terça-feira, 13 de setembro de 2016

STJ divulga jurisprudência sobre cinco temas de Direito Processual Civil e Penal






O Superior Tribunal de Justiça divulgou mais cinco temas no serviço Pesquisa Pronta, ferramenta de consulta jurisprudencial. Três teses são relacionadas ao Direito Processual Civil, e duas, ao Direito Penal.

Os temas cíveis compreendem a jurisprudência do STJ de que o relator está autorizado a julgar monocraticamente o mérito do Recurso Especial nos autos do Agravo de Instrumento sem precisar transformá-lo em Recurso Especial e de que acórdãos em Habeas Corpus, Mandado de Segurança ou Recurso Ordinário não servem de paradigma para divergência jurisprudencial, por não terem a mesma extensão que o recurso especial, ainda que se trate de dissídio notório.

Já quanto ao Direito Penal, os temas tratam do marco inicial para a contagem do prazo da prescrição executória, que o STJ entende como o trânsito em julgado para a acusação e não para ambas as partes e da caracterização do crime de estupro de vulnerável, sendo este consumado com a prática de qualquer ato de libidinagem ofensivo à dignidade sexual da vítima.

As teses divulgadas pela Pesquisa Pronta são selecionadas por relevância jurídica e divididas por ramos do Direito para facilitar o trabalho de todos os interessados em conhecer os entendimentos aplicados no âmbito do STJ.Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.


Revista Consultor Jurídico, 12 de setembro de 2016, 18h58

Mantida competência da JT para julgar ação de etíope que prestava serviço em Embaixada do Brasil



A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve decisão que reconheceu a competência da Justiça do Trabalho para julgar ação contra um diplomata brasileiro apresentada por um cidadão etíope que prestou serviços para embaixadas do Brasil na África e em ilhas do Caribe. Apesar de a CLT prever a competência do Judiciário para julgar conflitos ocorridos em países estrangeiros somente se o empregado for brasileiro, o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO) entendeu que a norma não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, por ser incompatível com o princípio da isonomia e os direitos fundamentais.

O etíope disse que exercia as funções de motorista e auxiliar de serviços gerais na Embaixada do Brasil na capital de seu país, Adis Abeba, em que o diplomata era o embaixador. Depois, afirmou ter ido ao Rio de Janeiro para trabalhar diretamente para ele, com visto de turista, e, posteriormente, foi contratado para acompanhá-lo na representação brasileira em São Vicente e Granadinas, país do Caribe. Despedido sem justa causa, mudou-se para o Distrito Federal e pediu, na 3ª Vara do Trabalho de Brasília (DF), diferenças salariais, horas extras, aviso-prévio e outros direitos.

Em sua defesa, o servidor do Ministério das Relações Exteriores alegou a incompetência do Judiciário Trabalhista para julgar o caso, sob o argumento de que a prestação de serviço nunca ocorreu no Brasil e o empregado é estrangeiro. Segundo o diplomata, o motorista somente esteve no Rio de Janeiro para gozar férias e realizar tratamento ocular. O etíope, no entanto, defendeu a competência da Justiça brasileira porque os envolvidos atualmente residem no país.

O juízo de primeiro grau julgou procedente a argumentação do diplomata. Conforme o artigo 651 daCLT, a competência da Vara do Trabalho é determinada pelo local da prestação dos serviços, e se estende para atender às demandas que envolvam empregados brasileiros que trabalham em agência ou filial em outra nação, desde que não haja convenção internacional dispondo o contrário (artigo 651, parágrafo 2º). Como não houve prova sobre a atividade no Brasil e o trabalhador é estrangeiro, o juiz declarou a incompetência, sem julgar o mérito da ação.

O TRT da 10ª Região modificou a decisão para declarar a competência e determinar o retorno do processo ao juízo de primeiro grau para continuar o julgamento. Sob a perspectiva da CLT, o Regional afirmou que a sentença mereceria confirmação, mas destacou que a interpretação das normas legais deve ser harmônica com as regras e os princípios constitucionais.

Para o TRT, a limitação prevista no artigo 651, parágrafo 2º, da CLT não condiz com os princípios constitucionais, uma vez que o acesso à Justiça é uma garantia, e os direitos fundamentais, inclusive o da igualdade, se destinam a toda pessoa que esteja no Brasil, independentemente de sua nacionalidade (artigo 5º, caput, da Constituição). Por causa da discordância entre as normas, o Regional concluiu que a Constituição de 1988 não recepcionou o dispositivo da CLT. Como o diplomata tem domicílio no país, o acórdão reconheceu a competência da Justiça do Trabalho, nos termos do artigo 12 do Decreto-Lei 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

Decisão interlocutória

A relatora do processo no TST, ministra Delaíde Miranda Arantes, negou conhecimento ao agravo do diplomata, que pretendia a análise do seu recurso de revista. De acordo com ela, o julgamento sobre a competência territorial foi uma decisão interlocutória, porque o juiz resolveu questão incidente, acessória aos principais pedidos. Na Justiça do Trabalho, a ministra esclareceu que não cabe recurso de revista imediato contra decisão interlocutória. "Há exceções previstas na Súmula 214 do TST, mas o caso em questão não se enquadra em nenhuma delas", afirmou.

