segunda-feira, 9 de março de 2015

Pesquisa Pronta traz dano moral presumido e prescrição para ressarcimento de dano ao erário



Dano moral presumido – ou in re ipsa– e prescrição da pretensão de ressarcimento por prejuízo causado ao erário são os novos temas da Pesquisa Pronta disponibilizados nesta semana na página do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O dano moral in re ipsa é aquele que dispensa prova para sua configuração. Uma situação bastante recorrente no Poder Judiciário diz respeito à inscrição indevida de consumidores em cadastro de inadimplentes. Nessa hipótese, há entendimento do STJ no sentido de que o dano moral prescinde de prova.

Quanto ao segundo tema, há precedentes do tribunal que afastam o prazo prescricional de cinco anos para ajuizamento da ação de improbidade administrativa quando há dano ao erário. Para ressarcimento dos valores, a ação é imprescritível.

Os temas da Pesquisa Pronta são escolhidos pela Secretaria de Jurisprudência com base na relevância jurídica e na utilidade, tanto para os operadores do direito quanto para a sociedade. Os interessados podem ter acesso a todos os acórdãos relacionados aos temas, julgados desde a criação do tribunal até a data especificada nas pesquisas. 

Conheça a Pesquisa Pronta

A Pesquisa Pronta foi criada para facilitar o trabalho de advogados e outros interessados em conhecer a jurisprudência do STJ. O serviço é online e está totalmente integrado à base de jurisprudência do tribunal.

Como sugere o nome, a página oferece consultas a pesquisas prontamente disponíveis sobre temas jurídicos relevantes, bem como a acórdãos com julgamento de casos notórios.

Embora os parâmetros de pesquisa sejam predefinidos, a busca dos documentos é feita em tempo real, o que possibilita que os resultados fornecidos estejam sempre atualizados.

Como utilizar a ferramenta

A Pesquisa Pronta está permanentemente disponível no portal do STJ. Basta acessar Jurisprudência > Pesquisa Pronta na página inicial do site, a partir do menu principal de navegação.

As últimas pesquisas realizadas podem ser encontradas emAssuntos Recentes. A página lista temas selecionados por relevância jurídica, de acordo com o ramo do direito ao qual pertencem.

Já o link Casos Notórios fornece um rol de temas que alcançaram grande repercussão nos meios de comunicação.

Ao clicar em assunto de seu interesse, o usuário é direcionado a uma nova página com o teor de acórdãos do tribunal que dizem respeito ao tema escolhido.

Quem preferir pode clicar diretamente no link com o nome do ramo do direito desejado para acessar os assuntos que se aplicam a ele.

Fonte: STJ

quinta-feira, 5 de março de 2015

Zimermann, Schmidt, Streck e Otavio: todos contra o pan-principialismo




Li na revista eletrônica Consultor Jurídico, no último domingo (1/3), belíssima entrevista feita por Sérgio Rodas e Otavio Luiz Rodrigues Jr com os Professores alemães Reinhard Zimmermann e Jan Peter Schmidt. A manchete já diz tudo: "Princípios do Código Civil não autorizam juiz a atropelar a lei" (clique aqui para ler). Dizem:

“Mas, claro, as cláusulas gerais têm uma grande desvantagem, na medida em que elas criam incerteza jurídica e talvez deem muito poder ao juiz. Dito de outro modo: talvez as cláusulas não deem tanto poder ao juiz, mas o juiz pode acreditar que agora ele tem muito poder.

Complementando, dizem:

“Então, ele pode ir longe demais nos seus poderes discricionários. E isso é algo que pode ser observado hoje em dia em alguns tribunais brasileiros, quando determinados juízes revelam uma certa tendência a desprezar as normas específicas que foram promulgadas pelo legislador, e, em vez disso, preferem se basear diretamente no princípio da boa-fé, por exemplo, e recorrer a ele para solucionar o caso, mesmo se a solução for contrária ao que a norma específica diz.

Para fechar:

Então, na realidade, eles invertem as decisões que o legislador tomou. E o objetivo das cláusulas não é dar poder ao juiz para prevalecer sobre o legislador”.

