segunda-feira, 3 de outubro de 2016

JT nega garantia provisória a diretor de cooperativa registrada como de trabalho e não de empregados


O juiz Thiago Saço Ferreira, em sua atuação na 1ª Vara do Trabalho de Coronel Fabriciano, negou o pedido de um empregado de laboratório farmacêutico que, por ocupar cargo de diretor de cooperativa, buscou sua reintegração ao emprego ou indenização substitutiva ao período de seu mandato. É que, conforme constatou o julgador, embora os dirigentes de cooperativas de empregados gozem de garantia provisória de emprego (artigo 55 da Lei 5.764/1971), o caso foge do enquadramento legal necessário à garantia, já que a associação constituída pelo trabalhador e mais nove pessoas constituiu-se como uma cooperativa de trabalho e não como uma cooperativa de empregados.

O magistrado frisou que a cooperativa de trabalho, nos termos da Lei 12.690/2012, traz elementos de aplicação completamente incompatíveis com um empregado celetista. Nesse sentido, o artigo 2º da lei dispõe que ela se caracteriza como "a sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho". Analisando esse conceito, o juiz ponderou que essa modalidade de cooperativa consiste em uma associação de trabalhadores autônomos que se congregam para a prestação de serviços a terceiros, visando melhorias socioeconômicas e de renda. Assim, não há prestação de serviços a seus membros, mas estes, a partir da cooperativa, se unem para atuar conjuntamente no mercado, aumentando o volume de negociações e captando maior clientela.

Traçando um paralelo entre a cooperativa de trabalho e a de empregados, o juiz frisou que o lucro é da essência da forma de associativismo na cooperativa de trabalho. Já nas cooperativas de empregados, a lei é expressa no sentido de que, embora elas exerçam atividade econômica, não visam lucro (artigo 3º da lei 5.764/1971).

"Houve, no mínimo, gritante confusão na constituição da Uniprovale, misturando-se conceitos, finalidades e institutos jurídicos, todos absolutamente mal manuseados, data venia", destacou o magistrado, acrescentando que, sendo premissa da cooperativa de trabalho a inexistência da relação de emprego, não há como profissionais autônomos exigirem do empregador a garantia provisória de emprego. Por essas razões, o julgador considerou incabível o direito previsto no artigo 55 da Lei 5.764/1971 às cooperativas de trabalho.

Na visão do magistrado, a opção equivocada por uma cooperativa de trabalho provavelmente se deu em razão do pequeno número de integrantes, somente sete, tendo em vista que a cooperativa singular exige a participação mínima de vinte membros. "Prevendo a nula representatividade da Uniprovale, reclamante e seus colegas optaram por concebê-la sob indevida formatação jurídica. Transparece, nesse contexto, que o objetivo primeiro era fruir do benefício garantido pelo art. 55 da Lei 5.764/1971, renovadas as venias", finalizou o julgador, concluindo que o trabalhador não goza de estabilidade no emprego por ser diretor secretário da cooperativa.

Nesse quadro, o magistrado reconheceu a licitude da dispensa, negando o pedido de reintegração no emprego e de indenização substitutiva ao inexistente período de garantia de emprego. O empregado recorreu da decisão, que ficou mantida pelo TRT mineiro.
PJe: Processo nº 0010417-45.2016.5.03.0033. Decisão em: 03/08/2016

Para acessar a decisão, digite o número do processo em:
https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam


Fonte: TRT3

NJ ESPECIAL: TJP nº 10 do TRT-MG valida negociação coletiva sobre acesso à nova estrutura salarial e de funções dos empregados da Caixa






Em Sessão Ordinária realizada no dia 14/07/2016, o Tribunal Pleno do TRT de Minas, com base no artigo 896, parágrafo 4º, da CLT, e 3º da Resolução GP 9/2015 do Tribunal, conheceu de Incidente de Uniformização de Jurisprudência (IUJ), determinando, por maioria simples de votos, a edição da Tese Jurídica Prevalecente de número 10, que ficou com a seguinte redação: "CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. ACESSO À NOVA ESTRUTURA SALARIAL E DE FUNÇÕES (ESU/2008 E PFG/2010). NECESSIDADE DE SALDAMENTO DO PLANO DE BENEFÍCIOS REG/REPLAN E MIGRAÇÃO PARA NOVO PLANO DE BENEFÍCIOS DA FUNCEF. PREVISÃO EM NEGOCIAÇÃO COLETIVA. VALIDADE. É válida cláusula de negociação coletiva que impõe como condição à nova estrutura salarial e de funções da CEF ("ESU/2008" e "PFG/2010") o saldamento do plano de benefícios REG/REPLAN e migração para novo plano de benefícios da Funcef. Aplicação do entendimento consolidado na Súmula n. 51, II, do TST".

Histórico do IUJ



O Ministro Relator do Tribunal Superior do Trabalho Alberto Luiz Bresciani de Fontan Ferreira determinou o sobrestamento do Recurso de Revista e a devolução dos autos ao TRT da 3ª Região para que se proceda à uniformização da jurisprudência local, já que identificou existência de decisões conflitantes no âmbito do TRT de Minas no que tange ao tema: CEF. Inclusão no PCS 2008. Necessidade de saldamento do plano de benefícios REG/REPLAN.

Na sequência, o 1º vice-presidente do TRT-MG determinou o encaminhamento dos autos à Secretaria do Tribunal Pleno para registro e processamento do incidente, com ciência de todas as Turmas, para que suspendessem o andamento dos processos versando sobre a mesma matéria, até o julgamento do incidente.

Após distribuição ao desembargador relator César Machado, os autos foram remetidos à Comissão de Uniformização de Jurisprudência para emissão de parecer, que constatou a existência de correntes jurisprudenciais divergentes no Tribunal e sugeriu redação de súmula.

O Ministério Público do Trabalho emitiu parecer, opinando pelo conhecimento do incidente e, no mérito, pela invalidade da norma que condiciona o acesso do empregado ao ESU 2008 e PFG 2010 ao saldamento da REG/REPLAN e ingresso em novo plano de previdência da Funcef. Teses divergentes



O relator destacou que, em 2008, a Caixa Econômica Federal - CEF apresentou novo Plano de Cargos e Salários - PCS/2008 aos seus trabalhadores, cuja adesão estaria condicionada à renúncia e saldamento do plano de benefícios REG/REPLAN, bem como renúncia às ações judiciais em curso e aos direitos da estrutura anterior.

Em pesquisa realizada através do sítio eletrônico www.contrafcut.org.br/acordos, constatou que o aditivo ao acordo coletivo de trabalho 2007/2008 firmado entre a CEF e a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (CONTRAF) estabelece em sua cláusula 5ª sobre o processo de adesão à Estrutura Salarial Unificada 2008:

CLÁUSULA 5ª - DA ADESÃO A ESTRUTURA SALARIAL UNIFICADA 2008

A adesão às novas condições da Estrutura Salarial Unificada 2008 dar-se-á de forma espontânea, mediante opção individual do empregado, em conformidade com a Súmula 51, Item II, do Tribunal Superior do Trabalho:

Parágrafo 1º - A adesão ocorre por meio de assinatura eletrônica do Termo de Transação e Adesão à Estrutura Salarial Unificada 2008 da Carreira Administrativa do PCS/98, disponibilizado no aplicativo 4.1 SISRH Auto-atendimento.

Parágrafo 2º - O período de adesões será de sessenta dias a contar de 07 de julho de 2008, com vigência a partir de 1º de julho de 2008.

Parágrafo 3º - Poderão aderir à Estrutura Salarial Unificada 2008 todos os empregados da Carreira Administrativa do PCS/89 e PCS/98, com exceção dos empregados associados à FUNCEF vinculados ao REG/PLAN sem saldamento.

Parágrafo 4º - A CAIXA informa que, por iniciativa própria, irá solicitar à FUNCEF a reabertura do saldamento para os empregados que desejarem realizar o saldamento e aderir à Estrutura Salarial Unificada 2008.

Parágrafo 5º - Os empregados afastados que atendam todas as condições previstas neste aditivo poderão aderir a Estrutura Salarial Unificada 2008.