A decisão foi unânime.

(Guilherme Santos/CF)


O TST possui oito Turmas julgadoras, cada uma composta por três ministros, com a atribuição de analisar recursos de revista, agravos, agravos de instrumento, agravos regimentais e recursos ordinários em ação cautelar. Das decisões das Turmas, a parte ainda pode, em alguns casos, recorrer à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1).

Fonte: TST

Turma afasta multa por litigância de má-fé aplicada em juízo de admissibilidade





A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho isentou a A&C Centro de Contatos S. A. da multa por litigância de má-fé aplicada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região (PB) ao negar seguimento a recurso de revista da empresa, por considerá-lo protelatório. O relator do processo, ministro Barros Levenhagen, destacou que não cabe à autoridade responsável apenas pelo juízo de admissibilidade do recurso emitir juízo de valor em relação a ser protelatório ou não.

A A&C foi condenada em primeiro grau ao reconhecimento de vínculo de emprego com um operador de telemarketing a partir do período de treinamento, e a sentença foi mantida pelo TRT-PB. A empresa interpôs recurso de revista ao TST, cuja admissibilidade é examinada pelo vice-presidente do Regional. Nesta fase, examinam-se apenas os pressupostos legais para a admissão do recurso, como observância de prazo, recolhimento de custas, legitimidade da parte e fundamentação. "O despacho de admissibilidade é uma decisão interlocutória e de conteúdo meramente declaratório", explica o ministro Levenhagen.

O juiz, porém, ao negar seguimento ao recurso, entendeu também que houve litigância de má-fé e aplicou multa de 8% sobre o valor da causa, com base no artigo 81 do Código de Processo Civil. A A&C interpôs então agravo de instrumento ao TST, visando tanto ao destrancamento do recurso quanto à supressão da multa.

Situação atípica

No julgamento do agravo, o ministro Levenhagen chamou a atenção para o inusitado do caso. "Depara-se com o fato inusual de o vice-presidente do Regional ter-se aventurado a assentar que a alegação contida nas razões recursais apresentava-se completamente destituída de fundamento", observou. "Com isso, entendeu ter havido litigância de má-fé".

O ministro ressaltou que a admissibilidade do recurso pela instância inferior é "mero juízo de encaminhamento, provisório e precário". Cabe ao tribunal ao qual o recurso principal é endereçado – no caso o TST – emitir a última palavra quanto ao seu cabimento para, em seguida, julgar o mérito. Assim, admitir a aplicação da multa por esse juízo provisório equivale, segundo Levenhagen, a conferir ao TRT "o direito de desprover liminarmente o apelo". Ao fazê-lo, o Regional usurpou a competência do TST.

No caso da A&C, a multa foi aplicada depois da interposição do recurso de revista, e, portanto, não foi questionada no próprio recurso. A situação, inédita, levou o relator a propor uma solução também atípica: prover o agravo de instrumento, em caráter excepcional, apenas para excluir a multa.

Com relação ao mérito, o agravo foi desprovido porque, para admitir a alegação da empresa de que o treinamento fazia parte do processo seletivo, não caracterizando o vínculo de emprego, seria necessário o reexame de fatos e provas, vedado pela Súmula 126 do TST.

A decisão foi unânime.

(Carmem Feijó/GS)


Fonte: TST

JT-MG mantém justa causa aplicada a empregado que atropelou cinco pessoas da mesma família com o veículo da empresa







Na noite de quarta-feira, 19 de dezembro de 2012, um motorista de 63 anos atropelou cinco pessoas da mesma família que estavam em um ponto de ônibus da rodovia MG-030, na cidade de Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte. O motorista apresentava sinais de embriaguez e uma das vítimas morreu após ser atendida. A notícia, veiculada em vários jornais da região, acabou gerando a dispensa por justa causa do motorista. Isto porque a caminhonete que ele dirigia pertencia à empregadora, uma empresa do ramo de terraplanagem.

Inconformado com a medida, o empregado buscou a Justiça do Trabalho pedindo que a dispensa fosse modificada para sem justa causa. No entanto, a pretensão de receber as verbas trabalhistas pertinentes foi rejeitada pelo juiz Vítor Martins Pombo, que julgou o caso na 21ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.

