quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

STF rejeita queixa-crime de Lula contra o senador Ronaldo Caixado






Ao dizer, no Facebook, que o ex-presidente Lula tem “postura de bandido, bandido frouxo”, o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) estava protegido pela imunidade parlamentar a suas opiniões e manifestações, como manda o artigo 53 da Constituição Federal. Foi o que decidiu nesta terça-feira (1º/12) a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal. A decisão foi por três votos a um, vencido o ministro Marco Aurélio.

Lula ajuizou duas queixas-crime contra Caiado por causa de declarações feitas pelo senador no Facebook. Na primeira, Caiado diz: “Lula tem postura de bandido. E bandido frouxo! Igual à época que instigava metalúrgicos a protestar e ia dormir na sala do delegado Tuma. Lula e sua turma foram pegos roubando a Petrobras e agora ameaça com a tropa MST do Stédile e do Rainha para promover a baderna”.

Na segunda, o senador afirma que, “temendo ser preso pelos malfeitos que cometeu — disso ninguém mais duvida — Lula apresenta Habeas Corpus”.

O ex-presidente Lula é representado pelo advogado Cristiano Zanin Martins, para quem as declarações de Caiado extrapolaram a imunidade parlamentar. “A imunidade parlamentar não confere carta branca ao parlamentar para que ele possa desancar a honra e a imagem de terceiros”, disse, em sustentação oral.

Entretanto, o relator, ministro Luiz Edson Fachin, discordou. “No caso concreto, embora reprovável e lamentável o nível rasteiro com o qual as críticas à suposta conduta de um ex-presidente da República foram feitas pelo querelado, entendo que o teor das declarações, depuradas dos assaques, guardam pertinência com sua atividade parlamentar”, escreveu em seus votos.

O único a concordar com Lula foi o ministro Marco Aurélio. “Tempos de abandono de princípios, de perda de parâmetros, de inversão de valores. Cabe perguntar: aonde vamos parar? Num jargão carioca, digo que o cidadão querelado [Ronaldo Caiado] pegou pesado”, afirmou o ministro.

“Não tenho a menor dúvida de que pode haver a imunidade em se tratando de opiniões, de palavras lançadas fora da Casa Parlamentar. Mas, indaga-se, há algum nexo com o exercício do mandato no que se lançou o senador? Para mim, a resposta é desenganadamente negativa.”

Clique aqui e aqui para ler os votos do ministro Luiz Edson Fachin.

Inq 4.088 e 4.097

Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.



Revista Consultor Jurídico, 1 de dezembro de 2015, 19h00

Lei de Acesso à Informação no Judiciário é regulamentada





O texto que regulamenta a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) em todos os órgãos do Judiciário brasileiro foi aprovado pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça por maioria de votos nesta terça-feira (1º/12), durante a 222ª Sessão Ordinária. Os tribunais e conselhos terão 120 dias, a partir da publicação da resolução, para colocar as novas normas em vigor.

A votação do tema foi retomada depois de cinco meses, com a apresentação do voto-vista do conselheiro Bruno Ronchetti, que sucedeu a conselheira Deborah Ciocci, responsável pela suspensão da análise em junho de 2015. Ronchetti se manifestou favorável ao voto do então relator, Gilberto Valente, propondo algumas alterações ao texto.

As proposituras foram acolhidas pelo atual relator, conselheiro Arnaldo Hossepian, sucessor de Valente. A resolução tem efeitos sobre dados, processados ou não, que podem ser usados para produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato.

“Com essa aprovação, demos um grande passo na garantia da transparência e da publicidade da gestão pública”, comemorou o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski.

Longa discussão
O debate sobre como seria a inserção do Judiciário nos parâmetros estabelecidos pela Lei de Acesso à Informação se estendeu por três anos. Uma das maiores preocupações dos integrantes da Justiça brasileira era o acesso indiscriminado às informações sob análise das cortes. Devido a isso, comissões foram instituídas para tratar do tema.

No Supremo Tribunal Federal, o grupo foi formado pelo presidente da corte, Ricardo Lewandowski, o ministro Marco Aurélio e o ministro aposentado Joaquim Barbosa. No Superior Tribunal de Justiça, um comitê gestor formado pelo diretor-geral e secretários deliberou sobre o tema.

Em maio de 2012, uma comissão geral, composta de representantes dos tribunais superiores e de conselhos superiores de Justiça, foi anunciada para apresentar suas conclusões. À época, o tema principal era a criação de parâmetros gerais para classificação de documentos.

Transparência ativa e passiva
Com a legislação formalizada, as informações de interesse geral que são produzidas pelos órgãos do Poder Judiciário ou estão sob custódia dessas instituições devem ser prestadas por meio de sites dos tribunais e conselhos.

As páginas na internet deverão conter um campo chamado “Transparência”, onde devem ser alojados dados sobre a programação e execução orçamentária; tabela de lotação de pessoal de todas as unidades; estruturas remuneratórias; remuneração e proventos recebidos por todos os membros e servidores ativos, inativos, pensionistas e colaboradores do órgão; e relação de membros e servidores afastados para exercício de funções em outros órgãos da administração pública.

Em casos envolvendo informações parcialmente sigilosas ou pessoais, é assegurado o acesso à parte não sigilosa, que deve ser fornecida por meio de cópia com ocultação da parte sob sigilo. Quando a ocultação não for possível, o documento solicitado deverá ser fornecido mediante certidão ou extrato.