Parágrafo 6º - A adesão à Estrutura Salarial Unificada 2008 da Carreira Administrativa do PCS/98 implica na transação e quitação de eventuais direitos que tenham por objeto discussão em torno de Plano de Cargos e Salários - PCS, na exata forma prevista na cláusula 6ª.

Por sua vez, a Comissão de Uniformização de Uniformização de Jurisprudência juntou aos autos o comunicado interno CI VIPES/SURSE 024/08/10, apresentando a Estrutura Salarial Unificada 2008, com suas regras e condições para a adesão. De acordo com o relator, o documento confirma, em seu item 7, a exigência de migração do plano de previdência bem como a renúncia às ações judiciais.

Os documentos dos autos do IUJ revelaram existir duas correntes contrapostas a respeito do tema no TRT mineiro:

1ª Corrente: Considerando que as exigências impostas pela CEF para a transposição do PCS/98 para a ESU/2008, pertinentes à migração para o novo plano de previdência privada da FUNCEF, realizando saldamento relativo ao REG/ REPLAN, são inválidas.

Nesse sentido, foram citadas as seguintes ementas:

1ª Turma: "TERMO DE ADESÃO ÀS REGRAS DE SALDAMENTO DO NOVO PLANO REG/REPLAN - CLÁUSULA ABUSIVA - INEXISTÊNCIA DE NOVAÇÃO. A expressa renúncia a direitos previdenciários imposta como condição para adesão às regras de saldamento do Novo Plano REG/REPLAN, além da outorga de quitação geral e irrestrita sobre qualquer obrigação ou direito referente às regras do regime anterior do citado regulamento, importam ofensa ao direito constitucional de ação (art. 5º, XXXV, da CF/88), razão pela qual não se pode atribuir validade à cláusula contratual que assim dispõe (cláusula terceira do termo de adesão), aplicando-se, subsidiariamente, as disposições contidas nos arts. 421 a 424 do novo Código Civil c/c o art. 51, inciso IV, do CDC. Recurso a que se nega provimento" (Processo: 0132000-95.2009.5.03.0112 RO; Relator: Marcus Moura Ferreira; Data de Publicação: 24/3/2010).

7ª Turma: "PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS. OPÇÃO VINCULADA À DESISTÊNCIA DO PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA MAIS BENÉFICO. Nos termos do artigo 16, § 2º, da Lei Complementar 103/2001 os planos de previdência privada instituídos pelo empregador devem ser oferecidos a todos os empregados da patrocinadora, aos quais é assegurada a adesão facultativa. Tal disposição impede que a empresa exija, como condição para inclusão do empregado em novo plano de cargos e salários, a desistência do plano de previdência privada mais benéfico e já incorporado ao patrimônio do trabalhador. A norma empresária implicou, ainda, ofensa à liberdade de contratar, contrariando os artigos 421 e 424 do Código Civil, além de configurar injusta discriminação contra os empregados mais antigos, vinculados ao plano REG-REPLAN sem saldamento" (Processo: 0105400- 50.2009.5.03.0043 RO; Redator: Alice Monteiro de Barros; Data de Publicação: 16/3/2010).

8ª Turma: "A vinculação da adesão ao PCS/98 e, posteriormente, ao PFG/2010, à renúncia ao Regulamento do Plano de Previdência a que o empregado está adstrito é nula. Ora, não há qualquer interligação entre o PCS/98 e o Novo Plano de Complementação de Aposentadoria da FUNCEF. Isso porque a implantação desse Novo Plano se deu tão-somente a partir de 20/06/2006, aproximadamente oito anos após a criação do PCS/98. Tal fato revela a ausência de dependência econômica dos planos de cargos e salários, plano de cargos comissionados e planos de funções gratificadas com o plano de suplementação de aposentadoria, não se podendo, em razão disso, exigir a adesão a ambos, como pretendeu a demandada por meio de negociação coletiva, olvidando-se que a autonomia privada e a adequação setorial negociada encontram limites nas intangíveis garantias, direitos e princípios instituídos pela legislação constitucional e infraconstitucional" (PJe: 0010203- 53.2014.5.03.0153 (RO); Relator: Jose Marlon de Freitas; Disponibilização: 27/4/2015). 2ª Corrente: Entendendo que a CEF não é obrigada a realizar inclusão automática dos trabalhadores no novo plano de cargos, sendo válidas as condições de adesão ao mesmo, como a exigência de transposição à nova estrutura da FUNCEF realizando saldamento relativo ao REG/REPLAN.



Nesse sentido, o relator destacou as decisões abaixo:

2ª Turma: "CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. ADESÃO A NOVA ESTRUTURA SALARIAL UNIFICADA. NEGOCIAÇÃO COLETIVA. INEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE. FACULDADE DO EMPREGADO. Conforme se verifica nos autos, a adesão do reclamante ao novo PCS é facultativa e, desde que manifestada, representa ato jurídico perfeito, considerando a liberdade de consentimento, a capacidade do agente e a licitude do objeto. Cumpre destacar que a hipótese é regulada pelo item II da Súmula 51/TST e, considerando que no caso em tela a questão foi regulada por instrumento coletivamente negociado, onde o reclamante estava representado pelo sindicato da categoria profissional, o acolhimento da pretensão de adesão ao novo PCS, com data retroativa a 05/09/2008, independentemente de migração do REG/REPLAN para o novo plano de previdência complementar, sem renúncia aos direitos adquiridos nos PCS anteriores, importa em violação de cláusula convencional e desrespeito ao princípio da autonomia privada coletiva albergado no artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal. Não se deve esquecer que a negociação coletiva, como via de mão dupla, importa na cessão de certos direitos e obtenção de outros. Não é compulsória a adesão do reclamante ao novo plano. Caso não queira fazê-lo, basta não assinar o termo de adesão. Em verdade, o que o obreiro pretende é obter o melhor de dois mundos: migrar para o novo plano, amealhando as benesses por ele proporcionadas e manter incólumes os bônus do plano anterior. Recurso a que se nega provimento" (Processo: 0000809-68.2011.5.03.0010 RO; Relator: Convocada Maria Raquel Ferraz Zagari Valentim; Data de Publicação: 7/12/2011).

4ª Turma: "A implantação do novo Plano de Função Gratificada a partir de 2010 - PFG/2010 e da ESU teve a participação dos entes sindicais CONTRAF/CUT (cls. 34ª, ACT de 2008/2009 - fls. 1909) e CONTEC (cls. 46ª e 47ª, ACT de 2008/2009 - fls. 1894), o que lhe confere legitimidade. Tendo a reclamante optado por permanecer no plano antigo (PCS/89), deve se submeter às normas pertinentes a ele. Não há irregularidades no estabelecimento de condições para a adesão ao PFG/2010 por terem sido pactuadas pelo sindicato, anteriormente. Para usufruir os benefícios desse novo plano de funções gratificadas, o empregado deve a ele aderir, desde que satisfaça as condições estabelecidas (vinculação ao Novo Plano da FUNCEF) e não estar em litígio postulando direitos atinentes à jornada. Não satisfazendo essas condições, a autora não poderá concorrer às funções gratificadas previstas no PFG/2010" (Processo: 0000290-40.2011.5.03.0060 RO; Relator: Lucilde D'Ajuda Lyra de Almeida; Data de Publicação: 05/10/2015).

5ª Turma: "RECURSO ORDINÁRIO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - PLANO DE FUNÇÃO GRATIFICADA - CLÁUSULAS DISCRIMINATÓRIAS - AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DO PREJUÍZO ALEGADO - QUESTIONAMENTOS SUBJETIVOS - É incontroverso que a CEF implantou um Plano de Funções Gratificadas - PFG, por meio das CI SURSE 035/10 e CI SURSE 066/10, de 30/06/2010 e 05/07/2010, respectivamente. Todavia, ao contrário do que apresenta o Sindicato Autor, não verifico restrição de cunho discriminatório, possuindo a demanda questionamentos subjetivos. As regras de migração foram estabelecidas em instrumento coletivo. E a transação coletiva levada a efeito está plenamente validada pelo disposto no artigo 7º, inciso XXVI, da CR/88, e pelo princípio do conglobamento. Tendo a Reclamada, apenas, se utilizado do poder diretivo que é concedido ao empregador, estabelecendo regras para o exercício de funções e cargos comissionados. Todavia, para considerá-las discriminatórias, é necessário que se analise o caso concreto. No entendimento deste Relator, o deferimento da pretensão é prematuro. Não há sequer indícios de que existam empregados que vinculados ao PCC/98 que não migraram automaticamente ao PFG. Ademais, seria temerário determinar que a CEF proceda a migração automática dos empregados detentores de cargo em comissão optantes do REG-REPLAN sem saldamento" (Processo: 0000897-65.2011.5.03.0153 RO; Relator: Convocado Helder Vasconcelos Guimaraes; Data de Publicação: 13/02/2012).

