quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

O nome que o STF dá é o nome que fica? Eis o busílis do caso Delcídio!







Abstract: O caso Delcídio suscita vários questionamentos. A coluna de hoje busca discutir este caso de forma não ortodoxa, não dogmática, com a intenção de refletir. Mais sobre o futuro do que sobre o “agora”.

Calvo Gonzalez e eu discutimos dias destes, em seminário em Málaga, sobre como os primeiros gregos “disseram o mundo”. Na aurora da civilização, houve um dia em que alguém tinha de nominar. Platão, pela boca de Sócrates, escreveu o primeiro livro de filosofia da linguagem, o Crátilo. O capítulo mais bonito: Da justeza dos nomes. Por que uma coisa tem o nome x e não y? Não vou contar a história, até porque em meus livros falo disso amiúde.

Sigo. No início, o homem era a medida de todas as coisas. Aliás, Protágoras foi quem disse essa frase: o homem é a medida de todas as coisas. Claro. Seu corpo “media tudo”. Interessante é que, até hoje, usamos as primeiras formas de nomear: pé da árvore, pé direito dos prédios, medimos a altura em pés, palmos, polegadas; falamos do ventre da montanha, da garganta da serra; do olho do furacão, do céu da boca, da pele da fruta, do corpo de baile etc.. Para dizer “instante”, o primeiro grego disse “num piscar de olhos” (em alemão é Augenblick, para se ter uma ideia do valor da semântica). E assim por diante.

Protágoras... Quase poderia dizer que protagonismo vem de Protágoras (mas vem de Protos + agonistes; principal lutador). Por que estou falando (d)isso? Para lembrar as circunstâncias e contingências pelas quais passa o Supremo Tribunal Federal. Sim. Por vezes, o STF está como o primeiro grego: tem de nomear. Assume o papel de protos agonistes. Só que, quando nomina, repercute. Para retomar os gregos: o STF, para o bem e para o mal, funciona (às vezes e em raríssimas exceções) como o nomoteta. E quem era onomoteta? Era o “dador de nomes”. Na verdade, era o “grande legislador”, como se vê na obra Crátilo. Não é por nada que, em alemão, legislador se chame Gesetzgeber, que quer dizer, literalmente, o que dá as leis (logo, legislador). Bingo.

Assim, o “nome” (a decisão) que o STF dá repercute. Protago...niza. Ele acaba sendo mesmo uma espécie de Protágoras, porque, excepcionalmente — diante de uma contingência — diz o direito “pela primeira vez”. Por causa disso, por vezes, ele, o STF, acaba sendo a “medida de todas as coisas”, quer dizer, “do direito”. Por isso, suas nominações (sim, quem decide “dá nome àquele caso”) têm — sempre — efeitos colaterais. Por vezes, indesejados. Os casos têm filhotes. São reproduzidos. E, em algumas ocasiões, a origem se esfumaça. O “nome” dado adquire vida própria. E perde o DNA.

Dois episódios sobre “nominação”
Dois episódios merecem ser colocados no contexto de nominação protagonizado pela Suprema Corte. Como diria o Pequeno Príncipe, se tivesse uma causa no STF, “a Suprema Corte é responsável pelas causas que cativa”, quer dizer, que nomina.

O primeiro episódio é o da ADI 3.943, pela qual o STF disse que a Defensoria pode patrocinar ações civis públicas. OK. Decisões do STF valem. São definitivas. Só que o “nome dado” pelo STF, nesse caso, ficou ambíguo, porque não disse, com todas as letras necessárias, quem seriam os destinatários desta nova forma de atuação. Quaisquer pessoas, ou apenas aquelas que a Constituição (que nomina as coisas antes do STF) indicou, os tais carentes de recursos (artigo 5º, LXXIV)? Resultado: uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (EREsp 1.192.577) — interpretando o “nome” dado pelo STF à coisa “carentes de recursos” — permite a existência de um outro nome para os “carentes” (lá, no STJ, falou-se em vulnerabilidade existencial); já no Rio Grande do Sul, o Tribunal de Justiça estadual disse que a Defensoria podia patrocinar a causa de uma Delegada de Polícia, porque decidiu que a expressão necessitados, empregada pela Constituição (artigo 134), abrangeria os hipossuficientes organizacionais. Não bastasse, mais recentemente, a Defensoria Pública do RS postulou em Juízo que a Uber fosse autorizada a trabalhar no Brasil. Sim, a UBER, esse giganteorganizacional, para usar a linguagem cara à Defensoria, com o novo nome que se dá ao que é “carente de recursos”, poderá se beneficiar desse protagonismo. Uber vale bilhões. Pagou os melhores pareceres dos maiores juristas (a ConJur publicou os pareceres, por certo não dados pro bono). Qual será o novo nome a ser dado à expressão “carente de recursos”?

Eis, portanto, o problema das repercussões dos “nomes dados”. A cada nomeação/nominação que o STF faz (e nem é necessário discutir o mérito), o sistema reage. Como foi na aurora da civilização, uma ADI é, hoje, a aurora epistêmica do sentido da lei. O STF funciona como o Sinngeber (o dador de sentidos, isto é, o atribuidor de sentidos). Por isso é que ele deve dar o nome bem simples e claro ao que seja “carente de recursos”. Deve dizer se carentes de recurso é carentes de recursos, carente organizacional, carente existencial, carentes de afetos... Para o bem e para o mal. Antes que a Vale do Rio Doce seja beneficiada por alguma ação da Defensoria... Afinal, por trás da Vale existem milhões de hipossuficientes... Como no caso da Uber, que transportará... hipossuficientes e hipersuficientes. Ou Übersuficientes, se me permitem a ironia (Über, em alemão, é acima, sobre, super). Eis o problema.

