sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Empregado rural que trabalhou 16 anos para a mesma família e ficou nove meses sem receber salários será indenizado



Ele era trabalhador rural e prestava serviços para a mesma família desde 1999, de forma contínua. Começou como empregado do pai do atual empregador, depois passou a trabalhar para a viúva dele e, finalmente, após o falecimento dela, o filho e único herdeiro do casal assumiu o papel de empregador. Durante todo o período, teve desrespeitados vários direitos trabalhistas, como férias, 13º salário, FGTS, repousos semanais remunerados horas extras e feriados. Além de tudo, estava, há meses, sem receber salário.

Esse o quadro dramático contado por um reclamante e analisado pelo juiz Luciano José de Oliveira, em sua atuação na Vara do Trabalho de São Sebastião do Paraíso. Procurando seus direitos, o reclamante interpôs a ação trabalhista contra o empregador e também contra os espólios de seus pais.

Apesar de regularmente citados, os réus não compareceram na audiência de instrução, o que levou à decretação da revelia deles e à aplicação da pena de confissão. Em consequência, foram considerados verdadeiros os fatos afirmados pelo trabalhador, já que não contrariados por qualquer prova existente no processo (artigo 844 da CLT e Súmula 74 do TST).

Diante do descumprimento das obrigações trabalhistas, o magistrado reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho, com base no artigo 843, alínea d, da CLT, fixando a extinção do vínculo no último dia trabalhado pelo reclamante (em 15/07/2016) e condenando os réus, de forma solidária, a lhe pagar as parcelas rescisórias devidas, inclusive a multa de 40% do FGTS, bem como todas as parcelas trabalhistas descumpridas ao longo de todo o contrato, que durou cerca de 16 anos (13º salário, férias + 1/3, FGTS, horas extras, repousos semanais remunerados e feriados trabalhados).

Além disso, tendo em vista que o trabalhador ficou sem receber salário desde outubro de 2015, os reclamados foram condenados a lhe pagar os salários devidos até junho de 2016, no valor de 1,5 salários-mínimos mensais, conforme informado na petição inicial. E não foi só. Diante dessa absurda situação vivida pelo reclamante, trabalhador rural e pessoa de poucos recursos, os réus também foram condenados a lhe pagar indenização por danos morais, fixada pelo julgador em R$5.000,00. O magistrado não teve dúvidas sobre o abalo psicológico sofrido pelo reclamante, já que, por tanto tempo (cerca de nove meses), ficou privado de sua principal, senão única, fonte de sobrevivência.
PJe: Processo nº 0010954-75.2016.5.03.0151. Sentença em: 21/07/2016Para acessar a decisão, digite o número do processo em:
https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam



Fonte: TRT3

Trabalhador que apresentou laudo particular de silicose mas não teve a doença confirmada por perícia do juízo não consegue indenização



O empregado pretendia receber indenização por danos morais e materiais da empresa, afirmando que adquiriu a doença ocupacional conhecida como silicose, em decorrência da prestação de serviços à ré. Mas, apesar do relato do trabalhador ter sido confirmado pelos médicos particulares que o acompanharam, a perita oficial do juízo, médica especialista em pneumologia, concluiu em sentido contrário, ou seja, que ele não tinha silicose. Segundo a especialista, o trabalhador foi diagnosticado com tuberculose pulmonar em 2006, mas já tinha sido tratado e estava curado. Essa foi a situação encontrada pela 5ª Turma do TRT mineiro, ao julgar o recurso do trabalhador que não se conformava com a sentença que indeferiu as indenizações pleiteadas. A Turma acolheu o entendimento do relator, desembargador Manoel Barbosa da Silva, que concluiu que o reclamante, de fato, não tinha a doença e confirmou a decisão do juiz de primeiro grau.

A perita oficial, médica especialista em pneumologia, com base em exames de técnicas avançadas de imagem (multislice) e também de imagens analisadas com o apoio de médica radiologista citada como a "mais experiente em pneumoconioses de Minas Gerais", apurou que o reclamante não era portador de silicose. Segundo a especialista, em 2006, ele foi acometido por tuberculose pulmonar, mas havia feito tratamento e já estava curado. A perita esclareceu que o pneumologista que diagnosticou a silicose no reclamante em 2013, equivocou-se, "provavelmente porque não avaliou em profundidade a tomografia multislice no sistema PACS", como ela havia feito no laudo oficial.

Para reforçar seu entendimento, o desembargador recorreu ainda ao relato dos médicos/peritos forenses Quirino Cordeiro e Hilda Clotilde Penteado Morana, publicado em revista "on line" de psiquiatria, apresentando interessantes explicações sobre as diferenças da conduta procedimental do médico que acompanhou o trabalhador, assim como daquele que foi seu assistente técnico no processo, em relação ao perito oficial:

"As figuras de médico assistente e perito são completamente distintas, tanto em suas competências, como nas atividades que desempenham. Ao médico assistente cabe a realização do tratamento, devendo se empenhar em utilizar todo seu conhecimento e habilidades para o benefício de seu paciente, com quem mantém relação de extrema confiança. Por seu turno, ao médico perito cabe responder a determinadas questões formuladas pela autoridade que o nomeou. Assim, a relação estabelecida entre perito e periciando não é de confiança mútua, como acontece na relação médico/paciente, já que o compromisso do perito não é com ele, mas sim com a autoridade que o investiu da função pericial. Ademais, cabe ao médico perito, e não ao médico assistente, o enquadramento do quadro clínico do periciando nas normas legais ou administrativas, que estão em pauta na avaliação pericial".

