quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Nova edição de Jurisprudência em Teses aborda direitos do consumidor




A 42ª edição de Jurisprudência em Teses está disponível para consulta no site do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com o tema Direito do Consumidor II. Com base em precedentes dos colegiados do tribunal, a Secretaria de Jurisprudência destacou duas entre as diversas teses existentes sobre o assunto.

Uma delas diz que a instituição de ensino superior responde objetivamente pelos danos causados ao aluno em decorrência da falta de reconhecimento do curso pelo Ministério da Educação (MEC), quando violado o dever de informação ao consumidor. O entendimento foi adotado com base em diversos precedentes, entre eles o AgRg no AREsp 651.099, julgado pela Quarta Turma em junho deste ano.

Outra tese afirma que a constatação de defeito em veículo zero-quilômetro revela hipótese de vício do produto e impõe a responsabilização solidária da concessionária e do fabricante. Um dos casos adotados como referência foi o AgRg no AREsp 661.420, julgado em maio pela Terceira Turma.

Conheça a ferramenta

Lançada em maio de 2014, a ferramenta Jurisprudência em Teses apresenta diversos entendimentos do STJ sobre temas específicos, escolhidos de acordo com sua relevância no âmbito jurídico.

Cada edição reúne teses de determinado assunto que foram identificadas pela Secretaria de Jurisprudência após cuidadosa pesquisa nos precedentes do tribunal. Abaixo de cada uma delas, o usuário pode conferir os precedentes mais recentes sobre o tema, selecionados até a data especificada no documento.

Para visualizar a página, clique em Jurisprudência > Jurisprudência em Teses, no menu principal da homepage do STJ. Também há o Acesso Rápido, no menu Outros.

Fonte: STJ 

Cabe ao banco informar data de encerramento da poupança para cálculo de juros sobre expurgos


Os juros remuneratórios sobre expurgos da poupança nos planos econômicos incidem até o encerramento da conta, e é do banco a obrigação de demonstrar quando isso ocorreu, sob pena de se considerar como termo final a data da citação na ação que originou o cumprimento de sentença. A tese foi aplicada em julgamento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Quem tinha depósito em caderneta de poupança durante os Planos Bresser, Verão e Collor teve o saldo corrigido a menor porque o índice de correção monetária apurado não foi aplicado ou foi aplicado parcialmente.

A Justiça já reconheceu ao poupador a possibilidade de reivindicar o recebimento das diferenças, acrescidas de atualização monetária e juros de mora, e recuperar as perdas causadas pelos expurgos inflacionários. Eles ainda são objeto de milhares de ações judiciais em todo o país.

Ação coletiva

No caso julgado, o banco foi condenado em ação civil pública ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Cidadão (IBDCI) a recalcular os valores de correção dos depósitos em caderneta de poupança relativos a junho de 1987 e janeiro de 1989, referentes aos Planos Bresser e Verão.

Um poupador iniciou o cumprimento individual de sentença. O banco, por meio de impugnação, alegou a ocorrência de excesso de execução. Em primeiro grau, considerou-se que os juros remuneratórios deveriam incidir somente durante o período em que a conta esteve aberta.

O poupador recorreu, e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) determinou que os juros remuneratórios incidissem até a data do efetivo pagamento, ou seja, até o cumprimento da obrigação, e não apenas em relação ao período em que a conta permaneceu aberta.

Extinção do contrato

O banco recorreu ao STJ. Em seu voto, o ministro Villas Bôas Cueva, relator, reafirmou o entendimento das duas turmas de direito privado do tribunal no sentido de que o termo final de incidência dos juros remuneratórios é o encerramento da poupança, o que significa a extinção do contrato de depósito, que ocorre com a retirada de toda a quantia depositada ou com o pedido de encerramento da conta e devolução dos valores.

“Os juros remuneratórios são devidos em função da utilização de capital alheio”, afirmou o ministro. Assim, explicou, se não há nenhum valor depositado, não se justifica a incidência de juros remuneratórios, já que o poupador não estará privado da utilização do dinheiro, e o banco não terá a disponibilidade do capital de terceiros.