Após examinar as provas, o magistrado entendeu que a justa causa foi corretamente aplicada. Nesse sentido, observou que um CD contendo vídeo de matéria jornalística produzida no momento do acidente foi assistido pelas partes e pelo juiz em audiência. As imagens deixaram claro que o empregado estava sob efeito de bebida alcoólica quando atropelou as pessoas. Aliás, conforme registrado na sentença, sequer houve discussão sobre esses fatos.

Na sentença, o julgador explicou que a justa causa deve ser robustamente comprovada pelo empregador, justamente por ser a maior penalidade prevista na legislação trabalhista e por afastar o direito ao recebimento das verbas rescisórias decorrentes da dispensa sem justa causa. Para ele, a empresa conseguiu produzir essa prova.

O fato de o infortúnio ter ocorrido fora do horário de trabalho não foi considerado capaz de alterar a situação do empregado. Isto porque, na visão do juiz, mesmo nessa hora, persistia o dever contratual de boa-fé relativo à guarda e correto uso do veículo da empresa que ele usava. Para o magistrado, além do considerável dano patrimonial que gerou à empregadora, o episódio causou dano à imagem da empresa, que se viu publicamente associada ao empregado em estado de embriaguez e às lesões e morte que causou.

"A gravidade do acidente e a grave culpa do reclamante, portanto, autorizam a rescisão contratual por justa causa, com fundamento no art. 482, b), da CLT",concluiu o julgador. Ele finalizou a decisão esclarecendo que a justa causa acarreta a perda do direito às férias e 13º salários ainda não vencidos, bem como do direito de levantamento do FGTS e da multa de 40%, do seguro desemprego e do aviso prévio.

O trabalhador recorreu, mas o TRT de Minas confirmou a sentença. A Turma julgadora acrescentou que não há que se falar em perdão tácito por parte da empresa de terraplanagem, uma vez que a justa causa foi aplicada logo após a liberação do empregado da prisão. Ficou demonstrado que ele, logo após o acidente, foi preso em flagrante, tendo permanecido recluso até 20/03/2014.( 0002079-89.2014.5.03.0021 RO )
Fonte: TRT3

Princípio da identidade física do juiz, incompatível com o Processo do Trabalho, é excluído do Novo CPC.





Recentemente, a 9ª Turma do TRT de Minas julgou um recurso envolvendo uma discussão em torno do princípio da identidade física do juiz. E, analisando as questões lá postas, o desembargador relator, João Bosco Pinto Lara, afastou a possibilidade de aplicação desse princípio no Processo do Trabalho.

O magistrado lembrou que o artigo 132 do antigo Código de Processo Civil previa que o juiz que concluir a audiência julgará a lide. Ou seja, o mesmo juiz que acompanhou o desenrolar do processo deveria proferir a decisão. Mas, segundo o relator, esse princípio já era incompatível com as normas que regem o Processo do Trabalho, o que impedia sua aplicação subsidiária, conforme previsto no artigo 769 da CLT.

"Sabe-se que o processo laboral é orientado pelos princípios da celeridade e economia processual, permitindo a rapidez na tramitação do processo - o que é indispensável quando a controvérsia envolve créditos cuja natureza é eminentemente alimentar", destacou.

De acordo com o desembargador, essa questão foi superada com o Novo Código de Processo Civil, que suprimiu o princípio da identidade física do juiz. Ele também chamou a atenção para o fato de o artigo 652 da CLT atribuir às Juntas de Conciliação e Julgamento, atualmente Varas do Trabalho, a competência para julgar os dissídios, e não ao Juiz que realizou a instrução.

Com esses fundamentos, os julgadores, acompanhando o voto, negaram provimento ao recurso do reclamante no aspecto.
PJe: Processo nº 0010882-02.2015.5.03.0094 (RO). Acórdão em: 19/07/2016

Para acessar a decisão, digite o número do processo em: 

Fonte: TRT3

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Inconstitucionalidade do artigo 1.790 do CC e tio que deve alimentos a sobrinho





Por José Fernando Simão


A semana foi bem agitada em termos de Direito de Família e das Sucessões. Dois temas de grande repercussão na impressa merecem algumas palavras em razão do impacto sobre o Direito de Família e sobre as famílias.

1. A declaração de inconstitucionalidade do artigo 1.790 do CC pelo STF
O julgamento não acabou, mas já foram SETE os ministros que reconheceram a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do CC. Trata-se do julgamento do RE 878.694/MG, com repercussão geral, que se iniciou em 31 de agosto. Dias Toffoli pediu vista.