Por isso, no caso, o laudo da médica pneumologista e perita oficial do juízo, no sentido de que o trabalhador não é portador de silicose, prevaleceu sobre o testemunho do médico do reclamante, em sentido contrário. "Havendo divergência entre os relatórios médicos particulares e o laudo pericial do Juízo, este deve prevalecer, porque elaborado sob o crivo do contraditório e por profissional imparcial", destacou o desembargador.

Além disso, o julgador ressaltou que o procedimento adotado no caso observou o que o próprio Conselho Federal de Medicina determina para casos de divergências. É que o artigo 6° da RESOLUÇÃO CFM N° 1.956/2010 dispõe que: "Caso persista a divergência entre o médico assistente requisitante e a operadora ou instituição pública, deverá, de comum acordo, ser escolhido um médico especialista na área, para a decisão. " E, conforme registrou o relator, "foi deferido o pedido do reclamante de substituição do perito primeiramente designado, quando se trouxe ao caso uma pneumologista, a qual detém capacitação de especialista e deu a resposta necessária para as divergências apresentadas". Por essas razões, a Turma rejeitou as indenizações pleiteadas pelo trabalhador. ( 0000794-46.2013.5.03.0102 RO )



Fonte: TRT3

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Crítica às teses que defendem o sistema de precedentes - Parte II





29 de setembro de 2016, 8h00

Por Lenio Luiz Streck


Na primeira parte (ler aqui), estabeleci as bases da discussão acerca da pretensão de parcela da doutrina em institucionalizar um sistema de precedentes no Brasil. Demonstrei as bases das teses pelas quais o judiciário se transformará (ou se transformaria) em um sistema em que os tribunais superiores (Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal) se transformariam em cortes de precedentes ou vértice, segundo fez constar, inclusive, o ministro Edson Fachin em voto no RE 655.265. De minha parte, apoio qualquer ideia que dê coerência e integridade ao Direito[1] (afinal, fui o protagonista da emenda que alterou o artigo 926 do CPC). Entretanto, preocupa-me a transformação do STJ e STF em cortes de vértice, conforme explicitarei.

Falei do acórdão do RE 655.265, no qual o STF fez constar que o artigo 926 introduziu uma vinculação ao estilo stare decisis; o STF disse também que o CPC estabeleceu um sistema de precedentes vinculantes e que a corte de vértice está vinculada aos próprios precedentes e, ao final, estabelece uma “tese” com pretensão generalizante (ver crítica minha e de Bruno Torrano aqui). Afinal: qual é a relação de um stare decisis com um sistema de precedentes à brasileira e a elaboração de “teses” vinculantes? O precedente é a tese? A tese é o precedente? Insisto em dizer que no common law isso não ocorre e não é assim. Mais: no common law, precedentes não são construídos para, a partir de teses, vincular julgamentos futuros.[2] Problema: se o Direito é o que o Judiciário, por suas cortes de vértice, disser que é, a quem reclamar? Caberia à doutrina contestar. Só que parcela da doutrina concorda com (ess)a precedentalização do Direito e com a mudança do papel de nossos tribunais superiores, o que, se ocorrer, dar-se-á ao arrepio de nosso arranjo constitucional — inclusive porque somente a Constituição pode estabelecer competências para os poderes, bastando lembrar que o famoso caso “Marbury vs. Madison” (1803) versou justamente sobre isso.

E este é um pressuposto ineliminável: a Constituição e o modo como ela estabelece o funcionamento de nossos tribunais. Taruffo, inclusive, em um texto recente, afirma ser uma tarefa de notável dificuldade desenvolver um discurso homogêneo e generalíssimo sobre o papel destas cortes em razão das diferenças de competência, estrutura, de composição e de modalidades de funcionamento que cada um possui.[3] Por exemplo, se na Suprema Corte o certiorari é um “pretexto”,[4] em face da autorização normativa de juízos discricionários de admissibilidade (Rule 10 das Rules of the Supreme Court), apesar de que isto não é utilizado para julgar e formar teses por lá, no Brasil os recursos extraordinários são impugnações para o julgamento de “causas” (artigos 102 e 105, CR/88) e nunca poderão ser interpretados como uma autorização de formar teses como comandos gerais e abstratos para resolução de casos repetitivos. Nunca é demais lembrar que não há entre nós a figura do “recurso só no interesse da lei”. Ademais, se não bastasse a diversidade de estruturas normativas e institucionais, a história e racionalidade decisória da Suprema Corte é completamente diversa de nossos tribunais superiores. Em seu novo livro sobre a invocação de precedentes estrangeiros pelos juízes nacionais, embora defenda o papel virtuoso da comunicação de entendimentos judiciais, Maurício Ramires faz notar que um dos perigos do entusiasmo desmedido com as experiências estrangeiras é justamente o da sua descontextualização pela falta de familiaridade com os outros sistemas judiciais.[5]

E, por fim, Taruffo afirma que “o precedente não tem uma eficácia formalmente vinculante nem sequer na Inglaterra e muito menos nos Estados Unidos. Com maior razão — e independentemente da eventualidade que se considere a jurisprudência como fonte do direito — deve excluir-se que o precedente tenha eficácia vinculante nos sistemas de civil law”. E complementa Taruffo: “Qualquer intenção de atribuir tal eficácia ao precedente está então destituída de fundamento: se poderá falar só de força do precedente entendendo que esta possa ser maior ou menor segundo os casos, de modo que se terá um precedente forte quando possua a capacidade de determinar efetivamente a decisão de casos sucessivos, e um precedente débil quando os juízes sucessivos tendam a não lhe reconhecer um grau relevante de influência sobre suas decisões.”.