Esse entendimento impede a incidência concomitante de juros remuneratórios e moratórios, conforme determina a jurisprudência do STJ (REsp 1.361.800).

Ônus da prova

O ministro acrescentou que cabe ao banco a comprovação da data de encerramento da conta, pois tal fato delimita o alcance do pedido formulado pelo poupador. É o que determina o artigo 333, II, do Código de Processo Civil.

Caso o banco não comprove a data de extinção da poupança, o julgador pode adotar como marco final de incidência dos juros remuneratórios a data da citação nos autos da ação principal que originou o cumprimento de sentença (no caso julgado, a ação civil pública).

Fonte: STJ 

Mediação não substituirá arbitragem em empresas, mas vai se popularizar


Por Centro de Estudos das Sociedades de Advogados


A mediação não vai substituir a arbitragem como o principal meio alternativo de solução de conflitos usado pelas empresas. Porém, o instituto deve passar a ser mais aplicado, diminuindo o número de controvérsias que chegam a árbitros e juízes e gerando economia às companhias. Essa é a opinião de advogados ouvidos pela ConJur. A medida foi discutida na reunião mensal das associadas do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), ocorrida em São Paulo na última terça-feira (29/9).

Esse meio de solução de controvérsias vem ganhando impulso em 2015, com incentivos do Conselho Nacional de Justiça e a aprovação do Novo Código de Processo Civil e da Lei de Mediação (Lei 13.140/2015). O texto da norma define a mediação como atividade técnica exercida por pessoa imparcial, sem poder de decisão, que auxilia as partes envolvidas a encontrarem soluções consensuais.

A lei também estabelece que qualquer conflito pode ser mediado, inclusive na esfera da administração pública. Porém, ficam de fora casos que tratarem de filiação, adoção, poder familiar, invalidade de matrimônio, interdição, recuperação judicial ou falência. As partes têm o direito de ser acompanhadas nas sessões por advogado ou defensor público.

O desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo Kazuo Watanabe, consultor do Trench, Rossi e Watanabe Advogados, espera que a mediação no Brasil atinja o patamar que tem nos EUA, onde é o “carro-chefe” dos meios extrajudiciais de resolução de conflitos.

Contudo, ele deixou claro que as empresas somente abraçarão a prática se houver um movimento civil de especialistas que ajude a difundir na sociedade uma nova mentalidade que priorize o entendimento em vez da litigiosidade. Para isso, seriam criados centros de ensino e estímulo da medida em faculdades de Direito, associações empresariais e até em escolas de ensino fundamental.

Os advogados teriam um papel fundamental nessa missão, avaliou Watanabe. A seu ver, caberia a eles orientar as empresas a buscar soluções consensuais desde o início das controvérsias, mostrando os benefícios da medida. Porém, o desembargador aposentado sabe que isso só vai ocorrer quando os advogados aprenderem a ganhar dinheiro com a mediação. Uma maneira de isso acontecer seria estabelecer nos contratos de honorários um bônus para os casos resolvidos por essa via, sugeriu.

Para o presidente do Cesa, Carlos José Santos Silva, o Cajé, a mediação não vai tomar o lugar da arbitragem nas disputas empresariais, pois essa prática está bem sedimentada no meio. No entanto, ele acredita que vai se fortalecer e gerar mais oportunidades para advogados.

O seu companheiro de Cesa e professor de Soluções Alternativas de Conflitos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Giovanni Ettore Nanni tem visão semelhante sobre o assunto. Embora não acredite na supremacia da mediação, ele opinou que o meio consensual pode reduzir o número de pontos controversos a serem levados a um árbitro.

Aos olhos do presidente do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, Carlos Suplicy de Figueiredo Forbes, que é sócio do Mundie Advogados, esses dois meios não vão competir, pois tem propósitos diferentes. Enquanto a arbitragem é usada para pôr fim a um conflito e, possivelmente, a uma relação comercial, a mediação buscar preservar os laços entre as partes e superar problemas em contratos de longo prazo e do cotidiano corporativo.

