sábado, 19 de setembro de 2015

Cidadão tem direito de ter controle sobre coleta de dados pessoais







A “sociedade da informação”, forma de organização social que recorre ao intensivo uso da tecnologia para coleta, transmissão e armazenamento de informações, revela a inadequação das tradicionais definições aos conceitos de “privacidade” e “publicidade”, não sendo mais possível “considerar os problemas da privacidade somente por meio de um pêndulo entre ‘recolhimento’ e ‘divulgação’”[1].

Nesse cenário, o cidadão assume papel de protagonismo no fornecimento de suas informações, mas, por outro lado, de coadjuvante no seu uso. Foge ao seu controle quais dados estão nas mãos de quem; como estão sendo recolhidos; qual nível de controle ele detém sobre este armazenamento.

Neste contexto, explica Stefano Rodotá: “a contrapartida necessária para se obter um bem ou um serviço não se limita mais à soma de dinheiro solicitada, mas é necessariamente acompanhada por uma cessão de informações.”[2]

As operações de mineração de dados, também denominadas data mining, rastreiam orientações sexuais, perfis de consumo e áreas de interesse dos usuários à completa revelia desses, visando à construção de perfis (profiling) com base em seu comportamento[3]. Assevera Konder que “técnicas de mineração de dados (data mining) permitem, dentro do amplo manancial de informações já disponíveis da rede – fornecidas pelos titulares devido aos mais variados motivos e nos mais diversos contextos –, a seleção daquelas úteis e valiosas e sua reconstrução sob nova formatação”[4].

Anderson Schreiber aponta que “a coleta de dados do usuário – por meio de cookies e outras técnicas de transparência reduzida e legalidade duvidosa – tem permitido o desenvolvimento de perfis automáticos que são utilizados pelos fornecedores para direcionar o conteúdo da mensagem publicitária e da oferta de produtos na internet”[5]. Com efeito, a liberdade na rede reflete-se em rumos temerários ao direito de privacidade.

Direito à privacidade
1. Conceito e cláusula geral de tutela da privacidade
O conceito de privacidade mostra-se intimamente ligado ao conceito de liberdade, sendo ambas faces opostas de uma mesma moeda. O exercício do direito à privacidade nada mais representa do que o exercício do direito à liberdade, tanto a liberdade de se expor ou não quanto a de se decidir em que medida pretende o titular revelar sua intimidade e sua vida privada ao mundo exterior[6].

Neste sentido, afirma-se que

“o direito à privacidade decorre do direito à liberdade, na medida em que o primeiro abriga o direito à quietude, à paz interior, à solidão e ao isolamento contra a curiosidade pública, em relação a tudo o quanto possa interessar à pessoa, impedindo que se desnude sua vida particular; enquanto o segundo resguarda o direito a uma livre escolha daquilo que o indivíduo pretende ou não expor para terceiros, protegendo o seu círculo restrito da forma como lhe aprouver”[7].

Desse modo, temos por conceito do direito à privacidade a “faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos em sua vida privada e familiar, assim como de impedir-lhes o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área de manifestação existencial do ser humano”[8].

No Brasil, o direito à privacidade goza de um estatuto jurídico no ordenamento jurídico pátrio (art. 5º X da CF/88, arts. 21 do CC/02, art. 43 do CDC) e estrangeiro (por exemplo, o art. XII da Declaração Universal de Direitos do Homem), cujo cumprimento é inafastável pelos entes privados e públicos e, não menos importante, goza de um núcleo duro delineado pela doutrina.

Estes, portanto, são os contornos essenciais do direito à privacidade, direito este que se manifesta em seus aspectos objetivo e subjetivo.

2. Dimensão objetiva e subjetiva do direito de privacidade
É sedimentado na doutrina que os direitos fundamentais, como o é o direito à privacidade, possuem uma dupla dimensão: (i) subjetiva, como direito subjetivo do indivíduo de exigir de terceiros (particulares ou Estado) determinados comportamentos negativos ou positivos, e (ii) objetiva, como um sistema de valores do Estado Democrático de Direito, que funciona como diretriz axiológica e como limitador ao poder de império do Estado.

A privacidade, enquanto direito fundamental, manifesta-se em sua dimensão subjetiva (direito individual oponível ao Estado e demais particulares, faculdade que cada cidadão tem de obstar a intromissão de estranhos na sua intimidade e vida privada, de se autodeterminar e de controlar os próprios dados pessoais) e em sua dimensão objetiva (valor que condiciona constitucionalmente a atuação dos setores públicos na garantia do livre exercício da liberdade de consciência, de crença e de expressão).

Em termos práticos, dizer que o direito à privacidade manifesta-se objetivamente é dizer que o Poder Público tem um limite para sua atuação e uma diretriz na sua regulamentação, exigindo verdadeira atuação positiva dos entes da Administração Pública.

