sexta-feira, 8 de julho de 2016

Especialista da FGV defende choque de eficiência na mediação de conflitos





Para o professor Joaquim Falcão, coordenador de um dos grupos da I Jornada sobre Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, a discussão sobre a solução de conflitos fora do Judiciário, além de uma boa ideia, é uma necessidade. O evento tem o apoio do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Joaquim Falcão é professor do curso de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e autor de diversas pesquisas sobre o funcionamento do Judiciário no País. Durante a jornada, que ocorre nos dias 22 e 23 de agosto em Brasília, ele coordenará o grupo que discute outras formas de mediação de conflitos.

O professor considerou oportuno o momento para realização do evento e disse que, hoje, não há ideia mais forte em discussão do que a resolução de conflitos na modalidade extrajudicial. Ele destacou que são inúmeras as possibilidades de solução.

“Por exemplo, há uma técnica que começa a ser aceita, que é dos painéis de resolução de disputas (Dispute Board), diferente da mediação ou da arbitragem. A vantagem dessas outras soluções que estão começando a imaginar, criar e inovar é que não são reguladas”, observou.

É preciso, a seu ver, “pensar em soluções com base na autonomia das partes. Arbitragem e mediação são reguladas, temos que deixar espaço para a imaginação das partes e sua autonomia de solucionar conflitos”. Outro exemplo dado foi a criação de núcleos de solução de conflitos nas escolas, com o objetivo de resolver questões como o bullying.

Governo litigante

Sobre o grande número de ações que envolvem a administração pública de todos os níveis (municipal, estadual e federal), Joaquim Falcão disse que há medidas normativas e outras de legislação que podem ser tomadas para reduzir o índice de litigância do setor público. Ele citou, como exemplo, os advogados públicos, que têm dificuldades em resolver conflitos sem a necessidade de uma ação judicial.

“Uma das propostas que a gente recebeu é para os profissionais advogados públicos. Que se fizessem transações extrajudiciais, eles não fossem responsabilizados, a não ser que tivessem dolo ou má-fé na conduta. Os profissionais ficam com receio de fazer isso e serem responsabilizados depois. É preciso ter essa tranquilidade institucional para eles”.

Além do governo, o professor destacou a crescente demanda nas causas de massa, principalmente decorrentes de relações de consumo. Joaquim Falcão apostou na tecnologia para mediar esses conflitos diretamente entre consumidores e empresas, de forma a não estrangular os tribunais com demandas que poderiam ser resolvidas entre as partes.

“O futuro será de solução de conflitos extrajudiciais através da tecnologia. São conflitos de massa, em que os custos devem ser os mínimos possíveis, e a solução encontrada com brevidade. É preciso democratizar a solução extrajudicial dos conflitos”.

Trabalho

No caso da Justiça do Trabalho, o professor da FGV citou uma peculiaridade encontrada após uma pesquisa. Um grupo de pesquisadores investigou onde eram resolvidas as questões relativas a trabalho e descobriu que grande parte das soluções eram firmadas em acordos “de corredor”.

O especialista lembrou que em muitos casos a empresa já sabia que ia perder, por isso firmava um acordo com o trabalhador dentro do fórum, momentos antes da audiência. Para ele, a pesquisa provou que os acordos funcionam e devem ser estimulados sempre que possível, como forma de desafogar o Judiciário.

Processualismo

Segundo o professor, quem usa o Judiciário tende a voltar, e quanto maior o grau de instrução, maior a probabilidade de acionar a Justiça quando algo não é resolvido. Os dados de outra pesquisa apontam para uma crescente demanda do setor. Para ele, é importante verificar as causas do congestionamento na Justiça, que vão além do simples excesso de demanda.

“O fator que aumenta os custos e a burocratização é a formalização do direito. O processualismo é uma patologia do direito processual. No Brasil as camadas menos privilegiadas não têm acesso à Justiça, e outros têm acesso demais. Isso, somado à burocratização e ao formalismo, ao processualismo patológico, aumenta os custos. Por isso, antes de tudo, precisamos de um choque de eficiência”.

Joaquim Falcão ressaltou que é preciso resgatar a capacidade das pessoas de escolherem livremente como querem resolver seus conflitos, tendo o cuidado para que não ocorram situações em que prevaleça a vontade do mais forte.

Fonte: STJ

NJ Especial - Perigo nos bastidores do show: fábricas de fogos de artifício são palco de trágicos acidentes de trabalho



Festas juninas: as alegrias e tristezas por trás dos fogos.

Brincadeiras, danças, comida boa, fogueira, canjica, quentão e fogos de artifício iluminando o céu! Tudo isso torna as Festas Juninas uma das festividades mais esperadas de canto a canto do Brasil. Aqui, em Minas, diríamos: "É bom demais da conta"! E de tão boa, a tradição acabou se esticando até julho, com as não menos famosas Festas Julinas.

Quase tão tradicionais quanto os quitutes nas festas juninas, são os fogos, rojões e bombas. Segundo a cultura popular, eles servem para "despertar São João". Porém, nem tudo é brincadeira! Os fogos de artifício são produtos perigosos e a explosão é o principal perigo da sua fabricação e uso. Os riscos para quem "solta" fogos: um problema de saúde pública.

Segundo pesquisa realizada em 2015 pela Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), os acidentes envolvendo fogos de artifício triplicam no mês de junho, devido às festas juninas em todo o país. É que, nos momentos de festa, as pessoas bebem, perdem um pouco o senso do perigo e começam a transgredir algumas regras básicas de segurança. O resultado, segundo o levantamento, é o aumento de traumas ortopédicos registrados nas emergências dos hospitais nesse período do ano, sendo a amputação de membros o mais grave desses traumas.

Problemas auditivos gerados por estampidos também são registrados. As queimaduras, muito frequentes, principalmente entre crianças de 3 a 12 anos, podem ocorrer nos olhos, inclusive, com a possibilidade de causar cegueira, ou nas mãos, podendo gerar amputação de dedo ou da própria mão. A maior causa de óbitos são as queimaduras maiores, que envolvem grande parte do corpo.

Os danos causados às pessoas pelo uso dos fogos de artifícios nessa festa típica são tidos como sério problema de saúde pública, já que, assim como as festas, os acidentes ocorrem de norte a sul do país. E, para não estragar a folia durante os festejos juninos e julinos, alguns cuidados são essenciais, principalmente com as crianças: elas só devem lidar com fogos leves e, mesmo assim, quando acompanhadas de algum adulto. Todos, até os adultos, devem observar as recomendações, como só soltar foguetes utilizando varas longas, não usar fogos em ambientes fechados e não apontá-los para pessoas ou janelas. Esses artefatos nunca devem ser transportados nos bolsos, pois, se inflamarem, a pessoa certamente será atingida. As fogueiras também exigem extrema cautela e jamais se deve alimentá-las com álcool, pois a garrafa poderá explodir.

Em caso de acidentes, a orientação dos especialistas é colocar a área atingida em água corrente até o alívio da dor, não usar nenhuma pomada ou substância sobre a lesão antes de ouvir um médico e procurar imediatamente atendimento especializado. Bastidores da indústria pirotécnica: o lado sombrio do show de luz

Por trás da beleza, da alegria e dos barulhos festivos dos fogos de artifício existe ainda uma triste realidade: a angústia e o medo enfrentados pelos trabalhadores da indústria pirotécnica, extensivo a seus familiares e amigos. É que os acidentes de trabalho nesse setor não são raros, e o pior, são, geralmente, fatais ou mutilantes.


No Brasil, a história dos artigos pirotécnicos está ligada a Santo Antônio do Monte, cidade mineira considerada como "a terra dos fogos". A região é referência no mundo da pirotecnia, representando o segundo maior pólo mundial produtor de fogos de artifício, perdendo apenas para a China (de acordo com pesquisa do Instituto Euvaldo Lodi, de 2003). Com uma população de cerca de 30.000 habitantes, a cidade abrange cerca de 45 empresas do ramo, que geram aproximadamente 6.600 empregos no setor (dados de 2007).

"O estrondo das explosões é ouvido de longe, o que provoca uma busca de notícias. A população vai para as esquinas (especialmente na periferia), os carros partem em direção da fumaça, depois retornam para informar os moradores, tranquilizá-los ou não. Esse movimento de identificar a fábrica e as possíveis vítimas é prioritário, já que todos têm alguém da família ou um conhecido que trabalha com fogos". O trecho foi extraído de dissertação apresentada por Elisângela Maria Melo Santos ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUC-MG (Santos, E.M.M., 2007, "O trabalhador pirotécinico de Santo Antônio do Monte e seu convívio diário com o risco de acidente súbito").