Claro, a Defensoria não admite patrocinar a causa da Uber (ver aqui), mas, sim, a dos “motoristas particulares” e dos “consumidores do serviço”, estes “grupos em situação de vulnerabilidade”. Mas, sejamos francos: os interesses desta gente são, ou não, confluentes com os da própria Uber? E a Uber já não está devidamente assistido, em Juízo e fora dele? Qual é o argumento original, inovador, que a Defensoria trouxe para o debate processual a respeito dessa questão (que ocupa a ordem do dia em Porto Alegre)? E o pior — e isso deve ser dito — é que este clima de anything goesestá sendo de algum modo, permitido/provocado pelo próprio STF. Por quê? Por causa da nominação. Como falei acima, a Suprema Corte deve dar o nome certo à coisa. Entendem o que quero dizer? Como dizia Stephen Georg, que nada seja onde falta a palavra (Kein Ding sei wo das Wort gebricht).

O segundo episódio é o da prisão do senador Delcídio do Amaral. Como é a primeira vez que um senador é preso, tem-se, evidentemente em face das particularíssimas circunstâncias do caso — uma vez que todos os “demais gregos” tinham até então, um determinado sentido de flagrante e inafiançabilidade — a aurora do sentido do que seja “flagrante” e “crime inafiançável”. O STF esteve diante de uma situação inusitada, como quando alguém diz “não tenho palavras para dizer tal coisa...”. E fê-lo.

Ocorre que, na medida em que não podemos sair por aí trocando o nome das coisas, essa “nominação” do STF tem/terá repercussões imensuráveis. Veja-se: não preciso traçar uma linha de elogio ou crítica à decisão. Não é a intenção desta reflexão. Ademais, prefiro não me precipitar, uma vez que o próprio STF terá em breves dias uma rediscussão da matéria, quando chegar para seu exame a denúncia (peça ovo criminal) contra Delcídio e os demais. Provavelmente o PGR denunciará Delcídio também por organização criminosa (outra questão — o que é isto — a organização criminosa? Qual é o “nome” dessa coisa?).

Por isso, o que mais deve nos preocupar não é fato em si, isto é, se a Suprema Corte acertou ou errou ao dar o sentido do alcance da expressão “flagrante”, estendendo-o até caber no conceito de crime permanente, ou se crimes inafiançáveis não são apenas o racismo, o tráfico, a tortura, o terrorismo, a ação armada contra o Estado e os crimes hediondos. Não. O que mais deve preocupar a comunidade greco-forense (permito-me a alegoria) é o dia seguinte: já que o STF deu o nome a essas coisas novas(afinal, nunca um senador fora preso), teremos que passar a chamá-las agora por esse nome (faço, de novo, uma alegoria com a filosofia).[1] Não esqueçamos, como dizia Saussure — lembro de minhas aulas de semiologia nos anos 80 do mestre Warat —, que a atribuição de sentido possui quatro caracterizações: 1) o sentido é, primeiramente, convencional (como o primeiro grego fez); 2) surge, então, a imutabilidade (nome dado, nome “ficado”); 3) exsurge a mutabilidade (passa o tempo, mudam os fatos... e os sentidos podem ser alterados); 4) por último, a linearidade (um sentido não ocupa o mesmo “espaço” do outro). Eis, pois, o busílis da questão do caso Delcídio: quais serão as repercussões dos sentidos atribuídos pelo Supremo Tribunal?

Se pensarmos, por exemplo, que a jurisprudência deve ter estabilidade, coerência e integridade, talvez o grande problema do STF seja o “de que modo ele tratará os próximos casos”. Não parece que o caso Delcídio possa ser entendido como o estabelecimento provisório de um Estado de Exceção Hermenêutico, algo que o jornalista-filósofo da Folha de S.Paulo, Hélio Schwartsman, chamou de “Decisão forçada” (leia aqui). Como referi, prefiro ser mais cauteloso e aguardar os próximos acontecimentos. A matéria ainda passará por mais discussões, com as complexidades de coisas como a Súmula 606, que impede HC contra decisão colegiada do STF (mas isso é assunto para outro dia, uma vez que existe o HC 127.483/PR – Rel. Min. Dias Toffoli, em que houve empate e o paciente foi beneficiado). O próprio PGR está com um “pepino” nas mãos, porque terá que oferecer denúncia e justificar tudo o que pediu antes (sem considerar que, cá para nós, o PGR deveria explicar por que razão a mais alta autoridade do MP faz um pedidocontra legem, que, fosse o STF interpretá-lo de forma mais ortodoxa, não o teria conhecido; afinal, se não existe prisão processual de parlamentar, como requerer a sua preventiva? Sim, exatamente com esse nome?).

O quero dizer é que, assim como o homem era a medida de todas as coisas na aurora da civilização, também o STF acaba assumindo o papel de ser a medida do direito (veja-se: não estou me rendendo, nem de longe, ao aforisma de que “o direito é o que o judiciário diz que é”; quero dizer que, institucionalmente, o STF tem o poder de dizer por último – e em alguns casos, por primeiro, o sentido — dar o nome — do direito). Obviamente, esta situação se torna cada vez mais rara diante do aumento da complexidade do sistema jurídico com o passar do tempo.

Então qual é ponto central? O busílis é que nos resta saber qual é a régua (régua = medida, lembrando de Protágoras) que o STF usará nas causas que vem por aí tratando de prisão em flagrante e sua respectiva extensão a partir do critério da permanência da atividade criminosa. Nome dado, nome que fica? Do mesmo modo, terá que definir qual a medida que usará para definir a prisão preventiva em casos de inafiançabilidade. Claro: reconheço que os gregos tinham uma vantagem. É que depois de Protágoras, vieram Platão, Aristóteles e, no medievo, Agostinho, Aquino, Ockham para só depois chegarmos à filosofia da consciência. No caso do Supremo, é tudo com ele mesmo. Ele é que decide em última ratio a matéria para o qual a Constituição lhe atribui a primeira e a última palavra (eis o paradoxo), podendo errar ou acertar, ou um pouco das duas coisas simultaneamente. O Supremo é, ao mesmo tempo, Protágoras, a antiguidade, a modernidade, a viragem linguística. Eis a especificidade do direito: a fala, o discurso, a decisão jurídica institui; estabelece; fixa. Vincula. O STF terá que dizer qual é a força normativa da Constituição. Os limites semânticos importam? Não tenho dúvida de que sim, eis que até de positivista exegético sou “acusado”. O STF é que tem a responsabilidade política do ônus argumentativo. Ou seja: é como se perguntassem para Protágoras porque nominou a distância em braças, pés e passos. A diferença é que Protágoras não tinha que dar explicações.