Ao abordar a imperiosa necessidade de atuação do Estado para a determinação destes limites, Gustavo Tepedino assevera que o exercício das liberdades no mundo tecnológico depende essencialmente da tutela da ordem jurídica. Neste sentido: “a liberdade, em especial nas relações existenciais, não implica na ausência do Direito, mas, ao contrário, pressupõe que o direito atue, de maneira a proteger a parte mais vulnerável, fornecendo-lhe meios para efetivamente poder discernir, decidir, agir.”[9]

3. Núcleo duro do direito à privacidade
Stefano Rodotá defende a existência do núcleo duro do direito à privacidade, que abarcaria um conjunto de informações pessoais que refletem a tradicional necessidade de sigilo, mas que assumiram, com o avanço dos tempos, maior relevância em outras categorias de informações, protegidas de tal forma que se evite que pela sua circulação possam surgir situações de descriminação com danos aos interessados.

Para Rodotá, o núcleo duro é formado de informações relacionadas às opiniões políticas e sindicais, além daquelas relativas à raça ou ao credo religioso. Afirma o doutrinador que “a classificação desses dados na categoria de dados sensíveis, particularmente protegidos contra os riscos da circulação, deriva de sua potencial inclinação para serem utilizados com finalidades discriminatórias”[10].

Sem abrir mão da proteção do núcleo duro do direito à privacidade, deve ser dito que o uso de dados privados para a determinação de políticas públicas pode ter efeitos desejados para a máquina administrativa. “Socializar o uso da informação privada”, para Stefano Rodotá, é indispensável para colocar em um plano de paridade todas aqueles que estão interessados em contribuir, através da livre discussão, para a determinação da política do próprio país[11].

Reconhecer a existência de um núcleo duro do direito à privacidade – e sua parte mais dura, inclusive – é reconhecer que os mecanismos de proteção a serem criados pelo Estado devem ser diferenciados para cada grupo de informações, de tal modo que medidas legais devem ser tomadas para cobrir com o véu do sigilo aquelas informações cuja circulação pode trazer riscos irreparáveis a seus titulares.

O Direito à autodeterminação informativa
A doutrina aponta como conceito de direito à autodeterminação informativa o “direito que cabe a cada indivíduo de controlar e de proteger os próprios dados pessoais, tendo em vista a moderna tecnologia e processamento de informação”[12].

O direito à autodeterminação informativa, também denominado de direito à privacidade decisional e informacional, pode ser tido como uma espécie do gênero direito à privacidade. Este direito foi reconhecido inicialmente pelo Tribunal Constitucional Alemão, no julgamento do caso da Lei do Censo Alemã, de 1982.

Segundo a corte alemã, o direito à autodeterminação informativa “pressupõe que, mesmo sob as condições da moderna tecnologia de processamento de informações (...), que o indivíduo exerça sua liberdade de decisão sobre as ações a serem precedidas ou omitidas em relação a seus dados”[13].

No mesmo rumo, a doutrina entende pela premente necessidade de se aprimorar as formas de controle para a garantia da autodeterminação informativa, como leciona Gustavo Tepedino:

“com o avanço e barateamento da tecnologia de informação, sofisticam-se os acessos e controles, o cruzamento e a circulação de dados, sendo urgente restabelecer mecanismos de tutela dos direitos fundamentais, especialmente no que tange aos dados sensíveis (...). Há que se definir quando, onde, como e para que fins podem ser colhidas informações pessoais, impedindo-se seu tratamento como ativo comercial ou expressão do poder político do Estado. Os critérios para tal definição hão de convergir par aa melhor tutela dos direitos fundamentais em jogo”.[14]

Princípios da autodeterminação informativa
Para a promoção de uma adequada proteção aos dados sensíveis frente ao progresso tecnológico é preciso que a atenção se desloque da proteção ao controle. Deve-se permitir ao cidadão que exerça um real poder de controle sobre a exatidão das informações que dele são colhidas, os seus destinatários e as suas modalidades de utilização.

É o exercício do chamado “direito à autodeterminação informativa”, que garante que cada cidadão seja senhor de suas informações ante as múltiplas possibilidades de coleta de dados oferecidas pela tecnologia.

Os princípios que tutelam ao direito à autodeterminação informativa podem ser extraídos de dois diplomas legais: a Convenção do Conselho da Europa, 28/01/1981 e a Recomendação da OCDE de 23/09/1980:

a. Princípio da correção: deve ser facultado ao cidadão o direito de retificar quaisquer dados coletados a seu respeito, a qualquer tempo sem quaisquer ônus;

b. Princípio da exatidão: os dados coletados devem guardar pertinência exata com os dados fornecidos pelo cidadão àquele destinatário, vedando-se o uso de meios suplementares não autorizados de coletas de dados;

c. Princípio da finalidade: deve haver uma relação direta de pertinência entre as finalidades da ação executada pelo coletor das informações e os dados que podem ser legitimamente coletados. Este princípio veda a licença indiscriminada, genérica e ampla para coletar dados pessoais em quaisquer formulários[15].

d. Princípio da publicidade dos bancos de dados: existência de um registro público prévio, com amplo acesso, dos bancos de dados;

e. Princípio do acesso individual: deve o indivíduo conhecer quais são as informações coletadas sobre si próprio, obter cópias e correção das informações, a integração das incompletas e a eliminação daquelas coletadas ilegitimamente;

e. Princípio da segurança física e lógica: os bancos de dados devem ser mantidos sob estruturas seguras o suficiente para impedir o acesso não autorizados dos dados por terceiros.

