quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

A PEC da Bengala e/ou "O curioso caso da PEC Benjamin Button"!





Tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição 457, conhecida, de forma pejorativa, de PEC da Bengala, uma vez que altera a idade da aposentadoria compulsória de 70 para 75 anos no serviço público, o que inclui os ministros dos tribunais superiores do Brasil.

É simples assim. Em vez de, por exemplo, um ministro do STJ ou STF ter de se retirar aos 70 anos, passaria a ter o direito de ficar por mais 5 anos. Veja-se que os meios de comunicação e a população em geral já colocaram um apelido na Proposta de Emenda. PEC da bengala não parece ser o melhor epíteto, porque gera um certo preconceito contra as pessoas — hoje perfeitamente vivendo com saúde mental e física — que judicam nos tribunais superiores (e, obviamente, contra os demais servidores públicos). De todo modo, esse é o preço que a PEC tem de pagar em face de sua inoportunidade e inconveniência.

Em primeiro lugar, para que se faça uma emenda constitucional desse jaez é necessário um amplo debate no plano do serviço público do país. Não vi isso acontecer. É evidente que devemos fazer alterações legislativas visando a economizar na máquina pública cada vez mais inchada. Entretanto, isso não é tão simples assim. Fosse o caso, bastaria propormos a extinção dos tribunais militares, dos tribunais de contas do município, de algumas procuradorias de estatais passando o trabalho para a advocacia pública, não pagar determinadas vantagens que ultrapassam o teto, auxílios de vários tipos, extinguir cargos e funções sobrepostas e/ou inúteis, uso de carros oficiais, adicionais por tempo de serviço etc. Poderíamos propor também tribunais administrativos (como em países europeus) para substituir esferas da justiça federal, que só existem em face da ineficiência da administração pública... Ou simplesmente aumentar a idade mínima para aposentadoria em mais 5 anos. Daria um patamar de economia próximo ao da PEC da Bengala... Pois é. Mas assim, sem discussão? Algumas são mais simples; outras complexíssimas. Algumas se resolvem simplesmente a partir de uma sindicalidade constitucional; outras, de complicada lege ferenda. 

Em segundo lugar, se for alterada a idade máxima, por certo não deveria atingir os atuais servidores públicos — o que inclui os componentes dos tribunais. Isso é o mínimo em uma República. Os atuais detentores de cargos não podem se beneficiar de uma alteração quando eles mesmos, por exemplo, os ministros do STF, terão que julgar eventual discussão acerca da inconstitucionalidade da proposta.

Em terceiro lugar, não há prognose acerca da necessidade ou dos benefícios que a alteração trará. Por exemplo, as entidades do Ministério Público e a Associação dos Magistrados Brasileiros dizem que, a despeito do inegável aumento da expectativa de vida — a partir da segunda metade do século XX —, a proposta implica graves prejuízos ao interesse público e às carreiras do Ministério Público e do Judiciário (e acrescento eu, às demais carreiras de Estado), em virtude: a) do engessamento das carreiras, em face da possibilidade oferecida pela proposição de longa e desproporcional permanência dos membros do Judiciário nos órgãos de cúpula e dos membros do Ministério Público que atuam perante esses órgãos; b) da possibilidade de — ao contrário do que se defende — aumento das despesas com a previdência pública, em virtude do fomento às aposentadorias voluntárias por tempo de contribuição, diante da perspectiva negativa de ascensão na carreira; c) dos obstáculos ao desenvolvimento gerencial dos órgãos das carreiras de Estado, pois o alongamento em mais cinco anos do exercício na carreira impediria a renovação da administração pública, das rotinas processuais das varas, dos tribunais, dos tribunais superiores, das procuradorias etc., necessárias para trazer a este poder a celeridade e a dinamização de que necessita, conforme determina o princípio da duração razoável do processo (artigo 5°, inciso LXXVIII, CF); d) de o Brasil ser ainda um país de instituições novas, as quais, em especial as instituições jurídicas, precisam, para sua natural evolução, também, de constante evolução do pensamento de seus integrantes.