Ou seja, o próprio Taruffo reconhece o caráter argumentativo da aplicação de precedentes e a impossibilidade de fechamento como se permitiria mediante algumas respeitáveis leituras por aqui.[6] E, para não esquecer: o CPC fala que juízes e tribunais “observarão”. Não há a palavra “vinculação”.

Voltando ao debate que iniciei na última semana, também falei que dois professores (Hermes Zanetti e Carlos Pereira artigo) defenderam que o judiciário venha a legislar, nos termos do CPC. Quando disse que os ilustres professores Zaneti (autor do importante livro O valor vinculante dos precedentes) e Pereira estariam “cobrando” que o Judiciário “legisle”, talvez eu não tenha sido suficientemente claro no sentido da minha crítica. Esclareço, então. Compreendo que os referidos autores estejam preocupados em dizer justamente o contrário, isto é, que as funções do legislador e do judiciário são distintas. Porém, sem que eles percebam, acabam atribuindo ao judiciário um papel de criar “normas gerais e concretas” com aptidão e conformar situações futuras de maneira vinculante como se lei fossem. Minha discordância com Zanetti reside justamente na ideia de que decisões vinculantes possam ser catalogadas, indistintamente, como normas gerais para o futuro e como precedentes, fazendo com que a jurisprudência possa, como ele diz, ser alçada à condição de fonte primária do direito junto à legislação. Por isso, indago: como podem ser fonte primária se visam, sob a ótica especialmente de Zanetti, justamente reduzir o grau de “equivocidade” [7] ou de “textura aberta” da lei — justamente o ponto de partida para que sejam criados os denominados “precedentes”? Não haveria aí uma contradição? E esses “precedentes” passariam a ocupar o mesmo lugar e patamar da lei no ordenamento jurídico, mesmo que equivocados? Como assim? Então, alguém deve dar a última palavra e essa “decisão interpretativa” acabaria valendo mais que a própria lei? E, fundamentalmente: por que é que um texto (um precedente) geraria menos “problemas” interpretativos que outro texto (uma lei)? Além disso, no final do artigo, Zaneti e Pereira assumem a posição realista (como também fazem alguns dos seguidores desta proposta).[8] De todo modo, parabenizo Zanetti e Pereira pelo diálogo e preocupação com este tema.

Aliás, fora do realismo jurídico (moderado ou não), torna-se difícil (ou impossível) sustentar esse tipo de tese. Isso no plano da teoria do direito, é claro. Mas aí é que está o problema. E por que? Porque tudo está a indicar que as teses precedentalistas não constituem teoria do direito e, sim, apenas teoria política. O que os autores fazem é uma tentativa de rearranjo institucional. Preocupam-se com “quem deve decidir” e não com o “como se deve decidir”. Até porque não há qualquer novidade em dizer que o positivismo clássico está superado, que as palavras da lei são plurívocas, que texto jurídico e norma são coisas diferentes, etc. É uma tese normativa de teoria política acerca de quem deve decidir e porque essas decisões valem por sua autoridade e não pelo seu conteúdo. Nesse sentido, há uma aproximação com o convencionalismo, porque, ao que se vê, o precedente integra a convenção. Posto o precedente, ele vale. Está na convenção (é apenas nesse ponto em que aparece um resquício de teoria jurídica na tese precedentalista).

Ou seja, o que fica claro — e parece ser um ponto central das teses precedentalistas — é que as cortes de vértice elaboram o material normativo básico e dentro dessa moldura (por assim dizer) escolhe a norma mais justa dentre os sentidos permitidos pelos precedentes. Ou seja, ao que se pode entender, o conceito de interpretação fica restrito, como forma de criação e atribuição de sentido, às cortes de vértice. Parece haver uma intencionalidade, com propósitos distintos do agente político que ocupa o vértice em relação àqueles que estão abaixo: um cria material normativo novo, fixando uma dentre as possíveis interpretações possíveis do material jurídico básico; os demais (do andar de baixo) adotam o precedente (o ponto final de alguma controvérsia interpretativa) como já integrante desse material normativo básico, explorando seus novos sentidos possíveis, com uma dupla missão: manter a unidade do direito e fazer “justiça”, dentro das balizas normativas. Presente, aí, a tese da convencionalidade.

Como explicamos Torrano e eu no artigo já referido retro, com isso corremos sério risco de arruinar o Estado do Direito pela institucionalização jurisprudencial de um realismo jurídico “à brasileira”, dedicado a proclamar a verdade de proposições jurídicas pela mera referência ao fato de terem sido proferidas por órgãos do Poder Judiciário (“O direito é aquilo que os Tribunais dizem que o direito é”), e não à luz de normas jurídicas previamente elaboradas pelo Poder Legislativo.

Por isso, penso ser arriscado defender um papel tão amplo — e poderoso — para as cortes superiores sem antes se ocupar de uma teoria da decisão jurídica, dos mecanismos de controle, públicos, intersubjetivos e da qualidade dessas decisões. Se a corte vai “normar”, parece-me ser sempre útil invocar, para demarcar as diferenças entre juiz e legislador, a distinção entre os argumentos de principio (obrigatórios para os primeiros) e argumentos de politica (no caso da tese dos precedentalistas, permitidos aos segundos). Nesse sentido, se for assim, que pelo menos esta norma (precedente) seja gerada por principio e não por um ato de vontade (Kelsen é quem diz que o juiz faz um ato de vontade — e não quero crer que alguém queira dar razão à Kelsen nesta quadra do tempo).