6ª Turma: "CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - ADESÃO À NOVA ESTRUTURA SALARIAL UNIFICADA 2008. Reputa-se válida a limitação imposta para os empregados vinculados ao Plano de Previdência Complementar REG/REPLAN sem saldamento, contida no item 7.1.2 da CI VIPES/SURSE nº 024/08. Assim, não merece prosperar a pretensão obreira de enquadramento na nova estrutura sem que lhe seja atribuída a obrigação de saldamento do plano de previdência anterior para a pretendida migração para a estrutura salarial 2008, tratando-se de condição decorrente de negociação coletiva" (Processo: 0002646-62.2012.5.03.0063 RO; Relator: Convocado Carlos Roberto Barbosa; Data de Publicação: 6/10/2014).

9ª Turma: "ADESÃO A NOVO PCS. RENÚNCIA ÀS REGRAS DO ANTIGO. IMPOSSIBILIDADE DE ACUMULAÇÃO DE BENEFÍCIOS DE UM E OUTRO PLANO. SÚMULA 51/TST. A livre adesão a novo plano de cargos e salários impede promoções com base no antigo. O caráter opcional da adesão afasta qualquer vilipêndio ao direito adquirido. O privilégio perseguido pela autora é a acumulação dos benefícios antigos com os novos. Ou seja, o "melhor dos dois mundos", o que deve ser coibido, nos termos da Súmula 51/TST. Notadamente se, embora não preenchidos os requisitos do quadro de carreira anterior, a empregadora espontaneamente concede promoção por merecimento de forma mais vantajosa" (Processo: 0002595- 52.2013.5.03.0019 RO; Relator: Convocado Ricardo Marcelo Silva; Data de Publicação: 16/9/2015).

Turma Recursal de Juiz de Fora: "CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. ADESÃO A NOVA ESTRUTURA SALARIAL UNIFICADA. NEGOCIAÇÃO COLETIVA. INEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE. FACULDADE DO EMPREGADO. Conforme se verifica nos autos, a adesão do reclamante ao novo PCS é facultativa e, desde que manifestada, representa ato jurídico perfeito, considerando a liberdade de consentimento, a capacidade do agente e a licitude do objeto. Cumpre destacar que a hipótese é regulada pelo item II da Súmula 51/TST e, considerando que, no caso em tela, a questão foi regulada por instrumento coletivamente negociado, onde o reclamante estava representado pela confederação da categoria profissional, o acolhimento da pretensão de adesão ao novo PCS, com data retroativa a 05/09/2008, independentemente de migração do REG/REPLAN para o NOVO PLANO de previdência complementar, sem renúncia aos direitos adquiridos nos PCS anteriores, importa em violação de cláusula convencional e desrespeito ao princípio da autonomia privada coletiva albergado no artigo 7o, inciso XXVI, da Constituição Federal. Não se deve esquecer que a negociação coletiva, como via de mão dupla, importa na cessão de certos direitos e obtenção de outros. Não é compulsória a adesão do reclamante ao NOVO PLANO. Caso não queira fazê-lo, basta não assinar o termo de adesão. Em verdade, o que o obreiro pretende é obter o melhor de dois mundos: migrar para o novo plano, amealhando as benesses por ele proporcionadas e manter incólumes os bônus do plano anterior. Recurso patronal provido" (Processo: 0000241- 93.2011.5.03.0158 RO; Relator: Convocada Maria Raquel Ferraz Zagari Valentim; Data de Publicação: 19/4/2012). Entendimento do relator



Na visão do relator, a segunda corrente deve prevalecer. É que, de acordo com as suas ponderações, a adesão ao PCS/2008 foi feita de forma voluntária e espontânea pelos empregados da CEF, inclusive no que tange à renúncia e saldamento ao plano de benefícios REG/REPLAN. Ademais, os empregados da CEF estavam representados pela confederação da categoria profissional, devendo ser prestigiado o pacto coletivo em face do que dispõe o artigo 7º, XXVI, Constituição Federal.

"Trata-se, na realidade, de ato jurídico perfeito, consagrado pelo art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal - CF, que deve prevalecer", registrou. Para o julgador, não se pode conceber a adesão ao novo plano de cargos de maneira fracionada, de modo que os empregados adquiram as vantagens do novo PCS, mantendo os direitos do plano anterior. Ao caso, aplica-se a teoria do conglobamento (pela qual, entre dois sistemas de normas, deve se considerar válido, como um todo, aquele que for mais benéfico ao trabalhador, não se podendo pinçar apenas as normas mais benéficas de um e outro sistema).

O relator referiu-se, nesse sentido, ao entendimento consolidado na Súmula nº 51, II, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que assim prevê: "Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro".

Foi registrada a seguinte jurisprudência do TST com o mesmo entendimento:

CEF. ADESÃO AO NOVO PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS. CONDIÇÃO. SALDAMENTO DO PLANO DE BENEFÍCIOS REG/REPLAN. RENÚNCIA. VALIDADE. São válidos o ato normativo interno CI VIPES/SURSE 24/2008 e o Termo Aditivo ao Acordo Coletivo de Trabalho, em que foi exigido dos empregados da Carreira Administrativa do PCS/89 e PCS/98 associados à Funcef o saldamento do Plano de Benefícios de Complementação de Aposentadoria REG/REPLAN para adesão ao novo Plano de Cargos e Salários (Estrutura Salarial Unificada de 2008). Dessa maneira, a opção do empregado por um dos regulamentos tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro, ainda que os benefícios estejam previstos em regulamento instituído por entidades de previdência privada, bastando não estar viciada a renúncia. Ademais, em observância ao princípio do conglobamento, há que se determinar a aplicação integral do regulamento pelo qual o empregado venha a optar. Acrescenta-se que a migração para o novo regulamento instituído pela reclamada não foi automática, e sim espontânea, não sendo possível assegurar ao autor o direito de ser vinculado ao novo plano de benefícios da FUNCEF, sem que tenha de renunciar às regras do antigo plano de benefícios (REG/REPLAN). Recurso de revista não conhecido (RR-401-51.2011.5.07.0015, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 21/8/2015).



Por tudo isso, após conhecer do Incidente de Uniformização de Jurisprudência, no mérito, por maioria simples de votos, foi determinada a edição de Tese Jurídica Prevalecente nº 10, com a seguinte redação:

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. ACESSO À NOVA ESTRUTURA SALARIAL E DE FUNÇÕES (ESU/2008 E PFG/2010). NECESSIDADE DE SALDAMENTO DO PLANO DE BENEFÍCIOS REG/REPLAN E MIGRAÇÃO PARA NOVO PLANO DE BENEFÍCIOS DA FUNCEF. PREVISÃO EM NEGOCIAÇÃO COLETIVA. VALIDADE. É válida cláusula de negociação coletiva que impõe como condição à nova estrutura salarial e de funções da CEF (ESU/2008 e PFG/2010) o saldamento do plano de benefícios REG/REPLAN e migração para novo plano de benefícios da Funcef. Aplicação do entendimento consolidado na Súmula n. 51, II, do TST. (00576-2014-173-03-00-2-IUJ) - 14/07/2016



Notícias jurídicas anteriores sobre a matéria:


03/10/2013 - CEF é condenada a pagar diferenças salariais decorrentes de promoções por merecimento

06/03/2007 - 1ª Turma mantém nulidade de cláusula contratual que impõe renúncia de ações previdenciárias para adesão a plano de previdência privada


Clique AQUI e confira o acórdão que deu origem ao IUJ

Clique AQUI e confira o acórdão que firmou a TJP nº 10

Clique AQUI e confira a relação de todos os INCIDENTES DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA suscitados

Clique AQUI para ler decisões do TRT mineiro anteriores à TJP nº 10



Fonte: TRT3

JT-MG reconhece rescisão indireta por rigor excessivo para atingimento de metas e condições precárias de trabalho de telemarketing

Julgando desfavoravelmente o recurso de uma empresa de telemarketing e serviços de call center, a 5ª Turma do TRT-MG manteve a sentença que declarou a rescisão indireta do contrato de trabalho e ainda deferiu à atendente de telemarketing uma indenização por dano moral. Os julgadores rejeitaram os argumentos da empregadora e reconheceram que a trabalhadora era tratada com rigor excessivo pela chefe para o atingimento de metas, além de trabalhar em ambiente precário. O voto foi proferido pelo desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal.