Em parte, concordo com os argumentos. De todo modo, penso que falta mesmo à referida PEC uma prognose — como antes referi — que pode ser entendida como o prognóstico que o legislador deve fazer quando elabora uma lei (mormente uma PEC) acerca de algo que poderá vir a ocorrer caso ele não faça a alteração legislativa em questão. Isto é: o legislador deve dizer as razões pelas quais é indispensável alterar determinado padrão normativo (mormente no caso em que a Emenda Constitucional altera significativamente o futuro das carreiras jurídicas e da funcionalidade das Instituições, decorrente dessa mudança). Essa ausência de prognose, como se sabe, já é, hoje, motivo — no Constitucionalismo Contemporâneo — para a declaração de inconstitucionalidade de uma lei ou de uma Emenda Constitucional. E, no caso em pauta (PEC 457 de 2005), é visível a ausência de prognose. Sim, sei da liberdade de conformação do legislador. Mas essa liberdade tem limites, como todos sabemos. Não fosse isso e não haveria controle de constitucionalidade.

Em quarto lugar, trata-se de uma proposta de alteração constitucional de “conveniência”, o que a torna igualmente inconstitucional. Juristas do quilate de Ronald Dworkin consideram ser inconstitucional uma lei feita para atender determinados interesses de pessoas ou de grupos. É o que se chama de “leis de conveniência”, que não devem ser aceitas em uma democracia.

Sem dúvida, não sou contra a priori a que se faça esse tipo de alteração constitucional. Mas, é claro, para que se a faça, teremos que fazer uma ampla discussão, com audiências públicas, cálculos, discussões com o amplo espectro do serviço público brasileiro.

No plano daquilo que está causando polêmica maior — a aplicação da PEC aos membros do STF, que, com isso, poderão permanecer mais 5 anos na judicatura — causa espanto que no mundo todo os tribunais caminham no sentido de estabelecer mandatos fixos para os juízes das supremas cortes. Só aqui é que, em vez de discutir isso a fundo, queremos fazer isso de forma genérica. Não dá para aceitar que a discussão seja posta desse modo. Sendo mais simples: tudo a está a indicar que os parlamentares, para conseguirem uma extensão do tempo de serviço dos membros dos tribunais superiores — e, por favor, todos sabemos a motivação já desde 2005 quando surgiu a PEC — constroem uma emenda para todo o serviço público (até porque não poderiam fazer uma PEC dirigida, explicitamente, aos tribunais superiores). Em nenhum momento o Parlamento demonstrou o contrário disso que estou falando. Um detalhe: se a PEC vem se arrastando desde 2005 e estando o Parlamento com nova composição (o senado com um terço renovado), não necessitaria o assunto voltar às comissões respectivas? Ao que vi no site da Câmara, a última movimentação foi em junho de 2006, portanto, nove anos atrás. Isso não é relevante? Como “aproveitar” o que já foi votado nessa PEC depois de tantos anos e várias legislaturas? Portanto, esse assunto deveria partir do zero. No mínimo para que os novos parlamentares possam discutir a matéria. Como “desarquivar” (não importa, aqui, se a matéria é ou não sujeita a arquivamento) desse modo? Mesmo que haja alguma brecha no regimento interno, não parece que essa normativa permissiva seja compatível com a principiologia constitucional (soberania popular, democracia representativa, etc; afinal, um novo parlamento não pode simplesmente sufragar o que outras composições fizeram anos atrás). Bingo, pois não? Obs: aliás, há algo mais confuso que o Regimento Interno da Câmara dos Deputados ou do Senado?