Conclusões
À guisa de conclusão, é certo que as novas tecnologias da informação criaram ferramentas de data mining eficientes, impondo uma nova forma de coleta e tratamento de informações pessoais.

Para equalizar o diapasão novas tecnologias x direito à autodeterminação informativa, aponta-se uma alternativa: a regulamentação, imediata, do direito à autodeterminação informativa para que o cidadão deixe de ser simples fornecedor de informações, passando a deter o real e efetivo controle sobre a coleta e destino de informações.

Por todo o contexto social e político, conclui-se por ser inviável e indesejável simplesmente proibir a coleta de dados. Ao revés: é preciso torná-la lícita, regulamentando-a conferindo, para além do aspecto substancial, um aspecto procedimental ao direito à privacidade.



[1] RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade da vigilância (coord. Maria Celina Bodin de Moraes). Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 25.


[2] Idem, pág. 113. 


[3] DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. 


[4] KONDER, Carlos Nelson. Privacidade e corpo: convergências possíveis.Pensar (UNIFOR), v. 18, p. 352-398, 2013. Pág. 373.


[5] SCHREIBER, Anderson. Contratos eletrônicos no Direito brasileiro – formação dos contratos eletrônicos e direito de arrependimento. In: Plínio Melgaré (org).O direito das obrigações na contemporaneidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. Pág. 52. 


[6] VIEIRA, Tatiana Malta. O direito à privacidade na sociedade da informação: efetividade desse direito fundamental diante dos avanços da tecnologia da informação. Brasília, 2007. 296 ps. Dissertação (Mestrado em Direito, Estado e Sociedade). Universidade de Brasília, Brasília, 2007. Pág. 22. 


[7] JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflito entre direitos da personalidade. São Paulo: RT, 2000, p. 260. 


[8] BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989, vol. 2, p. 63.


[9] TEPEDINO, Gustavo. Liberdades, tecnologia e teoria da interpretação. Revista Forense, v. 49, 2014. Pág. 88.


[10] RODOTÀ, Stefano. Op. Cit. p. 96. 


[11] RODOTÀ, Stefano. Op. Cit. p. 33.


[12] MARTINS, Leonardo (Org.). Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Montevidéu: Fundação Kontad Adenauer, 2005, pp. 233-235 


[13] VIEIRA, Tatiana Malta. Op. Cit. Pag. 88.


[14] TEPEDINO, Gustavo. Idem. Pág. 95. 


[15] RODOTÀ, Stefano Op. Cit. P. 80.


João Quinelato de Queiroz é advogado corporativo e bacharel em direito pelo Ibmec, com especialização em Direito do Entretenimento pela UERJ. É presidente da Comissão de Estágio da OAB-RJ.



Revista Consultor Jurídico, 26 de julho de 2015, 9h52

Clima político atrasa criação de agência reguladora de proteção de dados






O anteprojeto de lei que visa regular a proteção de dados no Brasil prevê a criação de um órgão responsável por fiscalizações e sanções sobre o tema. Porém, em um contexto de crise econômica e tentativas do governo federal de enxugar a máquina pública, lançar uma nova agência é uma medida que sofrerá críticas e irá gerar embate político. A questão foi alvo de debate no 6º Seminário de Proteção à Privacidade e aos Dados Pessoais, realizado na quarta-feira (16/9) em São Paulo.

Secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Cristiano Rocha Heckert entende que a criação da agência será um grande passo na pacificação no uso de dados no Brasil e poderá até mesmo gerar atividade econômica ao tornar o país atraente para a instalação de data centers.

Porém, Heckert ressaltou que o custo benefício deve ser debatido: “Um órgão como esse requer uma área de Tecnologia da Informação, de Recurso Humanos, licitações, aluguel de prédio e várias outras coisas. São muitas pessoas que não estão lá para a atividade fim, que é regular o uso de dados no Brasil. Nesse momento de contenção de gastos, a criação ou não do órgão tem que ser muito debatida”.

A possível movimentação econômica que a regulação do tema pode trazer ao Brasil também foi um dos pontos destacados por Danilo Doneda, colaborador do Ministério da Justiça na elaboração do texto do APL. Porém, ele foi além e se mostrou convicto que em médio prazo o país irá economizar recursos com a criação da agência. “Vai desafogar o Judiciário e órgão que regulam os direitos do consumidor, pois as regras estarão claras e terá quem as fiscalize. Isso evita uso de recursos em litígios”, afirmou.

Projetos no Senado
O anteprojeto elaborado pelo Ministério da Justiça foi aberto para consulta pública no início do ano e após avaliação da Casa Civil será enviada ao Congresso — o que deve ocorrer apenas em 2016. Isso não impede que outros projetos sobre o mesmo tema corram em paralelo em Brasília. No início do mês, o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) apresentou na Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado um substitutivo a três projetos de lei de proteção de dados pessoais que tramitam em conjunto.