Numa palavra reflexiva.
Quando se lida com o Direito, lida-se com conceitos interpretativos. Digo isso para deixar claro que o que quero discutir não é com quantos centavos se faz um necessitado (ou carente) e nem bem qual o conceito de flagrante ou deinafiançáveis, atribuído de forma convencional. Quero, isto sim, debaterconteúdo. O argumento jurídico é sempre um argumento substantivo.

Qual o estatuto, por assim dizer, das chamadas imunidades parlamentares? Muito genericamente, poderíamos dizer que as tais imunidades são prerrogativas de que o mandato parlamentar seja exercido de forma livre de coação. É uma garantia da independência da atuação do parlamentar. A ideia é, por um lado, garantir a livre expressão de opinião, palavras e votos; e, por outro, proteger o congressista contra restrições arbitrárias à privação de sua liberdade. Com alguma licença, para me fazer entender: o que não se quer é proibir o político de fazer... política. Sim: política e não outras coisas. Aliás, foi graças aos nossos maus antecedentes que incluímos imunidades no texto constitucional. Trata-se de proteger a democracia.

Com isso em mente, e deixando de lado o debate sobre se inafiançáveisseriam apenas aqueles crimes referidos no próprio texto constitucional, temos que discutir o “nome” dado à prisão em flagrante nesse caso e suas repercussões para o futuro. Qual é a relação entre flagrante e permanência? Mas, mais do que o “nome” dado à flagrância, temos que discutir se o STF fez uma interpretação relativizando a imunidade ou se fez uma interpretação devidamente justificada pelas circunstâncias.

Por óbvio, não estou sugerindo uma interpretação teleológica da Constituição. Todos sabem que não sou consequencialista. Não estou dizendo que o texto pode ser subvertido quando “um valor mais alto se alevanta” (sic). Não é isso. Mas uma coisa parece certa: em alguns casos muito excepcionais, se inaugura, institucionalmente, uma nova cadeia interpretativa (eis a característica da “mutabilidade” que parece ter ocorrido com a nominação de que falei). Mas, atenção: daí exsurge um ônus, representado pelo fato de que os nossos olhos não devem apenas voltar-se para o agora, mas sobretudo, para os próximos capítulos que se estão a suceder. Um nome que é dado é um nome que fica? Para todos os “greco-brasileiros”? Esse é o busilis.


[1] Só para registrar: adoro discutir Protágoras; adoro discutir também Ockham (que de certo modo faz algo parecido ao dizer que só existem coisas particulares). Mas, é claro, como hermeneuta, sou adepto do giro linguístico-ontologico, em que os sentidos se dão em um a priori compartilhado.


Lenio Luiz Streck é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck, Trindade e Rosenfield Advogados Associados:www.streckadvogados.com.br.



Revista Consultor Jurídico, 3 de dezembro de 2015, 8h00

Errar o nome do advogado na intimação anula o julgamento, decide TST




O eventual erro na grafia do nome do advogado indicado para o recebimento das intimações é uma forma cerceamento ao direito de defesa, assim entendeu, por unanimidade, a 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho ao anular um julgamento porque o nome do advogado de uma das empresas envolvidas no processo saiu com erro na publicação de pauta de julgamento do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (Paraná).

Na pauta, o sobrenome do advogado saiu com uma letra a mais. Desse modo, a empresa representada pelo profissional alegou que o TRT-9 violou o artigo 236, parágrafo 1°, do Código de Processo Civil, por publicar o nome de forma "insuficiente para sua identificação".

Com isso, ele não foi intimado da data do julgamento nem da decisão, e a falha impediu a realização de defesa oral no julgamento. Ao analisar o caso, o ministro Hugo Scheuermann destacou que, de acordo com a Súmula 427 do TST, se houver pedido expresso de que as intimações e publicações sejam promovidas exclusivamente em nome de determinado advogado, "a comunicação em nome de outro profissional constituído nos autos é nula, salvo se constatada a inexistência de prejuízo".

Assinalou também que a empresa opôs embargos de declaração informando o erro, mas o TRT-9 não conheceu dos embargos. Nessas condições, o ministro entendeu que realmente ocorreu violação ao artigo 236, parágrafo 1º, do CPC, conforme alegações da GDO. Segundo ele, o erro na grafia do nome do advogado indicado para o recebimento das intimações privou a empresa de exercer seu direito à sustentação oral no TRT-PR, caracterizando cerceamento ao seu direito de defesa.

Essas informações levaram a 1ª Turma a prover o recurso, anulando o julgamento e determinando que outro seja realizado, mediante intimação prévia do advogado indicado para esse fim. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.

Clique aqui para ler o acórdão.
RR-54100-11.2008.5.09.0013


Revista Consultor Jurídico, 3 de dezembro de 2015, 11h42

Entidade precisa de autorização de associado para propor ação coletiva que busca obter medicamento produzido no exterior



Associações precisam da autorização expressa de seus associados para propor ação coletiva em defesa do interesse de seus representados. A decisão foi tomada pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao jugar um recurso especial envolvendo uma associação que pleiteava o fornecimento obrigatório de um remédio por parte das operadoras de planos de saúde Sul América e Porto Seguro.

A Associação Brasileira de Asmáticos de São Paulo argumentou que o acesso ao medicamento Xolair para o tratamento de asma alérgica deveria ser um direito básico dos usuários de planos de saúde dos segmentos hospitalar e ambulatorial.

No voto, aprovado por unanimidade, o ministro relator Ricardo Villas Bôas Cueva reconheceu a legitimidade da associação para propor a ação, “visto que o objetivo social da autora (promover uma melhor qualidade de vida aos pacientes portadores da enfermidade asma) e os seus fins institucionais são compatíveis com o interesse coletivo a ser protegido com a demanda (proteção da saúde de seus filiados com o fornecimento, pelas operadoras de plano de saúde, de determinado medicamento - Xolair - para o tratamento eficaz de asma de difícil controle)”.