Com clareza e sensibilidade, próprias de quem cresceu em Santo Antônio do Monte e vivenciou essa realidade de perto, ela descreve a angústia desses trabalhadores e de toda uma comunidade, em razão dos acidentes frequentes nas fábricas de fogos. O trabalho investiga o sofrimento do trabalhador pirotécnico da região, nas palavras dela: "Essa categoria profissional que vivência, em seu cotidiano, não só o risco de acidente súbito, mas o próprio acidente em si". O estopim do perigo nas fábricas de fogos de artifício

O elevado índice de acidentes de trabalho na indústria pirotécnica e suas graves consequências aos trabalhadores preocupa autoridades, entidades sindicais e pesquisadores. Eles alertam para o fato de que, além dos riscos de explosão - o principal perigo na fabricação desses artefatos - há vários registros de doenças relacionadas ao trabalho. Muitos desses acidentes decorrem da falta de treinamento adequado dos trabalhadores do setor, enquanto as doenças surgem pelo exercício de atividades penosas e nocivas, causadoras de lesões por esforço repetitivo (LERs) e doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho (DORTs).

Inspeções realizadas pela DRTMG (Delegacia Regional do Trabalho de Minas Gerais) em algumas fábricas de fogos de artifício em 1998 conduziram a um estudo que, posteriormente, serviu de base para intervenção desse órgão, em parceria com MPT (Ministério Público do Trabalho) e a Fundacentro (Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho de Minas Gerais). Os principais problemas constatados foram os seguintes: os empregadores não viam custos com segurança como investimento; os trabalhadores desconheciam as características perigosas das misturas e dos produtos que manuseavam e, assim, não sabiam como os prevenir explosões; não eram implementados programas de controle de qualidade e gestão de riscos; o perigo e a ocorrência de explosões eram socialmente aceitos como "fato normal" ou "inerente ao processo" por todos os membros da comunidade.

Após quase uma década, evidências recentes demonstram que essa realidade permanece praticamente a mesma, ou seja, não houve mudanças significativas nas condições de trabalho na indústria pirotécnica. Pressões e intimidações dos empregadores são apontadas como causas da frágil mobilização dessa categoria profissional e como elemento que dificulta a atuação do Sindifogos (Sindicato dos Trabalhadores de Fogos de Artifício) na defesa dos direitos dos trabalhadores. A falta de interesse das empresas na melhoria das condições de trabalho e saúde permanece. Os acidentes de trabalho, quase sempre fatais ou mutilantes, continuam semeando medo, tensão e angústia entre os pirotecnistas. O exercício de atividades sem o treinamento adequado ainda coloca em risco a vida dos operários. Além disso, as jornadas longas e desgastantes, muito comuns nas fábricas de fogos, também é fator que contribui para a ocorrência desses incidentes, pois o cansaço compromete a atenção e a diligência dos trabalhadores com as medidas de segurança.

Em pesquisa de campo realizada de fevereiro de 2010 a junho de 2012 para Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Arcos, MG), foi constatado que o caráter monótono e repetitivo das tarefas, o ritmo de trabalho penoso, a ausência de pausas, as longas jornadas de trabalho, somados às pressões por produção e supervisão exercidas pelas empresas, contribuem consideravelmente para a sobrecarga musculoesquelética dos membros superiores e, consequentemente, para o aparecimento de lesões por esforços repetitivos (LERs) e doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho (DORTs) ("Os bastidores da produção de fogos de artifício em Santo Antônio do Monte: degradação das condições de trabalho e saúde dos pirotecnistas", Carlos Eduardo Carrusca Vieira; Ana Cláudia de Oliveira; Ionára Alves da Silva; Rafaela Isabel Couto). Acidentes de trabalho no setor pirotécnico e suas causas: dados sombrios.

O processo de fabricação dos artigos pirotécnicos é de caráter manufatureiro. A rígida divisão das tarefas, a repetitividade e o ritmo intenso do trabalho são traços bem característicos, sendo rigidamente estabelecidos e fiscalizados pelos encarregados, que circulam pelos pavilhões e barracões onde se produzem os artigos pirotécnicos.


Análises das informações do AEAT (Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho), do Ministério do Trabalho e Previdência Social, referentes ao período de 2006 a 2008, mostram que a maior parte dos acidentes de trabalho no setor de fogos de artifício ocorre durante a realização das tarefas ligadas à produção (mais de 60% do total de acidentes nesse setor). Entre estes, os mais frequentes são os que atingem dedos, mãos, punhos, braços e outros elementos dos membros superiores, geralmente causando amputações. No que se refere às doenças identificadas, pode-se dizer que, em geral, são doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo, tais como as tenossinovites e sinovites. Também existem as queimaduras causadas por fogo, chama ou material incandescente, juntamente com problemas no sistema respiratório causados por inalação de fumaça.

Vários fatores são apontados como causa desses acidentes. O primeiro deles, segundo relatos dos próprios trabalhadores, é a inadequação do treinamento técnico oferecido aos empregados para o desempenho das funções e também quanto às normas de segurança. Nos setores onde os operários manipulam produtos perigosos, como a pólvora branca (considerada a mais perigosa, por sua composição altamente inflamável), nem sempre são asseguradas as condições mínimas de segurança, como, por exemplo, a existência de uma lâmina d'água que impeça o atrito dos calçados com os produtos químicos que se alojam no chão.

A forma de gestão do trabalho também parece contribuir para os acidentes. É comum que os operários sejam transferidos para postos de trabalho que não conhecem. Isso atende aos interesses imediatos da produção, mas não considera os riscos a que serão expostos os trabalhadores que se deparam com incertezas e dificuldades. As condições materiais e ambientais de trabalho e a regulamentação legal

A concessão do registro e a fiscalização do funcionamento das fábricas de fogos de artifício são atribuições do Exército Brasileiro. Para funcionar, as fábricas têm de satisfazer severas normas de segurança, que estabelecem os parâmetros para armazenamento, fabricação, aquisição e transporte de produtos controlados, como é o caso das peças pirotécnicas. O Decreto. 3.665, de 20 de novembro de 2000 (Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados) e a Norma Regulamentadora n. 19 (Explosivos), do Ministério do Trabalho e Emprego, determinam que as fábricas de fogos de artifício sejam instaladas na zona rural, distantes de edificações e habitações urbanas. Os barracões e cargueiros, respectivamente, onde se produzem e armazenam os explosivos e produtos pirotécnicos, também devem ficar distantes entre si.


As condições ambientais e materiais de trabalho no setor pirotécnico são, em geral, precárias. Os barracões são ambientes muitas vezes pequenos, pouco iluminados e abafados. O setor de cartonagem, onde há a confecção dos canudos e da parte externa dos artigos pirotécnicos, diferencia-se dos demais, pois os operários não chegam a manusear materiais explosivos. Já nos setores de manipulação da pólvora, os trabalhadores manuseiam as misturas químicas que, no setor de matriz, vão preencher os pequenos tubos que ficarão alojados dentro de cada um dos foguetes. Os barracões onde se manipula a pólvora branca, considerada a mais perigosa, por sua composição altamente inflamável, devem ter no mínimo 12 m2, sendo permitida a permanência de apenas uma pessoa. O piso desse barracão deve ser impermeável e, sobre ele, deve haver uma lâmina d'água com, pelo menos, 10 cm de profundidade, para evitar explosões decorrentes do contato entre elementos que participam de reações químicas. Os operários devem utilizar botas de borracha que cobrem até a altura do joelho, para não ter contato direto com água carregada com resíduos químicos.

Em todos os setores onde se trabalha com explosivos é proibido utilizar calçados que possam acumular pólvora ou causar um forte atrito com o solo, com o fim de prevenir a contaminação de outros locais por esse produto. O processo de produção dos artigos pirotécnicos é finalizado com a arrematação, momento em que são montados e embalados em caixas.