Uma testemunha que trabalhou na mesma equipe da atendente confirmou a versão apresentada na inicial. Ela relatou que o trabalho era realizado em cadeiras quebradas e sem encosto, mesas sem regulagem e não havia apoio para os pés. O ar condicionado era extremamente gelado e sem possibilidade regulagem. O local não ficava limpo e havia insetos e baratas.

A testemunha também contou que não faziam exames periódicos, mas apenas admissional. Se ultrapassassem os cinco minutos de pausa para banheiro, a supervisora "ia atrás". De acordo com o depoimento, a chefe maltratava alguns empregados, inclusive a reclamante. Ela perseguia, xingava e gritava caso não batessem as metas. A testemunha afirmou que ela e a atendente batiam as metas e reclamavam com a própria chefe do comportamento dela. No entanto, nada era repassado à gerência.

Em seu voto, o relator lembrou que o princípio da Continuidade da Relação de Emprego e o valor social do trabalho consagrado na Constituição Federal (arts.1º, inc. IV e 170, caput) devem ser considerados em casos envolvendo término do contrato de trabalho. Conforme explicou, a rescisão indireta do contrato de trabalho deve se basear em falta que torne insustentável a manutenção do contrato de trabalho. "O tratamento discriminatório, com rigor excessivo do empregador, diretamente o por meio de seus prepostos, enseja ambiente hostil de trabalho, capaz de gerar constrangimento e angústia no empregado, culminando com a falta para a rescisão indireta. E ainda, um ambiente de administração por estresse e de exposição do trabalhador pode representar ofensa à honra e imagem, pois atinge o ser e todo o acervo extrapatrimonial que o acompanha, constitucionalmente protegido", acrescentou.

Com relação à cobrança por metas, esclareceu que isso, por si só, não induz, à rescisão indireta do contrato e nem ao dano moral. Todavia, se essa cobrança ultrapassa os limites daquilo que se permite na execução normal do contrato, poderá ficar caracterizada a falta grave.

Para o magistrado, esses limites foram ultrapassados no caso, ficando a falta grave do patrão caracterizada, nos termos das alíneas b e e do artigo 483 da CLT. Estes dispositivos consideram como motivos ensejadores do rompimento do contrato de trabalho por parte do empregado o tratamento com rigor excessivo e a pratica de ato lesivo da honra e boa fama pelo empregador ou superiores hierárquicos.

"O empregador deve zelar por um ambiente de trabalho em que não predomine a administração por estresse e que a imposição de metas não implique condutas abusivas. Assim, a gestão de pessoas merece o envolvimento cuidadoso do empregador a ponto de não tolerar ofensa à honra e à imagem de seus colaboradores, notadamente, capaz de gerar transtornos psíquicos sérios no trabalhador", registrou no voto.

O recurso foi provido apenas para reduzir o valor da reparação por dano moral para R$ 5 mil. Isto porque os julgadores entenderam que o valor de R$18 mil fixado na sentença seria excessivo. Para tanto, aplicaram os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando em conta, ainda, a extensão e a gravidade dos efeitos do dano, o grau de culpa do ofensor, a situação econômica das partes e o tempo de serviço prestado para que se possa restabelecer o equilíbrio rompido. ( 0000430-82.2015.5.03.0109 ED )


Fonte: TRT3

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Ativismo prejudicial "Magistrado que adentra arena do combate político perde legitimidade"




Por Sérgio Rodas e Otavio Luiz Rodrigues Junior


A crescente “judicialização da política”, no Brasil e na Europa, tem mostrado que as instituições estão funcionando bem e de forma imparcial. Mas, para continuar nesse rumo, os magistrados não podem virar ativistas e invadir a arena do debate político, o que tiraria a legitimidade de suas decisões. Essa é a opinião do civilista português Paulo Mota Pinto, que foi por nove anos juiz conselheiro do Tribunal Constitucional, corte equivalente ao Supremo Tribunal Federal brasileiro.

“É necessário que os juízes não resvalem para uma certa discricionariedade ou assumam posições dúbias, muito menos tangenciem para a arena do combate político, o que seria negativo e acarretaria perda de legitimidade. Os magistrados devem ter sempre a consciência do risco de sua deslegitimação”, afirma.

Dessa forma, juízes não podem participar de atividades partidárias nem fazer comentários políticos à imprensa ou em redes sociais, avalia Mota Pinto, que é professor da Universidade de Coimbra. Afinal, eles podem ter que vir julgar casos relacionados aos assuntos que comentaram.

Tal declaração vem de um integrante do Partido Social Democrático, que foi deputado de 2009 a 2015, e filho do ex-primeiro-ministro de Portugal Carlos Alberto da Mota Pinto. Mesmo com essas “tentações”, o civilista ressalta que sempre separou a atividade jurídica da política. Esta ele encara como uma missão transitória, ao passo que aquela seria sua verdadeira profissão.

No entanto, seu profundo conhecimento de Direito Privado pouco o ajudou no exercício da atividade parlamentar. Por outro lado, o conhecimento de como as leis são feitas foi muito útil nesse período, conta Mota Pinto.

Um dos pontos controversos abordados pelo jurista é a diferenciação do preço de seguros em razão das características dos contratantes. De acordo com Mota Pinto, o sexo do segurado não pode influenciar esse valor, mas a idade, sim.

Com relação ao ensino jurídico, o ex-integrante do Tribunal Constitucional defende a manutenção das aulas expositivas, porém, com a complementação de disciplinas práticas. Ele ainda é favorável à manutenção do Direito Romano nas grades universitárias, desde que a matéria seja “estudada e ensinada em uma perspectiva atualista, tendo em conta a sua explicação do direito atualmente vigente”.

Em entrevista à ConJur — da qual também participou Otavio Luiz Rodrigues Junior, professor doutor de Direito Civil da USP. ex-bolsista do Instituto Max-Planck de Hamburgo e coordenador da Rede de Direito Civil Contemporâneo —, Pinto comparou o Tribunal Constitucional ao STF, discutiu a autonomia dos ramos do Direito Privado e opinou sobre a viabilidade de um código civil europeu.

Paulo Mota Pinto esteve no Brasil a convite do Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, da Rede de Direito Civil Contemporâneo e do Programa de Pós-Graduação da Faculdade 7 de Setembro. Proferiu conferências em Fortaleza e São Paulo sobre o tema da eficácia dos direitos fundamentais em relação aos particulares.

Leia os principais trechos da entrevista (a versão integral será publicada no volume 8 da Revista de Direito Civil Contemporâneo):

ConJur – A figura dos "catedráticos mandarins" é uma marca da vida política portuguesa. Vários professores universitários, particularmente das faculdades de Direito, também militam em partidos políticos. Sua atuação no Partido Social Democrático é uma parte relevante de sua biografia. O senhor poderia comentar sua experiência na política?
Paulo Mota Pinto – Separo os dois aspectos de minha atividade. Minha atividade jurídica, quer como professor, quer como jurisconsulto, é profissional, enquanto sempre encarei minha passagem pela política como um serviço público e transitório, não como uma carreira. Em certa fase, fui convidado para assumir responsabilidades no partido de que sou militante e para ser parlamentar, e achei que não devia recusar tendo em conta a fase difícil que Portugal ia atravessando.