O relator salientou, entretanto, que a entidade associativa precisa de prévia autorização, “seja por ato individual seja por deliberação em assembleia”, para promover ação coletiva em defesa de seus associados, não bastando autorização estatutária genérica.

Villas Boas Cueva destacou, ainda, que estão excluídos da exigência mínima de cobertura a ser oferecida pelas operadoras saúde o fornecimento de medicamentos importados não nacionalizados e remédios para tratamento domiciliar, salvo se for o caso de tratamento antineoplásico (quimioterapia).

O ministro lembrou que, embora o medicamento "Xolair" seja produzido fora do território nacional, possui registro na ANVISA, ou seja, é nacionalizado. Ademais, a sua administração deve ser feita em clínicas ou hospitais, sob supervisão médica, não podendo ser adquirido em farmácias (uso restrito nas unidades de saúde)”, afirmou.
Fonte: STJ

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

TST afasta possibilidade de enquadrar empregado de Banco Postal como bancário



O Pleno do Tribunal Superior do Trabalho decidiu, em sessão extraordinária realizada nesta terça-feira (24), pela impossibilidade de enquadrar como bancários os empregados da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) que trabalham no Banco Postal. A maioria dos ministros presentes à sessão entendeu que esses trabalhadores não têm os mesmos direitos do bancário, entre eles a jornada de seis horas, porque as atividades do Banco Postal são acessórias, e não tipicamente bancárias.

O julgamento foi de recurso da ECT, provido para julgar totalmente improcedente o pedido de enquadramento de um empregado da ECT como bancário. A decisão fixa um precedente a ser seguido nos próximos julgamentos sobre o tema. O resultado final foi de 11 votos a favor do entendimento da relatora, ministra Dora Maria da Costa, provendo o recurso, e 10 acompanhando a divergência do ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho. Ele dava provimento parcial ao recurso da ECT, deferindo ao trabalhador apenas o direito à jornada de seis horas, e não todos os direitos dos bancários, como havia feito o Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO).

Dora Maria da Costa lembrou a polêmica em torno da questão, com decisões judiciais díspares na primeira e na segunda instâncias, e também no próprio TST. "Enquanto algumas Turmas entendem que não há que se enquadrar os empregados do Banco Postal como trabalhadores bancários, outras Turmas consideram que, se eles exercem atividades no Banco Postal, embora não se enquadrem como bancários, têm direito à jornada especial de seis horas", observou, mencionando ainda decisões esparsas que deferiram todas as vantagens asseguradas à categoria bancária.

Em seu voto, a relatora afirmou que os Bancos Postais não fazem atividades tipicamente bancárias como compensação de cheques, abertura de contas, aprovação de empréstimos, negociação de créditos ou aplicação dos recursos captados, nem mesmo guarda de valores. "A ECT simplesmente agregou esse serviço às suas inúmeras funções, o que de forma alguma resultou na sua integração ao Sistema Financeiro Nacional", assinalou.

Para a relatora, a atividade bancária compreende coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros e custódia de valores de propriedade de terceiros, "atividades que passam longe das executadas num Banco Postal". Essas circunstâncias, a seu ver, impedem o enquadramento do postalista como bancário, pois suas atividades não exigem o conhecimento técnico e especializado exigido dos bancários, como matemática financeira e contabilidade, administração de recursos de terceiros, prática de investimentos, cartões de crédito, consórcios, seguros, previdência, títulos de capitalização.

"A atividade econômica predominante do empregador prevalece, como regra geral, para averiguação do enquadramento sindical, qual seja, a prestação de serviços postais", afirmou a ministra, observando que esses empregados, além dos trabalhos tidos como bancários, realizam serviços tipicamente postais, inclusive o manejo de valores. "Se nem os trabalhadores de cooperativas de crédito, que executam várias outras atividades bancárias além das realizadas pelos empregados da ECT que atuam no Banco Postal, têm direito à jornada dos bancários, com mais razão se justifica a sua inaplicabilidade aos empregados dos Correios".

Divergência

Ao divergir da relatora, o ministro Augusto César Carvalho argumentou que, no caso em questão, havia preponderância significativa do serviço bancário no trabalho realizado pelo empregado da ECT no Banco Postal: de acordo com o TRT-GO, o percentual era de 70% das atividades. Por isso, defendeu a concessão da jornada especial de seis horas, prevista no artigo 224 da CLT. "O que temos que levar em conta são os fatos, retratados pelo acórdão regional, e essa realidade é que, no caso, há predominância do serviço bancário", justificou, aplicando o princípio da primazia da realidade.

Quanto à alegação de que o empregado do Banco Postal só realizava alguns serviços bancários e não todos, questionou: "Todos os bancários, todos sem exceção, realizam todos os serviços?" O fundamental, segundo ele, era que o trabalho realizado era essencialmente serviço bancário, na maior parte da sua jornada.

Resultado

A tese vencedora da relatora foi seguida pelos ministros Alberto Bresciani, Aloysio Corrêa da Veiga, Emmanoel Pereira, Guilherme Caputo Bastos, Ives Gandra Martins Filho (que presidiu a sessão), João Oreste Dalazen, Maria Cristina Peduzzi, Maria de Assis Calsing, Márcio Eurico Vitral Amaro e Walmir Oliveira da Costa.

Acompanharam a divergência os ministros Alexandre Agra Belmonte, Cláudio Brandão, Delaíde Miranda Arantes, Douglas Alencar Rodrigues, Hugo Carlos Scheuermann, José Roberto Freire Pimenta, Vieira de Mello Filho, Maria Helena Mallmann e Renato de Lacerda Paiva. 