“O senador é a favor da criação de uma agência reguladora, mas essa medida terá muita resistência devido ao momento político que estamos passando. Por isso é importante que fóruns especializados como esse peguem os conceitos estabelecidos aqui e nos levem para podermos fazer emendas e fortalecer o texto. Temos tido pouquíssimas contribuições”, disse Fabrício Motta, assessor parlamentar de Aloysio, que participou das mesas no seminário.

Ponte internacional
Outro aspecto da criação da agência é a possibilidade de que ela seja uma ponte com organismos internacionais na tentativa de responsabilizar empresas e provedores que estão fora do País, mas que atuam no Brasil. A teoria foi apresentada por Dennys Antonialli, presidente do instituto de pesquisa Internet Lab.

“Tivemos um caso de um aplicativo que usou de forma abusiva dados pessoais de seus usuários, porém a empresa fica na Suécia e o servidor nas Ilhas Seychelles. O que a Justiça do Brasil pode fazer é apenas bloquear o acesso ao site. Não há como responsabilizar. A agência pode se articular e estabelecer parcerias e contatos com órgãos internacionais para buscar essa responsabilização das empresas. Por ser uma instituição especializada, terá muito mais propriedade em fazer esses processo”, ponderou Antonialli. 


Fernando Martines é repórter da revista Consultor Jurídico.



Revista Consultor Jurídico, 19 de setembro de 2015, 10h00

Justiça cassa regra da OAB-PE que se antecipa a aposentadorias em tribunais






A Justiça Federal em Pernambuco cassou uma resolução da seccional pernambucana da OAB que dava início às votações para listas sêxtuplas de quinto constitucional antes mesmo de as vagas serem abertas. Para o juiz Edvaldo da Silva Batista Junior, da 10ª Vara Federal Cível de Recife, como o requisito para advogados serem nomeados desembargadores é de 10 anos de experiência, antecipar a inscrição de candidatos prejudicaria interessados nas vagas.

O pedido para cassar a regra foi feito pelo advogado Ricardo Lopes Correia Guedes. Ele reclama da Resolução 2/2015 da OAB de Pernambuco, que altera a Resolução 11/2011 para autorizar o Conselho Seccional da OAB-PE a se reunir para definir listas sêxtuplas antecipadamente.

A Resolução 2/15 autoriza a antecipação, mas apenas no caso de haver uma vaga aberta e outra para abrir dentro dos próximos três meses. A regra ainda permite à OAB a votar listas de tribunais diferentes ao mesmo tempo.

O que motivou a reclamação do advogado foi a abertura de prazo para que candidatos se inscrevam numa vaga que abrirá no Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, em Pernambuco. A OAB se antecipa à aposentadoria do desembargador Pedro Paulo Nóbrega, que completa 70 anos no dia 31 de outubro deste ano.

Para o advogado, a antecipação da escolha dos candidatos, além de ser um desrespeito ao desembargador, fere a competência exclusiva do Conselho Federal da OAB para regulamentar eleições nas seccionais da autarquia. 

De acordo com o texto da resolução, tudo isso está baseado nos “princípios da racionalidade e economicidade e o elevado custo financeiro dos certames eleitorais”. A norma também considera “a conveniência de se reunir em um único certame o processo de escolhe” às vagas do quinto constitucional da advocacia.

Segundo o juiz federal, no entanto, ao antecipar o momento de exigência de requisitos para a inscrição na vaga, a Resolução do Conselho Regional restringe os objetivos que foram constitucionalmente previstos. “Além de exceder os limites legais, a Resolução, no tocante à antecipação das inscrições, fere frontalmente o princípio da isonomia, criando distinções onde a lei não o fez, inovando no ordenamento jurídico”, disse.

Processo 0806148-22.2015.4.05.8300
Clique aqui para ler a decisão.
Clique aqui para ler a resolução da OAB-PE.


Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.



Revista Consultor Jurídico, 19 de setembro de 2015, 9h28

Tecelã tenta responsabilizar empresa por aborto e é condenada por litigância de má-fé



A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou uma tecelã prestadora de serviços da Companhia Cacique de Café Solúvel por litigância de má-fé em processo trabalhista. O colegiado não conheceu do recurso de revista da trabalhadora contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR), que concluiu que a empregada alterou a verdade dos fatos ao tentar responsabilizar a empresa por um aborto que sofreu.

Contratada em 2005, a tecelã foi demitida dois anos depois, sem justa causa, após ser diagnosticada com tendinite. Na época, ela chegou a cumprir período de licença médica e ter recomendações para ser transferida de função, tanto devido à doença quanto por complicações em sua gravidez. Mas, segundo a trabalhadora, a empresa ignorou a gravidade da situação, aumentou sua carga de trabalho – o que teria contribuído para o aborto – e, depois, providenciou a rescisão de seu contrato de trabalho.