Flávio Pereira Lima, presidente do Comitê de Coordenação da Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, também não acha que as práticas se sobrepõem. Apesar de elogiar a mediação, ele não acredita que essa forma de solução de controvérsias vai se popularizar tanto a ponto de ajudar a desafogar o Judiciário, papel que se espera que a conciliação desempenhe. Isso porque ela se presta a casos mais complexos, que envolvem sentimentos de rancor, angústia e raiva entre pessoas que têm ligações próximas, como sócios de empresas e familiares.

Das disputas internas de escritórios que chegam à OAB-SP, 95% são submetidas à conciliação, e 5%, à mediação, contou Lima, sócio do Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados.

Mediador não precisa ser advogado
Os advogados também disseram que não é necessário que o mediador de disputas empresariais seja advogado. Lima declarou que para exercer bem a função o mais importante não é conhecer o Direito, e sim saber conduzir as negociações. Por isso que há tantos mediadores bem-sucedidos que são psicólogos ou antropólogos, apontou.

Watanabe, por sua vez, opinou que o fundamental é que o mediador tenha um conhecimento geral da área do conflito em discussão, e isso não pressupõe uma formação jurídica. Entretanto, ele ressaltou que as partes sempre estarão em melhor situação quando levarem advogados para as sessões.

De acordo com Nanni, em algumas situações é até preferível que o mediador seja um especialista dos setores de atuação das empresas. Isso vale para casos em que o cerne da disputa é societário ou comercial, e não jurídico. Forbes concorda, e afirmou que as partes devem escolher um mediador adequado para cada litígio.

Cajé, por outro lado, entende que é “sempre recomendável que o mediador seja advogado”. A justificativa disso é que esse profissional sabe quais procedimentos judiciais podem ocorrer caso as negociações fracassem, e os riscos que eles trazem.


Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa)

Revista Consultor Jurídico, 1 de outubro de 2015, 14h39

Relação extraconjugal não pode ser considerada união estável


Uma relação mantida com uma pessoa sabendo que ela é casada não pode ser considerada união estável. Com base no artigo 1.723 do Código Civil, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás negou, por unanimidade, uma pensão por morte a uma mulher que manteve relacionamento amoroso com um homem casado por mais de 12 anos.

Em primeiro grau, o juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual havia julgado procedente o pedido da mulher e determinou que a Goiás Previdência (Goiásprev) efetuasse o pagamento da pensão por morte do homem, que morreu em 1994. A pensão deveria ser divida em três partes entre a mulher do homem, sua amante e a filha que tiveram na relação. Com a reforma da sentença, apenas a viúva e a filha terão direito ao benefício.

Tanto a viúva quanto a Goiásprev recorerram da sentença. Os dois alegaram que a amante não teria direito à pensão já que a relação estabelecida entre eles era de concubinato adulterino e não, união estável, já que a mulher tinha plena ciência de que o homem era casado.

O relator do processo foi o juiz substituto em segundo grau Maurício Porfírio Rosa. Ele concordou com o pedido ao esclarecer que o reconhecimento da união estável está sujeita ao preenchimento dos requisitos do artigo 1.723 do Código Civil: “convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. No entanto, também é necessária a não ocorrência dos impedimentos previstos no artigo 1.521 do mesmo código, “destacando-se, entre eles, o casamento”.

“Não se pode dizer que a relação havida entre o de cujos e a apelada era de união estável, mas de concubinato impuro (adulterino), o que afasta, por conseguinte, qualquer direito dela à pensão por morte, uma vez que não pode ser considerada dependente do falecido”, concluiu o magistrado. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-GO.

Revista Consultor Jurídico, 1 de outubro de 2015, 9h32

A busca de um Habeas ou de como ainda existem desembargadores no RJ


Por Lenio Luiz Streck


Já falei aqui que em um país com tantos contrastes e com um grau de violação de direitos fundamentais incomensurável, com dezenas de carreiras jurídicas e altos salários, não conseguimos até hoje construir uma estrada — pavimentada juridicamente com ladrilhos constitucionais — que leve um direito à liberdade de qualquer comarca até os tribunais superiores (STJ e STF) ou, melhor dizendo, um caminho para possibilitar que alguém preso equivocadamente possa responder um processo em liberdade ou tenha a sua ação penal trancada por falta de justa causa.