Enfim, o que se percebe é que as precárias condições de trabalho nas fábricas de fogos de artifício estão diretamente relacionadas aos problemas de saúde e aos graves acidentes de trabalho de que são vítimas os trabalhadores pirotécnicos. A forma inadequada de organização e de gestão da força de trabalho também contribui para esse quadro. Os acidentes súbitos no setor rapidamente viram notícia na imprensa e, como não poderia deixar de ser, geram inúmeras ações da Justiça do Trabalho mineira, com pedidos de indenização por morte, feito pelos herdeiros do trabalhador, e também por danos morais, materiais e estéticos, decorrentes de queimaduras, amputações, etc. O entendimento majoritário dos julgadores que atuam no TRT mineiro é no sentido de aplicação da teoria da responsabilidade objetiva, devido ao grau de risco acentuado presente na atividade exercida pelo empregado, como se vê na seguinte jurisprudência: EMENTA: TRABALHO COM PÓLVORA EM EMPRESA FABRICANTE DE FOGOS DE ARTIFÍCIO. ACIDENTE FATAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DA EMPREGADORA. A legislação adotou o entendimento de que, quando a atividade exercida pelo empregado implica um grau de risco acentuado, a reparação civil demanda aplicação da teoria da responsabilidade objetiva, - artigo 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002. No caso dos autos, a vítima laborava manipulando bombas para a reclamada, empresa cujo objeto social é o fabrico de fogos de artifícios e outros artigos pirotécnicos, sendo este o seu trabalho rotineiro, quadro que a expunha a um acentuado risco diariamente, em nível infinitamente maior do que um empregado comum. Assim, o acidente fatal que envolveu a trabalhadora impõe a responsabilização objetiva por parte de sua ex-empregadora. (TRT da 3.ª Região; Processo: 0002359-70.2014.5.03.0050 RO; Data de Publicação: 06/11/2015; Disponibilização: 05/11/2015, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 460; Órgão Julgador: Decima Turma; Relator: Taisa Maria M. de Lima; Revisor: Rosemary de O.Pires).

Confira, a seguir, duas decisões das Turmas do TRT-MG em ações que tratam da matéria e que ilustram o drama dos trabalhadores do setor pirotécnico, vítimas de acidentes de trabalho. Caso 1: Viúva e filhos de trabalhador que sofreu acidente fatal em fábrica de fogos serão indenizados

No recurso analisado pela 5ª Turma do TRT-MG, uma fábrica de fogos não se conformava com a sentença que a condenou a pagar indenização por danos morais e materiais à viúva e aos filhos de um trabalhador que morreu quando produzia fogos para a empresa. A fábrica afirmou que não teve culpa no acidente que vitimou o trabalhador. Mas, adotando o entendimento da relatora, desembargadora Maria Cecília Alves Pinto, a Turma não acolheu esses argumentos. Além de ter concluído que a fábrica não cumpriu com as normas de segurança do trabalho, o que seria suficiente para demonstrar a culpa no acidente, os julgadores também reconheceram a responsabilidade objetiva da empresa (que independe de culpa), em razão da atividade de alto risco desenvolvida, qual seja, a fabricação de artefatos explosivos. Assim, foram mantidas as indenizações deferidas aos herdeiros do trabalhador, negando-se provimento ao recurso a empresa.

Pelo que foi apurado no processo, o empregado foi vítima de explosão em razão da inobservância das regras de segurança quanto ao manuseio do material para a confecção de fogos de artifício. O laudo realizado pelo Instituto de Criminalística da Polícia Civil apurou que foi identificado um volume elevado de bombas armazenadas para secagem no galpão atingido pela explosão. Além disso, informou que se faz necessária a presença ostensiva e contínua de supervisor na conferência dos serviços internos, principalmente quanto ao volume limite de material explosivo em cada barracão, o que não foi observado pela fábrica como deveria.

Outro dado importante do laudo foi destacado na decisão: "A distância entre o barracão de colagem e o de secagem não se encontra coerente com o volume de material explosivo armazenado tendo em vista o grau de destruição atingido conforme exigência da NR19 e do R105. A distância atual entre o secadouro e a colagem é inferior a 10,00m conforme planta de situação da fábrica".

Foram trazidos ao processo outros relatórios, inquéritos e apurações visando esclarecer o acidente fatal que vitimou o trabalhador. A conclusão constante do Relatório do Ministério da Defesa foi de que "houve por parte da empresa negligência em não fiscalizar os pavilhões e cobrar dos funcionários e principalmente do Técnico de Segurança, o cumprimento das normas de segurança".

Ao final, aponta que "a empresa não atende a todos os itens considerados obrigatórios quanto às condições de segurança".

Para a desembargadora relatora, ficou clara a culpa da empresa no acidente. "A simples violação pelo empregador de norma de conduta relativa à saúde, higiene e segurança do trabalhador basta para caracterizar a sua culpa. Os ônus do trabalho em condição insegura não podem ser impostos ao trabalhador, pois cabe à empresa impedir esse trabalho inseguro", frisou, ressaltando que o parágrafo 1º do artigo 19 da Lei nº 8.213, de 1991, fixa a responsabilidade do empregador pela adoção de medidas individuais e coletivas de segurança e proteção da saúde do empregado, reportando-se aos equipamentos protetivos do corpo do trabalhador. Ela citou ainda o direito do empregado ao ambiente de trabalho saudável e seguro (inciso XXII do art. 7º da CF/88) e o dever do empregador de cumprir as regras legais de cuidado com a segurança e medicina do trabalho, nos termos do art. 157 da CLT.


Além disso, ficou registrado que a reponsabilidade da empresa é objetiva (art. 927/CCB), ou seja, existe independentemente da demonstração de culpa no acidente, por se tratar de trabalho com explosivos, em que o risco é inerente à função. E, segundo a desembargadora, apesar de alguns riscos serem facilmente detectáveis, pela natureza da própria atividade da empresa (fabricação de artefatos explosivos), "cabe à empregadora não somente avaliar todas as possibilidades de trabalho inseguro, mas também neutralizar as condições de risco, de forma a evitar a ocorrência de acidentes".

Acompanhando a relatora, a Turma manteve a indenização por dano material fixada na forma de pensão mensal aos herdeiros, equivalente a 2/3 da última remuneração do trabalhador falecido, desde o dia do acidente até a data em que ele completaria 70 anos. Quanto aos filhos, foi limitada à data em que completariam 25 anos. Já a indenização por danos morais foi fixada na sentença no valor de R$25.000,00 para cada um dos herdeiros, tida como suficiente e adequada pela Turma reparar os prejuízos morais causados, além de desestimular novas práticas do gênero. TRT-03038-2013-050-03-00-7-RO. Acórdão em 24/02/2015Caso 2: Acidente em fábrica de fogos de artifício mata quatro empregadas: filha de uma das vítimas consegue indenização.

Nessa situação, analisada pela 10ª Turma do TRT mineiro, uma outra fábrica de fogos de artifícios foi condenada em primeira instância a pagar indenização por danos morais no valor de R$40.000,00 e pensionamento mensal à filha de uma empregada que também faleceu em virtude de explosão no ambiente de trabalho. Ao julgar o recurso da empresa, a Turma adotou o entendimento da relatora, desembargadora Taisa Maria Macena de Lima, e manteve as indenizações deferidas, determinando, apenas, que a indenização por danos materiais seja reduzida para R$30.000,00.

Conforme ressaltou a relatora, a atividade da ré implica o manuseio e armazenamento de produtos explosivos e de fácil combustão. Esse alto risco atrai a aplicação da teoria objetiva da responsabilidade civil, que não depende de culpa (artigo 927 do Código Civil). E, no caso, como a empregada faleceu em razão de explosão seguida de incêndio ocorridos no local em que trabalhava (setor de colagem de bombas), a empresa está obrigada a reparar os danos que o acidente de trabalho gerou na vida da filha da vítima.

"No caso, a vítima trabalhava manipulando bombas para a reclamada, empresa cujo objeto social é o fabrico de fogos de artifícios e outros artigos pirotécnicos, sendo este o seu trabalho rotineiro, quadro que a expunha a um acentuado risco diariamente, em nível infinitamente maior do que um empregado comum. Assim, o acidente fatal que envolveu a trabalhadora impõe a responsabilização objetiva por parte de sua ex-empregadora", destacou a desembargadora, em seu voto.

A empresa alegou a existência de culpa exclusiva da vítima, a qual, segundo a desembargadora, se provada, atuaria como excludente de responsabilidade da fábrica. Na versão da ré, a conduta da ex-empregada foi determinante para a ocorrência do acidente. Mas essa excludente dependeria de prova clara, o que não ocorreu.

