauta.

ConJur — E o Ministério Público?
Gilson Dipp — Mesma coisa. Entraram dizendo que só eles conhecem o valor dos danos causados porque são os donos da ação penal. Mas são coisas diferentes, as competências são diversificadas! Agora o Ministério Público está fazendo acordo de leniência, com esse nome, homologado pelo juiz penal, com silêncio absoluto da administração. Isso pode ser tudo, delação premiada, pode ser até um termo de ajustamento de conduta, mas chamar de acordo de leniência e prejudicar os acordos que estão andando na CGU? E a própria CGU manda ouvir o Ministério Público porque tem dificuldades...

ConJur — Mas a medida provisória caducou e o TCU continua nos acordos de leniência.
Gilson Dipp — O TCU tem uma instrução normativa de 2004 dizendo que se fazia necessária sua participação etc. E a CGU sucumbiu a isso. O acordo de leniência quem conduz é o ente lesado. Quem verifica as possibilidades, as vantagens e desvantagens que o acordo tiver é a administração pública e a empresa. Ponto.

ConJur — Então não é para ter ninguém de fora?
Gilson Dipp — Ninguém! O Ministério Público já tem suas ferramentas. O TCU já tem sua tomada de contas, e em qualquer setor ele pode entrar como verificador do dano ao erário. Além de tudo isso, a lei nunca excluiu o Ministério Público ou a própria Receita de, ao se sentir lesada por um acordo, por um processo que chega a seu fim, promover as respectivas ações que lhe são próprias.

ConJur — Hoje a participação do Ministério Público e do TCU nos acordos de leniência é ilegal?
Gilson Dipp — Se alguém me mostrar um dispositivo da lei que se refira a esses órgãos, eu pago um cafezinho. Portanto, esta é uma lei que está sendo aplicada, mas que já veio com dificuldades de origem. Para o Brasil cumprir tratados com a OCDE, ela foi colocada rapidamente em discussão face às manifestações de junho de 2013, aprovada agosto daquele ano para entrar em vigor em janeiro de 2014, em plena “lava jato”, onde basicamente as investigações foram feitas a empresas.

ConJur — Bom, então por que uma empresa faria um acordo de leniência?
Gilson Dipp — Eu disse quando ainda estava no STJ que se eu fosse advogado nunca faria um acordo de leniência. A participação do Ministério Público e do TCU dá mais garantias, mas ao mesmo tempo complica tanto, as exigências passam a ser tão grandes, que acaba prejudicando qualquer acordo. Isso teria que ser modificado na própria Lei Anticorrupção.

ConJur — Para dizer o quê?
Gilson Dipp — Para estabelecer a participação do Ministério Público e do TCU. Mudar toda a configuração da lei, que hoje é o foco na prática de ato ilícito contra a administração pública, e ela que deve levar o processo administrativo, aplicar as penalidades, fazer acordo etc. Essa lei veio furada já da sua elaboração legislativa.

ConJur — Em que sentido?
Gilson Dipp — Desde a mensagem presidencial do Lula, passando pela relatoria do Zarattini na Câmara e pelo Ricardo Ferraço, relator no Senado, a justificativa da lei era: "O Brasil tem de cumprir com acordos internacionais”, “o Brasil tem que combater a corrupção”, “o Brasil tem que combater o suborno”, "o Brasil tem que ser transparente". E aí eu falo em palestras: Com toda essa linguagem explícita, desde a mensagem presidencial até as relatorias na Câmara e no Senado, se alguém encontrar uma linha da lei que fale em corrupção e suborno, eu pago um cafezinho na esquina.

ConJur — E por que não fala em corrupção e suborno?
Gilson Dipp — Porque é uma lei penal que não teve coragem! Corrupção e suborno são tipos penais!


Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.Revista Consultor Jurídico, 2 de outubro de 2016, 9h38

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