Um toque de John Grisham e Scott Turrow: em busca de um writ
Se nos tribunais superiores temos essa dramática situação, imaginem os leitores o que acontece rotineiramente nos Estados federados. Vou relatar um caso que acompanhei como observador, uma vez que os dois advogados que cuidaram da causa são meus alunos na pós-graduação da Unesa-RJ (mestrado).[1]

Cidadão é preso no Rio de Janeiro no dia 15 de setembro, terça-feira, em flagrante. Policiais, sem mandado, chegam à residência do cidadão, que franqueia a entrada. Estariam à procura de drogas, motivados por delação da sua ex-companheira. De fato, encontraram pequena quantidade de maconha. Também foram encontrados cinco cartuchos de vários calibres. Só que os cartuchos só lá estavam porque ele, estilista, havia utilizado os projéteis para ornamentar um boné em roupa desenhada tempos atrás, havendo, inclusive, fotos em álbum para comprovar o dito.

Imediatamente o indigitado teve voz de prisão e foi levado ao ergástulo. E aí começou o drama. Os dois causídicos, contactados por familiares, foram à 12ª Delegacia de Polícia, em Copacabana. Não foram autorizados a conversar em particular com o preso (um inspetor de polícia “acompanhou” a entrevista). Como era fim de expediente, a delegada não despachou o Auto de Prisão em Flagrante (APF). Conseguiram apenas parte do APF.

Na madrugada do dia 15 de setembro, foram ao Plantão Judiciário. Em conversa com o secretário do juízo, souberam que ele não decidiria sem a integralidade do APF. “— Doutores, há juízes que decidem sem o despacho do delegado, mas, aqui, tem que estar tudo instruído.”;

Dia 16, voltaram à delegacia, mas não conseguiram o referido despacho. No entanto, souberam que a comunicação da prisão e o APF tinham sido remetidos ao juiz, para a 19ª Vara Criminal. Nesse cartório, souberam que os autos ainda não haviam “subido”. No setor de distribuição, disseram-lhes que, de praxe, os APFs recém-chegados apenas “sobem” no dia seguinte, ou seja, seriam remetidos ao cartório apenas em 17 de setembro. Tão ilegal e inconstitucional que o porteiro do Fórum deveria saber disso.

Diligentemente, falaram com a secretária da juíza, que lhes deu “a boa nova”: “a juíza permitiu que alguém do cartório fosse ao distribuidor buscar o APF, porém, disse que não decidirá sem que o MP se pronuncie; logo, hoje (16/9), como é fim de expediente, não há mais o que fazer, doutores”. Bingo.

Dia 17, após o meio dia, foram despachar o pedido de liberdade provisória. Afinal, a esta altura, já deveria haver uma decisão acerca do APF. Descobriram, no cartório, que o APF ainda não havia “subido”. Conversaram novamente com a secretaria do juízo. Foi determinado que alguém do cartório pegasse o malsinado APF — determinação não acatada pelo cartório, por razão desconhecida.

Finalmente, por volta das 16h do dia 17 (quinta-feira), o APF chegou ao cartório. Às 17h, o sistema indicou “conclusão ao juiz”. Às 18h, constava o seguinte: “Ciente. Ao Ministério Público, inclusive com o pedido de liberdade provisória”.

Dia 18, sexta-feira (lembremos que o cidadão fora preso na terça-feira), dirigiram-se ao cartório e descobriram que os autos haviam sido remetidos ao MP. Ansiosos — afinal, aprendem no mestrado, na disciplina de jurisdição constitucional, que as garantias não são um favor, mas um direito — foram ao MP e lá souberam que os autos não haviam chegado. Que autos, não? Andam a passos de cágado?