(Lourdes Tavares/CF)


Fonte: TST

JT deve julgar caso de assédio moral a caminhoneiro que depôs em investigação do MPT



A Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho declarou a Justiça do Trabalho competente para julgar ação civil pública que pede a condenação da Rodoroth Transportes Ltda. por dano moral coletivo por praticar assédio moral contra trabalhador que atuou como testemunha em procedimento investigatório do Ministério Público do Trabalho (MPT). Por unanimidade, a Turma proveu recurso do MPT e determinou o retorno do caso à 1ª Vara do Trabalho de Araraquara (SP), para que seja julgado.

O caso que deu origem à ação teve início em dezembro de 2011, quando o MPT realizou, em conjunto com a Polícia Rodoviária de São Paulo, operação na rodovia Washington Luiz a fim de reprimir o excesso de jornada nas estradas. Cerca de 50 caminhões foram parados, e os caminhoneiros foram ouvidos como testemunhas no procedimento investigatório. Um deles, empregado da Rodoroth, afirmou que trabalhava 13 horas sem intervalos, e recebia salários "por fora".

A partir deste depoimento, o MPT firmou com a empresa um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) pelo qual a Rodoroth se comprometia a não exigir horas extras em excesso nem suprimir intervalos, entre outras obrigações. Segundo a ação, porém, cerca de um mês depois da assinatura do TAC, o caminhoneiro procurou o MPT e informou que a empresa passou a assediá-lo, ameaçando-o primeiro de dispensa e mantendo-o, depois, em situação de "ociosidade forçada".

Na ação civil pública, o MPT sustenta que a conduta da empresa constitui, por via reflexa, agressão a seus poderes e atribuições, "mas, primordialmente, ultraje ao próprio trabalhador assediado e a toda a coletividade", pois afeta e abala todo o ambiente de trabalho "vitimando o conjunto de trabalhadores da empresa".

O juízo de primeiro grau considerou que o caso não era da competência da Justiça do Trabalho, e a sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP), sob o entendimento de que a ação não se originou da relação de emprego, mas de defesa das prerrogativas do MPT, e a relação de trabalho seria apenas "cenário" onde transcorreu a situação principal, ou seja, o constrangimento da testemunha. Para o TRT, a situação seria semelhante à de crime contra a administração da Justiça, cuja competência para apreciação e julgamento é da Justiça Federal.

TST

No recurso ao TST, o MPT sustentou que a ação tem clara natureza trabalhista, pois visa proteger a saúde psicológica, e a dignidade dos trabalhadores afetados pela conduta assediante da empresa, "evitando-se, assim, um ambiente de trabalho hostil, intimidatório, degradante e ofensivo para a coletividade por eles formada". Segundo a argumentação, "caso se permita que condutas como essa se repitam e se multipliquem, nenhum trabalhador aceitará ser ouvido como testemunha pelo MPT, pois saberá que, se o fizer, será submetido ao assédio moral e/ou perderá o emprego".

Para a relatora do recurso, desembargadora convocada Jane Granzoto, trata-se, sem dúvida, de ação oriunda da relação de trabalho, estabelecida no artigo 114, inciso I, da Constituição Federal, "a qual não constitui, no caso, um simples ‘cenário', mas é a própria gênese dos direitos e obrigações que justificam a atuação institucional do Ministério Público do Trabalho".

Ao contrário do TRT-Campinas, a desembargadora avaliou que a questão da ameaça às as prerrogativas do MPT é que tem, no caso, "feição nada mais do que periférica ou acessória", não justificando o deslocamento da competência para a Justiça Federal. "A ação não visa primordialmente garantir a livre atuação do MPT no exercício de suas prerrogativas funcionais ou institucionais, mas sim inibir a demandada de submeter a coletividade de seus empregados a novos constrangimentos ou represálias", concluiu.

A decisão foi unânime.

(Mário Correia e Carmem Feijó)


Fonte: TST

Financiamento: antes de 2014, é possível purgar a mora pagando prestação em atraso sem quitar todas as prestações vincendas



A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça tomou decisão relativa à vigência da Lei 13.043 de 2014, que alterou pontos do arrendamento mercantil, modalidade de financiamento também conhecida como leasing, no que diz respeito à purgação da mora, que é uma obrigação que se toma para sanar o atraso de uma obrigação contratual.

Os ministros entenderam que quem possui contrato de arredamento anterior à entrada em vigor da lei não é obrigado a quitar todas as prestações do financiamento que ainda vencerão para reaver bem tomado pela financeira em razão de atraso nas prestações.

A decisão foi tomada no julgamento de um caso de automóvel financiado em 60 prestações. Na 24ª parcela, o comprador deixou de pagar, e, em setembro de 2011 (antes da lei), o Santander Leasing entrou na Justiça com uma ação de reintegração de posse para recuperar de volta o carro. Em um primeiro momento, a Justiça do Paraná, por meio de decisão liminar, determinou que a financeira obtivesse a reintegração do veículo, mas mudou a decisão depois que o devedor comprovou o pagamento, com juros e multa, da parcela em atraso, além do pagamento das custas da ação no Tribunal e dos honorários advocatícios (o que se paga a um advogado em uma ação na Justiça).

A financeira entrou com recurso no STJ alegando que a quitação da dívida só poderia ser reconhecida se todo o financiamento fosse pago. O Satander Leasing usou como base da alegação o artigo 3º, parágrafo 2º, do Decreto- Lei 911/69, que foi alterado pela Lei 10.931/04.



A relatora, ministra Isabel Gallotti, negou o recurso. Segundo ela, o decreto-lei se aplicava apenas aos contratos de alienação fiduciária – outro tipo de financiamento –, e não a contratos de arrendamento mercantil.