Agora, chegamos na sequência. De pronto, quero dizer que não estou tratando de precedentes como decisões que já nascem com aptidão de vincular para o futuro e que sejam espécies de "normas gerais" ou "razões generalizantes". Sei que nem todos os autores equiparam "precedentes" às súmulas e IRDR. Marinoni, Mitidiero e Arenhart, por exemplo, dizem que não são iguais. Porém, buscam definir o que é um precedente...e acabam chegando em algo muito parecido ao que dizem que não é precedente. De todo modo, o debate também serve para esclarecer estas dúvidas.

Daí minha cautela no ponto, para reconhecer, por óbvio, que Marinoni, Mitidiero e Arenhart sempre falaram que os precedentes são diferentes da SV e do IRDR. A meu favor, afirmo que não afirmei isso. Tenho que claro — e isso parece também estar pacifico para os autores — que precedentes são diferentes da SV e teses de IRDR.

Satisfeito, vejo que minha coluna gerou polêmica. Alguns afirmaram que eu não teria compreendido o ponto. Ou os pontos. Sendo assim, proponho aos defensores de um sistema de precedentes a partir de Cortes de Vértice e coisas do gênero, uma despoluição semântica do que estamos falando para clarear a discussão. Eis as premissas nas quais estou baseado:

1) O que temos no CPC não é uma “commonlização”; nem de longe se pode afirmar isso;

2) Os provimentos elencados no artigo 927 não são todos precedentes (e, lógico, precedentes não no sentido genuíno do common law). Nesse sentido, súmula não é precedente (nem no Brasil, nem seria no common law), julgamento de questões repetitivas, igualmente;

3) Todo precedente e provimento que deve ser observado (veja-se a palavra “observado”) são interpretáveis, ou seja, nunca são a norma decisória do caso concreto e nem podem ser vistos como o “ponto de chegada”,[9] sendo um principium argumentativo; precedente também é um texto, provimento é um texto, súmula é um texto;

4) Precedente não tem hierarquia em relação à lei;

5) Julgar precedente não é sinônimo de julgamento de tese; há que ficar clara a diferença entre precedente e tese; não podem ser a mesma coisa;

6) MacCormick só fala de precedente genuíno do common law (por óbvio, lá não tem sumula e não tem IRDR); também temos que estar de acordo que Schauer não trata de súmulas, não imagina IRDR e fala de precedentes no sentido do common law; também temos que estar de acordo que Taruffo também fala de precedentes e as citações acima esclarecem a extrema cautela com que esse autor fala desse tema;

7) Por último, uma questão teórica fundamental: penso que hoje em dia — com o avanço da teoria do direito — já podemos estar de acordo que o positivismo clássico (o que Mitidiero, por exemplo, chama de formalismo de matriz cognitivista[10]) está superado. E que não necessitamos fazer esforços e gastar preciosas energias para superar algo que Kelsen já havia suplantado. Sim, pode parecer estranho, mas Kelsen é um positivista pós-exegético. Portanto, creio que podemos estar de acordo, a partir de Hart — este pelo lado do positivismo (inclusivo) — e por Müller — este pelo lado do pós-positivismo — que já não há qualquer novidade em falar da e na superação do formalismo (ou exegetismo) ou equiparação texto-norma (nem preciso falar dos demais autores pós-hartianos, vivos e mortos). Se nos colocarmos de acordo com isso, ficará mais fácil falarmos em precedentes, teses, texto, norma, teoria da interpretação e conceitos afins (ou de uma teoria normativa de teoria política). Por fim, o cerne desta questão é: o que fazer neste ambiente de indeterminação gerado pelo pós-exegetismo? Tentando dar conta deste estado de coisas estão argumentativistas, interpretativistas, hermeneutas, positivistas de vários matizes, analíticos, dentre outros. A pergunta que surge é: seriam os precedentes suficientes para contornar esta realidade ou seria mesmo um retorno — ou a concessão fatalista — a um positivismo fático (jurisprudencialista)?

Preocupo-me com isso desde a década de 90. Georges Abboud, mais jovem, escreveu comigo o livro O que é isto — o precedente judicial e as súmulas vinculantes? (Livraria do Advogado, 3ª. Ed), já nos últimos 4 anos. É disso que estou falando. Portanto, por amor ao debate, quem estiver de acordo com estas premissas pode se aliar e passar a debater para encontrarmos, juntos, soluções. Mas, por outro lado, se não estivermos de acordo, deixemos claro que não estamos falando da mesma coisa. Embora isso não impeça que debatamos. Todos apreenderemos.

Digo isto porque há muita poluição semântica nesse tema. Por exemplo, tenho lido na vasta doutrina a disposição no país, coisas como: súmula é a ratio do precedente; Súmula é precedente; os provimentos enumerados no artigo 927 são todos precedentes — dando-se a entender que não haveria distinção conceitual entre eles. Temos de clarear isso. Parcela considerável dos meus críticos diz que estamos em face de um sistema de precedentes (conceito até agora que figura como performático [veja aqui artigo meu com Georges Abboud]). Já li também que a lei é sempre indeterminada e que, quando se estabelece o precedente (ou uma tese, como consta no RE 655.265), eliminar-se-ia (á) a discricionariedade. Só que essa posição não explica como se estabelece o precedente. Também não está explicado porque o precedente é/seria melhor do que a lei. Afinal, o que muda da lei para o precedente? Precedente não é texto? Ou precedente é um texto pré-interpretado? Ele já contém previamente as hipóteses de aplicação? Eis aí um ponto que tratarei com paciência e amiúde na sequência. Conclamo aos que concordam e aos que não concordam comigo para um tour de force e que possamos esclarecer esses conceitos. A doutrina é que sairá vencedora. Superando aguilhões semânticos.