Conforme antecipado a meus alunos em sala de aula, em conversa com o ministro Lewandowski na semana anterior ocorrida na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, este dissera uma frase que indicava o destino do dispositivo em questão: “O STF tem sido bem liberal em Direito de Família”.

O voto do ministro Barroso, relator do recurso, tem dois fundamentos basilares: 1) o Estado deve proteger a família não só constituída pelo casamento, mas qualquer entidade familiar que seja apta a contribuir para o desenvolvimento de seus integrantes; 2) o artigo 1.790, ao revogar as leis de 1994 e 1996, discrimina os companheiros, dando-lhes tratamento bem inferior ao dado aos cônjuges em contraste aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da proporcionalidade, como vedação à proteção deficiente e da vedação do retrocesso.

Por fim, menciona que a decisão só se aplica aos inventários judiciais em que não tenha havido o trânsito em julgado da sentença e às partilhas extrajudiciais em que não tenha havido escritura pública.

A orientação do STF encontra base doutrinária sólida: Giselda Hironaka. Há 15 anos, ela vem afirmando a inconstitucionalidade do dispositivo e o faz de maneira contundente em sua tese de titularidade defendida no Largo São Francisco, posteriormente publicada com o título Morrer e Suceder. No ano passado, no Congresso Nacional do IBDFam, eu defendia a constitucionalidade do dispositivo, e Giselda, a inconstitucionalidade. Foi a doutrina dela que prevaleceu.

Entendo eu que o Código Civil pode tratar de maneira igual em termos sucessórios as famílias advindas do casamento e da união estável. Tratamento diferente não significa que certa modalidade familiar é “pior” ou “inferior”. Só significa que é diferente. A lei não está obrigada a tratar de maneira idêntica casamento e união estável.

O único ponto de efetiva afronta à proibição ao retrocesso diz respeito ao inciso III do dispositivo, que, diferentemente do que ocorreria com a Lei 8.971/94, coloca o companheiro em situação pior que a do colateral. Pela lei de 1994, o companheiro sobrevivo excluía os colaterais (artigos 2º, III), e pelo artigo 1.790 do CC há concorrência entre eles, recebendo o colateral 2/3 da herança, e o companheiro, apenas 1/3.

Contudo, para o STF, toda e qualquer distinção sucessória é discriminatória, logo, para os companheiros, aplicam-se todas as regras sucessórias referentes aos cônjuges. A decisão tem os seguintes efeitos:
aplica-se ao companheiro a ordem de vocação hereditária do artigo 1.829 e, como consequência, os artigos 1.832 (quinhão que recebe o companheiro em concorrência com descendentes), 1.837 (quinhão que recebe o companheiro em concorrência com o ascendente) e 1.838 do CC (companheiro exclui da sucessão os colaterais);
aplica-se ao companheiro o artigo 1.830 do CC, ou seja, se o companheiro estiver separado de fato, há perda da qualidade de herdeiro[1];
o companheiro tem direito real de habitação garantido nas mesmas condições que se garante ao cônjuge (artigo 1.831);
o companheiro passa a ser herdeiro necessário (artigo 1.845 do CC);
afastam-se as dúvidas quanto à declaração de vacância da herança em havendo companheiro, ou seja, a herança tocará por inteiro a ele (bens adquiridos a qualquer título, antes ou depois da união), e não ao ente público (artigo 1.844).

Em 2011, escrevi um artigo denominado Em busca da harmonia perdida[2], cujo objetivo era demonstrar como os tribunais rejeitavam a aplicação do artigo 1.790 do CC para equiparar a sucessão do companheiro à do cônjuge. O julgador, em várias decisões, demonstrava que não aceitou a desigualdade trazida pelo CCI (isso porque, pelo direito vigente anteriormente — leis de 1994 e 1996 —, a equiparação sucessória era total). Fui profético ao afirmar que o Direito sempre busca um caminho para se amoldar à realidade, assim como a natureza sempre dá uma solução[3]. A profecia se realizou cinco anos depois, com a decisão do STF.

Contudo, tenho que dizer que não concordo com a orientação do STF. Se ela é justa, pois retoma a equiparação existente até 2003, não se pode afirmar que o artigo 1.790 era como um todo inconstitucional. Respeitava-se a diferença entre as famílias e a liberdade de escolha dos modelos familiares. Não havia modelo pior ou melhor (isso seria discriminatório), mas apenas diferente. Com a decisão, o próximo passo que se dará será se reconhecer identidade de efeitos também para o Direito de Família com a total equiparação entre união estável e casamento.