“Entendo que a proibição de purgação da mora introduzida Lei 10.931/2004 na regência dos contratos de alienação fiduciária em garantia é regra de direito excepcional e, portanto, não pode ser aplicada por analogia a outras modalidades de contrato, como o arrendamento mercantil, por maiores que sejam as semelhanças entre os institutos”, disse a ministra.A Lei 13.043 determina que, no caso de a financeira pegar de volta um bem por falta de pagamento, esse bem só poderá ser devolvido à pessoa que fez o financiamento se ela pagar não apenas as prestações em atraso, mas também as que vencerão. A ministra lembrou que outra lei, a Lei n. 6.099, que trata de operações de arredamento mercantil, é omissa quando o assunto é a chamada purgação de mora e que a situação só foi regulamentada quando a Lei n. 13.043 entrou em vigor, em 2014. Como o caso julgado aconteceu três anos antes, o pagamento apenas da prestação em atraso teve o efeito de purgar a mora, permitindo a devolução do veículo ao comprador.
Fonte: STJ

O Senado vai permitir a mutilação do novo CPC antes de entrar em vigor







Saibam todos os que lerem este texto que o novo Código de Processo Civil está sendo reformado antes de entrar em vigor. Trata-se do Projeto de Lei da Câmara 168/2015. Sim, no Brasil não se pode fazer previsões e apostas nem sobre o passado. Sempre somos surpreendidos. Mas o pior não é isso. O que ocorre é que, com essa reforma, o Congresso está promovendo, sem se dar conta, uma renúncia de parcela de seu papel constitucional e de sua importância, pois a partir dele os tribunais superiores, sem controle, poderão legislar. O leitor não leu errado, não. Com a reforma que o Senado promove — o relator é o senador Blairo Maggi — o Judiciário legislará. Pior: essa alteração está ocorrendo sob os aplausos efusivos da grande maioria da academia e dos próprios políticos. Explicaremos... 

Ao longo dos últimos anos, os autores do presente ensaio vêm apontando os riscos de um sistema que adote o protagonismo do Judiciário e no qual tal ingerência máxima, especialmente dos tribunais superiores, cria uma competência (quase) legislativa dos mesmos em face da adoção de decisões que amoldam o direito em conformidade com seus entendimentos discricionários e incontroláveis. Basta lembrar as críticas que fizemos àcommonlização do novo CPC.[1]

Isto certamente veio se agravando com o aumento exponencial da importância do direito jurisprudencial em nosso país e com seu uso irrefletido como fundamento de boa parcela das postulações e decisões, muitas vezes ao largo do que diz a lei e a doutrina. Isto é: no Brasil, a lei não é o que o legislador diz que é; no Brasil, a lei e o Direito são o que o Judiciário diz que é. E o projeto 168/2015 confirma essas tenebrosas previsões e denúncias.

Não foi por outro motivo que se buscou ao longo da tramitação do Novo Código de Processo Civil criar um novo modelo normativo, altamente dialógico, de formação e aplicação de precedentes que permitiria amplo debate na construção da decisão e possibilidades técnicas de distinção entre casos e de superação de entendimentos equivocados.

Busca-se um sistema — pelo menos é o que foi aprovado (e que agora querem alterar) — no qual os tribunais levem a sério suas próprias decisões, mas sem que, para tanto, se crie um fechamento argumentativo e se impeça a aplicação do direito como num jogo de encaixes (tipo brinquedo “lego”) onde se busca uma ementa (trecho de julgado colhido “self service” ou enunciado de súmula) e o acopla a um novo caso em conformidade com o viés de confirmação (confirmation bias) do aplicador.

Na lei já aprovada (o novo CPC), o fato do juízo de admissibilidade dos recursos extraordinários ter sido transferido para o tribunais superiores auxiliava que ele fosse acessível para rever seus posicionamentos, uma vez que somente o próprio tribunal que forma um precedente pode revê-lo (overrule). Tirava-se a intermediação, demorada e contraproducente — dos tribunais de segundo grau.

Ora, o sistema do CPC-2015 foi debatido à exaustão durante anos no Congresso Nacional e cada dispositivo buscava promover um modelo de aprimoramento do direito e de exercício constitucional da função jurisdicional.

Com sua sanção em março deste ano era natural que surgissem vozes tentando manter as coisas como se encontram, mas foi com grande espanto que se percebeu, em um projeto de lei com tramitação relâmpago e sem qualquer debate (à socapa e à sorrelfa, portanto), em vias de ser aprovado no Senado Federal, promover-se-á uma mudança no CPC mediante a qual oCongresso Nacional renunciará parcela de seus poderes, além de chancelar um modelo no qual os Tribunais Superiores “dirão o direito” como se legisladores fossem. E qual é o ponto fulcral? O ponto é que as decisões dos tribunais — nesse modelo que está sendo “reformado” pelo Senado — alcançará um nível de fechamento e vinculatividade nunca dantes visto na República, transferindo a legitimidade da feitura da legislação para o Judiciário. Nem no common law nunca foi assim. Daí o apelo ao Senado: por favor, parem com isso. Reflitam! Se não for amor ao Direito e à Justiça, façam para preservar suas (do Senado) próprias prerrogativas.

Para sermos mais simples: O Projeto de Lei da Câmara 168 (PLC 168)[2] além de fazer retornar o juízo de admissibilidade dos recursos extraordinários para os tribunais de origem (TJs e TRFs) e tornar a ordem cronológica de julgamentos preferencial, promoverá mudanças profundas no CPC-2015 que viabilizarão aos tribunais superiores um poder incomensurável e quase incontrolável.

Para se ter uma ideia: Com o retorno do juízo de admissibilidade para os TJs e TRFs, o PLC em seu novo artigo 1.030 determina que o órgão competente (na origem), quando da análise dos recursos extraordinários e especiais, impeça que as temáticas já julgadas pelos tribunais superiores voltem aos mesmos (aos tribunais superiores) para o julgamento do mesmo tema.

E o Senado não sabe o que está fazendo. Basta conferir a exposição de motivos do senador e relator Blairo Maggi ao artigo 1.030 que se perceberá que ele crê só estar mudando o juízo de admissibilidade.[3] O senado(r) não sabe que não sabe… Por isso estamos avisando!!!!

Onde está a indevida vinculação? E onde está o poder de legislar dos tribunais superiores? Simples, porque o projeto atribui deveres ao presidente e vice-presidente do tribunal de Justiça (por exemplo) de impedir que estes recursos subam ao STJ e STF se a decisão impugnada estiver em conformidade com decisão padrão proferida pelos referidos tribunais superiores pelo sistema repetitivo (artigos 1.036 a 1.041), pelo fato destas serem precedentes normativos (artigo 927) e, caso estejam em dissonância com o padrão decisório, será determinado que o órgão colegiado se retrate para se adaptar ao “precedente”.