A reportagem é um balde de água fria no pan-principialismo da terra de Santa Cruz. É um petardo contra o uso inadequado das cláusulas gerais do Código Civil. Despiciendo dizer que adorei o conteúdo da entrevista. Afinal, para um jurista nativo que de há muito diz a mesma coisa e bate nessa tecla, ler isso dito por eminentes professores alemães é um bálsamo, mormente pela síndrome de Caramuru que assalta as mentes pindoramenses, em que tudo que vem de fora é melhor. Pois aqui estou usando “os de fora” para confrontar o que representa o pensamento dominante hoje, que, por acaso, diz-se “baseado na doutrina que vem...de fora”. Meu esquema, aqui, é 4-5-1 (com três volantes de contenção).

Há mais de década que denuncio o que Zimmermann e Schmidt (ver nota 5) disseram na entrevista em liça. E em Verdade e Consenso, nas diversas edições, deixei isso bem claro ao comentar as cláusulas gerais do Código Civil.

Sempre afirmei que o pan-principialismo e o ab-uso das (e nas) cláusulas gerais vinha de uma equivocada interpretação da jurisprudência dos valores e da tese alexyana de que princípios são mandados de otimização. Enfim, sempre sustentei o equívoco da tese de que “princípios são valores”,verbis:

“(...) é equivocada a tese de que os princípios são mandatos de otimização e de que as regras traduzem especificidades (em caso de colisão, uma afastaria a outra, na base do “tudo ou nada”), pois dá a ideia de que os “princípios” seriam “cláusulas abertas”, espaço reservado à “livre atuação da subjetividade do juiz”, na linha, aliás, da defesa que alguns civilistas fazem das cláusulas gerais do novo Código Civil, que, nesta parte, seria o ‘Código do juiz’”.1

Bingo!

Também de há muito digo que “parcela considerável dos doutrinadores civilistas brasileiros trilha pelo caminho de entender o novo Código Civil como um sistema aberto, em face, principalmente, da adoção das cláusulas gerais”. E me valho da contundente análise crítica elaborada por Otavio Luiz Rodrigues Jr, ao que denomina de colonização do Direito Civil por uma visão distorcida do conceito de “constitucionalização do direito privado”:

“Começa-se a usar de conceitos e ferramentas típicas da análise econômica do Direito e a se falar em ponderação ou sopesamento de princípios e valores, bem ao gosto, respectivamente, dos escritos de Richard Posner e Robert Alexy. Experimentam-se, nesse cenário, situações de desagradável sincretismo metodológico, importação e apropriação inadequadas de conceitos e de categorias, tudo em nome de argumentações grandiloquentes, que, muita vez, escondem falácias, jogos de palavras ou vazios de fundamentação. (...) Quando se diz algo como ‘o novo Direito Civil busca os princípios e não a letra fria da lei’ ou ele se ocupa ‘da Justiça e não da Lei’, faz-se uma brutal confusão entre o problema de o Direito ter um referencial externo (a Justiça, a Legitimidade, o Bom, o Moral) de correção de suas normas e a forma como o Direito é estudado. (...) Nesse sentido, ‘a existência de conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais na Constituição, o que é esperável dada sua natureza normativa específica, é campo fértil para a ação dos interessados no arbítrio e no abuso da discricionariedade judicial. Se foi possível realizar demagogia judiciária com base em elementos do próprio Direito Civil, agora isso é feito com a invocação do texto constitucional’”.2

Mais ainda, sempre disse, tanto em Verdade e Consenso como emHermenêutica Jurídica e(m) Crise, que

“pensar assim é fazer uma concessão à discricionariedade positivista, o que pode ser facilmente percebido em assertivas do tipo ‘a lei [o Código Civil, na parte relativa às cláusulas gerais] confia ao intérprete‑aplicador, com absoluta exclusividade e larga margem de liberdade, a inteira responsabilidade de encontrar, diante de um modelo vago, a decisão justa para cada hipótese levada à decisão judicial’3” (grifo meu).