E mais: o relato do único sobrevivente que presenciou o trágico acidente, em que quatro empregadas morreram, não revelou a existência de culpa da vítima. Esse relato constou da "Análise e Investigação de Acidentes", elaborado pela própria empresa e mostra o terror que os trabalhadores pirotécnicos vivem em acidentes na produção de fogos de artifício: "No momento em que ele descarregava a quarta tabuinha friccionando as mãos sobre as bombas, para que as mesmas se soltassem da borracha, ele ouviu um chiado e logo em seguida viu um clarão à sua frente. Nesse momento ele saiu imediatamente do local correndo em direção ao pavilhão número 120, quando foi atingido pela onda de choque proveniente da explosão do pavilhão número 86/85 que o lançou em direção ao barranco próximo e que vitimou fatalmente quatro trabalhadoras que estavam dentro deste pavilhão exercendo as atividades de encher e bicar tabuinhas".


Entretanto, por ser a ré uma empresa de pequeno porte, com capital social de menos de R$100.000,00, a desembargadora entendeu que a indenização por danos morais deferida pelo juiz de primeiro grau à filha da trabalhadora, no valor de R$40.000,00, poderia prejudicar o funcionamento da empresa e, dessa forma, reduziu-a para R$30.000,00, no que foi acompanhada pelos demais julgadores. Assim, a Turma deu provimento ao recurso da fábrica, apenas nesse aspecto.

O juiz de primeiro grau também deferiu à filha da falecida um pensionamento mensal correspondente a 2/3 do salário da mãe, até que a herdeira complete 25 anos de idade, o que foi mantido pela Turma revisora. "A autora é filha única da falecida, fato fora de debate, o que, em princípio, já justificaria o deferimento de 2/3 do valor auferido pela trabalhadora, mesmo porque o terço restante, presume-se, destinava aos gastos pessoais da vítima. Além disso, ficou provado que a falecida empregada era responsável por despesas da filha, quadro que justifica a manutenção do pensionamento", finalizou a relatora. TRT-02359-2014-050-03-00-5-RO. Acórdão em 28/10/2015

Notícias Jurídicas anteriores relacionadas à matéria:





Fonte: TRT3

Gerente de banco vítima de sequestro será indenizada por danos morais



A gerente de um banco estava chegando em casa com o seu marido após um dia de trabalho, quando foi surpreendida por bandidos. Após anunciarem que se tratava de um assalto voltado à instituição onde ela trabalhava, os assaltantes a mantiveram em casa durante a noite, enquanto seu marido foi transportado para um cativeiro. Na manhã seguinte, a trabalhadora foi obrigada a se dirigir até a agência bancária para retirar o numerário. Após entregar o dinheiro do banco aos assaltantes, o marido dela foi libertado.

Esse foi o contexto que levou 4ª Turma do TRT-MG, por maioria de votos, a dar provimento ao recurso da autora e condenar a instituição financeira ré ao pagamento de uma indenização por dano moral no valor de R$50 mil reais. Atuando como relatora, a juíza convocada Martha Halfeld Furtado de Mendonça Schmidt solucionou o caso com base na responsabilidade objetiva do empregador por danos sofridos pelo empregado, nos termos do artigo 927 do Código Civil.

A tese defendida pelo banco reclamado era a de que o sequestro teria ocorrido quando a reclamante já se encontrava em sua residência. Portanto, fora das dependências do trabalho. Ademais, o réu sustentou que teria tomado todas as providências médicas necessárias e de apoio psicológico à empregada. Mas a magistrada não acatou esses argumentos, dando razão à reclamante.

Em seu voto, a relatora expôs que pouco importa o fato de os bandidos não terem ingressado na agência bancária. A violência sofrida pela reclamante e seu marido somente ocorreu porque ela era gerente da agência bancária. "O objetivo daqueles assaltantes era valer-se da coação da empregada bancária com o fim obter numerários da instituição financeira", concluiu. De acordo com a decisão, a própria CAT (Comunicação de Acidente do Trabalho) emitida pelo banco denuncia o abalo psicológico sofrido pela trabalhadora, ao indicar afastamento em razão de "episódio depressivo grave".

Na avaliação da julgadora, houve dano relacionado às atividades desenvolvidas (nexo causal) pela gerente em favor do réu. O caso foi considerado capaz de atrair a aplicação do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil. A magistrada esclareceu que o dispositivo consagra a teoria do risco independente da culpa, aplicável às atividades que representem riscos pela própria natureza. É o caso do banco, cuja atividade envolve manuseio de elevadas somas de dinheiro. "É certo ainda que aqueles que trabalham em instituições financeiras ficam expostos à possibilidade de uma violência maior do que os empregados que prestam serviços em outros locais, o que justifica, inclusive, a necessidade de diferenciado serviço de vigilância, no ambiente bancário, a teor da Lei nº 7.102/83", registrou no voto.

Também foi ponderado que o risco não se limitava ao período em que a gerente estava trabalhando. "Ainda que o sequestro não tenha ocorrido na própria agência bancária, evidente que a ação dos criminosos tinha como objetivo o patrimônio do Banco, donde se depreende, reitero, que a Reclamante somente foi vítima desse episódio em razão da relação de emprego com o Réu, e, sobretudo, em face do cargo de gerente da agência por ela ocupado", destacou.

Com esses fundamentos, a Turma de julgadores reconheceu a responsabilidade objetiva do réu em relação ao sequestro da empregada, modificando a sentença para condenar o banco ao pagamento de indenização por danos morais, fixada em R$ 50 mil, levando em conta a agonia e pavor vivenciados pela reclamante durante o tempo em que o marido era mantido em cativeiro sob a ameaça de criminosos.
PJe: Processo nº 010079-87.2015.5.03.0136. Acórdão em: 18/05/2016Para acessar a decisão, digite o número do processo em:
https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam
 
Fonte: TRT3

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Juiz não reconhece direito à reintegração ou à indenização substitutiva de empregada grávida que obteve vantagem com dispensa




O direito à garantia provisória do emprego da gestante, prevista na alínea b inciso II do artigo 10 do ADCT, decorre de fato objetivo: a gravidez da empregada, independente do conhecimento do empregador na época da dispensa. A expressão "desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto" significa que a garantia tem início com a concepção, pois o objetivo é a proteção do nascituro, não podendo ficar condicionada à comunicação prévia ao empregador. Nesse sentido é o entendimento consolidado na Súmula 244 do TST, em que expressamente se afirma existir a garantia provisória de emprego, mesmo na hipótese de contrato por prazo determinado. Por isso, os julgadores são unânimes em considerar inválida a rescisão contratual operada nos casos em que a empregada foi imotivadamente dispensada quando se encontrava grávida.
Entretanto, no julgamento realizado na 42ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, o juiz Glauco Rodrigues Becho deparou-se com um caso diferente: antes mesmo da rescisão contratual, a empregada já tinha ciência de que seria recontratada pela outra empresa que assumiu o contrato com a operadora de telefonia Tim.
No caso, a dispensa aconteceu por causa do encerramento do contrato de prestação de serviços da antiga empregadora da reclamante com a Tim, sendo que outra empresa assumiu esse contrato, aproveitando os empregados. Foi exatamente o caso da autora, que continuou a prestar serviços contínuos, na mesma função, local e no mesmo horário de trabalho, embora para outra empregadora, passando, inclusive, a receber salário mais vantajoso. Ao analisar os documentos juntados ao processo, o juiz verificou que a última remuneração recebida na empregadora anterior foi de R$ 1.296,00/mês, enquanto a carteira de trabalho referente ao serviço prestado na JR Soluções registra que a autora foi contratada com remuneração mensal de R$ 2.300,00.
"Ora, se no período anterior à data da dispensa, a reclamante já tinha ciência de que seria contratada por outra empresa para realizar as mesmas funções, inclusive no mesmo horário e local de trabalho, para receber remuneração bem superior, não se constata na dispensa sem justa causa efetivada pela ré a existência de discriminação pelo estado gravídico da autora. Ao contrário, a dispensa possibilitou à reclamante a se vincular à nova empregadora, auferindo maiores ganhos para a mesma função desempenhada anteriormente", ponderou o magistrado.
Se a garantia no emprego visa evitar o estado de desemprego da gestante, o julgador não vislumbrou qualquer prejuízo à trabalhadora, que sequer ficou desempregada ao pactuar novo contrato de emprego com a nova empregadora. Desse modo, a norma que protege a gestação não perdeu a sua essência e o seu alcance. "Como é cediço, a finalidade teleológica da norma prevista no art. 10, II, b, do ADCT é garantir o emprego contra a dispensa injusta, de modo a impedir que a gravidez constitua causa de discriminação, assegurando a continuidade do contrato de trabalho, além do bem-estar do nascituro", completou.
Conforme destacou o magistrado, a nova empregadora manteve o vínculo ativo com a autora mesmo após o término do período de estabilidade provisória. "Dessa forma, o pedido de reintegração torna-se inviável, uma vez que não seria possível a reclamante se vincular a duas empresas no mesmo horário de trabalho, acrescentando-se que houve a anuência desta em firmar contrato de emprego mais favorável com outra empregadora. Ressalta-se que a reintegração já estaria prejudicada uma vez que já se encontra exaurido o período de garantia de emprego, na forma do item II da Súmula 244 do TST", pontuou.
Na ótica do julgador, o pedido de indenização também não merece acolhida. É que o direito à indenização à gestante dispensada no período de estabilidade nasce quando se constata conduta antijurídica do empregador (dispensa sem justa causa), causadora de dano, somada à ausência de renda e ao desemprego, durante o período em que a Lei determina a estabilidade no emprego à gestante, reforçada pela dificuldade prática de uma mulher grávida ser admitida em um novo emprego. Conforme destacou o magistrado, não foi esta, muito antes ao contrário, a situação vivida pela trabalhadora, que auferiu vantagem com a troca de emprego. Daí porque, na visão do juiz, o deferimento da indenização geraria enriquecimento ilícito da trabalhadora.
Por esses fundamentos, os pedidos de reintegração ao trabalho e de indenização pelo período de estabilidade foram negados pelo juiz, bem como o pleito referente a diferenças de aviso prévio e à multa do artigo 477, §8º, da CLT. A sentença foi integralmente mantida pela 8ª Turma do TRT mineiro.
( nº 01939-2014-180-03-00-3 )
Fonte: TRT3