ConJur – Como sua condição de professor de Direito Civil influenciou sua atividade parlamentar?
Paulo Mota Pinto – Eu fui deputado presidente de duas comissões de 2009 a 2015. Estive dois anos presidindo a Comissão do Orçamento e de Finanças em uma fase em que Portugal estava em dificuldades econômicas e teve de pedir ajuda externa. Minha experiência jurídica, mais do que civilista, foi útil. O conhecimento da forma de funcionamento do Parlamento, do processo legislativo, foi bastante útil, mais do que a experiência como civilista. Na segunda metade de minha experiência na Assembleia da República, de 2011 a 2015, eu presidi uma comissão de assuntos europeus que acompanhava a atividade europeia do Parlamento português. A experiência jurídica foi menos relevante nessa função. Enfim, eu não gostaria de voltar a ser deputado, mas é uma experiência enriquecedora para quem gosta da carreira pública. Quanto ao Direito Civil, de modo específico, eu optei por não ter uma atividade parlamentar vinculada à área de minha atividade profissional, até para evitar conflitos de interesses.

ConJur – O senhor foi o mais jovem juiz do Tribunal Constitucional da República Portuguesa, nomeado aos 32 anos, em 1998. Quais foram os aspectos mais marcantes de seu mandato, que se encerrou em 2007?
Paulo Mota Pinto – Participei de tantos acórdãos (fui relator de mais de 550) que tenho dificuldade em destacar um só aspecto. Certamente, há alguns acórdãos que me deram particular gosto, por achar que dei uma contribuição relevante – é, por exemplo, o caso das decisões de que fui relator e que declararam inconstitucional, por violação do direito à identidade pessoal, o prazo que existia no Direito Português (de apenas dois anos a contar da maioridade) para se mover ação de investigação de paternidade. Hoje este regime mudou, sobretudo por causa dessas decisões.

ConJur – Quais são as diferenças mais marcantes entre o Tribunal Constitucional português e o Supremo Tribunal Federal brasileiro?
Paulo Mota Pinto – O Tribunal Constitucional Português é um órgão com papel importante na realidade jurídica e também política portuguesa, mas tornou-se, talvez no plano político, mais central depois do programa de assistência financeira de 2011. Assim o entendo porque ele declarou inconstitucionais várias medidas contidas no orçamento de Estado, que se colocaram no centro da autoridade política. Há uma diferença importante: o Tribunal Constitucional português apenas controla a construção de normas, não tem recurso de amparo ou ações diretas de inconstitucionalidade, nem possui a figura das “queixas constitucionais”, muito menos decide conflitos de competência. O Tribunal Constitucional apenas julga normas em fiscalização abstrata no caso concreto ou em um recurso que venha do caso concreto. Essa é uma diferença importante.

Em segundo lugar eu diria que o Supremo Tribunal Federal brasileiro é um órgão que está mais no centro da atualidade porque, em comparação com o Tribunal Constitucional português, chegam até ele muito mais casos de grande relevância política, sob a forma de recursos e de ações diretas de inconstitucionalidade. Outra diferença importante está em que as deliberações do Supremo Tribunal Federal são filmadas e transmitidas em sessões públicas. Em Portugal, são públicos apenas o processo e o anúncio da decisão. Mas a deliberação, a discussão entre os juízes não é pública, não tem filmagem por câmera televisiva da sala de sessões. Isso tem vantagens e desvantagens.

ConJur – Em muitos países, de diferentes tradições jurídicas, assiste-se ao crescente protagonismo na vida pública do Poder Judiciário, especialmente das cortes constitucionais. Uma das consequências mais sensíveis desse processo é a chamada judicialização da política. Qual é a sua visão sobre esse processo no cenário europeu?
Paulo Mota Pinto – Dependendo dos países e dos casos, isso tem realmente acontecido. Em Portugal, nós temos inquéritos e precedentes até criminais bastante notórios em relação a personagens políticas. “Judicialização da política” talvez não seja a melhor expressão para tratar do que tem acontecido. Dito de outro modo, os tribunais têm realmente um papel a desempenhar e o têm desempenhado. Eu sou um observador, e o que eu vejo é que os órgãos jurisdicionais estão funcionando e atuam sem pré-juízos políticos. Isso é bastante positivo. É uma grande vantagem para o Brasil mostrar que as instituições estão a funcionar, mesmo com os problemas que nós conhecemos. Na Europa, penso que isso também aconteceu. Um pouco na Itália, um pouco na Espanha. Não é um retrocesso, mas é importante que os tribunais saibam sempre fundamentar juridicamente suas decisões, com a maior transparência.

É necessário que os juízes não resvalem para uma certa discricionariedade ou assumam posições dúbias, muito menos tangenciem para a arena do combate político, o que seria negativo e acarretaria perda de legitimidade. Os magistrados devem ter sempre a consciência do risco de sua deslegitimação. Enquanto se mantiverem na linha atual, que me parece uma linha de estrita fundamentação jurídica e de aplicação da lei igualmente para todos, eu penso que há um desenvolvimento positivo que corresponde a processos semelhantes ou paralelos, parecidos que aconteceram na Europa.

ConJur – Um juiz pode ser ativista?
Paulo Mota Pinto – Um juiz não deve ser ativista. Não deve participar de iniciativas partidárias públicas ou com fins ativistas. Não sei se podem ou se é lícito no Brasil, mas em Portugal os juízes não podem participar de iniciativas partidárias. Saber o que é uma iniciativa política, uma ação ativista, uma manifestação, ou o que é uma iniciativa partidária pode ser difícil. Definitivamente, os juízes não podem ter atuação partidária, a que título for. E mesmo que os juízes pudessem, não deveriam ser ativistas, especialmente quando se tratar de ativismo em áreas nas quais as pessoas podem vir a ser chamadas a julgar.

ConJur – E isso inclui fazer comentários políticos em redes sociais?
Paulo Mota Pinto – Sim. Houve casos desses em Portugal, em redes sociais inclusive fechadas, com centenas de juízes. Por mais fechadas que sejam, essas coisas acabam vazando, e isso não é bom para a Justiça em geral. Portanto, minha tendência é para achar que eles não devem fazer isso. Não quer dizer que eu não posso praticar a minha liberdade de expressão, mas eu penso que, deontologicamente, o juiz não deve fazer isso, sobretudo se forem comentários em áreas nas quais eles podem vir a ser chamados para julgar. Quer dizer, os juízes administrativos, os juízes de família, que não têm nem nunca virão a ter uma intervenção naquela matéria pública, talvez até possam, mas se não for assim, não devem fazer esses comentários.

ConJur – A reforma do Código Civil alemão, nas áreas de Direito das Obrigações e da prescrição, são questões que têm incomodado grande parte dos civilistas da Alemanha. Teme-se que haja uma perda da centralidade do Direito Privado nacional em face de diretivas europeias, muitas delas consideradas mal escritas ou traduzidas de modo polêmico. Qual sua visão desse fenômeno que está a alterar o cenário jurídico europeu? O senhor acredita em um código civil europeu?
Paulo Mota Pinto – Não penso que o Direito Europeu possa provocar a curto ou médio prazo uma perda da centralidade dos direitos privados nacionais dos estados-membros da União Europeia. O Direito é também um produto cultural, e não sou favorável a uma uniformização jurídica na Europa. Nessa medida, os receios a que alude são exagerados. As reações a tentativas de criação de regimes uniformes, ou a propostas da Comissão Europeia como a de um regulamento sobre um direito comum da compra e venda mostram isso mesmo. É claro, porém, que o Direito Europeu obriga a um confronto dos direitos nacionais com as liberdades fundamentais e os princípios da União, que é, e tem de ser, feito a nível europeu - e não só pelos tribunais e juristas de cada estado-membro -, bem como a um confronto com as soluções jurídicas noutros estados-membros. Para culturas jurídicas mais habituadas a uma certa autarquia, que rejeitam influências externas, isso pode ser difícil. Não é, felizmente, o caso português, onde sempre se deu muita relevância à comparação com outras ordens jurídicas.