E para piorar, contra tal decisão somente caberá um agravo interno para o próprio tribunal de Justiça, de modo que não haverá mais acesso ao STJ e STF para que o mesmo modifique seus entendimentos.[4] Entenderam, senhores senadores?

Parece que a ideia do projeto repete o estilo “organizações tabajara” — “seus problemas acabaram”: se eu, tribunal superior, julguei um caso repetitivo, você, patuleu, não me venha mais com churumelas (ou coisas desimportantes); simplesmente aplique mecanicamente meu entendimento celestial e, perceba, nem existirá mais recurso que consiga me fazer mudar de entendimento. Uma vez dito, acabou! Aqui, de novo, apelamos aos senadores e senadoras: se não for por amor ao direito e à Justiça, apelamos para o seu senso de sobrevivência: afinal, sua causa poderá ser uma das vítimas no futuro (quem dos senadores não tem um litigiosinho por aí?).

Ou seja, a partir da lei, uma vez que o STF ou STJ tenham julgado uma temática repetitiva, do modo que entenderem, não mais conseguiremos chegar aos tribunais superiores, salvo numa situação sui generis[5] do tribunal de origem se negar ao exercício do juízo de retratação por julgar contra um precedente.

Ademais, caso o PLC seja aprovado, o STF e STJ, quando estiverem julgando casos repetitivos, poderão suspender a tramitação de todos os processos da federação que tratarem do mesmo tema por tempo indeterminado, eis que se revogam todos os dispositivos que estabeleciam um marco temporal máximo para a suspensão dos processos (com a revogação dos artigos 1.035, parágrafo 10 e 1.037, parágrafos 3º a 5º). Em suma, eles suspendem todos os processos idênticos até quando eles decidirem julgá-los em conformidade com sua escolha decisionista.

Mas o que mais causa perplexidade é que o Parlamento, que vem percebendo na carne os riscos de uma juristocracia dos tribunais superiores, está chancelando esta reforma que macula os principais ganhos democráticos que o Novo Código de Processo civil traz consigo e viabiliza um papel legislativo incontrolável dos tribunais superiores.

E a coisa não para por aí na fúria reformista. A tesoura do PLC quer mais: a) a redução drástica das hipóteses de reclamação (com nova redação do artigo 988, parágrafo 5º); b) a possibilidade de ampliação federativa da suspensão dos processos idênticos, pelos tribunais superiores, sem prazo para o seu término no incidente de resolução de demandas repetitivas (artigo 1.029, parágrafo 4º) até o julgamento dos recursos extraordinários e sem garantia de que os referidos recursos sejam admitidos pela supressão da presunção legal de repercussão geral (revogação do artigo 1.035, parágrafo 3º, II); a retirada do dever de fundamentação analítica para a distinção em casos de dissídio jurisprudencial e embargos de divergência (artigo 1.029, parágrafo 2º; artigo 1.043, parágrafo 5º) e para que se apontem e enfrentem os fundamentos contrários (nova redação do artigo 1.038, parágrafo 3º); d) a retirada do dever de congruência entre o que foi afetado no recurso extraordinário e julgado (revogação do artigo 1.037, parágrafo 2º)[6] com mitigação da garantia de não surpresa (artigo 10); e) redução sensível das hipóteses de cabimento dos embargos de divergência (com revogação dos incisos II e IV do artigo 1.043), entre outras.

Em face do evidente retrocesso que o PLC 168[7] trará e da ausência quase completa de percepção e debate por parte da comunidade jurídica somente nos resta conclamar os senadores e senadoras — e a comunidade jurídica em geral — a pedir que o Projeto de Lei da Câmara 168/2015 seja revisto integralmente ou ao menos a revogação, em seu texto, dos incisos I a IV, alínea “c” do VI, e §2º do novo artigo 1.030[8], assim como a supressão das revogações de seu artigo 4º,[9] que maculam de morte grandes ganhos do Novo CPC, sob pena de se criar um sistema obtuso de padronização decisória no qual o Parlamento e toda a sociedade se verão reféns dos entendimentos e decisionismos dos tribunais superiores.

Sim, é um texto duro. Debatemos por anos o novo CPC. Chegamos a um texto que, se não é o melhor, trazia esperança de que a força da doutrina e a necessidade da fundamentação pudessem apontar para novos horizontes na aplicação do direito. Mas, não adianta. É duro ser brasileiro. O establishmentsempre consegue dar a volta. Não gostaram do resultado e, em vez de buscar o diálogo, atropelam o Parlamento que, sem se dar conta, enrolado em suas contradições em tempos de crise, aprova até mesmo uma legislação que representa um retrocesso, um tiro no pé na democracia.

Ainda há tempo de o Senado ajustar as contas consigo mesmo e não aprovar a reforma de um Código que nem sequer foi colocado à prova. Deixemos que a comunidade jurídica responda, senhores e senhoras Senadores. Não se substituam ao povo. Os senhores e senhoras o representam. Ou não?


[1] STRECK, Lenio. Novo CPC decreta a morte da lei. Viva o common law!