A medida busca garantir que o contexto da informação original não seja alterado devido à parcialidade do sigilo. A negativa de acesso às informações solicitadas, quando não houver fundamentação da decisão, fará com que o responsável pela resposta esteja sujeito a medidas disciplinares. Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.


Revista Consultor Jurídico, 1 de dezembro de 2015, 21h36

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Advogado tem de saber a hora de se calar no tribunal do júri






Diante de uma disputa fácil, o ser humano sente um desejo irresistível de “arrasar” o adversário, de ganhar de 7 a 1 e tornar aquela humilhação memorável. Advogados e promotores não estão imunes a essa fraqueza. Mas devem aprender a vencê-la, especialmente no tribunal do júri, onde as palavras mais sábias, em alguns momentos, são “sem perguntas, meritíssimo”.

A sabedoria, muitas vezes, está em saber se calar, em vez de falar demais na ânsia de buscar a glória. É o que diz o advogado e professor de Direito Elliott Wilcox, editor do TrialTheather. Isso fica evidente na inquirição de testemunhas, seja direta ou indireta, quando o caso já está praticamente resolvido, mas o advogado quer desfrutar ao máximo um sucesso inesperado.

Ele dá o exemplo de um caso, que já soa como folclórico, de um advogado que defendia um suposto traficante de heroína, em que o fator mais favorável à defesa era a inexperiência do promotor, com menos de seis meses de carreira.

A promotoria alegou, no processo, que Desmond Llewellyn Witherspoon fazia parte de uma “conspiração” para vender 500 gramas de heroína. A defesa pretendia sustentar que a participação dele na tal “conspiração” era muito pequena. Ele teria falado apenas com uma pessoa, que era um “informante confidencial” — o informante que estava, então, no banco das testemunhas.

Durante a inquirição direta de sua única testemunha, o promotor pergunta: “Desmond Llewellyn Witherspoon estava presente nas negociações?” Para a surpresa de todos, a testemunha responde: “Acho que não”. Abalado com a resposta, o inexperiente promotor esboça um “sem mais perguntas” e se senta.

A palavra é passada para o advogado. Com um pouco mais de sabedoria, o advogado teria dito “sem perguntas, meritíssimo”. E o produto do julgamento teria sido melhor do que a encomenda. Mas o advogado não se contentou em ganhar por 1 a 0. Levantou-se e encarou solenemente à testemunha:

“Você disse ao promotor que você não acha que Desmond Llewellyn Witherspoon estava presente nas negociações...”.

“Correto. Eu não acho que ele estava”, respondeu a testemunha.

“E Desmond Llewellyn Witherspoon não armou as negociações para vender 500 gramas de heroína... ou armou?, perguntou o advogado.

“Eu acho que não”, respondeu mais uma vez a testemunha.

“Você fica repetindo que acha que não. Mas você poderia esclarecer para todos nós... [e apontando para seu cliente] se o homem sentado naquela mesa tem alguma coisa a ver com as negociações para a venda de heroína?”, perguntou o advogado em alto tom.

Resposta: “Oh, ele? Pookie? Sim, Pookie foi o cara que armou toda a negociação. Ele me chamou, negociou os preços, falou sobre a qualidade da heroína, me disse que podia me assegurar uma quantidade ilimitada da droga, porque ele matou uns concorrentes na Colômbia e tinha em sua folha de pagamentos vários agentes de fronteira”.

E continuou: “Pelo que entendi, ele tem uma grande região sob seu controle e poderia trazer tanta heroína quanto eu quisesse. Sim, Pookie é o chefão de toda a organização. Mas aquele nome que vocês mencionaram, Desmond... Witherspoon, eu nunca ouvi. Ele nunca me disse seu nome verdadeiro. Todo mundo o chama de Pookie”.

Casos como esse ocorrem com maior frequência na inquirição cruzada, depois que a testemunha da acusação já tenha declarado algo que favoreceu a defesa, diz Wilcox. Ele imaginou a seguinte situação, depois que a testemunha já dissera ao promotor que “não ouviu nada”.

Em vez de se calar, o advogado se levanta, se dirige solenemente à testemunha, e pergunta:

“Então, você não ouviu nada”.

“Nada”, diz a testemunha.

“Você tem certeza disso”, pergunta o advogado.

“Sim”, responde a testemunha.

“Então, você tem certeza de que não ouviu nada, nada mesmo, de forma alguma”, pergunta o advogado, esfregando as mãos em regozijo.

“Nada... a não ser por uma vez que... [Wilcox pede aos leitores para imaginar o tamanho do desastre que se sucedeu].

Se for para inquirir a testemunha da acusação, depois que ela já “entregou” o caso de mão beijada à defesa, pelo menos faça perguntas diferentes, que não envolvam o risco de a testemunha desmentir o que já afirmou ou que lhe dê uma oportunidade de explicar os fatos de uma maneira desfavorável, aconselha Wilcox.



João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.



Revista Consultor Jurídico, 30 de novembro de 2015, 10h19

Novo Código de Processo Civil quebra paradigma das "condições da ação"







O presente artigo busca, de maneira sintética, esclarecer as principais alterações acarretadas pelo novo Código de Processo Civil no que tange às condições da ação.