Ouvindo falar disso tudo, lembro do filme O Curioso caso de Benjamin Button, cujo ciclo da vida se fez ao contrário. Por uma rara doença, ele nasceu velho e foi ficando jovem na medida em que o tempo passava. Quem sabe a PEC da Bengala (cujo nome, como disse, abomino por ser preconceituoso) não deva ser chamada de A Curiosa PEC Benjamin Button.Vejam o filme e entenderão. Ela — a PEC — já nasce velha. E por que? Porque parece repleta da velha política. Igualzinho a coisas como “orçamento impositivo”. Ora, obrigar o governo a liberar o dinheiro das emendas parlamentares não me parece ser uma prática nova, certo? Dezesseis milhões por parlamentar? É disso que se trata? Qual é a prognose disso? O porteiro do Supremo Tribunal Federal deveria declarar essa emenda inconstitucional (aprovada no dia 10 último).

Esse é o problema: quando Benjamin fica velho, fica tão jovem que desaparece.

Post scriptum: Li na ConJur que um dos réus da "lava jato" (Carlos Alberto Pereira da Costa) é defendido pela Defensoria Pública da União. Pois é. Deve ter comprovado a sua hipossuficiência, pois não? Ou isso não mais é necessário? Revogaram (também) o dispositivo da Constituição que diz que a Defensoria defende os hipossuficientes? Ou, no caso concreto, o referido acusado na "lava jato" está “testando o sistema”?


Lenio Luiz Streck é jurista, professor, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.



Revista Consultor Jurídico, 12 de fevereiro de 2015, 8h00

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Como se produz um jurista em alguns lugares do mundo? O modelo alemão





A classe dos professores mandarins
A figura do imperador do Sacro Império Romano Germânico sempre foi envolta em uma áurea de simpatia popular, ao menos em sua dimensão mítica. O exemplo mais perfeito do soberano “desejado das gentes” é do Frederico Barba-Ruiva (1122-1190), que morreu afogado ao tentar atravessar o rio Sèlef, na região da atual Turquia, quando comandava a Terceira Cruzada, cujo objetivo era retomar Jerusalém das mãos de Saladino. Seu desaparecimento, aliado ao fato de não terem encontrado seu corpo, alimentou lendas muito parecidas com as que até hoje cercam D. Sebastião em Portugal. Frederico tentou centralizar o poder em pleno feudalismo, combatendo os poderes da aristocracia local, no que era visto pelo povo como alguém capaz de controlar os abusos da nobreza sobre os camponeses e habitantes dos burgos.

No Segundo Reich, nascido após as guerras prussianas contra a Dinamarca (Guerra dos Ducados do Elba), a Áustria e a França, o mito do “bom imperador” ressurge com força, especialmente em um cenário marcado pela conservação de enormes poderes pelos reis, príncipes e duques da Alemanha recém-unificada em 1870. Essa rivalidade entre o imperador e a fidalguia regional foi muito bem explorada pelos soberanos da nova Alemanha. Entre os camponeses e a crescente classe operária, o poder central era um anteparo contra os excessos dos representantes do poder local, que, por estar próximo e visível, é sempre mais odioso do que aquel’outro, mais distante e por isso mesmo com menor capacidade de controle. Um exemplo da impopularidade dessa aristocracia rural está no belíssimo filme A fita branca, de 2009, dirigido por Michael Haneke.

Para auxiliá-lo a administrar o estado alemão, sem ficar refém da aristocracia, que já dominava o Exército e a carreira diplomática, após 1870, os imperadores firmaram uma aliança informal com uma classe antiga, mas que só a partir do século XVIII começou a ganhar consciência de seu próprio poder. Tratava-se dos acadêmicos, dos professores universitários, ou, como prefere Franz K. Ringer, dos “intelectuais mandarins”. Ringer formulou a interessante hipótese de que os soberanos do Segundo Reich incentivaram a ocupação de postos relevantes na burocracia estatal pelos professores, aproveitando-se de seus conhecimentos superiores e de seu senso de superioridade moral (quase religiosa naqueles tempos de cientificismo extremo), a fim de criar uma nova aristocracia do mérito.

Como bem assinalou Martônio Mont’Alverne Barreto Lima, a hipótese de Ringer já havia sido proposta em relação à burocracia imperial brasileira em artigo de Eul-So Pang e Ronald Seckinger.[1] Como afirmado na coluna que abriu esta série (clique aqui para ler), nossas ligações com as tradições imperiais de origem austro-alemã são mais profundas do que se imagina.