Tenho que encerrar esta coluna. Espaço findou. Continua na semana que vem.


1 A integridade é entendida a luz de Ronald Dworkin: um prin cí pio legis la ti vo, que pede aos legis la do res que ten tem tor nar o con jun to de leis moral men te coe ren te, e um prin cí pio juris di cio nal, que deman da que a lei, tanto quan to pos sí vel, seja vista como coe ren te nesse sen ti do. A integridade exige que os juí zes construam seus argu men tos de forma inte gra da ao con jun to do Direi to, constituindo uma garan tia con tra arbi tra rie da des inter pre ta ti vas; colo ca efe ti vos freios, por meio des sa comu ni da des de princípios, às ati tu des solip sis tas-volun ta ris tas. A integridade é antitética a qualquer forma de voluntarismo, ativismo e discricionariedade. Ou seja: por mais que o julgador desgoste de determinada solução legislativa e da interpretação possível que dela se faça, não pode ele quebrar a integridade do Direito, estabelecendo um “grau zero de sentido”, como que, fosse o Direito uma novela, matar o personagem principal, como se isso — a morte do personagem — não fosse condição para a construção do capítulo seguinte. Portanto, ao contrário do que dizem alguns precedentalistas, Dworkin não autoriza uma correção moral do direito (aliás, nesse sentido tem isso em comum com Joseph Raz). Mas isto nem de longe possibilita o enquadramento de Dworkin como um “cognitivista” (formalista) como, equivocadamente, afirma Guastini. Cf. GUASTINI, Riccardo. Intepretare e argomentare. Milano: Dott. A. Giuffré Editore, 2011. p. 409. Na verdade, Dworkin é, sim, um cognitivista, mas jamais no sentido que Guastini (para falar só dele) entende. O cognitivismo de Dworkin é no sentido da meta-ética. Ou seja, antitético ao conceito descritivista (ato de conhecimento) referido por Guastini. Veja-se como a teoria do direito faz a diferença, clareando os conceitos.


2 Importante: Lá, precedentes são “principium” e, não, “telos” da discussão. Cf. RE, Edward D. Stare Decisis. Revista dos Tribunais, a. 83, v. 702, p. 7-13, abr. 1994; CASTANHEIRA NEVES, A. O instituto dos "'assentos" e a função jurídica dos supremos tribunais. Coimbra: Coimbra Editora, 1983. p. 62. Não esqueçamos que Castanheira Neves travou uma batalha similar a esta que travamos por aqui: ele derrotou o instituto dos assentos, espécie de súmulas portuguesas.


3 TARUFFO, Michele. Las funciones de las cortes supremas. In. TARUFFO, M. et al. La mision de los tribunales supremos. Madrid: Marcial Pons, 2016. p. 231.


4 Cit. p. 238-239.


5 Ramires, Maurício. Diálogo Judicial Internacional – O Uso da Jurisprudência Estrangeira pela Justiça Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 253.


6 Na mesma obra, Mitidiero afirma, em perspectiva realista (p. 99), que atuação da “Corte Suprema” se dirige ao futuro(p. 95) sendo uma “corte de interpretação do direito e não uma corte de controle das decisões”(p. 107) que “se autogoverna”(?!)(p. 111). Pondera ainda que "tendo a interpretação da corte suprema valor em si mesma (?!?), sendo o móvel que legitima sua existência e outorga sua função (?!?!) um eventual dissenso em sua observância por seus membros e por outros órgãos jurisdicionais é encarado como um fato grave, uma falta de respeito e como um ato de rebeldia ante sua autoridade, que deve ser evitado e, sendo o caso, prontamente eliminado pelo sistema jurídico e pela sua própria atuação." – destacamos. Ainda no referido texto afirma que: “A cultura jurídica subjacente a este modelo encara com naturalidade o fato que a última palavra acerca do significado do direito seja confiada à corte suprema." Mitidiero, D. Dos modelos de cortes de vertice- cortes superiores y cortes supremas. In. TARUFFO, M. et al. La mision de los tribunales supremos. p. 108 e 103.


7 Mesma tese de Mitidiero, D. cit. p. 98 e 113.


8 MITIDIERO, D. cit. p. 99.


9 MITIDIERO, D. cit. p. 108.


10 Demonstrarei em coluna próxima que, nesse caso, ao menos no plano do que diz Mitidiero no livro Dos modelos de cortes de vértice op.cit., sua percepção sobre a relação positivismo (formalismo)-cognitivismo difere daquela trabalhada contemporaneamente a partir da meta-ética. Ademais, o conceito de cognitivismo combatido por Mitidiero se aproxima do ato de conhecimento, puramente epistêmico, que já estava em Kelsen, na sua TPD. Kelsen justamente critica a jurisprudência dos conceitos por esta limitar o raciocínio judicial a um ato meramente intelectivo. Diferentemente, para Kelsen o juiz faz um ato de vontade, o que denota um não-cognitivismo. Neste caso, resta a pergunta: o papel do juiz em Kelsen seria o mesmo que Mitidiero prega para o papel do juiz hoje?



Lenio Luiz Streck é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck e Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.

Revista Consultor Jurídico, 29 de setembro de 2016, 8h00

Rótulos de alimentos terão de informar sobre variação nutricional de até 20%



A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) terá de exigir dos fabricantes de alimentos a inclusão de advertência de que os valores nutricionais informados nos rótulos dos produtos podem variar em até 20%.