Para tanto, estabeleceremos o conceito, natureza jurídica e espécies de condições da ação, quais sejam: a legitimidade de parte, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido.

Devidamente conceituadas as condições da ação, passaremos a analisar como se inseriam na sistemática do Código de Processo Civil de 1973. Explicaremos a Teoria Eclética da Ação, bem como as duas principais correntes que se formaram ante a problemática surgida em relação a seus efeitos práticos — a Teoria da Apresentação e a da Asserção.

Por fim, discorreremos acerca do tratamento dado à matéria pelo novo Código de Processo Civil e do encerramento da celeuma doutrinária encabeçada pelas duas teorias supracitadas.

Condições da ação: conceito, natureza jurídica e espécies
Condições da ação são requisitos processuais essenciais para o regular trâmite processual e eventual julgamento do mérito. Em caso de ausência de qualquer uma das condições da ação, teremos a carência da ação, causa de extinção do processo sem julgamento de mérito (art. 267, VI, CPC/73). Note-se, contudo, que tal regra foi e vem sendo mitigada pela teoria da asserção, a qual analisaremos mais à frente.

A Teoria Geral do Processo costuma compreender as condições da ação como uma categoria fundamental do processo moderno, localizada entre os pressupostos processuais e o mérito da causa.

Entendemos, no que tange o processo civil, condições da ação como um feixe composto por três institutos, quais sejam: legitimidade ad causam, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido.

Legitimidade ad causam nada mais é do a pertinência subjetiva da ação, ou seja, qualidade expressa em lei que autoriza o sujeito (autor) a invocar a tutela jurisdicional. Nessa lógica, será réu aquele contra qual o autor pretender algo.

Para a compreensão do interesse de agir (artigo 3° CPC/73), devemos cingir o conceito em três acepções:

a) Necessidade: traduz-se na idéia de que somente o processo é o meio hábil à obtenção do bem da vida almejado pela parte;

b) Utilidade: significa que o processo deve propiciar, ao menos em tese, algum proveito ao demandante;

c) Adequação: por ele, entende-se que a parte deve escolher a via processual adequada aos fins que almeja.

Significativa parte da doutrina critica esta última acepção do interesse de agir, vez que, nas palavras de Fredie Didier Jr.[1]:

“O procedimento é a espinha dorsal da relação jurídica processual. O processo, em seu aspecto formal, é procedimento. O exame da adequação do procedimento é um exame de sua validade. Nada diz respeito ao exercício do direito de ação.

“Não há erro na escolha do procedimento que não possa ser corrigido, por mais discrepantes que sejam o procedimento indevidamente escolhido e aquele que se reputa correto. Um exemplo talvez sirva para expor o problema: se o caso não é de mandado de segurança, pode o magistrado determinar a emenda da petição inicial, para que o autor providencie a adequação do instrumento da demanda ao procedimento correto. Não existisse o inciso V do art. 295, que expressamente determina uma postura do magistrado no sentido aqui apontado, sobraria a regra da instrumentalidade das formas, prevista nos arts. 244 e 250 do CPC, que impõe o aproveitamento dos atos processuais, quando houver erro de forma.”

Nessa toada, podemos conceituar interesse de agir como o binômio necessidade/utilidade.

A possibilidade jurídica do pedido, por fim, terceiro e último instituto da classificação clássica das condições da ação, consubstancia a aptidão — implícita ou explícita — no ordenamento jurídico, de que a demanda do autor possui para ser julgada procedente.

Ilustremos com exemplo doutrinário pedestre, mas didático: carece de possibilidade jurídica do pedido aquele que busca ajuizar ação de divórcio em país que expressamente o veda em seu ordenamento legal.

Teoria Eclética da Ação e suas controvérsias
Inicialmente, devemos deixar claro que as condições da ação, embora expressamente previstas no Código de Processo Civil de 1973, nunca foram matéria doutrinariamente pacífica ou unânime.

As condições da ação são fruto de uma teoria encabeçada por Liebman que informa todo o CPC de 1973: a Teoria Eclética da Ação.

Considera citada teoria que, para o exercício regular do direito de ação, imprescindível o preenchimento de certos requisitos (legitimidade ad causam, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido), que formariam a categoria denominada “condições da ação”. Não preenchidas estas condições, estaríamos diante da carência da ação.

Ocorre que, na realidade processual, o magistrado não realiza um juízo específico de análise das condições da ação, e sim um juízo de admissibilidade e um juízo de mérito.

Nessa toada, verifica-se que as condições da ação não são analisadas autonomamente, recaindo, portanto em um desses dois juízos. Dessa forma, tem-se que as condições da ação ou seriam questões de admissibilidade ou questões de mérito.

Diante desse problema, duas correntes se formaram.

A primeira é a Teoria da Apresentação, capitaneada por Cândido Rangel Dinamarco. Sustenta, na linha do disposto no §3°, artigo 267, CPC, que “o juiz conhecerá a qualquer tempo ou grau de jurisdição, enquanto não proferida sentença de mérito, as matérias constantes nos incisos VI (...)”. O inciso VI, por sua vez, trata justamente da extinção do processo sem resolução de mérito por ausência de “possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual”.

A segunda corrente consubstancia-se na adoção da chamada Teoria da Asserção.

Tal teoria cinge o momento e os efeitos do reconhecimento de ausência de qualquer das condições da ação.