Alguns efeitos dessa política de Estado da monarquia alemã oitocentista foram logo sentidos. A qualificação de Herr Professor Doktor ganhou contornos de um autêntico título de nobreza e tornou-se praticamente uma partícula do nome civil de seus titulares, que figurava em cartões de visita, placas nas universidades e até em lápides e obituários publicados nos jornais. Esse processo ganhou tal dimensão que, segundo Franz K. Ringer, o recebimento dos títulos de Adel (fidalgo) e Ritter (cavaleiro), da baixa nobreza, que conferiam o direito ao uso da partícula von (de), não mais despertava o interesse dos “acadêmicos mandarins”, salvo notórias exceções como Otto Gierke, que recebeu o título de nobreza na década de 1900 e passou a ostentá-lo em suas publicações como Otto von Gierke.

Mesmo com a queda da Casa de Hohenzollern, a consciência de classe e a ocupação de papeis relevantes na sociedade alemã persistiu na República de Weimar. Os “acadêmicos mandarins”, desse modo referidos em alusão aomandarinato, a classe burocrática do velho Império da China, continuaram prestigiados, embora a crise de 1920-1930 haja comprometido sua condição remuneratória. Enfraquecidos economicamente, com a chegada no nazismo, muitos jovens professores assistentes agiram como alpinistas sociais e usaram da ideologia política (sociais democratas e monarquistas) ou étnica (judeus) dos catedráticos para derrubá-los e ocupar suas cadeiras nas universidades. Muitos dos demitidos nunca mais voltaram à universidade.

Com o pós-guerra, a universidade alemã foi reconstruída, seguindo-se os padrões de excelência do passado. Os professores, embora não mais possam ser considerados como uma classe de mandarins, dada a ampliação da elite econômica, política e cultural na Alemanha, são ainda hoje um grupo especial na sociedade alemã. Pode-se arriscar a dizer que não exista um país no mundo onde os catedráticos sejam tão bem remunerados, respeitados e valorizados quanto na Alemanha. O cargo de professor catedrático tem um prestígio equivalente ao de senador da República. O título de Herr Professor Doktor ainda possui o brilho de uma partícula nobiliárquica e a sociedade lhes reconhece uma preeminência nos negócios públicos sem par em muitas nações desenvolvidas.

Um símbolo dessa condição notável está nos 105 prêmios Nobel que a Alemanha recebeu, o que a coloca em terceiro lugar no ranking das nações agraciadas, perdendo apenas para os Estados Unidos da América (352), por razões óbvias, e para o Reino Unido (120), durante muito tempo a sede do “império onde o sol nunca se põe”. Considerando-se que a Alemanha foi arrasada duas vezes no século XX, não deixa de ser um número impressionante.

Em uma série de colunas sobre ensino jurídico, não se poderia ignorar essas particularidades da Alemanha, o país que será estudado hoje. Vamos agora examinar um pouco sobre a carreira docente alemã, com evidente ênfase no Direito, embora muitos dados sejam intercambiáveis para outras áreas.

É importante conhecer as características do modelo alemão sob 3 aspectos: a) o docente; b) a universidade e c) a formação discente. 

A docência jurídica na Alemanha
Na Alemanha, diferentemente do que se dá no Brasil, a palavra professor é exclusiva do ocupante do cargo equivalente brasileiro a “professor titular”. O professor alemão é o catedrático e somente este. Nesse sentido, os professores assistentes, adjuntos e associados (títulos brasileiros inferiores ao de titular) não correspondem tecnicamente às expressões alemãsrichtiger Professor, Vollprofessor, Ordentlicher Professor. No plano de carreiras alemão, esses docentes são qualificados por letras, que correspondem a sua remuneração. O catedrático é o professor C4, embora raramente se encontre nessa classe os professores C3. É condição prévia para a obtenção desse cargo ter o candidato prestado o exame de habilitação, com a defesa de uma tese (Habilitationsschrif), o trabalho mais importante na carreira de um docente, que anteriormente já deve ter sido aprovado no doutorado (Promotion).