Juiz recorre a princípio da especialidade para definir sindicato legítimo para representar categoria dos enfermeiros em Divinópolis






O juiz Francisco José dos Santos Júnior, em sua atuação na 2ª Vara do Trabalho de Divinópolis, se deparou com a discordância entre as partes de uma ação trabalhista acerca de qual sindicato teria legitimidade para representar os enfermeiros da cidade mineira de Divinópolis.

A ação foi ajuizada pelo Sindicato dos Enfermeiros do Estado de Minas Gerais em face de um hospital. Em defesa, o hospital sustentou a ilegitimidade desse sindicato para propor a reclamação trabalhista, afirmando que já existia atuação no município de Divinópolis do Sindicato Profissional dos Enfermeiros e Empregados em Hospitais, Casas de Saúde Duchistas e Massagistas de Divinópolis (SINDEESS).

Mas o julgador não deu razão ao hospital, reconhecendo a legitimidade do primeiro. Ele esclareceu que a lógica do sistema sindical remete o enquadramento sindical a dois pilares, quais sejam: a atividade preponderante do autor, salvo se pertencente o empregado a categoria diferenciada, e o local da prestação de serviços (artigos 8º, II, da CRFB, e 511, 570, 581 e 611 da CLT). Contudo, no caso, ele entendeu que o princípio da especificidade também deveria ser prestigiado, já que a CLT preceitua a formação profissional, com integração associativa, por aqueles trabalhadores que têm "similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas" (artigo 511, §2º, CLT).

E era exatamente o impasse a ser resolvido: qual princípio deveria prevalecer no caso, o da territorialidade ou da especificidade. "Isso porque o autor se trata de agremiação profissional específica dos enfermeiros, mas de atuação de âmbito estadual, ao passo que o sindicato referenciado pela defesa, o Sindicato Profissional dos Enfermeiros e Empregados em Hospitais, Casas de Saúde Duchistas e Massagistas de Divinópolis - SINDEESS, de base municipal no local da prestação de serviço dos substituídos, representa categoria mais abrangente, abarcando, além de enfermeiros, todas as categorias de empregados do reclamado", esclareceu o magistrado. E concluiu que o que melhor regula a situação analisada é o princípio da especificidade.

Como explicou, com base no artigo 570 da CLT, a constituição do sindicato pela especificidade foi priorizada pela lei, somente dando lugar para a junção de categorias similares ou conexas em uma só agremiação quando for ineficiente a associação sindical por aquele primeiro critério. E esse raciocínio é confirmado pelo disposto no artigo 571 da CLT, ao valorizar a dissociação de categoria de um sindicato mais abrangente para formação de um sindicato específico.

Diante disso, priorizando o princípio da especificidade e citando jurisprudência nesse sentido, o juiz entendeu pela legitimidade do sindicato autor, específico da categoria dos enfermeiros, inclusive daqueles empregados do hospital. Houve recurso, mas a decisão ficou mantida pelo TRT mineiro. ( 0002409-49.2014.5.03.0098 RO )



Fonte: TRT3

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Combate à corrupção é imperativo para resgatar a força da Constituição






Por Flávia Piovesan e Victoriana Leonora Corte Gonzaga


*Artigo publicado originalmente na Revista dos Tribunais, volume 967/2016, edição Maio/2016, e disponível na Revista dos Tribunais Online Essencial. Leitores da ConJur têm 80% de desconto na assinatura da ferramenta — clique aqui para mais informações.

Nosso atual quadro constitucional é de reapropriação do sistema democrático, pautado na limitação ao poder, na supremacia do interesse público em face do interesse privado, bem como no compromisso democrático de reforçar o poder do povo e de sua participação ativa como titular do poder político.

Isto porque a Constituição de 1988, peça fundamental do processo de redemocratização do Brasil, abriu caminho para mudanças estruturais na sociedade: marcou o abandono de um regime autoritário e instituiu um Estado Democrático de Direito, consagrando direitos fundamentais e garantias aos indivíduos.

De fato, percebe-se a retomada de um compromisso com o regime democrático a partir da eleição dos fundamentos da República (artigo 1º da Constituição), dentre os quais destacam-se a cidadania, a dignidade da pessoa humana, o pluralismo político e a soberania popular.

Registra-se que o parágrafo do artigo 1º da Constituição declara que o povo é titular do poder, que o exerce por meio de representantes. Por ser o povo o detentor do poder, estão estipulados limites ao exercício desse poder e o direito do povo reavê-lo quando os interesses dos representantes se sobrepuserem aos interesses coletivos.

Por isso, a intenção da Constituição Cidadã é clara: trata-se de instituir como fundamento do Estado Brasileiro um conjunto de direitos e regras que dizem respeito à participação do povo na vida política do Estado e da sociedade. A Constituição nasce, portanto, como instrumento que limita o próprio poder, o arbítrio e o interesse individual, dentro de uma regulamentação democrática.

Basta atentar aos objetivos fundamentais da República Federativa Brasileira, em seu artigo 3o, dentre eles, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

Ademais, a Constituição dispõe sobre a soberania popular (artigo 14), a qual será exercida, principalmente, pelo direito de sufrágio (direito de votar e ser votado), por meio de plebiscito, referendo, iniciativa popular de lei; também por meio da ação popular (artigo 5o, inciso LXXIII), e pelo direito de organizar-se e participar de partido político (artigo 17).

Trata-se, portanto, de uma carta robusta no que tange à garantia de direitos e preocupada em assegurar a participação popular, ou seja, tem como objetivo fundamental fomentar a ativa participação cidadã.

Obstáculo à concretização da principiologia constitucional
A prática da corrupção política, no entanto, abala estas conquistas democráticas constitucionais e afronta o desenvolvimento do Estado de Direito e da sociedade, por colocar interesses privados de indivíduos acima do interesse da coletividade.

De acordo com o relatório Corrupção: custos econômicos e propostas de combate, do Departamento de Competitividade e Tecnologia (DECOMTEC), da Fiesp, o custo médio da corrupção no Brasil é estimado entre 1,38% a 2,3% do PIB, isto é, de R$ 41,5 bilhões a R$ 69,1 bilhões de reais, conforme estimativas de 2008. Além do alto custo econômico da corrupção, há o custo social e o aumento da desigualdade que ela gera.