Não é salutar retirar parcela de liberdade individual equiparando-se totalmente os modelos familiares. O Código Civil não pretendeu, nem a Constituição exigiu tal identidade de efeitos. Contudo, o assunto está encerrado com a decisão do STF. Casar ou se unir estavelmente produzem iguais efeitos sucessórios e, porque não, no âmbito familiar.

Há um ponto positivo: acabou a insegurança jurídica quanto ao tema.

2. Tio que paga alimentos a sobrinho?
O artigo 1.697 do CC é expresso: somente os colaterais de segundo grau (irmãos) podem pagar alimentos de maneira subsidiária, ou seja, se os ascendentes e descendentes não puderem suprir as necessidades do credor de alimentos.

Tio é colateral de terceiro grau, logo, nunca, de maneira alguma, é obrigado a pagar alimentos ao sobrinho. Em São Carlos, interior de São Paulo, o magistrado Caio Cesar Melluso proferiu uma decisão em sentido contrário, condenando-se o tio a pagar alimentos ao sobrinho (Processo 1007246-25.2016.8.26.0566).

O fundamento da decisão é a lição de Maria Berenice Dias: o tio é parente de terceiro grau, logo herdeiro, se tem os bônus deve ter também os ônus. “Os graus de parentesco não devem servir só para se ficar com os bônus, sem a assunção do ônus.”

Afirma a decisão de São Carlos que “o artigo 1.697 diz menos do que a intenção da norma jurídica e portanto deve ser interpretado de maneira extensiva, conforme a Constituição Federal”.

Entendo a situação do magistrado. Vendo uma pessoa que necessita de alimentos desamparada, o magistrado condoído se vale do que tem para não deixar um ser humano à míngua. É uma postura humanitária e com as melhores intenções. Frise-se que o autor da ação tem Síndrome de Asperger, o que comoveu enormemente o magistrado. Contudo, a decisão é perigosa e com bases fragilíssimas.

Perigosa, pois se levado ao extremo o princípio constitucional da solidariedade, negando vigência expressamente ao CC, poderia se concluir que toda a pessoa que pode deve pagar alimentos a quem precisa, pois, afinal, não se pode deixar um semelhante em situação de necessidade. A solidariedade se estenderia aos vínculos mais tênues: vizinhos, conhecidos, colegas de clube ou mesmo aos desconhecidos. Solidariedade contra legem não é solidariedade.

Frágil é a base técnica: “Quem tem os bônus tem que ter ônus”. Os colaterais são parentes. Ser parente é um estado. Não implica bônus nem implica ônus. No Direito Eleitoral, por exemplo, pode implicar impedimentos. Isso é ônus? Não, não é. É uma decorrência do parentesco. Em Direito, ônus e bônus existem, quando muito, em contratos bilaterais sob a forma de prestações.

E se o parentesco colateral bônus fosse, o tio não é herdeiro senão em tese. O colateral só herda se o falecido não tiver descendentes, ascendentes, nem cônjuge ou companheiro. Ademais, só herda o colateral de terceiro grau (tio) se o falecido não tiver irmãos (colateral de segundo grau) nem sobrinhos (colateral de terceiro grau — artigo 1.843).

No caso concreto, o credor dos alimentos tem seus ascendentes (pais e avós), logo o tio condenado à prestação alimentar sequer tem “bônus”. Se a sentença afirmasse: “Como o tio é herdeiro e, no caso concreto, tem os bônus”, seria menos ilógica. Mas, não, o tio condenado à prestação alimentar não tem qualquer bônus.

Os bônus são remotíssimos, mas o ônus atual. Nenhuma relação de família se pauta pela lógica de ônus e bônus. Há desequilíbrio em todas as relações de Direito Civil. O doador tem ônus, e o donatário, bônus, logo a doação fere a Constituição? O locatário tem proteção garantida por lei, e o locador, não, e os bônus geram ônus? E assim os exemplos se multiplicam.

A noção de família em sentido restrito é a utilizada pelo Código Civil para fins de alimentos. Ruim ou boa, certa ou errada, a lei deve ser aplicada ou alterada pelo Congresso Nacional. Transformar os alimentos em seguridade social é um perigo, pois a Justiça ganha contorno de Robin Hood: dar aos pobres, tirando dos ricos[4].

A lei é a reserva de segurança mínima. Seu desrespeito, mesmo por uma causa nobre, abre espaço para afronta a direitos e garantias em situações não tão nobres. E na história recente os regimes de exceção bem demonstraram isso...