Abaixo de catedrático, há uma série de posições acadêmicas, como a deMitarbeiter, Assitent, Privatdozent, Referent ou ainda außerplanmäßiger Professor. O professor catedrático, à semelhança do modelo brasileiro pré-reforma educacional dos anos 1970, é um polo em torno do qual se associam pesquisadores mais jovens, assistentes de docência, estagiários em números inimagináveis para os padrões brasileiros.

A escolha dos candidatos à cátedra (Lehrstuhl, literalmente “cadeira de lente”) dá-se por meio de uma seleção pública composta de etapas como entrevista, análise de currículo e uma exposição, que pode ser uma palestra ou uma aula, com base em texto escrito para esse fim. Evidentemente, é pré-requisito ter o candidato a Habilitation. As bancas funcionam como autênticos “comitês de busca”, elegendo para as vagas um perfil de professor ideal, cujas características o escolhido deve preencher. Para um brasileiro, esse sistema seria chocante pelo elevado grau de subjetividade e pessoalidade da seleção. Há, no entanto, uma série de contrapesos: não se pode ser professor na instituição que foi a alma mater do candidato, o que impõe uma severa exogenia e faz com que se oxigenem as composições dos corpos docentes. A figura do Doktorvater (orientador) é muito relevante para o futuro da carreira do candidato à docência. 

Existem, ainda, contratações de professores catedráticos entre instituições. Universidades menores ou menos prestigiadas oferecem condições especiais para atrair catedráticos de outras instituições, como, por exemplo, auxílio-moradia, transporte ferroviário e bônus remuneratórios, à moda do que se dá nos Estados Unidos. Não necessariamente o catedrático precisa residir na cidade-sede da instituição. É comum haver professores com duplo domicílio ou mesmo exercendo atividades de pesquisador em um local e docente em outro.

Um número também surpreendente: na Alemanha há, em termos aproximados, 950 catedráticos em cursos jurídicos.[2] Martônio Mont’Alverne Barreto Lima e Marcelo D. Varella, em estudo de enorme impacto sobre a revalidação de títulos estrangeiros no Brasil, reforçam esses números: “A gigantesca Universidade Livre de Berlin possui 50 professores; a Universidade de Bremen tem 15 professores; a de Frankfurt/M. possui 28 professores; a de Munique, 31; e a de Münster, 30. Ocorre que em cada uma destas o número de assistentes científicos, Lehrbeauftragter, Privatdozenten,Professor in Vertretung e de pesquisadores com atividades em centros de pesquisa vinculados à área de Direito ou em atividade conjunta com outras áreas (...), faz com que o reduzido número de professores, somado a esta força de trabalho de boa qualidade, porém não amadurecida, seja triplicado”.[3]

Essa quantidade tão reduzida de professores catedráticos, considerando-se os padrões brasileiros, é ainda mais eloquente quando comparada ao número de alunos: aproximadamente 100 mil discentes. E também ao número de faculdades de Direito: 43 escolas, sendo apenas três privadas, com sede em Hambugo, Wiesbaden e Lüneburg. Um detalhe: essas instituições privadas são pequenas e tentam seguir um caminho de excelência educacional. Exemplo disso é a Bucerius Law School, de Hamburgo, fundada em 2000, com orçamento anual de 16,8 milhões de euros em 2014, que possui menos de 600 estudantes de graduação, com 15 professores em dedicação exclusiva e 30 em tempo parcial, além de assistentes e visitantes. A Bucerius foi uma criação do político e jornalista

Gerd Bucerius (1906-1995), fundador do jornal Die Zeit, que foi juiz nos anos 1930 e lutou contra os nazistas, além de defender judeus. A ideia de Bucerius era criar um think tank e uma escola jurídica de qualidade, para o que deixou expressivos recursos em legado para essa finalidade.