Os juízos inferiores reconheceram o direito da trabalhadora a algumas verbas rescisórias e trabalhistas, mas não o nexo causal da doença e do aborto com as atividades desempenhadas na empresa. Por isso negaram a ela a indenização por dano moral, material e por assédio moral. O pagamento de horas extras e adicional noturno também foi negado à tecelã, por inconsistências em seus depoimentos.

Para o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) as versões apresentadas pela tecelã para vários pontos do processo foram conflitantes, o que comprovou a má intenção da trabalhadora em obter vantagem indevida às custas da empresa. Ela alegou, no entanto, ter ficado "sob forte emoção", nervosa e confusa, durante o depoimento, após ser questionada sobre o aborto que sofreu. Mas, com base nas provas juntadas ao processo, o TRT não aceitou a justificativa e condenou a trabalhadora ao pagamento de multa equivalente a 1% do valor total da causa.

Na Primeira Turma do TST, o ministro relator Walmir Oliveira da Costa não conheceu do recurso de revista por violação àSúmula 221 do TST. E, por decisão unânime, ficou mantida a condenação.

(Ailim Braz/CF)

Fonte: TST

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Turma reconhece validade de cartões de ponto sem assinatura de empregado




Com base no voto da desembargadora Camilla Guimarães Pereira Zeidler, a 3ª Turma do TRT de Minas considerou válidos os cartões de ponto apresentados sem a assinatura de um empregado de uma distribuidora, reformando a sentença que havia presumido verdadeira a jornada alegada na reclamação trabalhista. Com isso, as horas extras deferidas deverão ser apuradas pelos espelhos de ponto apresentados aos autos.

Na sentença, o juiz de 1º Grau havia entendido que os cartões de ponto não se prestavam a provar a jornada cumprida. Como fundamento, apontou que os documentos não abrangiam todo o contrato de trabalho, mostravam marcação invariável e muitos não continham assinatura do reclamante. Esse contexto levou o magistrado a acatar por verdadeira a jornada indicada na inicial, com amparo na Súmula 338 do TST, condenando a reclamada ao pagamento das horas extras.

No entanto, ao examinar o recurso apresentado pela reclamada, a Turma de julgadores teve entendimento diverso. É que, conforme observou a relatora no voto, o parágrafo 2° do artigo 74 da CLT não prevê a assinatura do empregado no espelho do registro de ponto eletrônico como condição de sua validade. Nesse sentido, foi citada ementa de decisão do TST, entendendo que a ausência de assinatura do empregado no cartão de ponto, por si só, não o invalida. Segundo a decisão, cabe ao empregado provar que a jornada registrada não é verdadeira, uma vez que o artigo 74, parágrafo 2º, da CLT apenas exige, para os estabelecimentos com mais de dez empregados, que seja feita a anotação da jornada em registro manual, mecânico ou eletrônico.

Além disso, a magistrada constatou que os cartões de ponto não registram horários uniformes. Assim, em princípio, são válidos como meio de prova. Ela destacou que a folha de ponto apontada pelo juiz sentenciante como exemplo de marcação britânica, na verdade, não contém nenhum registro, ressalvado o período de férias. E considerou em sua análise o que foi declarado por testemunha quanto à jornada cumprida.

Nesse cenário, os julgadores deram provimento ao recurso da distribuidora para, reformando em parte a sentença, determinar que as horas extras deferidas sejam apuradas pelos espelhos de ponto juntados ao processo, deduzindo-se as efetivamente pagas.( 0000607-13.2014.5.03.0099 ED )
Fonte: TRT3

Planos de saúde coletivos devem se submeter às regras sobre abusos do CDC






As operadoras de planos de saúde conseguiram aquilo que as instituições financeiras tentaram sem sucesso, que foi afastar a incidência do Código de Defesa do Consumidor aos seus contratos. Por incrível que possa parecer, decorre do disposto no art. 35-G da Lei 9.656/98 a aplicação subsidiária do Código apenas àqueles contratos estabelecidos “entre usuários e operadores de produtos”.

Como é notório, a imensa maioria das operadoras de planos de saúde só oferece no mercado planos de saúde coletivos, intermediados por entidades de classe, empresas empregadoras e por administradoras de benefícios. Essa intermediação descarta, segundo a lei, a aplicação mesmo subsidiária do Código de Defesa do Consumidor aos contratos coletivos de planos de saúde.

As operadoras aperceberam-se das brechas legais e da falta de proteção dos contratantes nos planos coletivos e passaram a não firmar mais contratos individuais ou familiares. Segundo números oficiais da ANS, os consumidores de planos coletivos empresariais cresceram de 6,1 milhões, em março de 2000, para 33,8 milhões, em março de 2015. Em contrapartida, os consumidores dos planos individuais ou familiares cresceram apenas de 4,7 milhões para 10 milhões no mesmo período, praticamente o mesmo crescimento experimentado no número de consumidores dos planos coletivos por adesão, de 3,0 milhões em março de 2000, para 6,7 milhões em março de 2015.