A decisão unânime foi tomada pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso apresentado pelo Ministério Público Federal (MPF) contra decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3).

Após apurar irregularidades na rotulagem de produtos light e diet, o MPF ajuizou ação civil pública para que a Anvisa, utilizando-se de seu poder de normatizar e fiscalizar os produtos alimentícios, exigisse essa advertência nos rótulos.

Nenhum prejuízo

Para o TRF3, a variação de 20%, relacionada com as matérias-primas utilizadas na fabricação dos alimentos, “não se caracteriza como informação relevante ou essencial, a justificar a inserção de advertência nos rótulos”.

No entendimento do tribunal regional, não há justificativa para determinar a advertência sobre a variação de 20% nas informações nutricionais dos rótulos de alimentos, “quer por não trazer qualquer prejuízo ao consumidor, quer pela possibilidade de criar dúvida maior do que eventual esclarecimento”.

Inconformado com essa decisão, o MPF recorreu ao STJ. O recurso foi relatado pelo ministro Herman Benjamin, da Segunda Turma, especializada em direito público.

Tolerância

Para o ministro, o consumidor tem o direito de ser informado no rótulo dos produtos alimentícios da existência dessa variação nos valores nutricionais, “principalmente porque existe norma da Anvisa permitindo essa tolerância”.

Por meio de atos normativos, a Anvisa regulamentou a informação nutricional e a rotulagem de alimentos, autorizando a tolerância de até 20% nos valores constantes da informação dos nutrientes declarados no rótulo.

Herman Benjamin ressaltou que o direito à informação é assegurado pela Constituição Federal (artigo 5º, XIV), só sendo possível “limitar tal direito quando contar com evidente e razoável justa causa, o que, obviamente, não é a hipótese” em julgamento.

Mudança ágil

“Cabe ainda ressaltar que, sobretudo nos alimentos e medicamentos, o rótulo é a via mais fácil, barata, ágil e eficaz de transmissão de informações aos consumidores”, disse o ministro. Segundo ele, os rótulos “são mudados diuturnamente para atender a oportunidades efêmeras de negócios, como eventos desportivos ou culturais”. O relator afastou ainda o argumento de que a inclusão da advertência sobre variação de 20% dos valores nutricionais das matérias-primas utilizadas na fabricação dos alimentos cause custo excessivo aos fabricantes.

Destaques de hoje
Rótulos de alimentos terão de informar sobre variação nutricional de até 20%
STJ suspende decisão que permitiu candidatura de Raul Filho à prefeitura de Palmas
Negado habeas corpus a Ricardo Najjar, suspeito de matar a filha Sophia
Suspensas ações sobre início do prazo recursal do MP após intimação em audiência


Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1537571
Fonte: STJ 

Gravação de conversa entre gerente e diretor da empresa por viva-voz comprova humilhação de vendedora




A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento a agravo da Semax Segurança Máxima Ltda. contra decisão que considerou válida a gravação feita por uma vendedora de uma ligação telefônica no viva-voz, enquanto pegava carona no carro do gerente. No áudio, o diretor da empresa a chama de "prostituta de boca grande" e orienta o gerente a enganá-la quanto ao pagamento de comissões. A empresa alegava que a gravação era ilícita, por ter sido feita sem autorização dos interlocutores.

Segundo o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), que, com base na gravação, condenou a empresa a indenizar a empregada em R$ 5 mil, o caso é diferente daqueles em que a prova é obtida por meio ilícito, como por interceptação eletrônica sem autorização judicial, com violação à garantia do sigilo das comunicações. "Trata-se de situação muito mais próxima à de uma gravação de conversa ambiental do que de uma interceptação telefônica ilegal, pois a trabalhadora estava no veículo junto com o gerente no momento da ligação", ressaltou.

Para o Regional, embora a vendedora não participasse da conversa, ela estava autorizada, pelo menos, a escutá-la, caso contrário o gerente não teria acionado o viva-voz. "O fato de os demais interlocutores não terem autorizado a gravação é irrelevante", concluiu, observando que a gravação ambiental tem sido admitida como prova válida "mesmo sem a prévia ciência dos demais envolvidos".

Humilhação

A trabalhadora vendia câmeras de segurança para condomínios, e, numa visita a cliente, este fez uma reclamação sobre o serviço. Ao retornar para a empresa, de carona com seu gerente, este ligou para o diretor para falar do assunto, e nesse momento a gravação foi feita.

Exposta a essa "situação incômoda, humilhante e constrangedora", como definiu a vendedora, e tendo o caso chegado ao conhecimento dos colegas, ela acabou pedindo demissão 12 dias depois. Na reclamação, pleiteou a nulidade do pedido de demissão, porque teria sido praticamente obrigada a isso, e buscou receber verbas rescisórias e indenização por dano moral, apresentando a gravação e testemunhas que ratificaram o comportamento abusivo do diretor.

A 38ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte condenou a empresa a pagar R$ 20 mil por danos morais, posteriormente reduzidos pelo TRT-MG para R$ 5 mil. Ainda inconformada com a condenação, a empresa tentou trazer seu recurso ao TST, por meio de agravo de instrumento.

Ao analisar o caso, a relatora, ministra Kátia Magalhães Arruda, explicou que, para conhecimento do recurso de revista, a parte deve indicar o trecho da decisão recorrida que está sendo questionado, mas o fragmento indicado pela empresa não identifica os diversos fundamentos adotados pelo TRT para resolver a controvérsia, em especial o que revela que foi o gerente, que estava no carro com a vendedora, que ativou o viva-voz do celular e que ele sabia que a conversa estava sendo gravada. Assim, que, por isso, não foi atendido o requisito previsto no artigo 896, parágrafo 1º-A, inciso I, da CLT.