Enfim, é em vários textos venho afirmando que não parece democrático delegar ao juiz o preenchimento conceitual das assim chamadas “cláusulas gerais” (a mesma crítica pode ser feita ao uso da ponderação para a “escolha” do princípio que será utilizado para a resolução do problema causado pela “textura aberta da cláusula”). Ao lado disse, critiquei sempre com veemência essa praga contemporânea representada pela Lei-com-nome-chocolate (LINDB). Ela é o sintoma do atraso da teoria do direito em Pindorama.

Por tudo isso vem bem a calhar a crítica de Zimmermann e Schmidt em sua incursão na terra de Santa Cruz. Para quem quer compreender as críticas e avançar na discussão lendo nossas objeções ao pan-principialismo, basta ver o que tem sido feito em nome da “abertura” do direito civil, dos valores a serem descobertos ao-se-cavar-debaixo-das-cláusulas-gerais e da construção desenfreada de “princípios” que nada tem de normatividade como “felicidade, afetividade e a superafetação da dignidade da pessoa humana”, pelos quais hoje é possível decidir de qualquer modo. Em nome da “abertura principiológica”, criaram-se princípios como do poliamorismo, para reconhecimento de relação de união estável para a concubina concorrer a herança do falecido; princípio da paternidade responsável pelo qual a responsabilidade começa desde a concepção até que seja pertinente um acompanhamento dos filhos pelos pais; princípio da solidariedade familiar, pelo qual o Poder Público, bem como a sociedade, devem promover políticas públicas para garantir as necessidades familiares de pobres e excluídos (isso tudo pode ser bom...mas judiciário não tem a chave do cofre; e mais: atende-se a alguns e o restante fica a ver navios; eis a diferença entre atitudes ad hoc e políticas públicas!). Nessa linha ultra-ativista, dá-se três mães a uma criança e/ou dois ou três pais (fora os avós); estende-se licença-maternidade por três ou quatro meses porque a mãe teve trigêmeos; licença maternidade para homem que adotou gêmeos com licença dobrada; concede-se usucapião de terras públicas em nome da dignidade da pessoa humana (até a caça se proíbe com base nesse super-princípio), que, também serve para fundamentar sentenças cíveis em acidente de trânsito, reconhecimento da competência da Justiça do Trabalho para julgar ações de terceirizados contra a União4, inadimplemento de obrigações, elasticidade para reconhecimentos de assédio moral, alteração de função de trabalhador em ofensa à convenção coletiva, reintegração de posse (afinal, qual é a reintegração que não viola alguma “dignidade”?),5 alteração de prenome6, cerceamento de defesa, manutenção – ou cassação - de prisão preventiva (sim, isso vai até ao processo penal) e tantos outros exemplos colhidos de uma rápida pesquisa nos ementários eletrônicos de vários tribunais brasileiros. E isso só para citar algumas das coisas que vem sendo feitas em nome da “abertura valorativa-principiológica” que predomina no direito civil, mas que se espraiou por outros campos, mormente a partir do neoconstitucionalismo e o uso desenfreado da ponderação de “valores” (sic) ou de “interesses” (sic).

Quando alguém como eu protesta dizendo que existem limites interpretativos e clamo, ancorado v..g., em Elias Diaz, por uma “legalidade constitucional”, sou taxado de “conservador” e “positivista” (sic) por querer defender “a letra – sic - do Código Civil” (ou de outros Códigos). Onde se viu clamar pela obediência de uma sinonímia em uma lei? Onde já se viu querer que “onde está escrito ‘perguntas complementares” se leia...”perguntas complementares”, que, como se sabe,...sempre vem...depois”? Nem mais respondo a isso. Já muito escrevi sobre esse tema. Apenas quero dizer que, em uma democracia, todo poder emana do povo, por mais mal que esse povo possa ter votado, elegendo deputados irresponsáveis, etc, etc. O poder não emana do Poder Judiciário. Por vezes – ou na maioria das vezes – ao praticarmos e incentivarmos ativismos, não estamos fazendo mais do que tutelar o povo. Claro. A malta vota mal (e, é claro, nós votamos bem! Nós somos os esclarecidos!). Logo, temos que “protegê-la” dela mesma, delegando o poder de decidir para além do que o legislador decidiu. De novo, antes que alguém me acuse de exegetista ou originalista, sugiro a leitura do texto “Aplicar a ‘letra da lei’ é uma atitude positivista?” (cliqueaqui para ler). Não me façam nenhuma crítica sem ler esse artigo. Essa discussão é recorrente também em meu Lições de Crítica Hermenêutica do Direito (Livraria do Advogado, 11ª. Ed) e Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica (4ª. Ed, RT). Não me aventuro a dizer frases soltas e sem contexto, sem invocar a própria tradição que ajudei a construir. Não parto, pois, de algum grau zero de sentido.