Conversaram com a promotora de Justiça, que lhes disse que seria impossível opinar no mesmo dia, uma vez que os autos ainda estavam com a “mensageria”. Também lhes disse que não estaria em seu gabinete, pois participaria de uma solenidade acerca da implementação — paradoxalmente — das “audiências de custódia”. Bingo de novo! Foram orientados a voltar... na segunda-feira. Como explicar o agir da promotora de Justiça? Ela não é a fiscal da lei? O Ministério Público não é o guardião da cidadania? Nos meus 28 anos de MP nunca tinha visto algo assim, pelo menos próximo a mim ou que eu soubesse, porque eu mesmo impetraria Habeas Corpus a favor do paciente. Pois é. A promotora agiu como o médico que deixa o paciente na maca, morrendo, e calmamente vai a uma solenidade de inauguração de um novo centro cirúrgico. De fato, perdemos nossa capacidade de indignação. Quanto vale uma liberdade? Uma ida a uma solenidade?

Os “chatos” dos causídicos tentaram, então, uma coisa óbvia. Buscaram uma audiência de custódia (afinal, a promotora havia dito que participaria da solenidade de sua implantação naquele dia!). Pois bem. Lá chegando, foram informados de que audiência de custódia somente “valia” para as pessoas que foram presas em flagrante a partir do dia de sua... implementação. Binguíssimo! Audiência de custódia com efeito ex nunc. Pindorama é bárbaro (stricto sensu).

No bar ao pé da Estácio, no centro, contaram-me essa história. Eram 19h de sexta-feira. Acabara a aula e bebericava um chope escuro naqueles copos baixos típicos do Rio. E acrescentaram: “— Professor: Pesquisamos a jurisprudência do TJ-RJ. Tratam isso como uma mera irregularidade”. Disse-lhes, soltando uma baforada do Cohiba (escrevo essa frase piegas de propósito, tipo-romance de John Grisham): “— Façam um Habeas urgente. Um HC certeiro. Na veia. A omissão da juíza e da promotora configura a coação”. E emendei, brincando, agora tipo-romance de Scott Turrow: “— Ainda há juízes em Berlim”. E contei a história do moleiro de Sans Souci que, diante do Imperador que queria fazer um puxado do seu castelo para cima do moinho que lhe dava sustento, disse, sem soltar baforada: não saio daqui; ficar é meu direito; ainda há juízes em Berlim. Na sequência, capturei um táxi no tumulto do horário e fui ao Santos Dummont.

Contam que passaram a noite elaborando o writ. Já na madrugada do dia 19, sábado, investigando o imaginário do plantão, “se tocaram” que o desembargador-plantonista tinha posição de não conhecer Habeas Corpus sem decisão judicial no APF. Seria a tese do “juiz natural”. O Habeas deles cairia em uma aporia (um dilema sem saída). Sem decisão judicial de exame do APF, nada poderia ser feito.

Esperaram o dia seguinte, domingo, dia 20. E foram despachar com o desembargador de plantão, Marcos André Chut, que talvez tivesse uma posição mais constitucional acerca da aporia. O desembargador Chut, depois de detalhado exame, deferiu a liminar. Alvíssaras. Considerou, acertadamente, que a omissão da juíza em decidir, aliada à demora da devolução dos autos, configurava ilegalidade. Ou seja, até aquele momento, o APF prendia-por-si-só. O paciente estava preso fazia dias com base na prisão feita pelos policiais. Só para lembrar um pouco do que diz o CPP, no artigo 310: "ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: I - relaxar a prisão ilegal; II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação" (grifei).

E a CF diz que a prisão será imediatamente comunicada ao juiz (quanto tempo levou para isso? E, mesmo sabendo, o que fez a juíza?). Isso tudo aliado ao fato de que a própria conduta imputada beirava a atipicidade (a pequena quantidade de maconha não justificava a prisão e muito menos os cartuchos que, além de vários calibres, para nada serviam em termos de lesividade). Fosse condenado, não passaria uma hora na prisão. Já pelo flagrante...

Eis a história. Eis o périplo. O cidadão ficou preso quase uma semana (na realidade, foi solto dia 21). Um APF que, até a decisão do desembargador, “prendeu por si só”. Ilegalidade e inconstitucionalidade que apenas demonstram quão longe estamos de uma democracia em que se respeitam direitos fundamentais. Não me parecem adequadas e condizentes com as garantias de vitaliciedade, independência e inamovibilidade as condutas da juíza e da promotora. Talvez as respectivas corregedorias devessem examinar os procederes das doutoras.