Primeiramente, o magistrado verificará, abstratamente, a presença das condições da ação na fase postulatória. Caso averigue a ausência de qualquer uma delas, extinguirá o feito sem resolução de mérito, nos termos do artigo 267, VI, CPC.

Se, contudo, a ausência de uma das condições da ação for averiguada após o início da fase instrutória, extinguirá o feito com resolução do mérito, julgando improcedente o pedido.

Os efeitos de tais decisões, como podemos imaginar, são absolutamente distintos. No primeiro caso teremos carência da ação, permitindo-se sua repropositura, não sendo apta, tal decisão, a gerar coisa julgada. O exato oposto ocorre no segundo caso. Estaremos diante sentença que resolve o mérito, apta, portanto, à coisa julgada. Do mesmo modo, incabível a repropositura da ação, devendo o autor irresignado perseguir a procedência de sua demanda pelas vias recursais.

De fato, parece-nos correta a aplicação da Teoria da Asserção, inclusive por privilegiar os princípios da efetividade e da celeridade.

Verifica-se, contudo, que com o surgimento do novo Código de Processo Civil, tal teoria perdeu a razão de ser.

O Código de Processo Civil de 2015 e as condições da ação
O Código de Processo Civil de 2015 extinguiu, como categoria, as condições da ação. Note-se: o instituto foi extinto, mas seus elementos permaneceram intactos, tendo sofrido, contudo, um deslocamento.

Tomando-se o fato de que o magistrado realiza dois juízos (de admissibilidade e mérito), o novo CPC buscou separar os elementos integrantes das condições da ação alocando-os em pressupostos processuais (relativos ao juízo de admissibilidade da ação) e como questão de mérito.

Nos informa o artigo 17 do CPC 2015: “Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade”. Temos, portanto, que o interesse de agir e a legitimidade ad causam passaram a ser tratados como pressupostos processuais.

Dessa forma, verificando o juiz, ao receber a inicial, que se encontram ausentes interesse de agir ou legimidade ad causam, indeferirá a petição inicial. Nesse sentido:

Art. 330. A petição inicial será indeferida quando:

(..)

II - a parte for manifestamente ilegítima;

III - o autor carecer de interesse processual;

Caso for verifique-se a ausência de um desses pressupostos após a fase postulatória, será declarada a carência da ação. Afirma o art. 485. CPC 2015:

Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:

(...)

VI - verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;

A possibilidade jurídica do pedido, por sua vez, passou a ser considerada questão de mérito. Nada mais coerente. De fato, quando a parte apresenta demanda de manifesta impossibilidade jurídica, por certo não se trataria de carência da ação, mas sim de uma verdadeira improcedência do pedido, resolvendo-se, assim, o mérito.

Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:

I - acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção;

Concluímos, assim, louvando o tratamento dado pelo novo Código de Processo Civil à legitimidade de parte, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido. Pôs-se um fim a um debate doutrinário de mais de quarenta anos e quebrou-se o paradigma das “condições da ação” que, muitas vezes, era alçada a um status ontológico. 

Referências
- DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. vol. I, ed. 11. Ed. Juspodivm.

- GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 29. ed. São Paulo: Malheiros Ed.



[1] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. vol. I, ed. 11. Ed. Juspodivm. Salvador: 2009, p. 199.


Otávio Bueno da Fonseca Filho é advogado em São Paulo.



Revista Consultor Jurídico, 30 de novembro de 2015, 9h45

Lei 13.151/15 estabelece novo regime jurídico paras as Fundações (Parte 2)





É com grande satisfação que se volta a falar para os leitores dessa respeitável coluna Direito Civil Atual, mantida pela Rede de Pesquisa em Direito Civil Contemporâneo.

Como prometido na coluna anterior, retorna-se para tratar das novas regras sobre a atribuição legal do Ministério Público para fiscalização ou velamento das fundações, introduzidas pela Lei federal nº. 13.151, de 28 de julho de 2015, por meio da alteração dos artigos 66, parágrafo 1º, e 69, III, do Código Civil.

Há, assim, duas alterações a serem analisadas: a) a do parágrafo 1º do artigo 66, que retira do Ministério Público Federal a atribuição para fiscalizar as fundações sediadas no Distrito Federal e Territórios, conferindo-a ao Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios; e b) a do inciso III do artigo 67, por meio do qual se fixa um prazo de 45 (quarenta e cinco) dias para que Ministério Público aprecie uma alteração estatutária que lhe seja submetida.

Como se sabe, no Brasil, é de grande relevância a missão conferida ao Ministério Público consistente na atividade de velamento das fundações, incidido sobre todos os momentos de sua existência, inclusive sobre aquele que antecede a sua própria criação [[1]]. A principal razão de ser dessa proteção está na sua própria natureza, ou seja, a fundação é, em essência, uma dotação patrimonial realizada em benefício de uma determinada coletividade ou da própria sociedade [[2]]. As fundações, todas elas, porque manipulam patrimônio destinado ao serviço de terceiros, sujeitam-se ao controle estatal para a proteção dos interesses e direitos dos beneficiários [[3]].

Ocorre que a estrutura do Ministério Público brasileiro, assim como a do Poder Judiciário, é federativa. Com efeito, de acordo com o artigo 128, da Constituição Federal de 1988, há o Ministério Público da União e dos Estados. Entre aqueles primeiros, há o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios. Tanto esses últimos, quanto o Ministério Público Estadual, detêm potencial atribuição de velamento das fundações. Consequentemente, tal atribuição deve ser repartida, em consonância com o modelo constitucional vigente.