Antes de concluir, mais uma ou duas palavras. Ao me alegrar com a entrevista de Zimmermann-Schmidt7 e também reivindicar as alvíssaras pela originalidade de minhas críticas, não pretendo agir como o “sábio incompreendido”. Disso não podem me acusar. Quero apenas por ênfase na luta que não é apenas minha, mas cuja bandeira tenho sustentado a duras penas contra o pensamento pseudomajoritário de quem compreende o Direito como algo “fácil”, “dúctil”, “entre amigos” e que pensa que o direito não comporta limites e que tudo passa pela consciência do intérprete e por aquilo que ele acha “justo” (um justômetro?). Pois é. Justo para quem, eis a questão.

Devemos isso não aos acadêmicos, muitos dos quais já desertaram de suas missões, tão bem descritas por Zimmermann, mas ao povo humilde, à malta, ao trabalhador que é defraudado em seus direitos e busca no Direito uma resposta. O que quero dizer? Simples. É que em tempos de ditadura, era admissível desconfiar de uma lei elaborada por militares autocratas. Já na democracia, ainda que o espaço de cooperação entre os Poderes haja se ampliado, ao exemplo das medidas provisórias ou das ações de descumprimento de preceito fundamental, permanece no Parlamento a centralidade da legisferação democrática.

Não podemos converter cada unidade jurisdicional brasileira em uma “microconstituinte” ou nela encontrar um “código” particular. Democracia pressupõe igualdade e essa pressupõe conhecer o direito e vê-lo aplicado isonomicamente para o cidadão de Rio Branco ou do Alegrete. Os tempos passam, mas não se pode esquecer que uma revolução começou em 1789 em larga medida porque os súditos não aguentavam mais se sujeitar a magistrados que decidiam conforme suas consciências e em nome de “costumes” que só eles sabiam interpretar. Desculpem-me, mas isso precisa ser dito, mesmo que a grande maioria tenha medo em fazê-lo.

Meu discurso é antigo e tem encontrado, aqui na coluna Senso Incomum, uma refinada compreensão de muitos leitores que me acompanham desde seu início. E não posso deixar de me alegrar quando vejo também o reconhecimento da crítica pan-principiológica no Supremo Tribunal Federal, especialmente no já clássico acórdão do ministro Dias Toffoli sobre a investigação de paternidade. No RE 363.889, corajosamente e contra o lugar-comum, Toffoli fez um longo repúdio ao uso indiscriminado da dignidade humana e dos princípios como “tropo retórico”. Na fundamentação, eu me encontrava ao lado de Antonio Junqueira de Azevedo e João Baptista Vilella. Ideologicamente antípodas, mas, como eu, fiéis ao rigor metodológico. Também fico feliz quando leio no acórdão do STF (Recl 2645), relatoria do Ministro Teori Zavaski, a encampação implícita do que venho dizendo com minhas seis hipóteses (Jurisdição Constitucional e Decisão Juridica, op.cit) pelas quais uma lei pode não ser aplicada. Diz o STF: não se pode negar a aplicação de uma lei sem antes declarar formalmente a sua inconstitucionalidade. Bingo de novo. Não é fácil ser profeta em sua própria terra. Que as palavras de Zimmermann-Schmidt possam atrair mais pessoas para esse tipo de reflexão.