Se no Rio de Janeiro (como será que funciona a “coisa” nos demais Estados?) era assim (digo “era”, porque penso que isso vai mudar com a audiência de custódia e também porque esta coluna vai servir de alerta), imagine-se que algum policial, por inimizade com alguém, prenda-o por prender. Isso, nessa sistemática, faria com que o pobre patuleu ficasse preso no mínimo por 3 ou 4 ou mais dias. Ou estou equivocado?

Em um país em que até já estão decidindo que existe uma coisa chamada “ECI — estado de coisas inconstitucional” (o que em Pindorama não o é?), o problema das liberdades deve urgentemente ser enfrentado. Até para não gerar indenizações a serem pagas pela combalida viúva. Afinal, prisão ilegal pode gerar indenização.

Parabenizo a perseverança dos advogados Alberto Sampaio Júnior e Djefferson Amadeus. Lamento como jurista, professor, advogado e ex-procurador de Justiça, que o paciente tenha ficado preso por tantos dias de forma ilegal. Mas sempre exsurge algo de bom em face desse tipo de ocorrência. E meu cumprimentos ao desembargador Marcos Chut, que deu ao caso a resposta adequada à Constituição ou, se se quiser, aquilo que denomino de “a resposta correta”.


1 Trata-se dos advogados Alberto Sampaio de Oliveira Júnior e Djefferson Amadeus.



Lenio Luiz Streck é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck, Trindade e Rosenfield Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.

Revista Consultor Jurídico, 1 de outubro de 2015, 8h00

Reforma de sentença não garante devolução de valores à União





A União não pode reaver valores utilizados para o tratamento de saúde e obtidos graças a decisão de primeira instância posteriormente reformada. A decisão é da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, com sede no Recife.

Em agosto de 2002, a paciente ajuizou Mandado de Segurança contra decisão do chefe da divisão do Ministério da Saúde. Baseado na Portaria 763 (que impedia o auxílio financeiro), ele negou o custeio de tratamento oftalmológico de uma doença denominada “retinose pigmentar”, a ser feito em Havana (Cuba). Uma liminar determinou o que a União tomasse providências para custear a cirurgia.

Em atendimento a essa ordem, o Estado efetuou depósito a ela no valor de R$ 19.780,97, de forma a arcar com os custos necessários à efetivação do tratamento, além de passagens aéreas, hospedagem, alimentação e transporte da paciente.

A liminar foi confirmada em primeira instância, mas a União recorreu ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (a paciente ainda morava em SP). Em segunda instância, foi reconhecida a legalidade do documento que impedia a prestação do auxílio financeiro. E assim, a sentença foi reformada. Com isso, a União ajuizou Ação de Ressarcimento ao Erário contra a paciente em março de 2014 para obter a devolução dos valores pagos pelo tratamento médico. Corrigida monetariamente, a quantia chegaria a R$ 31.633,79.

A discussão foi reaberta. A sentença da 12ª Vara Federal do Rio Grande do Norte, sediada na cidade de Pau dos Ferros, novo local de residência da paciente, que julgou improcedente o pedido da União. No TRF-5, o relator do caso, desembargador federal Paulo Machado Cordeiro, entendeu que a mulher não deveria ressarcir os cofres públicos.

“Ainda que a percepção das quantias tenha decorrido de medida precária (provisória), em sede de liminar, não se afiguraria razoável exigir que a apelada não tivesse utilizado tais valores, mormente se considerada a urgência do tratamento”. Os demais desembargadores seguiram seu entendimento, e tornaram a rejeitar a ação da União. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-5.

0800031-28.2014.4.05.8404



Revista Consultor Jurídico, 1 de outubro de 2015, 7h17

Padrões diminuem necessidade de perícia de e-mails





Por Marcelo Stopanovski


Na última coluna aqui neste espaço tratei sobre a perícia em e-mails para consubstanciar sua validade como prova processual. Pelo número de compartilhamentos o assunto chamou a atenção e abriu frente para vários comentários dos leitores, escritos na própria coluna ou enviados por e-mail. Quase um mês já passou e a coluna quinzenal neste período acabou ficando mensal, espero que só desta vez.