Na vigência da primeira codificação brasileira, caso a fundação estivesse situada em apenas um Estado ou no Distrito Federal, ela seria velada pelo órgão do Ministério Público local, ou seja, pelo Promotor de Justiça, Curador de Fundações (caput e parágrafo 1º do artigo 26, do Código civil de 1916). Contudo, caso a fundação estendesse a sua atividade a mais de um Estado ou ao Distrito Federal, ou, se situada no Distrito Federal, ampliasse a sua atuação para outros Estados da Federação, caberia a cada um dos respectivos Ministérios Públicos esse encargo ( parágrafo2º do citado artigo 26). Havia, assim, uma repartição legitima das atribuições [[4]].

O Código Civil de 2002, todavia, por meio do parágrafo 1º do artigo 66, alterou a sistemática do código anterior, ao conferir a atribuição da fiscalização das fundações instituídas no Distrito Federal e Territórios ao Ministério Público Federal. Obviamente que se tratou de um grande equívoco do legislador de 2002. Isso porque o mencionado dispositivo, ignorando que a estrutura do nosso Ministério Público é federativa, afastava o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios de suas atribuições constitucionalmente legítimas.

Diante dessa questão, parte da doutrina se posicionou no sentido em que as atribuições do Ministério Público não poderiam ser criadas por meio de uma lei ordinária (no caso, o Código Civil), mas somente através de uma lei complementar, com base no parágrafo 5º do artigo 128 do Texto Constitucional. Outros, todavia, defendiam a tese da interpretação harmônica entre os conteúdos do Código Civil e da Lompu, segundo a qual a expressão “Ministério Público Federal” deveria ser compreendida como “Ministério Público da União”. Nesse contexto, editou-se o Enunciado 10 da Jornada de Direito Civil, com o entendimento de que, “em razão do princípio da especialidade, o artigo 66, parágrafo 1º, deve ser interpretado em sintonia com os arts. 70 e 178 da Lei Complementar nº. 75/93”.

Essa questão também mereceu a análise do STF, ao julgar a ADI nº. 2.794-8, proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), cuja relatoria coube ao ministro Sepúlveda Pertence. Consoante entendimento firmado pela Augusta Corte, a atribuição fiscalizatória das fundações sediadas no Distrito Federal fica a cargo do Ministério Público do Distrito Federal.

Nos termos do voto do relator, embora tenha sido afastada a tese da inconstitucionalidade formal – sob o argumento de que o artigo 128, parágrafo 5º, da Constituição Federal não assegura uma reserva absoluta à lei complementar para conferir atribuição ao Ministério Público –, acabou por ser declarada a inconstitucionalidade material o parágrafo 1º do artigo 66 do Código Civil de 2002, ao fundamento de que é do próprio sistema da Constituição que se infere a identidade substancial entre a esfera de atribuições do Ministério Público do Distrito Federal e aquelas confiadas ao MP dos estados, as quais, à semelhança do que acontece com o Poder Judiciário, apuram-se por exclusão das atribuições que expressamente correspondem ao Ministério Público Federal, ao do Trabalho e ao Militar.

Enfim, embora o conflito já estivesse devidamente pacificado no julgamento da ADI nº. 2.794-8, a Lei federal nº. 13.151, de 28 de julho de 2015, por meio do seu artigo 2º, houve por bem alterar o dispositivo em questão, para o fim de conferir a atribuição da supervisão das fundações que funcionem no Distrito Federal e Territórios ao próprio MPDFT. Pode-se afirmar, então, que não houve qualquer mudança substancial no direito vigente, conquanto não se ignore que a alteração em voga buscou corrigir aquilo que foi um grande equívoco do legislador de 2002, visando, assim, a manter a coerência do sistema.

Novidade mesmo apenas se vê no artigo 3º da mencionada Lei federal nº. 13.151, de 28 de julho de 2015, que atribuiu nova redação ao inciso III do artigo 69 do Código Civil, para o fim de ali fixar um prazo de 45 (quarenta e cinco) dias para que os membros do Ministério Público se manifestem a respeito de eventuais alterações estatutárias que venham a ser requeridas pelas fundações interessadas.

O tema comporta temperamentos. No direito comparado, observam-se variações quanto à possibilidade de alteração do estatuto da fundação, não apenas quanto à forma em si, mas também quanto ao conteúdo.

No direito alemão, por exemplo, admite-se, excepcionalmente, a transformação do fim fundacional, quando se demonstre impossível o alcance dos objetivos originários ou quando se ponha em risco o bem comum, devendo-se buscar, em qualquer dos casos, a preservação do desejo do instituidor e que as rendas do patrimônio da fundação sejam mantidas, quanto possível, no mesmo círculo de favorecidos ( parágrafo 87 do BGB) ([5]). De maneira semelhante, opera-se no direito português (artigos 189 e 190 do Código Civil português).

No Brasil, a alteração dos estatutos de uma fundação é algo também possível, embora de maneira não tão ampla.