Quanto a um código civil europeu, há projetos que procuram encontrar um núcleo comum do Direito Privado europeu ou tentam estabelecer um quadro comum de referência com um conjunto de regras, o famoso projeto Draft Common Frame of Reference do Direito Privado europeu. Houve, até recentemente, menos que um código civil, mas um projeto do regulamento europeu da compra e venda. No entanto, mesmo esse projeto não foi aprovado. Há algumas reticências sérias nos estados-membros quanto à hipótese de se substituir, ainda que parcialmente, os códigos civis nacionais. Isso também corresponde um pouco à ideia de que o Direito e o Direito Privado também são um produto cultural e a União Europeia não se deve fazer assimilando ou prejudicando a autonomia cultural, a exemplo das línguas, das tradições e das instituições. Se isso ocorrer, só poderá se dar na medida em que for necessário para a livre circulação, para o mercado único, em nome da harmonização jurídica, mas sem substituição das especificidades nacionais. Respondo, portanto, à última parte da pergunta: penso que não é para hoje nem para amanhã, talvez para depois de amanhã ou um dia futuro, termos um Código Civil europeu. A vocação de nosso tempo não é ainda do Código Civil europeu. Nosso tempo é o da harmonização de regras jurídicas na União Europeia, sobretudo na área econômica e do mercado.

ConJur – Trazendo-se essa questão para a realidade sul-americana, o senhor acredita que é possível ou conveniente avançar em um processo de harmonização ou de unificação normativa no Direito Privado para o Mercosul?
Paulo Mota Pinto – Talvez, para harmonizar regras que têm a ver com a liberdade de circulação de bens e mercadorias, de serviços, de pessoas, através de diretivas ou regulamentos comuns e regras que visam evitar medidas que tenham efeito equivalente às restrições das importações. No domínio econômico, acredito que possam existir regras capazes de dificultar essa livre circulação. Desse modo, é conveniente identificá-las e harmonizá-las. No entanto, desaconselho o caminho em direção a um código comum, cujas dificuldades já mencionei na pergunta anterior. É claro que a União Europeia é constituída por um maior número de países e que estes são menos homogêneos que os integrantes do Mercosul. Há mais diferenças culturais, institucionais ou de tradição entre um país do Sul, como Itália ou Portugal, e um país do Norte, como Suécia ou Holanda, do que entre o Brasil e o Chile ou a Argentina. Apesar disso, apesar de haver maior proximidade cultural na América do Sul, eu penso que não há condição para avançar para um código comum. Eu consideraria ser muito mais interessante seguir rumo a uma harmonização, como a União Europeia tem feito.

ConJur – No Brasil, inicia-se um movimento de crítica aos excessos no recurso aos princípios, às cláusulas gerais e a pautas axiológicas. Conhecendo a realidade brasileira, e inspirado pela experiência portuguesa, como o senhor considera que seria a forma adequada de examinar essa questão no Brasil?
Paulo Mota Pinto – Em um sistema de direito legislado, as cláusulas gerais são indispensáveis. Elas constituem muitas vezes os espaços de flexibilidade e as "válvulas de escape" que permitem ao julgador adequar a solução ao caso concreto e fazer valer por via delas as valorações mais relevantes (incluindo os valores e princípios constitucionais, mas não só). No entanto, é preciso ter sempre presente que uma cláusula geral ("ordem pública", "boa fé", "função social", entre outras) não pode ser entendida como uma autorização para o juízo discricionário ou para o livre-arbítrio do juiz. Pelo contrário: este deve procurar sempre, na sua concretização no caso, pontos de apoio e referências objetivas, tais como casos precedentes, o entendimento do sentido da cláusula pela comunidade jurídica e na doutrina, a situação dos interesses em presença e o seu melhor equilíbrio, as consequências sociais e econômicas gerais daquele tipo de solução. Só assim estará minimamente assegurado o cumprimento do dever do julgador de obediência à lei, que como se sabe, é, num regime democrático, desde logo uma exigência da democracia, e também uma condição de segurança e de certeza jurídicas.

Neste sentido, mais do que o combate às cláusulas gerais ou a sua eliminação, deve defender-se a segurança e objetividade na sua concretização, o que suscita também um problema de metodologia jurídica. Finalmente, há confusão entre a defesa da noção de dignidade da pessoa humana e o uso desta como um cheque em branco para o julgador avançar segundo o que é o seu próprio entendimento subjetivo da dignidade da pessoa humana. Essa confusão é indesejável e não se pode esperar que seja este o papel desse importante valor para a ordem jurídica.

ConJur – O senhor acredita que é útil a separação de matérias de Direito Privado em códigos distintos, como o Código Civil, o Comercial e o de Proteção ao Consumidor? No Brasil, tramita no Congresso Nacional um projeto de novo Código Comercial, o que iria de encontro à opção do codificador civil de 2002.
Paulo Mota Pinto – A minha tendência é para entender que os três ramos de Direito Privado (Direito Civil, Direito Comercial, e Direito do Consumidor) devem ter, cada um deles, a sua lei, o seu código. No Direito brasileiro, no entanto, havendo um Código de Defesa do Consumidor, eu não vejo o porquê de se ter um Código Comercial, depois de se ter integrado este no Código Civil. Como dito na pergunta, fez-se no Brasil um caminho próprio: unificaram-se no Código Civil as matérias civis e comerciais. Talvez não valha a pena fazer outro caminho e elaborar um outro código para cortar uma parte do Código Civil e instituir um Código Comercial autônomo.

ConJur – Discute-se no Brasil a criação de um Estatuto da Família e das Sucessões, retirando essas matérias do Código Civil. Qual sua opinião a respeito?
Paulo Mota Pinto – Sobre a localização formal do regime da família e das sucessões, não tenho uma opinião definitiva. Tendo fortemente, porém, a privilegiar sua localização no Código Civil, que não impede certamente que se consagrem as soluções mais adequadas aos tempos atuais. Julgo até que, ao contrário do que se possa pensar, essa localização confere mais, e não menos, dignidade a essas áreas, centrais para a disciplina da vida do homem comum em sociedade - isto é, para a matéria do Direito Civil.

ConJur – A divisão entre Direito Público e Direito Privado ainda é útil no Direito contemporâneo?
Paulo Mota Pinto – Creio que sim. Discordo das posições que defendem a "diluição" da distinção, e que resultam de uma incompreensão do seu sentido mais profundo. Este corresponde a dois domínios da vida - o do contato com o Poder Público e o exercício deste, por um lado, e o da vida em relação na sociedade civil e na economia privada, por outro - que continuam a existir. E ainda bem! Rejeito tanto a privatização do exercício do ius imperium como a "colonização" das escolhas e dos atos dos privados por uma racionalidade pública imperativa (com eliminação da liberdade emocional, a imposição a todos de padrões de proporcionalidade - isto é, com eliminação da liberdade dos privados).

ConJur – O que o senhor pensa da autonomia epistemológica do Direito Civil e do risco da "colonização" desse ramo jurídico pelo Direito Constitucional?
Paulo Mota Pinto – Não se deve confundir o que resulta das exigências do princípio da constitucionalidade (conformidade de todos os atos do Estado, executivos, legislativos ou judiciais, às regras e princípios constitucionais) com a negação de autonomia ao Direito Civil, e ao Direito Privado em geral. Esta última posição seria profundamente errada e nociva, e, até de inviável concretização. Defendo também que continuam a existir princípios jurídicos fundamentais que são específicos do Direito Privado (por exemplo, a autonomia privada, o reconhecimento e proteção da propriedade privada, entre outros), e que, neste sentido, ele mantém sua autonomia valorativa, desde que não desconforme com os princípios e regras constitucionais. O que muitas vezes alguns jusprivatistas afirmam é que a técnica dos direitos fundamentais não pode ser usada para substituir e ignorar as especificidades do Direito Privado, quer em suas construções, quer em suas soluções, em suas regras e até em seus valores. Nesse sentido, o Direito Privado tem autonomia, possui um espaço próprio de elaboração em relação ao Direito Constitucional, em relação aos direitos fundamentais, sempre com respeito à Constituição.