A tendência de crescimento dos planos coletivos empresariais superou o dobro do crescimento do número de contratantes de planos privados de assistência à saúde, no mesmo período. Muitos contratantes de planos individuais e familiares, sob a enganosa alegação de preços mais baratos, acabaram alterando seus contratos para coletivos. Contratos tipicamente familiares, que abarcam três a quatro vidas de uma mesma família, estão sendo disfarçados como coletivos empresariais.

De acordo com os números da ANS, em 2014 mais de quarenta milhões de usuários eram contratantes de planos coletivos enquanto que apenas dez milhões eram contratantes de planos individuais ou familiares. A proporção já era de um usuário de plano individual para quatro usuários de planos coletivos, com tendência de diminuição do primeiro grupo e de crescimento do segundo grupo.

A inoperância da ANS e as brechas propositalmente inseridas na lei pelos planos de saúde já deixam desprotegidos mais de quarenta milhões de consumidores brasileiros, que podem ter seus contratos rescindidos unilateralmente, sofrer reajustes abusivos porque não limitados pela ANS e diminuições da rede credenciada, a partir de simples negociação com a pessoa jurídica que intermediou os contratos coletivos firmados pelos consumidores.

O parágrafo único do artigo 13 da Lei 9.656/98 veda a recontagem de carências, a suspensão e a rescisão unilateral dos contratos de planos de saúde individuais ou familiares, deixando sujeitos a essas arbitrariedades por parte das operadoras de planos de saúde os contratantes dos planos coletivos.

O parágrafo único do artigo 16 da Lei 9.656/98 assegura a obtenção de cópia do contrato, do regulamento e das condições gerais apenas aos contratantes de planos individuais ou familiares. Vale dizer, os contratantes de planos de saúde coletivos não têm assegurado o direito básico à informação consagrado pelo artigo 6º, III do Código do Consumidor.

O artigo 35-E da Lei 9.656/98, no seu inciso III, veda a suspensão ou rescisão unilateral apenas dos contratos individuais ou familiares, sendo que o parágrafo 2º desse artigo sujeita à prévia aprovação da ANS apenas os reajustes dos planos individuais e familiares.

A falta de proteção dos contratantes de planos coletivos vem levando a inúmeras práticas abusivas, que acabam tendo que ser corrigidas no Judiciário. O Conselho Nacional de Justiça já identificou a litigiosidade envolvendo planos de saúde como um problema, a ponto do TJ-SP criar uma câmara temática visando reduzir o número desses conflitos. A despeito da judicialização já ser insuportável, está sendo cogitada a liberação dos reajustes também dos planos de saúde individuais. Se isso acontecer, a exemplo do que já ocorre com os planos coletivos, muitos consumidores serão expulsos indiretamente pela impossibilidade do pagamento das mensalidades ou passarão a contratar planos mais baratos, com menor cobertura.

A diminuição do número de usuários de planos de saúde repercute diretamente nas políticas de saúde pública, porque quem não tem acesso à saúde privada acaba sendo atendido pelo SUS. Assim como uma quebradeira dos planos de saúde pode inviabilizar a saúde pública, reajustes abusivos também podem inchar o já combalido sistema público de saúde.

Não é demais lembrar que saúde é um dos pressupostos da dignidade da pessoa humana, eleita como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil pelo artigo 1º da Constituição Federal. Sem tratamento de saúde adequado não existe vida digna. Muitos, infelizmente, não têm acesso a tratamentos de saúde adequados e quem tem, em um futuro próximo, deixará de ter, em virtude de discriminações ilícitas entre usuários de planos de saúde individuais e coletivos criadas pela própria Lei 9.656/98.

Consumidor, nos termos do artigo 2º, “caput” da Lei 8.078/90 é quem adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Nesse sentido os contratantes de planos coletivos também ostentam claramente a condição de consumidores, porque utilizam diretamente os serviços prestados pelas operadoras. A relação é indireta apenas na forma de contratação e de pagamento, sendo direta em relação à utilização. Negar a condição de consumidores dos usuários de planos coletivos, portanto, é uma falácia que apenas aproveita aos contratantes mais fortes dessa relação, que são as operadoras de planos de saúde.

Ademais disso, nada justifica sob o prisma constitucional a distinção de tratamento operada pela Lei 9.656/98 entre contratos de planos de saúde individuais e coletivos. O serviço se não é o mesmo é muito semelhante e a condição jurídica dos usuários é rigorosamente a mesma. Sem falar que o artigo 5º, XXXII da Constituição Federal coloca a defesa do consumidor como um direito fundamental, protegido por cláusula pétrea inclusive.

Qualquer lei que restrinja direitos de consumidores típicos é inconstitucional e assim deve ser reconhecida. Não há porquê diminuir os direitos dos contratantes dos planos coletivos em relação aos direitos dos contratantes dos planos individuais. A vulnerabilidade e a necessidade dos serviços é a mesma. Reajustes de planos coletivos sempre são “negociados” com as pessoas jurídicas que representam os consumidores sob a ameaça de rescisão unilateral dos contratos. Rescindido o contrato com a pessoa jurídica milhares e milhares de consumidores ficarão sem acesso à saúde privada, tendo que contratar novos planos de saúde, com recontagem de carências.