Ainda, o Brasil apresenta um índice elevado de corrupção percebida, dentre 175 países, ocupa a 69ª colocação no ranking de 2014, elaborado pela ONG Transparência Internacional.

A corrupção é o desvirtuamento da relação do administrador com a Administração Pública, na qual seu interesse privado se torna primordial em relação ao interesse público, em flagrante ofensa ao espírito republicano.

O que se observa com o aumento de investigações e persecuções envolvendo todas as esferas de poderes do Estado Brasileiro é que o fenômeno da corrupção é sistemático e endêmico no Brasil, expondo reiteradamente a Administração Pública a interesses que não os seus (interesse público), mas interesses “externos”.

O combate à corrupção se faz, deste modo, extremamente necessário para concretização dos direitos e garantias assegurados pela Constituição Federal de 1988 e dos objetivos e fundamentos do Estado Democrático. O combate à corrupção é medida que converge com os objetivos de redução de desigualdades e de construção de justiça social, pois a corrupção afeta a confiança dos cidadãos no Estado, na medida em deslegitima as instituições e as enfraquece, além de gerar elevados custos sociais.

Falhas do sistema como ambiente propício à corrupção
A corrupção no Brasil não é uma prática de um só partido, de uma só região ou estado, de um tipo de político ou de certo funcionário público: a corrupção é um fenômeno social, político, econômico, que se desenvolve de inúmeros modos e se manifesta em diferentes formas de favorecimento.

Por ser um fenômeno tão difundido e constante no modo de operar a coisa pública é preciso avaliar em que medida o sistema político-eleitoral a propicia e a facilita. Nesse sentido, entendemos como fatores importantes, mas não exaustivos, que criam um ambiente de facilitação à corrupção no Brasil: (i) o alto custo das campanhas eleitorais; (ii) o modo de nomeação de cargos na Administração Pública; (iii) a homogeneidade e a sub-representação da política brasileira.

(i) O elevado custo das campanhas eleitorais acarreta uma busca desenfreada por recursos e fontes de financiamento. Com base neste modelo, surgem esquemas estruturados de repasse de verbas de empresas privadas para partidos e políticos, que, na sequência, muitas das vezes atrelam este repasse ao favorecimento dessas empresas em licitações, financiamento público, etc.

Visando mudar esta dinâmica, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional[1] a doação de empresas a partidos e campanhas políticas, na medida em que viola o regime democrático e à cidadania (esta inerente às pessoas físicas).

Neste sentido, há que se buscar alternativas de campanhas que exijam menos aporte de recursos financeiros e mais aprimoramento do candidato e qualidade de propostas -- uma vez que as contribuições de pessoas jurídicas encarecem e inflacionam os custos das campanhas. A participação excessiva do poder econômico no processo político-eleitoral desequilibra a competição eleitoral, ofendendo os princípios fundamentais democrático e da igualdade política.

(ii) O modo pelo qual se dá a investidura para os cargos da administração pública, em um modelo de gestão política como a do Estado Brasileiro de governos multipartidários, também cria espaço para que a corrupção crie suas raízes.

A Constituição Federal de 1988 traz, no inciso V do artigo 37, a nomeação como uma exceção à regra que exige a realização de concurso público, ou de provas e títulos, para fins de investidura em cargos públicos.

Nesse sentido, há uma estrutura[2] na qual o representante é eleito, inserido no contexto da Administração Pública e passa a nomear pessoas de sua confiança para atuarem em funções relevantes e em cargos de comissão. Não pensar nessas nomeações é não dar a atenção necessária a uma função importante do representante, que traz uma série de consequências: o representante eleito aparelha a máquina estatal de diversos modos, ou seja, com pessoas capacitadas ou não para os cargos, sejam pessoas vinculadas ao seu partido ou à sua base aliada, ou mesmo nomeia pessoas sem vínculo algum.

A priori, o ato discricionário de nomeação não significa necessariamente que este esteja eivado de irregularidades e trará malefícios para a Administração Pública, com negociações e barganhas políticas. No entanto, aponta que é uma porta de facilitação e poderá vir a criar vínculos de lealdade, e, portanto, é preciso avaliar o alto número de cargos nomeados e a falta de critérios objetivos de nomeação como possíveis fatores de facilitação da corrupção.

(iii) A homogeneidade da política brasileira e o processo de sub-representação, no sistema político eleitoral, de grupos que são maioria da população e a consequente exclusão dessa maioria da população das decisões políticas trazem impactos inegáveis.

A Constituição de 1988 objetivou romper com a falta de participação popular, cuja atuação havia sido enfraquecida na ditadura militar e, por isso, endossa o valor do pluralismo político (artigo 1o, inciso V); afirma o direito de organização e participação em partidos políticos; introduz a iniciativa popular de lei (artigo 14, inciso III); além de munir os cidadãos e seus substitutos processuais de instrumentos como a ação popular (artigo 5o, inciso LXXIII), ação de impugnação de mandato eleitoral (artigo 14, §§ 10 e 11º) e ação civil pública (artigo 129, inciso III), por exemplo.

No entanto, ao contrário de citados dispositivos, o que se vê na prática é a reduzida participação popular[3], marcada pela sub-representação política de grupos que são maioria da população – como mulheres e negros e pardos. Somado a esta sub-representatividade está a de grupos “minoritários” como população indígena e população jovem.

Ademais, existe um alto número de parlamentares pertencentes a famílias de políticos (os chamados “clãs políticos”), propiciando a perpetuação de famílias no poder, um status quo de muitos anos, o qual é difícil de quebrar.

Nesse sentido, é preciso questionar de que modo esses fatores não propiciam um cenário favorável para a corrupção. Isso porque, se a corrupção é marcada pela ruptura da supremacia do interesse coletivo sobre o privado, há que se questionar de que modo a política homogênea brasileira não propicia a lógica da prevalência do interesse privado.

Em outras palavras, ao fortalecer, ou ao menos manter intactas, as barreiras ao ingresso de grupos sub-representados, o Parlamento permite que se perpetuem no poder indivíduos que representam os interesses de poucos, em detrimento dos interesses de muitos. Dessa forma, alimenta-se a lógica do desvirtuamento do interesse coletivo em favor de interesses privados. Como consequência, mais uma vez são privilegiados interesses privados, cujos representantes se perpetuam como hegemônicos no campo da tomada de decisões.

Os fatores acima enumerados são apenas exemplos de falhas do sistema político-eleitoral brasileiro, que permite profundas distorções ao princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, e se apresenta como ambiente propício à proliferação do fenômeno da corrupção, que, reitera-se, é sistêmica e generalizada.

Combate à corrupção
Primeiramente, há que se reconhecer a corrupção como uma questão política de alta complexidade, prioridade e de extrema importância à própria consolidação democrática. Isso porque, multifacetado, o fenômeno da corrupção encontra meios de se estabelecer e criar raízes profundas.

Há que se enfrentar o desafio de lançar pilares de combate à corrupção, sob a perspectiva internacional, constitucional e infraconstitucional.

O combate à corrupção, deve se pautar[4] no fortalecimento de medidas de prevenção e de repressão; cooperação internacional; recuperação e restituição dos bens e valores; e esforços conjuntos dos Poderes e instituições para implementação de medidas de combate à corrupção. Estas medidas podem ser abordadas em dois pilares principais: prevenção e repressão.

(i) Por atuação preventiva entende-se aquelas que buscam impedir e dissuadir o comportamento tido como corrupto, como a prestação de contas (accountability) e o controle e monitoramento dos atos da Administração Pública.

Observe-se que a cooperação internacional e os esforços para a implementação das normativas nacional e internacional são englobadas na prevenção -- por permitirem maior efetividade às medidas preventivas pautadas na fiscalização e monitoramento quando em cooperação com organismos internacionais e outros Países.

Em âmbito internacional e constitucional, há normativa que prevê – ao menos em tese - mecanismos de participação da sociedade no controle da coisa pública[5]. Conforme a Constituição Federal, a Administração deve ser submetida à fiscalização de toda ordem: contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial.

Ressalte-se que medidas preventivas estão em constante construção e podem surgir a partir de diversas fontes, o que se mostra especialmente relevante para o fortalecimento da democracia. Nesse sentido, algumas iniciativas merecem menção, como a vedação ao nepotismo, principalmente por meio da Resolução 7 de 2005 do Conselho Nacional de Justiça, que baniu as práticas de nepotismo do Poder Judiciário. E a chamada “Lei da Ficha Limpa” (Lei Complementar 135 de 2010) que inclui novas hipóteses de inelegibilidade, visando proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato.