E mais não preciso dizer. Basta ler a entrevista de Zimmermann e Schmidt. E os textos do Otavio Luiz. Bingo!


1 Cf. Verdade e consenso, 5. ed., Saraiva,2014, e nas edições anteriores.


2 Cf. RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz . Estatuto epistemológico do Direito Civil contemporâneo na tradição de civil law em face do neoconstitucionalismo e dos princípios. O Direito (Lisboa), v. 143, p. 43-66, 2011. Disponível em: https://www.academia.edu/9281885/ESTATUTO_EPISTEMOL%C3%93GICO_DO_DIREITO_CIVIL_CONTEMPOR%C3%82NEO_NA_TRADI%C3%87%C3%83O_DE_CIVIL_LAW_EM_FACE_DO_NEOCONSTITUCIONALISMO_E_DOS_PRINC%C3%8DPIOS


3Aqui faço uma crítica à doutrina de Frederico R. A. Neves, que simboliza o termo médio do que se diz sobre o assunto, in: Conceitos jurídicos indeterminados e direito jurisprudencial. In: Processo civil: aspectos relevantes. São Paulo: Método, 2006, pp. 85‑86.


4 Todos os exemplos não são fictos. Eles são casos concretos decididos. Apenas arrolo que este é do TRT-3-. Acórdão nº: 20150090760. Juiz Relator: Ivani Contini Bramante. 4ª Turma. 3-3-2015.


5 Alguém dirá que alguns dos exemplos que elenco (p.ex., o poliamorismo) tem a concordância de juristas-civilistas do porte de Pablo Malheiros e Luis Edson Fachin. Entretanto, isso não quer dizer que eles concordem com o modo como “isso está sendo feito”. O que quero ressaltar é que há um conjunto de autores do direito civil como Malheiros, Fachin, Paulo Lobo, Ricardo Aronne e Carlos Pianovski (entre outros) que não concordam com o uso indiscriminado e desfundamentado dos princípios no Direito e no Direito Civil. Também ressalvo, aqui, a contribuição de Ingo Sarlet, pelas críticas bem feitas ao uso indiscriminado da “dignidade”.


6 Idem nota 4: TJRJ. 19ª Câmara Cível. Apelação 0048246-59.2010.8.19.0038. Des. Ferdinaldo do Nascimento. Julgado em 06/12/2011.



7 Obviamente que não concordo com todas as teses de Zimmermann. Por exemplo, não tenho exatamente a mesma posição quanto à relação regra-princípio. Para mim, há momentos em que um princípio tem de ter o poder de derrogar uma regra (ou propiciar que se faça uma nulidade parcial sem redução de texto), caso contrário teríamos que deletar a tese de que princípios (também) são normas e que são deontológicos e não meramente teleológicos. Como já disse tantas vezes, princípios atuam (também) no código lícito-ilícito. Só que não são aplicados sem regras. E nem estas são aplicadas sem eles. Veja-se que na entrevista, Zimmermann e Schmidt concordam, por exemplo, que não se pode aplicar o principio da boa-fé diretamente, no que concordamos. Mas sobre nossos (des)acordos, farei coluna específica. Importa, aqui, é o “adversário epistêmico comum” que combatemos.

Lenio Luiz Streck é jurista, professor, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.



Revista Consultor Jurídico, 5 de março de 2015, 9h24

Objetivo da magistratura é a celeridade, não reduzir o trabalho, diz AMB





O pedido feito pelos magistrados para que a presidente Dilma Rousseff vete os parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo 489 do novo Código de Processo Civil — que trata da fundamentação do processo —, não é evitar o aumento de trabalho dos juízes, mas buscar a celeridade processual. É o que argumenta o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, João Ricardo Costa, que está inconformado com ascríticas que recebeu por ter feito os pedidos de veto.

"Há uma liberdade nas petições que permitem que sejam elencados todo e qualquer fundamento, inclusive as que são impertinentes. Ao exigir que todas essas questões sejam analisadas e justificadas nas decisões, o novo CPC vai burocratizar o processo", afirma João Ricardo.