Está mais do que na hora dos operadores do direito refletirem sobre a questão dos planos coletivos no Brasil e passarem a enfrentar as práticas abusivas nos contratos coletivos de planos de saúde à luz do Código de Defesa do Consumidor, impedindo reajustes exagerados, rescisões unilaterais de contratos que deixam na rua consumidores doentes e diminuições das coberturas contratuais, que configuram também forma de aumento indireto dos planos de saúde, porque paga-se o mesmo por um serviço de qualidade bastante inferior. Não temos dúvida de que essas distinções operadas pela Lei 9.656/98 são inconstitucionais e assim devem ser reconhecidas, em sede de ADI no controle concentrado de constitucionalidade, ou incidentalmente nos processos no controle difuso de constitucionalidade.


Arthur Rollo é doutor pela PUC-SP e advogado.


Revista Consultor Jurídico, 13 de setembro de 2015, 7h30

Para desembargador, paternalismo não pode orientar ações de consumo





Para Werson Rego, especialista tem mais condições de tomar decisões impopulares
TJ-RJ

As câmaras especializadas em direito do consumidor do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro completaram dois anos de funcionamento no último dia 2 de setembro. Mas além da comemoração, a data foi também um convite à reflexão. O desembargador Werson Rego, que atua na 25ª Câmara Especializada, verifica uma tendência cada vez maior de decisões que afirmam direitos a consumidores mesmo quando há regra em sentido contrário. Na avaliação dele, isso indica uma tendência ao paternalismo exacerbado. 

Segundo o desembargador, das 27 câmaras cíveis existentes no TJ-RJ, apenas cinco são especializadas. Essas unidades chegam a receber 45% de todos os recursos que chegam ao tribunal e o volume de processos impressiona seus integrantes. Para driblar isso, a administração estipulou que todo desembargador recém-promovido tem que passar pelo juízo especializado. Assim, em muitos casos, as vagas são ocupadas por quem nunca teve contato com a matéria consumerista. 

“Um efeito disso é que, por não haver essa especialização, em um primeiro momento, pode-se achar que, por se tratar de câmara especializada em direito do consumidor, há que se proteger o consumidor indistintamente. E com isso corre-se o risco de transformar as câmaras especializadas em direito do consumidor em câmaras de proteção do consumidor”, acrescenta.

A fim de mudar esse cenário, entidades como a Harvard Law School Association of Brazil e Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio, em parceria com o tribunal, desenvolvem um projeto acadêmico-científico que prevê ações múltiplas, sendo a principal delas a formação dos integrantes dessas câmaras e dos servidores que os apoiam. Segundo Rego, que coordena a iniciativa, a finalidade é entender o alcance das decisões proferidas.

“O objetivo é estimular o julgador a entender que a decisão dele tem repercussão nas atividades econômicas e levando-o à reflexão sobre a importância dos julgamentos levarem segurança jurídica, estabilidade e paz aos mercados. As decisões têm que buscar, tanto o quanto possível, o melhor resultado coletivo e não apenas o interesse isolado de um demandante específico”, explica.

Um dos pontos altos do projeto ocorrerá no dia 9 de novembro, no TJ-RJ, com a promoção do evento Protagonismo Judicial, Segurança Jurídica e Paternalismo Pretoriano: Desafios em Tempos de Incerteza. “A ideia é mostrar que o ativismo [judicial] é importante, mas também que é preciso entendermos os limites desse protagonismo. O julgador tem que respeitar as atribuições constitucionais dos outros poderes”, afirma.

Leia a íntegra da entrevista.

ConJur — Qual é o objetivo do projeto ?
Werson Rego — Estimular o julgador a entender que a decisão dele tem repercussão nas atividades econômicas e levando-o à reflexão sobre a importância dos julgamentos levarem segurança jurídica, estabilidade e paz aos mercados. As decisões têm que buscar, tanto o quanto possível, o melhor resultado coletivo e não apenas o interesse isolado de um demandante específico. O julgador tem que saber como o mercado interpreta uma decisão judicial. Se julgarmos contra a regra, aumentamos os riscos nos mercados, que vão se proteger. E como? Embutindo o risco nos preços dos serviços e produtos. No final, quem pagará a fatura é o consumidor. Quando se pensa estar protegendo um consumidor ao dar a ele uma proteção jurídica sem um efetivo direito, esta conta será dividida com todos os consumidores daquele mercado. Então, surge a pergunta: será que os outros consumidores, sabendo disso, vão querer pagar esta conta ou vão preferir que o juiz seja rigoroso na análise de quem tem ou não razão?