A decisão foi unânime.

(Lourdes Tavares/CF)

Processo: ARR - 62-83.2015.5.03.0138

O TST possui oito Turmas julgadoras, cada uma composta por três ministros, com a atribuição de analisar recursos de revista, agravos, agravos de instrumento, agravos regimentais e recursos ordinários em ação cautelar. Das decisões das Turmas, a parte ainda pode, em alguns casos, recorrer à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1).

Fonte: TST 

TST mantém invalidade de cláusula de acordo coletivo sobre horas de deslocamento




O Pleno do Tribunal Superior do Trabalho reafirmou, nesta segunda-feira, a jurisprudência do TST no sentido de que a natureza salarial das chamadas horas in itinere, ou de deslocamento, não pode ser afastada por meio de acordo coletivo. Por maioria, o Pleno desproveu recurso de embargos da Usina de Açúcar Santa Terezinha Ltda., de Maringá (PR), contra decisão que a condenou ao pagamento do adicional de horas extras e dos reflexos dessa parcela sobre as demais verbas trabalhistas, como descansos semanais remunerados, férias, 13º salário e FGTS.

A cláusula em questão previa o fornecimento de transporte pelo empregador, fixando em uma hora diária o tempo dispendido no trajeto. Esta hora seria calculada sobre o piso da categoria e não integraria os salários para nenhum efeito contratual e legal, nem seria computada como jornada extraordinária.

Ao julgar recurso de um trabalhador rural contra a usina, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) entendeu que a supressão das horas in itinere ou de direitos a elas inerentes só seria possível mediante a concessão de uma vantagem correspondente, o que não houve no acordo coletivo. "Não seria razoável admitir mera renúncia por parte da classe trabalhadora a direitos mínimos que lhes são assegurados por lei", afirma o acórdão.

A Segunda Turma do TST não conheceu de recurso de revista da empresa, que interpôs embargos à SDI-1. Em dezembro de 2014, a SDI-1 decidiu afetar a matéria ao Pleno. Nos embargos, a usina sustentava que, "se as partes ajustaram, com chancela sindical, um determinado número de horas e que o valor tem apenas caráter indenizatório, não há como não prestigiar a vontade das partes", apontando violação do artigo 7º, incisos VI, XIII e XXVI, da Constituição Federal.

O processo foi colocado em pauta depois de duas decisões do Supremo Tribunal Federal no sentido da prevalência da autonomia coletiva: os Recursos Extraordinários 590415, em que o Plenário admitiu a quitação ampla aos trabalhadores que aderiram ao Plano de Demissão Voluntária do Banco do Estado de Santa Catarina (BESC), e 895759, no qual, em decisão monocrática, o ministro Teori Zavascki conferiu validade a acordo coletivo que suprimiu horas in itinere numa usina em Pernambuco. Por maioria, o Pleno do TST entendeu que os precedentes do STF não se aplicam ao caso presente.

Distinguishing

O ministro Augusto César Leite de Carvalho (foto), relator do caso, listou seis fundamentos para negar provimento aos embargos. Na decisão final, embora chegando ao mesmo resultado, prevaleceram dois desses fundamentos: o de que a autonomia negocial coletiva não é absoluta e a de que os precedentes do STF não comportam interpretação esquemática.

Segundo o relator, há sempre a possibilidade de uma das partes suscitar um elemento de distinção (o chamado distinguishing) que escape aos aspectos factuais e jurídicos da controvérsia analisada pelo Supremo Tribunal Federal. Ao decidir pela validade da cláusula coletiva no RE 895759, o ministro Teori Zavascki tomou como fundamento o fato de o acordo ter suprimido as horas in itinere mediante contrapartidas como cesta básica durante a entressafra e benefícios como seguro de vida e salário família superiores ao limite legal.

No processo julgado pelo TST, porém, a maioria entendeu que não houve contrapartida para os trabalhadores. "O TRT afirmou, sem rodeios, a relação assimétrica que se estabeleceu na negociação coletiva que conduziu à conversão da remuneração do tempo à disposição do empregador em parcela indenizatória, sem reflexo em tantas outras que têm o salário como base de cálculo", afirmou Augusto César. "Cuida-se, portanto, de caso no qual se constata a renúncia a direito trabalhista indisponível sem qualquer contrapartida".

Temeridade

O ministro João Oreste Dalazen, que liderou a corrente majoritária que adotou apenas dois dos seis fundamentos do relator, afirmou ser "uma temeridade" dar validade a cláusulas de acordo coletivo de trabalho ou convenção que meramente suprimam direitos trabalhistas, "mormente ante a notória debilidade da maioria das entidades sindicais brasileiras". A seu ver, isso implicaria "um retrocesso histórico, um verdadeiro desmonte do Direito do Trabalho, que voltaria praticamente à estaca zero da concepção civilista do pacta sunt servanda", ou da força obrigatória dos contratos.

"Uma coisa é flexibilizar o cumprimento das leis trabalhistas e valorizar a negociação coletiva. Outra, muito diferente, é dar um sinal verde para a pura e simples redução de direitos, contrariando a natureza e os fundamentos do Direito do Trabalho", assinalou Dalazen. "No caso, não houve concessão de vantagem compensatória alguma para a supressão da natureza salarial das horas in itinere. Este é um fator relevante de distinção que autoriza a negar provimento aos embargos".