O que esses exemplos mostram é que existe, ainda que de maneira incipiente, a vontade política de determinados atores da sociedade brasileira no sentido de construir um sistema de prevenção à corrupção.

(ii) A atuação repressiva de combate à corrupção, por sua vez, encontra guarida nas responsabilizações: civil e administrativa, política e penal. As medidas repressivas abrangem, também, a recuperação dos valores, ilicitamente apropriados da Administração.

Nota-se que as medidas de responsabilização, além de contribuir para reduzir a percepção de impunidade e ineficiência estatal, devem ser acompanhadas de reparação, sendo cabível a responsabilização de pessoas físicas, quanto de pessoas jurídicas.

A responsabilização encontra guarida em alguns mecanismos legislativos, em âmbito constitucional e infraconstitucional. E o que se vê é que a legislação vem buscando se aprimorar, com a edição de leis[6] que buscam mecanismos mais eficientes.

Estratégias preventivas e repressivas são, portanto, essenciais ao eficaz enfrentamento da corrupção, como fenômeno complexo e multifacetado. O combate à corrupção surge como imperativo ético-jurídico-político ao resgate da força normativa da Constituição, de sua racionalidade, de sua principiologia e de seus valores estruturantes. Surge como condição, requisito e pressuposto à supremacia do interesse público, à observância do espírito republicano, ao respeito ao direitos e garantias e à própria prevalência da dignidade humana. Enfrentar a corrupção requer o amadurecimento democrático e a necessária mudança da cultura política do Brasil, na luta por maior transparência, ética, accountability, controle público e fortalecimento institucional, no marco de um Estado Democrático de Direito.



[1] STF; ADI 4650/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, j. 17/09/2015.


[2] Aprofundamos referida análise no artigo original.


[3] Os dados referente a participação política e “clãs políticos” estão elencados na versão original do artigo.


[4] Reformas estruturais são necessárias, a literatura especializada aponta reformas institucionais, abrangendo reforma política, do sistema judiciário e reforma administrativa. Ainda, aponta reformas econômicas, as quais se concentram em reforma fiscal e do sistema tributário. No entanto, o objetivo do artigo é propor medidas de prevenção e repressão que podem ser extraídas do nosso ordenamento jurídico vigente.


[5] As medidas foram melhor explicitadas na versão original do artigo, na presente versão apenas foram ventiladas.


[6] Referidas leis foram tratadas na versão original do artigo.

*Artigo publicado originalmente na Revista dos Tribunais, volume 967/2016, edição Maio/2016, e disponível na Revista dos Tribunais Online Essencial. Leitores da ConJur têm 80% de desconto na assinatura da ferramenta — clique aqui para mais informações.



Flávia Piovesan é procuradora do estado de São Paulo e professora doutora em Direito Constitucional e Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Visiting fellow do Human Rights Program da Harvard Law School (1995 e 2000); do Centre for Brazilian Studies da University of Oxford (2005); do Max Planck Institute for Comparative Public Law and International Law (Heidelberg – 2007; 2008; e 2015); e Humboldt Foundation Georg Forster Research Fellow no Max Planck Institute (Heidelberg - 2009-2014).

Victoriana Leonora Corte Gonzaga é advogada e professora assistente no curso de Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Revista Consultor Jurídico, 22 de junho de 2016, 7h33

Bloqueio da internet banda larga despreza normas de Direito brasileiras





Por Lindojon Gerônimo Bezerra dos Santos


Em seus escritos, o filósofo Michael Sandel nos leva a refletir sobre como há justiça em tempos de conflitos sociais e econômicos tão evidentes e, em uma de suas obras, assevera que “a ganância excessiva é, portanto, um vício que a boa sociedade deve procurar desencorajar”[1].

Trazendo esse raciocínio para o momento atual, especialmente no que se refere ao bloqueio da internet devido à limitação ao acesso de dados, a mensagem subliminar das operadoras que chega até a sociedade de consumo brasileira — e aí, então, a afirmação de Sandel vem bem a calhar — indica que, para não se ver privado desse serviço a uma determinada altura do mês, será preciso pagar mais, muito mais!

Por isso, é fundamental a clareza jurídica quanto a essa prática, a fim de que se possa ter um embasamento fundamentado para afirmar se ela é condizente com o ordenamento jurídico vigente ou se vilipendia as normas brasileiras.

No Brasil, dentre os objetivos do Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), estão acelerar o desenvolvimento econômico e social; promover a inclusão digital; reduzir as desigualdades social e regional; promover a geração de emprego e renda; ampliar os serviços de governo eletrônico e facilitar aos cidadãos o uso dos serviços do Estado; promover a capacitação da população para o uso das tecnologias de informação; e aumentar a autonomia tecnológica e a competitividade brasileiras[2].

Não por outra razão, o famigerado Marco Civil da Internet estabelece a finalidade social da rede como ponto nodal do uso da internet no Brasil[3].

A União Internacional de Telecomunicações (UIT), juntamente com a Assembleia-Geral das Nações Unidas, quer difundir o acesso e a utilização das tecnologias de informação e comunicação (TICs), por entender o caráter delas de provedoras de acesso à educação, serviços de saúde, de monitoramento ambiental e, inclusive, de empoderamento feminino[4]. A mulher, durante séculos, foi colocada à margem das evoluções sociais, tendo papel apenas coadjuvante. Com o passar dos tempos e o amadurecimento intelectual da sociedade, foi verificada a necessidade de ela assumir seu real papel na sociedade. Em tempos de igualdade material entre homens e mulheres, em que elas são protagonistas da mesma forma que eles, as políticas públicas direcionadas a confirmar esse protagonismo feminino estão cada vez mais fortes e em evidência. Assim, possibilitar o acesso irrestrito à internet e a toda a informação nela inserida é garantir que todos, homens e mulheres, tenham acesso ao conhecimento, e, em especial, no caso das mulheres, reforçar o seu poder dentro da sociedade. A mulher que é igual, que tem direitos iguais e que merece ser tratada igual.

Soma-se a isso o fato de que inúmeros estudantes em nosso país se utilizam da internet para estudar a distância, por meio das plataformas de ensino a distância (EaD).

Define-se, assim, um alcance social incomensurável da internet.

Segundo Casado, “a busca da construção de uma sociedade livre justa e solidária, dentro de uma sociedade de massas, de consumo incentivado e forçoso, aproxima-se da utopia, mas jamais pode deixar de ser a meta principal do Estado brasileiro”[5].

O direito do consumidor fundado nesse direito analítico, que visa identificar o consumidor[6] antes de definir a qualidade de sua proteção, não parece razoável no modelo de mercado existente no Brasil. Por vezes, equivocadamente, alguns juristas têm sustentado esse posicionamento[7]. No entanto, é importante relacionar que tais posições não se sustentam em nosso país, mas, na Europa, já são praticadas; prudencialmente, deve-se levar em consideração que o consumidor europeu tem outras peculiaridades, advindas de uma cultura de consumo e relações contratuais diversas da nossa. Os consumidores europeus apresentam-se divididos, de acordo com a necessidade de suas proteções, i.e., o consumidor descuidado, o consumidor com poder de negociação inferior, e o consumidor leigo[8].

Notadamente, o Estado deve proteger essa classe de vulneráveis, os consumidores, independentemente da sua condição financeira ou intelectual, pois, quando o legislador constituinte brasileiro alçou ao patamar de direito fundamental a proteção do consumidor[9], o fez pensando no desequilíbrio jurídico da relação de consumo.

O consumidor, ao pactuar com uma operadora de serviços de internet banda larga fixa, age em boa-fé objetiva[10], imaginando contratar um serviço de internet em que a variável onerosa é apenas a velocidade da conexão. No entanto, surpreende-se com outra variável — a quantidade de dados trafegados —, o que difere atualmente dos serviços de internet móvel, no qual existem as duas variáveis: velocidade de conexão e quantidade de dados trafegados.

Não pode a fornecedora se valer do momento de inclusão digital e social por que passa a sociedade brasileira para se aproveitar dessa situação e impingir cobrança desarrazoada, criando barreiras inexistentes. Essas condutas perpetradas por algumas operadoras de serviço de internet banda larga fixa podem configurar vilipêndio à função social do contrato[11] e à legislação infraconstitucional.