"Temos escritórios que recebem honorário por peça processual. Como um sistema sobrevive a uma maneira dessa? Do jeito que foi aprovado, o novo CPC fomenta este tipo de contratação", diz.

O pedido de veto feito por três associações nacionais de magistrados (AMB, Associação dos Juízes Federais do Brasil e Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) foi criticada por especialistas ouvidos pela ConJur. Para alguns, o objetivo das associações seria evitar que aumente o trabalho dos juízes.

"Em contraponto a esse argumento, eu poderia dizer que o interesse desses que criticam é o mercado de trabalho e não o interesse de dar mais efetividade ao Judiciário", rebate. 

Para João Ricardo, a argumentação tem como objetivo interditar o debate. "O mais sensato seria rebater os nossos argumentos à luz da realidade", diz. "Cada vez que apresentamos uma proposta para racionalizar o processo recebemos a resposta que não queremos trabalhar."

Ele aponta que os juízes estão no limite de sua capacidade laboral, mas que o principal problema é a falta de racionalidade do sistema processual brasileiro.

O presidente da AMB conta um caso que, segundo ele, reflete bem o formato burocrático e anacrônico que está sendo mantido novo CPC. É sobre uma ação de 2005 relativa a planos econômicos, com jurisprudência consolidada, mas no qual, até hoje, as partes não viram a cor do dinheiro, pois o processo já conta com 88 recursos.

"Essa é a realidade que a magistratura enxerga e que parece que os outros operadores do Direito não estão vendo. Em hipótese alguma está relacionada a carga laboral, o que se pretende é salvar alguma coisa ruim nesse texto do novo CPC que vai burocratizar o processo", diz.

Para João Ricardo, o novo código vai beneficiar apenas aqueles que buscam atrapalhar o andamento processual. "Este dispositivo no novo CPC cria elementos para criar incidentes processuais para obstaculizar o processo. O CPC que temos hoje é melhor que o apresentado", afirma.

Segundo o juiz, a exigência de fundamentar todas as questões apresentadas não seria um problema se existisse, no próprio código, dispositivos para coibir a parte de argumentar fundamentos impertinentes, notóriamente, para tumultuar o processo. Segundo ele, isso foi levantado pelos magistrados durante o debate no Congresso, mas a entidade não obteve êxito.

João Ricardo levanta ainda outra questão. Ao exigir que o juiz utilize os argumentos apresentados pelas partes, o novo CPC impede que o juiz decida usando uma fundamentação que não foi apresentada. "O CPC quer limitar isso?", questiona. 

Para João Ricardo, se não for vetado, o novo CPC vai transformar o processo em uma busca pelo honorário em vez de uma busca de direito da parte.

Leia o artigo 489 do novo CPC :
Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.
§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
§ 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.
§ 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.


Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.



Revista Consultor Jurídico, 4 de março de 2015, 18h17

Empregado que abandonou o emprego ao fim do auxílio-doença não consegue reverter justa causa



Um operador de telemarketing não conseguiu reverter na Justiça do Trabalho a justa causa por abandono de emprego aplicada pelo banco empregador. É que, depois de ficar afastado pelo INSS durante três meses por motivo de doença, ele não mais retornou ao trabalho após receber alta previdenciária.

As provas apresentadas pelo banco para atestar o abandono de emprego convenceram a juíza substituta Andréa Buttler, que julgou a reclamação na 9ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte: foram anexados cartões de ponto e telegramas, sendo um com recibo de entrega assinado pelo reclamante, demonstrando que ele foi notificado em 26/03/2014 e 14/04/2014 para retornar ao trabalho ou justificar a sua ausência. Na mensagem, a empresa o advertiu a respeito da possibilidade de caracterização do abandono de emprego.

Na decisão, a juíza ressaltou que o reclamante confirmou em audiência seu endereço, para onde foram enviados os telegramas. A magistrada não encontrou nenhuma prova atestando a impossibilidade de retorno do ex-empregado ao trabalho no banco.