Divergência

Ficaram vencidos os ministros Ives Gandra Martins Filho, presidente do TST, e Barros Levenhagen, e as ministras Maria Cristina Peduzzi e Dora Maria da Costa, que davam provimento aos embargos para conferir validade à cláusula.

Para o presidente do TST, o caso se encaixa no precedente do ministro Teori Zavascki, do STF, baseado nos incisos VI e XIII do artigo 7º, que admitem a flexibilização de salário e jornada. "Não está em jogo a saúde do trabalhador nem a indisponibilidade de direitos", afirmou.

O ministro Ives Gandra Filho discordou ainda do entendimento de que não houve contrapartida ao trabalhador. "A cláusula flexibiliza, mas ao mesmo tempo concede o transporte independentemente de haver transporte público ou de ser local de fácil acesso, como exige a lei e a jurisprudência", observou. "Ou seja, dá direito até para quem não o tem".

O caso

Na reclamação trabalhista, um trabalhador rural alegava que o deslocamento, em transporte da empresa, da cidade de Mariluz, onde morava, até as frentes de trabalho levava cerca de uma hora na ida e uma hora na volta. Segundo apontou, os trabalhadores não tinham local fixo para realizar suas atividades, pois trabalhavam nas fazendas da usina e mudavam de local constantemente, e que "nunca sabia onde iria trabalhar no dia seguinte". Sustentou ainda que, além de não existir linha regular de ônibus, o recolhimento de trabalhadores rurais na região se dava em pontos e horários predeterminados, e por imposição do empregador. Por isso, pedia o pagamento das horas in itinere como tempo trabalhado, e seus reflexos nas demais parcelas.

A empresa, na contestação, afirmou que as horas de trajeto foram pagas com base nos acordos coletivos firmados com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Mariluz, sendo, portanto, "vedada qualquer apreciação judicial".

A condenação ao pagamento das horas pela Segunda Turma seguiu o entendimento consolidado no item V da Súmula 90 do TST, que assegura a remuneração das horas in itinere com o adicional horas extras de no mínimo 50%, previsto no inciso XVI do artigo 7º da Constituição da República.

(Carmem Feijó. Foto: Aldo Dias)

Processo: RR-205900-57.2007.5.09.0325 - Fase Atual: E

O Tribunal Pleno do TST é constituído pelos 27 ministros da Corte e precisa da presença de, no mínimo, 14 julgadores para funcionar. Entre suas atribuições está a aprovação de emendas ao Regimento Interno, a eleição da direção do Tribunal, a escolha de nomes que integrarão listas para vagas de ministro do TST, a decisão sobre disponibilidade ou aposentadoria de ministro do Tribunal por motivo de interesse público, a manifestação oficial sobre propostas de alterações da legislação trabalhista (inclusive processual), a declaração de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula ou de precedente normativo e o julgamento dos Incidentes de Uniformização de Jurisprudência (IUJ).

Fonte: TST 

Trabalhador que sofreu queimadura enquanto fritava batatas receberá indenização de R$ 15 mil por danos morais e estéticos





Um trabalhador que sofreu acidente de trabalho quando fritava batatas receberá indenização por danos morais e estéticos no valor de R$15 mil. A decisão é da juíza Cristine Nunes Teixeira, em sua atuação na Vara do Trabalho de Araxá, e foi confirmada pelo TRT mineiro.

O acidente ocorreu enquanto o reclamante estava em treinamento para o trabalho com frituras no laboratório do réu. Para a magistrada, ficou claro que o empregador não ofereceu um ambiente de trabalho seguro e adequado o suficiente para eliminar ou amenizar danos à integridade física do trabalhador.

Nesse sentido, o líder do reclamante, ouvido como testemunha, contou que o empregado retirava a bandeja do óleo, quando esta enroscou na beirada. Ele se assustou com respingos de gordura quente e soltou a bandeja, sendo atingido pelo óleo. A testemunha declarou ainda que todos no laboratório são instruídos a usar um avental, mas que o reclamante não o estava usando.

"É patente a negligência da reclamada, que deixou desacompanhado empregado inexperiente, a ponto de permitir a não utilização de EPI indispensável para o exercício da função", registrou a julgadora, acrescentando que a empresa descumpriu o artigo 157 da CLT, que determina que a empresa deve cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho. Além disso, deve instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais.

A perícia médica realizada constatou que o acidente não causou sequelas permanentes, não encontrando sinais objetivos de perda da capacidade de trabalho. Quanto ao prejuízo estético, o perito entendeu que foi mínimo, em grau até 10%, deixando a critério da juíza a definição do prejuízo no caso. A magistrada se posicionou no sentido de ser devida a reparação por parte do empregador, ainda que o dano estético tenha sido considerado mínimo.

A juíza explicou que a alteração da harmonia física da pessoa é uma das formas de identificar o dano estético. No caso, o autor ficou com uma mancha que ocupa área considerável do abdômen. Ademais, considerou que os danos gerados pelo acidente de trabalho são presumíveis, estando implícitos na própria gravidade da situação. "(O reclamante) foi exposto a dores físicas e a tratamentos médicos; foi afastado de suas atividades regulares; teve que conviver com a incerteza das dimensões das lesões sofridas. Inegável a quebra do equilíbrio psicológico, bem-estar e da normalidade da vida", pontuou na sentença.

Nesse contexto, a juíza decidiu condenar o empregador a pagar ao empregado uma indenização por danos morais e estéticos, fixada, conjuntamente, em R$ 15 mil. ( 0001598-45.2014.5.03.0048 RO )



Fonte: TRT3

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...