Mas algumas questões colocadas pelos comentaristas, com maior ou menor urbanidade, são relevantes e julgo merecerem continuidade da conversa, afinal, este espaço também se destina à discussão.

Como pano de fundo, relembro que o lugar da fala da coluna é o do suporte a litígios. Delimito este campo como o apoio às atividades dos operadores jurídicos quando em contato com o volume de informações característico de nossa sociedade atual. Neste contexto, a tecnologia da informação passa a ser o desafio e a solução para a coleta, a análise e a difusão de informações com valor agregado.

Os profissionais que atuam neste campo são identificados cada vez mais como engenheiros do conhecimento jurídico, transitando entre o campo jurídico e o da tecnologia da informação. Sua função é construir soluções para demandas jurídicas com a utilização ou inovação da tecnologia disponível.

Para além da função do perito clássico e da resposta aos quesitos, o campo do suporte a litígios apoia a própria formação das perguntas, fornece conhecimentos de análise de informações jurídicas, e deriva até na construção de sistemas para as demandas que, não raro, o operador jurídico nem sabia que tinha.

A ressalva que deve ser feita é que este é um campo interdisciplinar e os comentários bem indicam isso quando, de um lado, propõem maiores explicações dos termos utilizados e de outro criticam a falta de precisão e as faltas técnicas tanto em processo civil, como em atualização da tecnologia utilizada.

Essa é uma característica de um trabalho interdisciplinar, pois nos dizeres do autor Eufrausino em seu artigo de título provocativo Profundidade superficial e superficialidade profunda: “Não há, no entanto, como efetuar uma demonstração argumentativa sem se render parcialmente à superficialidade característica da interdisciplinaridade. ” (Eufrasino, 2008, p. 116)

Sendo o campo do suporte a litígios interdisciplinar, reconhece-se o interesse na discussão sobre assuntos correlatos em outras ciências, e julga-se justo um pouco de especulação para a construção de novos referenciais, novamente uma citação do mesmo autor refletindo sobre os limites da interdisciplinaridade:


Em nome de uma suposta interdisciplinaridade, intensificam-se os mecanismos de controle da disciplinaridade. Isso lança sobre o pesquisador a insana cobrança de que ele consiga justapor, a cada instante de sua reflexão, universos completos de saber. Nega-se, assim, um dos mais marcantes atributos da interdisciplinaridade: o reconhecimento das lacunas que constituem o saber e o manejo criativo dessas lacunas a fim de forjar novas possibilidades de conhecimento. (Eufrasino, 2008, p. 121)

O suporte a litígios não possui a pretensão de substituir o operador jurídico especialista na construção das teses da lide e também não substitui o cientista da computação ou profissional de tecnologia em geral em seu métier, o objetivo é o da engenharia do conhecimento jurídico. Ou seja, uma interface de comunicação entre os dois conhecimentos especialistas.

Posta esta preliminar de flexibilidade na precisão em nome de um foco na ideia, coloco uma segunda questão sobre o artigo anterior a respeito dos e-mails, ligada ao campo do suporte a litígios, o próprio litígio.

Parece tranquilo que um acerto entre as partes decida que um papel valha pelo que está escrito nele, sem conferência de assinaturas, busca de originais e outras avaliações contextuais que solidifiquem seu caráter de prova processual. O mesmo vale para um e-mail, que apenas impresso foi aceito por todos no processo como verdadeiro. Ambas hipóteses provavelmente são até mais frequentes do que o pedido de perícia sobre as peças.

Ocorre que talvez não tenha explicado bem, mas estava discutindo um litígio, uma operação da Polícia Federal por exemplo. No qual existem acusações graves e partes em um antagonismo máximo, no qual a produção da prova é uma discussão preliminar e fundamental. E, mais do que tentar vender consultoria com uma tese forçada, com indicou um comentarista, estava descrevendo situações práticas vivenciadas no campo do suporte a litígios, tentativa constante desta coluna.