[3] “Esse dispositivo precisa ser modificado, a fim de reavivar o juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário. Afinal de contas, essa triagem desempenhada atualmente pelos tribunais locais e regionais conseguem poupar o STF e o STJ de uma quantidade vertiginosa de recursos manifestamente descabidos. Suprimir esse juízo de admissibilidade, como pretende o texto atual do novo CPC, é entulhar as Cortes Superiores com milhares de milhares de recursos manifestamente descabidos, fato que deporá contra a celeridade que se requer dessas instâncias extraordinários no novo cenário de valorização da jurisprudência desenhado pelo novo Código” Acessível na integralidade aqui:http://legis.senado.leg.br/mateweb/arquivos/mate-pdf/183392.pdf


[4] Como explicado em outra sede: “Como se sabe, em quaisquer sistemas que adotam precedentes normativos, todos os órgãos jurisdicionais podem distinguir (distinguish) casos, mas somente o próprio juízo prolator da decisão é quem possuirá competência para promover sua superação (overrule). No sistema ora posto no CPC-2015, com a admissibilidade dos recursos extraordinários concentrada nos tribunais superiores, as partes sempre teriam possibilidade de chegar ao órgão prolator do precedente normativo (art. 927) uma vez que inexistiria filtragem prévia na origem, viabilizando-se, sem embaraços, que o tribunal superior revisse seus entendimentos e mantivesse a grande virtude do sistema de precedentes: a de se impor a possibilidade de revisão e reinterpretação dos fundamentos determinantes dos casos, mantendo a possibilidade constante de aprimoramento do direito. Ocorre que o PLC, como propagado aos quatro ventos, manteve o sistema ora em vigor (do CPC-1973 reformado) no qual o juízo de admissibilidade ocorrerá na origem. Esta escolha não traria grandes embaraços se fosse assegurado acesso técnico aos tribunais superiores para viabilizar a mudança (superação) de seus entendimentos, pois os mesmos não pode(ria)m petrificar seus entendimentos, sob pena de uma falsa e equivocada crença de que caberia a tais órgãos dar a última e definitiva palavra sobre o direito. E se perceba que nem no período mais forte de adoção de precedentes vinculantes na Inglaterra (1898 a 1966) se adotou tal fechamento argumentativo. A intenção de criar uma fórmula metodológica mágica de resolução de demandas repetitivas pode, com o PLC, delinear um modelo brutal de piora do direito. Ocorre que além de estabelecer o juízo de admissibilidade na origem, o PLC estabelece como dever do presidente ou vice-presidente na origem, nos transcritos (nota 2) incisos I, II e III do art. 1.029, de negar seguimento a recurso que contrarie precedente normativo ou determinar que o órgão julgador se retrate, se o acórdão recorrido divergir de precedente, sendo que nas duas primeiras hipóteses caberá um agravo interno para o próprio tribunal de origem (art. 1.029, §2º) para órgão a ser indicado pelo regimento interno (potencialmente suas cortes especiais). Da decisão caberá reclamação (art. 988, §5º, II) somente para garantir a observância do precedente. Ou seja, a discussão não chegará mais ao tribunal superior para sua reanálise, mas tão só para manter suaincolumidade petrificadora. NUNES, Dierle. Proposta de reforma do novo Código de Processo Civil apresenta riscos. http://www.conjur.com.br/2015-nov-26/dierle-nunes-proposta-reforma-cpc-apresenta-riscos


[5] E somente na hipótese III, quando o colegiado se negar a retratar, é que o recurso admissível terá acesso ao tribunal superior. Em síntese, a superação de entendimentos sofrerá um duro golpe caso o referido projeto se mantenha nesta parte uma vez que se dificultará sobremaneira que recurso que ataque precedente normativo chegue aos tribunais superiores. Sem olvidar que na busca deste fechamento argumentativo esta reforma pode induzir um comportamento insurgente dos TJs e TRFs que se verão constritos a não seguir precedentes normativos superiores, e negar a retratação do inc. III, para viabilizar que a discussão chegue aos Tribunais Superiores para uma potencial reanálise e aprimoramento, eis que agora, com a reforma, o CPC-2015 não preverá mais técnicas de acesso ao STJ e STF. NUNES, Dierle. Proposta de reforma do novo Código de Processo Civil apresenta riscos. http://www.conjur.com.br/2015-nov-26/dierle-nunes-proposta-reforma-cpc-apresenta-riscos


[6] Defendido aqui: NUNES, Dierle; HORTA, André Frederico. A doutrina do precedente judicial - fatos operativos, argumentos de princípio e novo Código de Processo Civil. In:. PRODIREITO: Direito Processual Civil: Programa de Atualização em Direito: Ciclo 1. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2015. p. 9-58. E chancelado no Enunciado 522 aprovado no Fórum Permanente de Processualistas Civis: “(art. 489, inc. I; arts. 931 e 933): O relatório nos julgamentos colegiados tem função preparatória e deverá indicar as questões de fato e de direito relevantes para o julgamento e já submetidas ao contraditório. (Grupo: Precedentes, IRDR, Recursos Repetitivos e Assunção de competência)”


[7] Já aprovado na Câmara dos Deputados e na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal.


[8] “Art.1.030. […] I — negar seguimento a recurso extraordinário que trate de controvérsia a que o Supremo Tribunal Federal tenha negado a repercussão geral; II — negar seguimento a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão em conformidade com o precedente de repercussão geral ou de recurso especial em questão repetitiva; III — encaminhar o processo ao órgão julgador para juízo de retratação, se o acórdão recorrido divergir de precedente de repercussão geral ou de recurso especial em questão repetitiva; IV — sobrestar o recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida por tribunal superior; […] § 1o Das decisões de inadmissibilidade proferidas com fundamento no inciso VI caberá agravo ao tribunal superior, nos termos do art. 1.042. §2o Das decisões proferidas com fundamento nos incisos I, II e IV caberá agravo interno, nos termos do art. 1.021.” (NR)


[9] Art. 4º. Ficam revogados o art.945; o §2º do art.1.029; o inciso II do §3º e o § 10 do art. 1.035; os §§ 2° e 5º do art. 1.037; os incisos I, II e III do caput e o § 1°, incisos I e II, alíneas a e b, do art. 1.042; e os incisos II e IV do caput e o § 5º do art. 1.043 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015.



Lenio Luiz Streck é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck, Trindade e Rosenfield Advogados Associados:www.streckadvogados.com.br.

Dierle Nunes é advogado, doutor em Direito Processual, professor adjunto na PUC Minas e na UFMG e sócio do escritório Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia (CRON Advocacia). Membro da Comissão de Juristas que assessorou na elaboração do Novo Código de Processo Civil na Câmara dos Deputados.



Revista Consultor Jurídico, 1 de dezembro de 2015, 7h58

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...