[1] Não se discute o lapso de dois anos nem culpa após a Emenda 66/2010.
[2] SIMÃO, José Fernando. Em busca da harmonia perdida. In: LAGRASTA NETO, Caetano; TARTUCE, Flávio; SIMãO, José Fernando. (Org.). Direito de família: novas tendências e julgamentos emblemáticos. São Paulo: Atlas, 2011, v. , p. 111-136.
[3] Menção ao filme Jurassic Park e o fato de surgirem os dinossauros machos a partir de fêmeas apenas.
[4] Essa ideia agrada parte da civilística nacional.

José Fernando Simão é advogado, diretor do conselho consultivo do IBDFAM e professor da Universidade de São Paulo e da Escola Paulista de Direito.

Revista Consultor Jurídico, 11 de setembro de 2016, 8h00

"Advocacia precisa aprender a lidar com os fatos, e não mais só com o Direito"






Por Pedro Canário


Em prol do direito de defesa, a advocacia precisa mudar para acompanhar quem investiga e acusa seus clientes. Na opinião do advogado Rodrigo Mudrovitsch, com o avanço da tecnologia e da informatização do Judiciário, os órgãos de investigação e acusação estão muito mais bem preparados para lidar com volumes enormes de informação. Por isso, a defesa precisa estar pronta para enfrentar uma realidade em que todo o aparelho de Estado trabalha em conjunto em prol da apuração de fatos.

Para Mudrovitsch, isso quer dizer que o advogado deve estar preparado para lidar com fatos e dados, e não mais apenas com questões teóricas do Direito. As denúncias, por exemplo, explica, costumam ser um pedaço de uma apuração muito maior, e a defesa que desconhecer esse contexto pode acabar pega num contrapé e prejudicar seu cliente.

“Não dá mais para querer tocar uma ação no piloto automático”, afirma, em entrevista à revista Consultor Jurídico. Segundo ele, a defesa que empurra o processo para deixar a briga para os tribunais superiores está perdendo espaço. “Num processo cada vez mais calcado em questões factuais, a margem de reversão nos tribunais superiores diminui.”

Ele fala por experiência. Doutor em Direito do Estado pela USP e mestre em Direito do Estado e Constituição pela UnB, ele tem clientes envolvidos em grandes operações Brasil afora, tanto políticos quanto empresas. Entre os mais proeminentes, os senadores Lindbergh Farias (PT-RJ), Humberto Costa (PT-PE) e Gleisi Hoffmann (PT-PR), todos investigados na operação “lava jato”.

Na opinião de Mudrovitsch, a delação premiada deu ao advogado um duplo papel. “Ele pode ao mesmo tempo ser um contraponto à acusação”, diz, “e pode também virar um parceiro da acusação, caso o cliente passe a ser colaborador”. “A chave é compreender que o advogado jamais vai ser uma barreira para o processo. Ele vai ser alguém que está defendendo o cliente dele da melhor maneira possível.”

Leia a entrevista:

ConJur – A “lava jato” mudou a forma de advogar?
Rodrigo Mudrovitsch – A “lava jato” é um exemplo. Não acho que ela seja a razão, mas ela exemplifica uma série de novidades para as quais a advocacia precisa se adaptar. A primeira é uma coordenação mais sólida entre os órgãos de investigação e de acusação. O que a gente percebe hoje quando olha para o Paraná é uma relação muito estreita e muito bem concatenada e com poucas vaidades entre a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, e a sensação que a "lava jato" passa é que esses núcleos vão se replicar em outros locais. A gente vê isso hoje no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Goiás e essa concatenação dá um apuro técnico e factual para as investigações muito grande.

ConJur – A defesa acaba sendo mais difícil?
Rodrigo Mudrovitsch – A advocacia fica muito mais complexa, porque não basta lidar com a acusação apenas juridicamente. Tem que lidar também com ela factualmente. Então os escritórios têm que saber fazer frente ao que esse bloco investigativo traz. Eu, por exemplo, faço muitas reuniões com técnicos que examinam e-mails, que examinam chamadas feitas e recebidas. A gente acaba tendo que sofisticar o nosso trabalho de inteligência para, dentro do mar de dados que eles têm, também saber rebater. Hoje a Receita, PF, MPF etc. trabalham em bloco, cada qual com a sua expertise de inteligência, e o resultado disso muitas vezes é uma denúncia que trata só de um pedaço de tudo o que eles têm. Se eu não souber compreender o todo, não vou saber identificar as fragilidades da denúncia. Isso é uma novidade.

ConJur – A informatização desses dados também contribui, não?
Rodrigo Mudrovitsch – Claro. A informatização do Judiciário tem feito com que o julgamento tenha uma agilidade enorme. Um processo que começa em agosto é sentenciado em fevereiro, e você tem que se organizar para não deixar passar oportunidades e para fazer impugnações muito bem medidas, porque senão acaba deixando o processo passar. Não existe mais aquilo de querer tocar diversas ações ao mesmo tempo e só se envolver com elas na véspera. Tem que usar um pouco da técnica que a magistratura mais moderna tem usado, chamada de early involvement: você se envolve com o processo desde o começo para saber onde quer chegar com ele. O advogado tem que fazer isso também.