Admite-se alteração desde que haja necessidade de se adaptar os fins originariamente previstos às novas circunstâncias, visando-se, assim, ao aperfeiçoamento da estrutura e das regras da entidade para que ela possa melhor atender a esses objetivos. Adaptam-se, assim, as atividades-fins para a consecução da finalidade maior [[6]]. Em outras palavras, as alterações, ainda quando necessárias, não poderão contrariar ou desvirtuar a finalidade da fundação, fixada no ato de instituição, encontrando aí um limite de ordem substancial.

Há ainda mais dois requisitos, de ordem formal, quais sejam: as alterações propostas devem ter sido aprovadas por dois terços dos integrantes do órgão incumbido da gestão e representação da fundação; e necessitam ser submetidas ao órgão competente do Ministério Público, que vela pela fundação, para que as aprove.

Aprovadas as alterações, serão registradas na forma legal. Caso sejam recusadas pelo órgão do Ministério Público, poderão ser supridas pelo juiz competente, mediante requerimento da parte interessada, nos termos do inciso III, do artigo 67, do Código Civil, mediante procedimento específico previsto nos artigos 1200 a 1204 do CPC-73.

Esse era o cenário legislativo vigente até então. A novidade agora é que, de acordo com a nova redação do inciso III do artigo 69 do Código Civil, dada pela Lei federal nº. 13.151, de 28 de julho de 2015, haverá um prazo para essa manifestação de aprovação ou desaprovação do Ministério Público acerca das alterações propostas, ou seja, caso o Promotor de Justiça Curador das Fundações não se manifeste sobre o pedido de alteração dentro do prazo de 45 dias, o seu silêncio poderá ser suprido pelo juiz, a requerimento do interessado.

Alem disso, o novo Código de Processo Civil – editado pela Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 –, diversamente do CPC-73, houve por bem não trazer quaisquer disposições acerca do procedimento para a aprovação e alteração dos estatutos das fundações junto ao Ministério Público. Nada disse, tampouco, a respeito dos prazos para que o Ministério Público manifestasse sobre tais pedidos, revogando os dispositivos do código anterior que tratavam do assunto (artigo 1201 do CPC-73).

Limitou-se, assim, o CPC-15 a indicar as hipóteses de suprimento judicial a respeito da aprovação ou alteração dos estatutos das fundações, sempre que o Ministério Público denegar previamente o pedido ou condicionar a aprovação dos estatutos às adaptações que entender pertinentes (artigo 764, I), praticamente repetindo as hipóteses já previstas no Código Civil de 2002 (artigos 65 e 67, III).

Logo, a partir da nova redação dada ao referido artigo 67, inciso III, do Código Civil, o suprimento judicial, que era hipótese já prevista para os casos de denegação da alteração estatutária, poderá também ser utilizado nas hipóteses de silêncio ou falta de manifestação do Ministério Público, depois de transcorrido o referido prazo de 45 dias.

Na prática, caso não se concorde com a postura adotada pelo órgão do Ministério Público – seja ela no sentido de denegar previamente o pedido de alteração, de condicioná-lo a reparos, ou simplesmente de silenciar-se por um prazo superior a 45 dias –, poderá o interessado valer-se do pedido de suprimento judicial, cujo rito a ser adotado será o dos procedimentos de jurisdição voluntária (previstos nos artigos 719 a 725 do CPC-15).

Trata-se de alteração louvável, pois busca dotar essa manifestação da necessária celeridade, considerando-se a eventual necessidade de uma rápida adaptação das fundações às constantes alterações regulatórias e econômicas, sem que, entretanto, abra-se mão do papel fiscalizador do Ministério Público, este que é considerado fundamental para garantir a lisura e a regularidade do funcionamento das fundações.

Propõe-se, ao final, uma reflexão: note-se que as alterações no regime das fundações, trazidas pela Lei federal nº. 13.151, de 28 de julho de 2015, aqui sumariamente apresentadas, ainda quando louváveis e tragam alguma repercussão prática, revelam-se tímidas. Com efeito, parece ser cada vez mais premente a necessidade de se aprofundar as discussões quanto à necessidade crescente de estabelecimento de controle dessas entidades, por parte da sociedade, mas sem descurar da imprescindibilidade de oferecer maiores estímulos ao desenvolvimento do denominado terceiro setor. Há um fino equilíbrio nessa balança.

Nesse sentido, parecem alvissareiras as possibilidades trazidas pela recente entrada em vigor da Lei nº. 13.019/2014, que vem sendo denominada de Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, mas que, apesar do nome, trata apenas do relacionamento entre a Administração Pública e as instituições sem fins lucrativos.

Soam como avanços, por exemplo, a questão da segurança jurídica, conferida pelo caráter nacional da referida lei, e o aprimoramento do delicado relacionamento entre essas entidades e o Poder Público, por meio da criação de instrumentos jurídicos próprios de fomento e colaboração, do favorecimento à agregação de projetos e atuação das OSC em rede, da prestação de contas simplificadas, dentre muitas outras. Mas é importante ter em mente que a lei não regula uma série de outros aspectos relativos às referidas organizações da sociedade civil e que merecem ainda maiores atenções, em especial a necessidade do incentivo ao aporte de recursos, no denominado terceiro setor, pela iniciativa privada.

* Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Girona, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC e UFMT).

[1] MELLO FILHO, Jose Celso de. Notas sobre as fundações. Revista de Direito Privado. Ano 14, vol. 53, jan.-mar./2013, p. 274.