ConJur – Qual é sua opinião sobre o conceito de Direito Privado Constitucional?
Paulo Mota Pinto – A Constituição não é fonte imediata de Direito Privado, embora este deva sempre respeitar as regras e princípios constitucionais. A principal fonte de Direito Privado é o Código Civil e as leis de Direito Privado. Embora, como disse, essas normas devam obedecer ao disposto na Constituição, é necessário fazer uma distinção essencial. A afirmação de que há um Direito Privado Constitucional significa, das duas uma: que o Direito Civil está vinculado à Constituição e pelos direitos fundamentais, ou que haveria uma substituição do Direito Privado, do Direito Civil, pelo recurso direto aos princípios e às regras constitucionais, aos direitos fundamentais. Eu penso que, no primeiro caso, tem-se uma redundância. E, no segundo caso, isso seria indesejável, um erro, algo até mesmo inviável.

ConJur – Como o Código Civil português de 1966 e o Código Civil brasileiro de 2002 se relacionam na experiência jurídica comparada e na nova ordem constitucional nos dois países?
Paulo Mota Pinto – O Código Civil brasileiro de 2002 é um código jovem, que procurou incorporar alguns dos resultados da evolução da segunda metade do século XX. São exemplos disso uma grande quantidade de cláusulas gerais, isto é de conceitos indeterminados que têm conteúdo valorativo, tais como boa fé, ordem pública, função social. Essa é uma evolução que já se encontrava no Código Civil português de 1966. Isso é um aspecto positivo, que significa confiar ao julgador o papel de concretizar essas válvulas de escape, essas portas de entrada de valorações constitucionais e até de valorações correspondentes aos direitos fundamentais. Nesse sentido, os códigos de 2002 e 1966 têm algo em comum. Além disso, ambos os códigos têm uma sistematização que é bastante parecida, embora o código português não possua o livro de Direito da Empresa, como possui o brasileiro. O código de 1966 não fez incluir, portanto, o Direito Comercial. O código português também influenciou de certa forma alguns aspectos do código brasileiro e de outros códigos, como o italiano. Então, o Código Civil de 2002 é o produto da doutrina brasileira da sua metade do século XX e que, enfim, é comparável com outras experiências jurídico-normativas do período.

Na relação com a nova ordem constitucional está mais um ponto em comum: ambos os códigos são anteriores às constituições democráticas, que surgiram com grandes catálogos de direitos fundamentais, e, por essa razão, tiveram, de sofrer adaptações à nova realidade constitucional do Brasil e de Portugal. Quer dizer, o código de 2002 não é mais o que foi o projeto dos anos 1970. O código português de 1966 teve de sofrer uma grande adaptação para se ajustar à ordem constitucional de 1976. Mas eu penso que a promulgação do novo Código Civil brasileiro e a reforma no Código Civil português, de nenhuma forma diminuíram a autonomia do espaço civilístico, do espaço do Direito Privado em relação à Constituição, em relação aos direitos fundamentais. O Direito Civil deve obedecer aos direitos fundamentais, mas não pode ser substituído por eles.

ConJur – Em sua conferência na Faculdade de Direito da USP, o senhor ofereceu uma série de exemplos sobre questões atuais em torno do exercício ou da restrição a direitos fundamentais na esfera da autonomia privada e da autodeterminação das pessoas. Um deles é bastante relevante: um locador pode se recusar a celebrar um contrato de locação por causa da crença ou da religião praticada pelo locatário? Da mesma forma, poderia um empregador deixar de contratar um empregado por este professar determinada fé?
Paulo Mota Pinto – A regra é que não. Admito, porém, algumas exceções ligadas à esfera privada dos contratantes. Nos exemplos da pergunta: seria admissível a recusa quando o locador quiser alugar um quarto em sua própria casa. Admissível também seria o empregador rejeitar um empregado para uma função específica, como a de baby sitter, na qual a atividade é restrita para se trabalhar aos fins de semana. Nessa hipótese, o empregador poderia rejeitar uma pessoa de religião que a impeça de trabalhar aos sábados ou aos domingos. No segundo exemplo, há uma razão substancial: seria impossível que o candidato à vaga (trabalhador de fim de semana) pudesse executar suas funções. No primeiro exemplo, contudo, tem-se uma limitação ditada pelos limites da esfera privada da pessoa. Mas, salvo nesses casos específicos, não se poderia rejeitar locatários ou empregados. Essa proibição alcançaria incluir tais restrições nos classificados ou anúncios de empregos ou de locação. Muito menos seria lícita a invocação de tais questões para se negar à celebração de contratos de locação ou de trabalho.

ConJur – O senhor utiliza a expressão “elementos suspeitos” para fazer essas distinções. Poderia explicá-la?
Paulo Mota Pinto – Os “elementos suspeitos” são compreensivos de origem étnica, língua, aparência, raça, orientação sexual, religião, independentemente de sua utilização em sua expressão pública ou como fundamento para a recusa em contratar. Os elementos suspeitos, quando tomados de per si, não bastam ao exercício de restrições a contratar com outras pessoas em razão desses elementos. Só são aceitáveis quando houver uma razão substancial. Neste caso, eu já dei por exemplo a contratação de uma pessoa para trabalhar aos fins de semana, quando sua religião o impede de exercer tal ofício no sábado ou no domingo. Ou o exemplo da contratação de um ator para determinado papel que tem de ser desempenhado por uma pessoa com certa aparência étnica. O critério está, portanto, em saber se há ou não um motivo substancial para a recusa e que este seja aplicado proporcionalmente. A proporcionalidade entraria, por exemplo, no mesmo caso da pessoa que não pode trabalhar no sábado ou no domingo: se o emprego é para mais dias na semana, a circunstância de um deles recair no sábado ou no domingo não torna proporcional a recusa à contratação. Poder-se-ia acomodar a religião com o trabalho nos demais dias.

Deve-se ressaltar que essa regra vale tanto para empregadores e locadores quanto para empregados e locatários. Ela protege aqueles tanto quanto estes últimos contra o uso de “elementos suspeitos” para se recusar à contratação. Embora sejam muito mais raros os casos em que locadores e empregadores terminem por ser prejudicados quando a recusa parte de locatários ou empregados. A razão substancial facilita a análise da proporcionalidade. Não há, na maior parte dos casos, a razão substancial quando o problema se resolver apenas na esfera privada. Retomo o exemplo anterior: uma pessoa quer alugar um cômodo de sua própria casa. Se o locador é de determinada religião e isso for relevante para suas convicções, ele tem o direito de não querer permitir em sua própria casa uma pessoa de outra religião, que possa ter outra prática religiosa. Essa é uma questão de esfera privada, que se não confunde com o exemplo do empregado e do empregador.

ConJur – Haveria distinção se a locação ocorresse em uma hospedaria ou em um hotel?
Paulo Mota Pinto – Sim. Há um caso conhecido na Inglaterra. Trata-se da recusa de hospedagem de um casal do mesmo sexo por hoteleiros cristãos, de fortes crenças religiosas. Os donos da hospedaria negavam-se a alugar quartos ou a celebrar contratos de hospedagem com pessoas que não fossem casadas. A questão foi judicializada e entendeu-se que a recusa era ilícita, porque baseada na discriminação em função da orientação sexual. Não havia uma decisão fundada na esfera privada, por que era um estabelecimento aberto ao público. Esfera privada aí deve ser entendida estritamente.

ConJur – A discriminação das contratações pode abranger o gênero dos contratantes? O exemplo clássico é o que atribui valores maiores ou menores aos prêmios nos contratos de seguro de automóveis se o condutor for homem ou mulher.
Paulo Mota Pinto – Há uma diretiva europeia que proíbe a diferenciação de prêmios de seguro em função do gênero. Os estados membros da União Europeia têm de assegurar que os critérios que são aplicados aos contratos de seguro conduzem ao que se costuma designar como prêmios unissex, prêmios uniformes para os dois gêneros. Tal isonomia deve prevalecer mesmo que estatisticamente exista um risco maior em um dos gêneros que no outro.

Entende-se que é preciso fomentar a igualdade de gênero e uma das vias é realmente proibir a diferenciação de prêmios e de prestações de seguro com base no critério de sexo. Note-se que essa regra não vale para idade. Mas há certas propensões a doenças que podem ser utilizadas na celebração do contrato de seguro. Há discussão sobre se é lícita a utilização de tais critérios nos contratos de seguro. Quanto à idade, ela continua a ser admitida como critério de discriminação, porque a idade é um fator importante e o histórico de acidentes, o histórico anterior médico, tudo isso pode ser considerado. Tal se dá porque são fatores diretamente ligados ao perfil de risco da pessoa.