ConJur – Não é esquisito o Judiciário usar dessa técnica de envolvimento? É normal o Ministério Público, órgão que faz a ação, ter uma estratégia e definir onde quer chegar. Mas o juiz pode querer chegar a algum lugar numa ação?
Rodrigo Mudrovitsch – Vejo isso com bons olhos. Imagine uma vara com 7 mil processos. Se você deixar o processo te conduzir, acaba deixando também com que os advogados te conduzam. Então para que você saiba se uma diligência é protelatória, se uma testemunha é necessária, o que perguntar pra testemunha, ou que cuidados tomar ao analisar uma resposta de acusação, por exemplo, precisa se envolver rápido com o processo.

ConJur – A “lava jato” também pode ser exemplo desse tipo de envolvimento?
Rodrigo Mudrovitsch – Talvez este seja um dos grande diferenciais de Sergio Moro: o envolvimento meticuloso com os processos em todas as decisões dele. O juiz tem que ter domínio dos casos da vara dele desde o começo. Se não fizer isso, naturalmente quem tiver mais domínio do caso vai conduzi-lo.

ConJur – Mas se o MP, Receita, PF etc. chegam com um mar de dados para o juiz, isso evidentemente o influencia, não?
Rodrigo Mudrovitsch – Não é que o juiz vá formar a convicção dele cedo. Se ele faz isso antes de ouvir a versão da defesa, está prejulgando a causa, e aí acaba tornando o processo desnecessário, o que é inaceitável. Eu me refiro ao juiz que se envolve com os limites da controvérsia.

ConJur – Como assim?
Rodrigo Mudrovitsch – É muito comum que o processo caminhe no automático até a hora em que os autos são conclusos para a prolação da sentença. Muitas vezes nessa fase o juiz percebe fragilidades na instrução que ele não soube suprir, ou que a acusação não supriu ou a defesa não supriu. Quando ele se envolve com a questão desde o começo, acaba deixando o processo mais eficiente.

ConJur – Isso é um problema para a defesa?
Rodrigo Mudrovitsch – Evidentemente impõe desafios para o advogado. Não dá mais para querer tocar uma ação penal, ou de improbidade, ou qualquer outra no piloto automático. Às vezes até o próprio cliente imagina que pode começar o processo em marcha lenta e que o advogado vai resolver nas instâncias superiores. Num processo cada vez mais calcado em questões factuais, a margem de reversão nos tribunais superiores diminui. Muitas vezes a sentença vai estar embasada numa multiplicidade de elementos e dados que os tribunais superiores não podem revisar.

ConJur – Os escritórios, então, devem se especializar menos?
Rodrigo Mudrovitsch – A advocacia passa por um momento de maior interdisciplinariedade. A defesa mais eficaz, hoje, exige que o advogado saiba lidar com facilidade em distintas áreas. Você não consegue chegar ao final da defesa do seu cliente da melhor maneira possível se você for um advogado que se limite a uma área do conhecimento. O advogado precisa necessariamente saber pular do criminal para a improbidade, da improbidade para a legislação anticorrupção etc. Mas vejo também um momento de transposição da lógica da atuação.

ConJur – Como seria isso?
Rodrigo Mudrovitsch – O momento atual é o da conformidade. Essas operações têm revelado fragilidades dentro da gestão de contratações, e as empresas têm dado saltos de governança e de conformidade que a advocacia precisa dar. Hoje eu preciso carregar comigo as regras de conformidade que os meus clientes têm e isso passa também por uma advocacia mais cuidadosa.

ConJur – Conformidade em que sentido?
Rodrigo Mudrovitsch – Em termos éticos. Mas ética no sentido de conflito, não em termos de moralidade. Nos Estados Unidos, por exemplo, a lógica de um único escritório defender duas pessoas que possam ter envolvimento direto ou até indireto num dado tema é muito mais rígida. Os escritórios têm comitês de ética que são bastante duros.

ConJur – Aqui isso não existe?
Rodrigo Mudrovitsch – Aqui a gente percebe que, dentro da mesma operação, uma mesma pessoa pode advogar para interesses antagônicos sem que haja nenhum problema nisso. É uma questão ética que precisa ser analisada. A própria colaboração é um bom exemplo. Dentro de uma operação é complicado um advogado se permitir se transformar em parceiro da acusação por mais de duas pessoas que possam ter interesses antagônicos, ou fazer a colaboração de quem corrompeu e de quem foi corrompido. Ou, ao mesmo tempo, advogar para a empresa e para o empresário.