[2] TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord). Comentários ao novo código civil: das pessoas: (Arts. 1º ao 78), volume I. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 1046-1051.

[3] FAGUNDES, Miguel Seabra. Fundações. Âmbito de atuação do Ministério Público em sua defesa – interpretação do art. 26 do Código Civil – Afastamento imediato de seus administradores – legalidade da providência, tanto como medida de natureza administrativa, como medida de caráter judicial preventivo. Revista dos Tribunais. São Paulo. 50(304):58-77. Fevereiro/61, p. 59.

[4] PAES, José Eduardo Sabó. O Ministério Público e o velamento às fundações que estendam suas atividades a mais de um estado ou ao Distrito Federal. In: Âmbito Jurídico, maio de 2001, disponível em:http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5760, Acesso em set. de 2015.

[5] ENNECERUS, Lugwig; KIPP, Theodor; et WOLFF, Martin. Tratado de Derecho Civil, trad. Blas Pérez Gonzalez e José Alguer, Parte Geral, I, 2ª. Ed. Barcelona: Bosh, 1953, 1º Tomo, p. 516.

[6] CASTRO, Lincoln Antonio de. O ministério público e as fundações de direito privado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1995, p. 22.



Antonio Lago Júnior é mestre em Direito pela UFBA, professor de Direito Civil nos cursos da Universidade Salvador (Unifacs), advogado e procurador do estado da Bahia.



Revista Consultor Jurídico, 30 de novembro de 2015, 8h00

Impenhorabilidade do imóvel residencial não alcança vaga de garagem inscrita como unidade autônoma




No recurso analisado pela 9ª Turma do TRT de Minas, uma das questões discutidas foi a possibilidade de a impenhorabilidade do bem de família se estender a vagas de garagem de edifício residencial. No caso examinado, um dos sócios do hospital reclamado se insurgia contra a penhora que recaiu sobre as vagas correspondentes a um bem imóvel que, segundo ele, havia sido reconhecido como bem de família.

No entanto, o juiz convocado Ricardo Marcelo Silva não deu razão ao recorrente, ao constatar que as vagas de garagem estavam inscritas no Cartório de Registro de Imóveis como unidades autônomas. De acordo com o relator, nesse caso, a penhora pode ser realizada. Ele lembrou, em seu voto, o que os artigos 1º e 5º da Lei 8.009/90, que trata do bem de família, dispõem, respectivamente:"O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente".



Conforme observou o magistrado, a garagem objeto de penhora estava totalmente desvinculada da unidade habitacional, não se tratando de acessório do imóvel residencial. Mesmo porque, pontuou, sequer foi provado que o edifício onde está situada seja exclusivamente residencial.

O julgador afastou a possibilidade de a nova redação conferida ao parágrafo 1º do artigo 1.331 do Código Civil socorrer o executado. Este dispositivo restringiu a transferência da propriedade de vagas de garagem, em favor de pessoas estranhas ao condomínio. Ele aplicou ao caso a Súmula nº 449 do STJ, segundo a qual "A vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de família para efeito de penhora".

Assim, concluiu o magistrado que a impenhorabilidade prevista no artigo 1º da Lei 8.009/90 não alcança as vagas de garagem do executado. Acompanhando o voto do relator, a Turma de julgadores negou provimento ao recurso e manteve a penhora determinada em 1º Grau.( 0071800-98.2008.5.03.0002 AP )
Fonte: TRT3

NJ ESPECIAL: TRT-MG edita Súmula nº 43 sobre reflexos das horas extras nas verbas Licença prêmio e Apip pagas pela CEF






Os reflexos das verbas trabalhistas em outras, também chamados de repercussões, incidências, integrações, etc., causam certa polêmica no meio jurídico. Em regra, para saber se são devidos os reflexos de uma parcela em outra, é necessário ter em mente a natureza jurídica da verba. Se ela possui natureza jurídica indenizatória, não repercute nas demais verbas trabalhistas. Mas e se ela possui natureza salarial? Nesse caso, deve-se investigar a base de cálculo da parcela que receberá o reflexo. Para que haja incidência de uma sobre a outra, a parcela incidente deve integrar a base de cálculo daquela sobre a qual se pretende o reflexo.

Recentemente, questão polêmica envolvendo essa discussão foi objeto de uniformização pelo Tribunal Pleno do TRT de Minas, em Sessão Ordinária realizada no dia 13/08/2015. O Incidente de Uniformização de Jurisprudência-IUJ foi suscitado de ofício pelo Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, no RR 01071¬ 02.2013.5.03.0025, nos termos do parágrafo 4º do artigo 896 da CLT. Por maioria absoluta de votos, o Pleno determinou a edição de Súmula de Jurisprudência uniforme nº 43, com a seguinte redação:"CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. REFLEXOS DAS HORAS EXTRAORDINÁRIAS NAS VERBAS LICENÇA-PRÊMIO E APIP (AUSÊNCIA PERMITIDA PARA INTERESSE PARTICULAR). 
As horas extras habitualmente prestadas, integrantes da remuneração-base do empregado, repercutem nas verbas denominadas "licença-prêmio" e "APIP", previstas em regulamento interno da Caixa Econômica Federal. (RA 190/2015, disponibilização: DEJT/TRT3/Cad. Jud. 25, 26 e 27/08/2015)".