Assim, convém estabelecer que suspender a internet ou mesmo diminuir a velocidade da conexão, em razão de o consumidor, usuário da internet banda larga, atingir um limite prefixado pela operadora, viola frontalmente as normas de Direito do Consumidor vigentes[12].

O desenvolvimento da sociedade de consumo entrelaçada com a sociedade da informação roga por práticas que propiciem o acesso de todos a esse novo mundo, o mundo digital. Nas palavras de nossa aclamada professora Cláudia Lima Marques, a sociedade de consumo, mais do que solidária, precisa ser fraterna em suas relações jurídicas para tentar alcançar o equilíbrio dessa balança desigual, pendulada de fornecedores e consumidores.



[1] SANDEL, Michael J. Justiça: o que é fazer a coisa certa. trad. de Heloisa Matias e Maria Alice Máximo. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012, p. 16.
[2] Conforme Decreto 7.175/2010.
[3] Artigo 2º, da Lei 12.965/2014. A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como: (…) VI - a finalidade social da rede.
[4] Disponível em: <https://nacoesunidas.org/agencia-da-onu-realiza-reuniao-de-alto-nivel-para-debater-avancos-na-difusao-de-tecnologias-digitais/>. Acesso em 23/4/2016).
[5] CASADO, Márcio Mello. Os princípios fundamentais como ponto de partida para uma primeira análise do sobre-endividamento. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 33, 2000, p. 43.
[6] De acordo com a Lei 8.078/90, entende-se como conceito de consumidor aquele previsto no seu artigo 2º: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Contudo, esse é apenas um dos conceitos de consumidor previsto no Código de Defesa do Consumidor, também chamado de conceito padrão, standard ou stricto sensu. Existem outros conceitos de consumidor presentes nesse mesmo código, todavia espalhados e dispersos. São os conceitos de consumidor equiparado, previstos: Art. 2º, parágrafo único: Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 17: Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. Art. 29: Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas (BRASIL, 1990, não paginado).
Quando o texto legislativo se refere a destinatário final, existem três correntes doutrinárias a respeito do assunto: as teorias maximalista, finalista, e mista. A teoria maximalista ou objetiva estabelece que o consumidor, enquanto destinatário final, seria o destinatário fático, pouco importando a destinação econômica que lhe deva sofrer o bem (GARCIA, 2014). Já na teoria finalista, define-se em razão da necessidade de que não haja, sob hipótese alguma, a continuidade da cadeia produtiva, tendendo a não admitir aquisição ou utilização de produto ou serviço que de alguma forma propicie a continuidade da atividade econômica, ainda que indiretamente, em razão do bem, afastando para essa finalidade o Código de Defesa do Consumidor em razão de insumos e bens de produção (GARCIA, 2014). Apresentam-se, na doutrina brasileira, as considerações do ilustre catedrático Miragem (2012, p. 131), esclarecendo que existe também a teoria do finalismo aprofundado, “que resulta do desenvolvimento, sobretudo, pela jurisprudência, de critérios mais exatos para a extensão conceitual, por equiparação, dos conceitos estabelecidos pelo CDC”. Continua Miragem (op. cit.) elucidando que essa interpretação deve seguir dois parâmetros fundamentais, sendo o primeiro observando “que a extensão do conceito de consumidor por equiparação é medida excepcional no regime do CDC [Código de Defesa do Consumidor]”; e, segundo, que o reconhecimento da vulnerabilidade dessa parte que pretende ser considerada consumidora equiparada é requisito essencial para estender o conceito por meio da equiparação legal, com previsão no CDC. É de clareza solar o magistério da insigne professora Cláudia Lima Marques (2013, p. 118): “O novo direito dos contratos procura evitar este desequilíbrio [entre a presunção de vulnerabilidade e a equidade contratual], procura a equidade contratual”. Acrescentando que “por vezes o profissional é um pequeno comerciante, dono de bar, mercearia, que não pode impor suas condições contratuais para o [seu] fornecedor (…). Nestes (…) casos, pode haver uma exceção à regra geral: o profissional pode também ser 'vulnerável'”.
Assim, nos ensina com maestria Marques (2009) que a conceituação do consumidor se verificará em razão da sua vulnerabilidade, seja ela técnica, jurídica, fática ou informacional.
[7] Recomenda-se, vivamente, a leitura do artigo Código de Defesa do Consumidor não é expressão de paternalismo jurídico, de autoria da renomada professora decana de Direito Econômico da UFMG e presidente do Brasilcon, Amanda Flávio de Oliveira, publicado nesta coluna, em 2 de março de 2016.
[8] GRUNDMANN, Stefan. A proteção funcional do consumidor: novos modelos de consumidor à luz de teorias recentes. Revista Brasileira de Direito do Consumidor 101, São Paulo, set.-out. 2015, p. 22.
[9] Nesse sentido, brilhantemente explica Bruno Miragem: “O constituinte brasileiro, afeito a esta constatação [de Robert Alexy afirmando que os direitos humanos só podem desenvolver seu pleno vigor quando garantidos por normas de direito positivo], não apenas garantiu os direitos do consumidor como direito e princípio fundamental, como determinou ao legislador a realização de um sistema com caráter normativo, que garantisse a proteção estabelecida pela Constituição (Curso de Direito do Consumidor. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012).
[10] Com relação à diferença entre boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva, muito bem pontua Marco Antonio Zanellato, em artigo publicado na Edição Especial Centenária da Revista de Direito do Consumidor, intitulado Modernamente a boa-fé é vista de forma bipartida (boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva). Tal entendimento surgiu, fundamentalmente, com base na interpretação dos parágrafos 157 e 242, do Código Civil alemão, de 1900, desenvolvida ao longo do século passado, desde os anos 30 ou 40 até os dias atuais. (…) A boa-fé subjetiva, conforme já sedimentado na doutrina, é a que se funda no erro ou na ignorância da verdadeira situação jurídica. Diz-se, por isso, que o erro ou a ignorância funcionam como pressupostos da crença do sujeito (da relação jurídica) na validade do ato ou da conduta humana. O erro ou a ignorância levam a pessoa a crer que se está comportando conforme ao Direito. (…) A boa-fé objetiva não comporta uma interpretação-aplicação clássica. (...) Na aplicação ou concretização da boa-fé, não se exerce o processo de subsunção, ou seja, o procedimento de enquadramento do fato concreto na hipótese prevista na lei, em abstrato. Fala-se, assim, em um conceito carecido de valorações, ou vazio de conteúdo, não obstante a sua linguagem grandiloquente” (ZANELLATO, Marco Antonio. Boa-fé objetiva: formas de expressão e aplicações. Revista Brasileira de Direito do Consumidor 100, São Paulo, jul.-ago. 2015, p. 144/148).
[11] Nesse sentido, temos o Enunciado 21 (A função social do contrato, prevista no artigo 421, do novo Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito) e o Enunciado 431 (A violação do artigo 421 conduz à invalidade ou à ineficácia do contrato ou de cláusulas contratuais), ambos da Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal. Como assevera Flávio Tartuce: as Jornadas de Direito Civil surgiram por iniciativa do então ministro do Superior Tribunal de Justiça e jurista Ruy Rosado de Aguiar. A partir da experiência argentina, foi adotado um sistema de aprovação de enunciados, visando a elucidar o conteúdo do então novo Código Civil brasileiro. Os enunciados aprovados constituem um seguro roteiro de interpretação do Código Civil de 2002, representando uma tentativa de preenchimento das inúmeras cláusulas gerais consagradas pela nova codificação privada (in: <http://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/121820021/a-volta-das-jornadas-de-direito-civil>).
[12] Nesse sentido, a lição do insigne jurista Cristiano Schmitt: “o controle das cláusulas abusivas destina-se a concretizar os ditames legais voltados para a garantia da harmonia nas relações de consumo e para a proteção do consumidor, a fim de conter o excessivo poder econômico da empresa, e por outro lado, proteger a parte economicamente mais fraca na relação contratual estabelecida nos moldes dos contratos de massa, seja em contratos de adesão e similares, seja em contratos paritários” (SCHIMITT, Cristiano. Cláusulas abusivas nas relações de consumo. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 163).



Lindojon Gerônimo Bezerra dos Santos é coordenador da Comissão de Professores de Direito do Consumidor do Brasilcon.

Revista Consultor Jurídico, 22 de junho de 2016, 8h00

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

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