Segundo destacou a julgadora, o próprio reclamante informou que interpôs recurso administrativo junto ao INSS, mas a prorrogação do auxílio-doença foi negada pela autarquia. "Se o autor não voltou ao trabalho após ter sido considerado apto para tanto pelo INSS, ainda que estivesse discutindo esta decisão administrativamente, não poderia se esquivar de comparecer ao trabalho, enquanto esperava pelo deslinde daquele recurso administrativo", pontuou.

Considerando o número de faltas injustificadas, superiores a 30 dias, a julgadora presumiu a intenção do reclamante de não mais trabalhar, reconhecendo a versão de abandono de emprego, nos termos do 482, alínea i, da CLT. O trabalhador também havia pedido uma indenização por dano moral, a qual foi negada, tendo em vista a ausência de abuso de direito e a correta aplicação da dispensa por justa causa. Não houve recurso e a decisão transitou em julgado.


Fonte: TRT3

Banco Safra não consegue dispensar trabalhador afastado por auxílio-doença durante aviso-prévio





Um empregado do Banco Safra conseguiu anular sua dispensa ocorrida quando detinha o benefício do auxílio-doença, durante o período do aviso prévio indenizado. O banco tentou reverter a decisão condenatória, mas teve o agravo de instrumento desprovido pela Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho.

Em decisão anterior, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) manteve a sentença que reconheceu a nulidade da dispensa, ocorrida em 3/3/2009, uma vez que o benefício do auxílio-doença foi deferido ao empregado a partir de 18/3/2009, no curso da projeção do aviso prévio. Na avaliação do Tribunal Regional, a sentença está em conformidade com a Súmula 371 do TST.

"O que se verifica na presente hipótese não é a nulidade da dispensa, mas sim, a impossibilidade da sua concretização em virtude da percepção do benefício previdenciário", concluiu o Regional, assinalando que o nexo de causalidade entre a doença que motivou o afastamento (LER/DORT) e a atividade que desenvolvia na empresa foi devidamente comprovado.

Desprovimento – Ao analisar o agravo de instrumento do banco, alegando que a demissão de empregado é direito potestativo do empregador, o relator, desembargador convocado Paulo Maia Filho, afirmou que o preceito indicado pelo banco como ofensa constitucional (artigo 5º, inciso II, da Constituição da República), não se mostra ofendido, como exige o artigo 896, alínea "c", da CLT.

A decisão foi por unanimidade no sentido de negar provimento ao agravo.

(Mário Correia/CF)


Fonte: TST

Corte Especial admite recurso adesivo de quem ganha indenização por dano moral abaixo do valor pedido


O autor de ação de indenização por dano moral que consegue um valor menor do que foi pedido tem interesse de recorrer e pode interpor recurso adesivo ao do réu que perdeu a ação.

A decisão é da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tomada nesta quarta-feira (4) em julgamento de recurso especial sob o rito dos repetitivos, previsto no artigo 543-C do Código de Processo Civil (CPC).

Os ministros firmaram a seguinte tese, que serve de orientação para todo o Judiciário brasileiro: “O recurso adesivo pode ser interposto pelo autor da demanda indenizatória julgada procedente, quando arbitrado, a título de danos morais, valor inferior ao que era almejado, uma vez configurado o interesse recursal do demandante em ver majorada a condenação, hipótese caracterizadora de sucumbência material.”

O recurso julgado teve origem em ação de indenização por dano moral proposta por vítima de agressão física em uma casa noturna. Ele pediu que o valor não fosse inferior a 150 salários mínimos, mas a sentença fixou o montante em R$ 4 mil.

O réu apelou ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, pedindo a improcedência da ação ou a redução da indenização para R$ 3 mil. O autor apelou adesivamente, requerendo o aumento do dano moral para R$ 30 mil. O réu perdeu, e a vítima conseguiu R$ 18 mil.

Sucumbência material

No recurso ao STJ, o réu alegou violação do artigo 500 do CPC, porque não estaria configurada a sucumbência recíproca, que ocorre quando as duas partes perdem o processo em alguma extensão. Sustentou que isso é requisito para interposição de recurso adesivo e que estaria sendo violada a Súmula 326 do STJ, que diz: “O arbitramento de indenização compensatória por dano moral em quantia aquém da postulada não implica sucumbência recíproca.”