Histórico do IUJ - Processo de origem - Entendendo a matéria objeto do incidente

O juiz Rodrigo Ribeiro Bueno, em sua atuação na da 25ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, deferiu a uma empregada da Caixa Econômica Federal diferenças de horas extras decorrentes da observância do divisor 150, aplicável ao caso, em razão de os instrumentos coletivos considerarem o sábado como dia de descanso remunerado. Deferiu ainda reflexos em RSR's ( sábados, domingos e feriados, conforme instrumentos coletivos) e, com estes, em férias+1/3, 13ºs salários, PLR's/PRX's, APIPs, licenças-prêmio e FGTS. "As PLR, APIP e licença-prêmio podem ter natureza indenizatória para efeito de repercussão delas em outras verbas trabalhistas, contudo, como são calculadas com base no salário da empregada, então, são devidas repercussões de diferenças de horas extras nas mesmas",expressou-se o julgador, explicando seu posicionamento.

Inconformadas com a decisão, ambas as partes recorreram. Ao analisar os recursos, a 4ª Turma do TRT mineiro, em voto da relatoria do desembargador Júlio Bernardo do Carmo, deu provimento parcial apenas ao recurso apresentado pela bancária, para acrescentar à condenação o pagamento de 15 minutos extras diários, decorrentes da sonegação da pausa prevista no artigo 384 da CLT, bem como reflexos em RSR's (incluindo sábados, domingos e feriados), férias acrescidas de 1/3, gratificações natalinas, FGTS e abonos. Porém, o relator considerou indevidas as incidências das horas extras deferidas em licenças prémio e APIP's. Como explicou o desembargador, por ocasião da conversão dessas verbas em espécie, foram consideradas as parcelas que integram a remuneração básica percebida na data do evento, conforme RH 115, norma interna da CEF. De acordo com esse manual RH 115, a sobrejornada não integra a RB (remuneração base), fato impeditivo da pretensão da trabalhadora.

A trabalhadora, então, interpôs recurso de revista insistindo no direito à repercussão das horas extras deferidas em licenças prêmio e APIPs. O Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, relator do recurso, constatando a existência de decisões atuais e conflitantes quanto ao tema examinado, determinou o processamento de uniformização de jurisprudência. Essa determinação se deu por força do contido no parágrafo 8º do artigo 896 da CLT, com a redação conferida pela Lei nº 13015/2014.O procedimento da Uniformização de Jurisprudência

Após ser instaurado, o IUJ foi distribuído à desembargadora Camilla Guimarães Pereira Zeidler. A Comissão de Jurisprudência se manifestou, opinando no sentido de serem devidos os reflexos de horas extras nas verbas "APIP" (ausência permitida para tratar de interesse particular) e "licença prêmio", para os empregados da Caixa Econômica Federal.

Em seu parecer, o Ministério Público do Trabalho manifestou-se pela consolidação da jurisprudência, na forma dos verbetes sugeridos pela Comissão de Uniformização.Correntes pró e contra o cabimento dos reflexos

A relatora destacou a existência de duas correntes de entendimento no âmbito do TRT da 3ª Região sobre a questão discutida.

A primeira corrente defende que são indevidos os reflexos de horas extras nas verbas APIP (ausência permitida para tratar de interesse particular) e "licença prêmio", para os empregados da CEF. Afirma que as normas internas da Caixa preceituam que a base de cálculo dessas verbas é a "remuneração base" (RB) do empregado, na qual não se incluem as horas extras. A RB, por sua vez, é definida nas normas internas como a remuneração mensal composta pelas rubricas salariais de natureza não eventual. Porém, essas normas determinam que o cálculo da conversão da licença prêmio e do APIP em espécie deverá observar a remuneração básica do empregado, não se referindo às parcelas que integram a remuneração do trabalhador, conforme estabelecido no art. 457 da CLT. E mais: essas verbas, quando convertidas em pecúnia, possuem natureza jurídica indenizatória, constituindo vantagem decorrente do tempo de serviço, e não do salário. No mais, por se tratar de verbas pagas por liberalidade do empregador, voltadas a assegurar melhores condições de trabalho aos seus empregados, a interpretação do regulamento deve se dar restritivamente.

A segunda corrente, por sua vez, posiciona-se pelo cabimento dos reflexos. Justifica que, constatado que certos itens da norma revelam que o cálculo das horas extras habituais integra a remuneração base do empregado, correta é a sua repercussão nas parcelas APIP e licença prêmio, quando convertidas em pecúnia, nos termos do art. 457 da CLT e do item II da Súmula 376 do TST. Acrescenta que ambas as parcelas têm como base de cálculo a remuneração do empregado, conforme consta do normativo interno DIRHU 009/88 Plano de Cargos, Salários e Benefícios da CEF, fato esse que enseja o deferimento dos reflexos pretendidos. E frisa que essa segunda tese está de acordo com o posicionamento jurisprudencial do TST (SBDII).Redação proposta e entendimento do relator

Prestigiando o parecer elaborado pela Comissão de Uniformização de Jurisprudência (que acompanhou a segunda corrente), a redatora propôs a edição de Súmula de Jurisprudência Uniforme que retrata o posicionamento de parte substancial de membros do TRT-MG, sufragado pelo entendimento do TST, nos termos transcritos acima.Proc. nº 01071-2013-025-03-00-2 IUJ. Acórdão publicado em 03/09/2015 




Fonte: TRT3

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...