* Texto atualizado às 12h10 do dia 25/9/2016 para acréscimo de informações.



Sérgio Rodas é repórter da revista Consultor Jurídico.

Otavio Luiz Rodrigues Junior é conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações, professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP), com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.

Revista Consultor Jurídico, 25 de setembro de 2016, 10h52

Rótulos de alimentos terão de informar sobre variação nutricional de até 20%


O consumidor tem o direito à informação sobre variação nutricional de até 20% nos rótulos dos alimentos, já que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária autoriza esse tipo de variação. O entendimento levou a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça a determinar que a Anvisa exija dos fabricantes de alimentos a inclusão da informação nos rótulos dos produtos.

Ao verificar irregularidades nos rótulos dos produtos light e diet, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública para que a Anvisa, com seu poder de normatizar e fiscalizar os produtos alimentícios, exigisse a advertência nos rótulos. Por meio de atos normativos, a Agência já havia regulamentado a informação nutricional e a rotulagem de alimentos permitindo a variação de 20% nos valores indicados nos rótulos.

A decisão foi contra o entendimento do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que havia entendido que a variação de 20%, relacionada às matérias-primas utilizadas na fabricação dos alimentos, “não se caracteriza como informação relevante ou essencial, a justificar a inserção de advertência nos rótulos”.

Para o tribunal, não há justificativa para determinar a advertência sobre a variação de 20% nas informações nutricionais dos rótulos de alimentos, “quer por não trazer qualquer prejuízo ao consumidor, quer pela possibilidade de criar dúvida maior do que eventual esclarecimento”. O MPF recorreu então ao STJ.

Relator do recurso, o ministro Herman Benjamin, da 2ª Turma, entendeu que o consumidor tem o direito de ser informado no rótulo dos produtos alimentícios da existência dessa variação nos valores nutricionais, “principalmente porque existe norma da Anvisa permitindo essa tolerância”.

O ministro ressaltou que o direito à informação é assegurado pela Constituição Federal (artigo 5º, XIV), só sendo possível “limitar tal direito quando contar com evidente e razoável justa causa, o que, obviamente, não é a hipótese” em julgamento.

“Cabe ainda ressaltar que, sobretudo nos alimentos e medicamentos, o rótulo é a via mais fácil, barata, ágil e eficaz de transmissão de informações aos consumidores”, disse o ministro. O relator afastou ainda o argumento de que a inclusão da advertência representa custo excessivo aos fabricantes. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.


Revista Consultor Jurídico, 29 de setembro de 2016, 21h39

Terceira Turma autoriza quebra de sigilo bancário em ação de divórcio





A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu pedido feito por uma mulher para que fosse autorizada a quebra do sigilo bancário de pessoa jurídica que tem como um dos sócios o seu ex-marido.

O recurso teve origem em ação de divórcio com pedido de alimentos. Como o casamento foi celebrado sob o regime da comunhão universal de bens, no qual todo o patrimônio é comum ao casal, a ex-esposa alegou que, embora não fosse sócia da empresa, haveria copropriedade das cotas sociais.

O tribunal estadual negou o pedido sob o fundamento de que, como a mulher não ostenta a condição de sócia da empresa, seria “desaconselhável a violação do sigilo bancário de pessoa jurídica”. Além disso, o acórdão destacou que a apuração dos lucros e rendimentos poderia ser obtida por outros meios.

Pedido pertinente

No STJ, a decisão foi reformada. A relatora, ministra Nancy Andrighi, reconheceu a existência de limitações que impedem o ex-cônjuge de exercer o pleno direito de propriedade em relação a patrimônio constituído por cotas de sociedade limitada, mas destacou a pertinência do pedido.

“Não é desarrazoado o pedido de acesso aos extratos das contas correntes da sociedade empresarial, porquanto ele se caracteriza como comedida e limitada salvaguarda da recorrente quanto ao efetivo patrimônio representado pelas cotas sociais do ex-casal”, disse a ministra.

Nancy Andrighi afirmou que o fato de a ex-esposa obter um retrato das transações econômicas da sociedade empresária em nada prejudicaria o patrimônio dos sócios nem os projetos da organização, mas seria medida necessária ao resguardo do patrimônio partilhado.

“É inarredável o fato de que essa circunstância, não raras vezes, também dá azo à manipulação patrimonial por parte do ex-cônjuge, sócio da sociedade empresarial, que, se valendo dessa situação ímpar, pode fazer minguar o patrimônio pessoal – imediatamente partilhável com a ex-cônjuge –, em favor da empresa, onde ele, a priori, fica indisponibilizado para o casal, mas que, sabe-se, pode ser indiretamente usufruído pelo sócio”, explicou a ministra.

Precedente

Nancy Andrighi também destacou o entendimento da turma, firmado em precedente, que entendeu possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica em caso no qual um ex-cônjuge empresário utilizou a pessoa jurídica por ele controlada para subtrair da mulher direitos decorrentes do casamento.

“Se é possível, em determinadas circunstâncias – e esta turma já confirmou essa possibilidade –, a desconsideração invertida da personalidade jurídica e toda a devassa nas contas, livros e contratos da sociedade que dela decorrem, qual a razão para que não se defira o pedido singular de quebra de sigilo bancário da pessoa jurídica, por óbvio, medida muito menos gravosa para a sociedade empresarial? ”, questionou a ministra.

A turma, por unanimidade, acompanhou a relatora e deferiu o pedido de quebra de sigilo bancário. O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Destaques de hoje
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Empregado rural que trabalhou 16 anos para a mesma família e ficou nove meses sem receber salários será indenizado



Ele era trabalhador rural e prestava serviços para a mesma família desde 1999, de forma contínua. Começou como empregado do pai do atual empregador, depois passou a trabalhar para a viúva dele e, finalmente, após o falecimento dela, o filho e único herdeiro do casal assumiu o papel de empregador. Durante todo o período, teve desrespeitados vários direitos trabalhistas, como férias, 13º salário, FGTS, repousos semanais remunerados horas extras e feriados. Além de tudo, estava, há meses, sem receber salário.

Esse o quadro dramático contado por um reclamante e analisado pelo juiz Luciano José de Oliveira, em sua atuação na Vara do Trabalho de São Sebastião do Paraíso. Procurando seus direitos, o reclamante interpôs a ação trabalhista contra o empregador e também contra os espólios de seus pais.

Apesar de regularmente citados, os réus não compareceram na audiência de instrução, o que levou à decretação da revelia deles e à aplicação da pena de confissão. Em consequência, foram considerados verdadeiros os fatos afirmados pelo trabalhador, já que não contrariados por qualquer prova existente no processo (artigo 844 da CLT e Súmula 74 do TST).

Diante do descumprimento das obrigações trabalhistas, o magistrado reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho, com base no artigo 843, alínea d, da CLT, fixando a extinção do vínculo no último dia trabalhado pelo reclamante (em 15/07/2016) e condenando os réus, de forma solidária, a lhe pagar as parcelas rescisórias devidas, inclusive a multa de 40% do FGTS, bem como todas as parcelas trabalhistas descumpridas ao longo de todo o contrato, que durou cerca de 16 anos (13º salário, férias + 1/3, FGTS, horas extras, repousos semanais remunerados e feriados trabalhados).

Além disso, tendo em vista que o trabalhador ficou sem receber salário desde outubro de 2015, os reclamados foram condenados a lhe pagar os salários devidos até junho de 2016, no valor de 1,5 salários-mínimos mensais, conforme informado na petição inicial. E não foi só. Diante dessa absurda situação vivida pelo reclamante, trabalhador rural e pessoa de poucos recursos, os réus também foram condenados a lhe pagar indenização por danos morais, fixada pelo julgador em R$5.000,00. O magistrado não teve dúvidas sobre o abalo psicológico sofrido pelo reclamante, já que, por tanto tempo (cerca de nove meses), ficou privado de sua principal, senão única, fonte de sobrevivência.
PJe: Processo nº 0010954-75.2016.5.03.0151. Sentença em: 21/07/2016Para acessar a decisão, digite o número do processo em:
https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam



Fonte: TRT3

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