Tome-se como exemplo um caso concreto de uma apreensão de mais de um milhão de e-mails em um servidor alvo de uma operação famosa. A discussão dos fundamentos dos mandados de busca e apreensão é comum no processo penal, mas o procedimento de coleta e a cadeia de custódia nem tanto. Eis a questão defendida no artigo anterior: se não forem discutidas as ferramentas utilizadas na coleta, como garantir que o apreendido é o original, valerá a simples impressão do e-mail “prova do crime” colocada nos autos?

A defesa de que exista uma perícia, uma avaliação da prova em sua cadeia de custódia se dá neste contexto e espero que tenha sido este o entendimento da maioria dos leitores.

Mesmo o e-mail prova sendo um, das centenas de milhares apreendidos, é necessário seguir a cadeia de custódia até a origem da prova, a qual envolve o momento da coleta do todo.

Em se tratando de um único e-mail interceptado, como resultado de um mandado de quebra de sigilo que obriga o provedor a copiar os conteúdos enviados e recebidos para uma caixa de entrada clone, em outro exemplo de possibilidades de coleta, poderia caber uma ata notarial. Conforme indicado por um colega, a ata notarial pode suprir o quesito de autenticidade, desde que seja objeto da ata também o cabeçalho de internet disponível em cada mensagem. Mas uma ata notarial que especifique o cabeçalho de todas as milhares de mensagens trocadas seria contraproducente em comparação ao algoritmo de integridade (hash).

Falando em hash um comentarista indicou que o tipo MD5 está obsoleto e foi substituído pelo SHA3. Correto, mas o padrão de apoio para validação de informações digitais em processos nos Estados Unidos (RDS) ainda faz referência ao MD5, visto sua provável utilização no legado de processos ainda em trâmite. Uma discussão claramente técnica e que deve ser atualizada a cada nova coleta, o importante é sabermos que, do ponto de vista do contexto do suporte a litígios, existem tecnologias próprias para a garantia da integridade e autenticidade da informação digital anexada ao processo.

Ainda, colegas comentaram sobre certificados, os quais indico serem a forma de transformar um e-mail em um documento com validade intrínseca. Uma assinatura digital no envio e recepção de em um e-mail pode comprovar toda sua validade, a exemplo de uma sentença assinada por um magistrado.

Finalmente, a indicação de que a discussão da cadeia de custódia e da possível falsificação do conteúdo de uma mensagem deva ser apoiada pela indicação de indícios concretos de alteração, sob pena de má-fé, pode gerar um paradoxo: exigir que quem se defende aponte o problema em uma mensagem concreta, quando o próprio volume coletado está sem garantias de que é autentico e íntegro. Se não apontar uma errada preliminarmente, acabo validando a coleta sem segurança como um todo? Melhor seria garantir a validade da coleta sem se preocupar inicialmente com o conteúdo.

Agradeço a todos os que enviaram comentários, tanto concordando, como criticando, e reforço a ideia central deste texto e do anterior: uma mensagem de correio eletrônico (e-mail) precisa de procedimentos padronizados de coleta e disponibilização no processo para ter sua aceitação validada, notadamente em litígios complexos.

Em conclusão, quanto mais os padrões forem seguidos e difundidos, menor será a necessidade de perícias. Se as garantias de coleta e inserção de provas no processo foram seguidas, caberá então a discussão do conteúdo.

Referências
EUFRAUSINO, C. C. V. Profundidade superficial e superficialidade profunda: o dilema da pesquisa em ciências humanas entre a disciplinaridade e a interdisciplinaridade. Em Questão, Porto Alegre, 14, n. 1, jan./jun. 2008. 107-123.



Marcelo Stopanovski é diretor de produção da i-luminas — suporte a litígios e consultor do escritório FeldensMadruga. . Professor da FGV in Company com a disciplina Engenharia do Conhecimento Jurídico. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília e mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina.

Revista Consultor Jurídico, 30 de setembro de 2015, 10h10

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