O relator do recurso, ministro Marco Buzzi, afastou a violação da súmula porque ela trata da definição da responsabilidade pelo pagamento de despesas processuais e honorários advocatícios devidos em razão da sucumbência. Não serve para verificar existência de interesse recursal do autor. 

Buzzi explicou que a concessão integral do pedido feito na ação configura sucumbência formal da parte ré. Ao mesmo tempo, pode haver a sucumbência material do autor, que ocorre quando seu pedido não é plenamente atendido. Nesse caso, ele tem interesse em recorrer.

Uma vez constatado o interesse recursal do autor da ação de indenização por danos morais, quando arbitrada quantia inferior ao valor desejado, a decisão será apelável, embargável ou extraordinariamente recorrível. Sendo cabível o recurso independente pelo autor materialmente sucumbente, não se pode tolher seu direito ao recurso adesivo em caso de impugnação principal exclusiva da parte contrária.

Fonte: STJ

Primeira Turma garante medicamento para glaucoma a pessoas pobres de município catarinense


A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos, confirmou o efeito erga omnesde uma sentença que garantiu o fornecimento de remédios a pessoas carentes portadoras de glaucoma no município de Lages (SC).

O entendimento do STJ é que as ações civis públicas, ao tutelar indiretamente direitos individuais homogêneos, viabilizam prestação jurisdicional mais efetiva a toda uma coletividade, dada a eficácia vinculante de suas sentenças.

A ação foi ajuizada pelo Ministério Público estadual contra o estado de Santa Catarina e o município, com o objetivo de garantir o fornecimento dos medicamentos Symbicort e Betoptics para uma paciente sem condições de pagar por eles.

A decisão do STJ permite que outras pessoas que não participaram da relação processual na ação civil pública possam proceder à execução individual da sentença, nos limites da competência territorial do órgão judicial que a proferiu.

O juízo de primeira instância havia atendido o pedido do Ministério Público para que a sentença tivesse esse efeito para todos, conhecido juridicamente como efeito erga omnes, mas o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) restringiu o alcance da ação às partes envolvidas no processo.

Desafogando a Justiça

O Ministério Público apontou no recurso ao STJ afronta aos artigos 81, 97, 103 e 394do Código de Defesa do Consumidor (CDC). A decisão do TJSC, segundo o Ministério Público, contrariou ainda o artigo 21 da Lei 7.347/85, que regula a ação civil pública.

O voto vencedor no julgamento do recurso foi apresentado pelo ministro Benedito Gonçalves. Segundo ele, se na ação coletiva é deferido a certos cidadãos o exercício de um direito difuso – que, por definição, é transindividual e tem como titulares pessoas indeterminadas –, e se há provável chance de que esse mesmo direito seja pleiteado por outros cidadãos, não é recomendável que a máquina judiciária tenha de ser mobilizada para todos esses processos.

Para o ministro, a extensão dos efeitos da coisa julgada subjacente à ação coletiva é uma forma de evitar o ajuizamento de grande número de ações individuais que objetivem a mesma tutela judicial, bem como, no caso de execução coletiva, o ajuizamento de ações autônomas de liquidação e execução referentes à obrigação que foi reconhecida na fase de conhecimento.

Defensoria

A relatora do recurso, desembargadora convocada Marga Tessler – que ficou vencida com o ministro Napoleão Nunes Maia Filho –, considerou que não seria possível estender os efeitos da sentença a outras pessoas hipossuficientes, especialmente depois que foi criada a Defensoria Pública estadual, em 2012, a qual pode atuar em situações específicas.

Segundo ela, seria necessária a produção de estudos técnicos sobre a suposta insuficiência de políticas públicas de saúde no tratamento de determinada patologia para se conceder o benefício geral. Atender o pedido do Ministério Público, disse a magistrada, seria inviabilizar a realização de qualquer política pública na área de saúde por parte dos entes públicos de Santa Catarina.

Fonte: STJ

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