ConJur – Então aquele advogado que tem uma salinha num prédio de escritório, com uma placa na porta escrito “Cível, Família e Trabalhista”, está condenado a sumir?
Rodrigo Mudrovitsch – O Brasil é muito grande. Há espaço para todos os tipos de profissional e a nossa sociedade tem muito conflito. Mas, pelo menos nesses processos mais intrincados, nessas questões que chamam a atenção dos tribunais, ou que chegam aos tribunais superiores e mexem com interesses mais relevantes, a advocacia “mais moderna” acaba se tornando inevitável.

ConJur – Voltando à sua fala sobre os advogados estarem preparados para lidar com o imenso volume de dados e o envolvimento de todos com fatos desde o início de grandes operações. Isso quer dizer que as discussões processuais ficaram em segundo plano?
Rodrigo Mudrovitsch – Não vou dizer que ficou em segundo plano, mas não acredito mais numa advocacia que prega a teoria das nulidades como sua bandeira única. O advogado tem que descer no factual, até para poder fazer uma análise verossímil e honesta com o cliente dele sobre as reais chances de ele chegar ao final do processo com um resultado positivo.

ConJur – Essa visão se opõe um pouco ao discurso tradicional da advocacia, de que o rito a seguir é tão ou mais importante que a conclusão.
Rodrigo Mudrovitsch – Isso é de uma tradição mais romano-germânica da nossa formação jurídica, mas eu sou partidário de um Direito mais pragmático. Isso não significa defender que o advogado abdique das garantias processuais penais, mas, além de saber o que significa uma garantia processual penal e o que significa o processo, o advogado precisa compreender como o sistema funciona como um todo. Não estou dizendo que menosprezo as garantias e direitos processuais penais, mas, dentro de uma teoria constitucional, parto do pressuposto de que temos que ter um sistema que funcione bem. Essa é a mentalidade que está posta na magistratura e no Ministério Público e nós, advogados, temos que entender e saber lidar com ela.

ConJur – Mas isso não tem se traduzido em flexibilização do direito de defesa, ou da relativização de garantias?
Rodrigo Mudrovitsch – Há exemplos isolados. Mas também percebo que, principalmente nos tribunais superiores, há juízes que compreendem o papel real do advogado.

ConJur – E qual é o papel real do advogado?
Rodrigo Mudrovitsch – Hoje é duplo. O advogado pode ao mesmo tempo ser um contraponto duro à acusação nas hipóteses em que houver algum direito do cliente dele sendo ultrapassado, e pode também virar parceiro da acusação, caso o cliente dele passe a ser colaborador. A chave é compreender que o advogado jamais vai ser uma barreira para o processo. Ele vai ser alguém que está defendendo o cliente dele da melhor maneira possível. Todos os lados eventualmente podem cometer abusos, mas eu não diria que estamos num momento de antagonismo ferrenho. Há debates de alto nível. Há abusos, mas abusos sempre vão existir.

ConJur – A delação premiada, então, entraria nessas estratégias de defesa?
Rodrigo Mudrovitsch – Sim, claro. A delação ainda é um tabu, mas ela não pode ser execrada nem banalizada. Os extremos não ajudam. Não pode ser nem o advogado que, antes de ler a capa do processo, já diz pro cliente que ele tem de fazer delação, e nem o advogado que se recusa a fazer. Com isso, ele se recusa a dar para o cliente uma opção que a própria legislação deu. A gente tem que fazer uma análise fria. Se, em determinada situação factual ou processual, o cliente precisar deixar de ser um opositor à acusação e passar a ser um colaborador, o advogado precisa saber explicar quando isso deve acontecer e como ele deve proceder.

ConJur – Mas temos visto o surgimento de uma especialização em delação premiada.
Rodrigo Mudrovitsch – Isso não existe. O que existe é o advogado que sabe avaliar quais são as opções que o cliente dele tem. Senão a delação é banalizada e fica a impressão de que não houve qualquer raciocínio ali. E os dois trabalhos, tanto a defesa clássica quanto a delação, exigem alta dedicação do advogado, porque você tem que ir até o fim nas duas situações. Se você está fazendo uma defesa clássica, tem que exaurir as possibilidades de enfrentamento factual e processual. Se você está fazendo uma colaboração, tem que se transformar num verdadeiro auxiliar da acusação para que possa fazer com que o seu cliente tenha os melhores benefícios possíveis. É um trabalho altamente complexo.



Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 11 de setembro de 2016, 9h06

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