ConJur — Como será possível fazer isso?
Werson Rego — Trabalhando em diversas frentes: a especialização do julgador, a qualificação da sua assessoria, a orientação adequada aos agentes econômicos e a formação de base teórica a dar suporte a todas essas ações, entre outras. A ideia é mostrar que a judicialização é um fenômeno social crescente e que o protagonismo judicial é importante. No entanto, o ativismo judicial deve respeitar certos limites. As câmaras do consumidor têm que atuar com o foco na segurança jurídica. É preciso levar paz, harmonia e equilíbrio para os mercados de consumo. E isso se faz dando razão a quem tem, reconhecendo direitos a quem tem, sem se preocupar muito se trata-se do fornecedor ou consumidor. Deve-se deixar de lado as rotulações a fim de evitar-se preconceitos que podem levar à adoção de uma postura de paternalismo exagerado. O consumidor tem que ser protegido, por ser vulnerável, mas não pode ser tratado como incapaz. 

ConJur — Mas essa postura dos juízes não é exigido pelo próprio CDC, que é uma legislação mais protecionista?
Werson Rego — Não existe problema em termos uma legislação paternalista. O problema está no excesso. O Código de Defesa de Consumidor é um exemplo de paternalismo jurídico, mas o vocábulo paternalismo tem que ser desmitificado. Não posso encarar o vocábulo como algo ruim. Paternalismo jurídico significa proteção jurídica do vulnerável. E é normal que existam leis que protejam o vulnerável. O CDC cumpre também essa finalidade. Neste sentido, temos um paternalismo jurídico positivo, por assimetria de informações, que visa a tutela do vulnerável. Ou seja, em que o Estado pode intervir para assegurar ao indivíduo a tomada da decisão mais adequada.

ConJur — De que maneira o consumidor é tratado como incapaz?
Werson Rego — Retirando dele a responsabilidade pelos atos que pratica. O consumidor que, devidamente informado e esclarecido, que teve o prazo de reflexão, fez a sua escolha e errou, deve assumir a responsabilidade. Se tudo o que se exigia do fornecedor foi satisfeito, não se pode retirar do consumidor a responsabilidade pelo ato de decidir. Não podemos apenas dizer “ele fez um mal negócio, vamos rescindir o contrato e devolver a ele tudo o que pagou”. Deve-se respeitar as escolhas que ele fez livremente. 

ConJur — Há muitas decisões nesse sentido?
Werson Rego — Sim. No entanto, devemos trabalhar para corrigir isso. Do contrário, incidiremos no que a doutrina refere como paternalismo pretoriano.

ConJur — Por que os juízes julgam assim?
Werson Rego — Pela conjugação de alguns fatores. O primeiro por um sentimento humano: há uma tendência do ser humano em tutelar e proteger o mais fraco, solidarizando-se com o mesmo. Segundo, como se tratam de mercados complexos e dinâmicos, com normatizações específicas, se o julgador não tiver uma formação acadêmica ampla e, ao mesmo tempo, conhecimento das particularidades desses mercados, a qualidade da decisão pode ficar comprometida. Há também a ausência de visão a longo prazo. Muitas vezes se foca apenas no processo específico, na situação pontual que foi levada ao julgamento, sem se preocupar com o impacto e a repercussão da decisão a médio e longo prazos nos mercados nos quais a discussão se estabeleceu. 

ConJur — Diante desse cenário, as decisões proferidas em direito de consumidor realmente cumprem a função pedagógica?
Werson Rego — Um dos objetivos desse esforço é conferir caráter pedagógico aos julgados das câmaras especializadas, que têm a missão não apenas de decidir os conflitos de interesse, mas também de orientar os mercados e pautar os agentes econômicos ao definir, com objetividade e clareza, o que é certo e o que é errado. Hoje não se tem a dimensão dessa função pedagógica; os julgados ainda são muito divergentes. As vezes há posições sobre uma mesma matéria conflitantes dentro da própria câmara. A segurança para decidir contramajoritariamente só o especialista tem. E para fazer isso, tem que ter o domínio da matéria e analisar o caso com muita profundidade para que se possa tomar uma decisão que contrarie o senso comum.

ConJur — Com as câmaras dos consumidores, uma nova demanda eclodiu no Órgão Especial, que são os conflitos de competência para avaliar se determinada matéria deve ser julgada pelas câmaras cíveis ou especializadas em direito do consumidor. Como o senhor avalia isso?
Werson Rego — É natural, primeiro pela novidade. Somos o único tribunal a ter câmaras especializadas em direito do consumidor. Ainda existe muitas incertezas. Temos uma especialização regimental, mas até chegar a uma especialização efetiva de julgamentos, ainda há um percurso. Daqui a um tempo, quando as câmaras já estiverem melhor estruturadas e houver certa uniformidade de entendimento em relação a questões que têm que ser julgadas, isso vai diminuir substancialmente. Para avançar precisamos estruturar melhor essas câmaras. O ideal também seria aumentar o número de câmaras do consumidor, até pela questão de volume de trabalho. Cinco câmaras respondem por 45% dos processos cíveis do TJ. E as outras 22 dividem os 55% que sobraram. Então, há muito o que fazer. 

*Texto atualizado às 14h35 desta segunda-feira (14/9). 



Giselle Souza é correspondente da ConJur no Rio de Janeiro.



Revista Consultor Jurídico, 14 de setembro de 2015, 8h37

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...