O leitor deve-se indagar neste momento como podem tão poucos catedráticos exerceram o magistério para tantos alunos e em tão poucas instituições? A pergunta é mais do que oportuna e ela se justifica por uma aparente contradição decorrente de haver poucos professores, muitos alunos e poucas faculdades.

Não se quer avançar na estrutura das instituições e na formação discente, do que se cuidará na próxima semana. Logo, a resposta será parcial. Mas, vamos a ela.

Primeiramente, é necessário referir que o número tão pequeno de catedráticos implica a possibilidade do Estado alemão pagar boas remunerações para esses docentes, ao menos seguindo-se o padrão do serviço público e, em termos comparativos, com certas atividades do mercado privado. Segundo dados do CIHE - Center for International Higher Education, [4] no topo da carreira docente, a Alemanha paga o equivalente a 6.377 dólares norte-americanos. Na Europa, está abaixo do Reino Unido (US$ 8.369), Holanda (US$ 7.123), dois países com custo de vida mais elevado que o alemão. A Itália surpreende com o valor de 9.118 dólares norte-americanos, o mais alto padrão em solo europeu, perdendo apenas para o Canadá, quem melhor paga os catedráticos no mundo, com remuneração de U$9.485. O Brasil paga U$4.500 a seus professores titulares em final de carreira, o que implica uma diferença de 104 dólares a menos do que o padrão japonês. Esses dados variam muito se forem tomados pela média do início, do meio e do final da carreira. Nessa hipótese, a média brasileira seria de 3.179 dólares. Como, para esta coluna, importa somente os valores pagos aos catedráticos, o quantum médio é desconsiderado.

Em segundo lugar, deve-se ter em mente que o professor catedrático alemão não possui um regime de aulas sequenciais como se dá no Brasil. Ele profere a Vorlesung, uma espécie de aula magna, em períodos específicos (semanais ou quinzenais), para auditórios lotados com 100, 200 a 400. Em muitos casos, as aulas ocorrem em pavimentos diferentes, com uma parte da turma assistindo a Vorlesung por meio de telões, às quais também comparecem os alunos do Magister, um curso de pós-graduação, de variável natureza, conforme a universidade que o ofereça, equiparável, na maior parte dos casos, a uma especialização ou, mais raramente, a um mestrado. Posteriormente, os alunos reúnem-se com os assistentes e vão fazer estudos de casos, fortemente baseados no método subsuntivo e na exegese do Código Civil, nas disciplinas de Direito Civil.

Finalmente, há uma maior liberdade no comparecimento dessas aulas e no modo como os alunos se relacionam com a universidade e com as avaliações internas, do que se cuidará na próxima coluna.

Inserção jurídico-política do professor de Direito na Alemanha
A forte tradição de “acadêmicos mandarins”, embora relativamente transformada após 1949, não poderia deixar de repercutir nos dias de hoje. Os professores de Direito não se isolam em suas cátedras e não são mal vistos quando deixam a universidade para atuar politicamente ou em órgãos públicos. É muito comum a participação dos catedráticos de Direito no processo legislativo, por meio de oferta de projetos de lei ou pela crítica sistemática (e impiedosa) ao trabalho parlamentar, quando não são os próprios professores que se candidatam a cargos públicos ou assumem a chefia de ministérios, agências, autarquias e afins.

É igualmente vulgar a indicação de professores para cargos nos tribunais regionais ou superiores, quando não ao próprio Tribunal Constitucional Federal. Como bem destacou Tilman Quarch, em seu artigo Introdução à Hermenêutica do Direito Alemão: Der Gutachtenstil, publicado no volume 1 da Revista de Direito Civil Contemporâneo, a relação entre professores e juízes é de complementariedade e de enorme respeito pelo trabalho de lecionar e de julgar, a despeito das críticas ácidas dos docentes a muitas decisões das cortes alemãs.

Existe ainda uma forte tradição de clivagem ideológica entre os professores de Direito. Os dois grandes partidos políticos – a União Democrática Cristã e o Partido Social Democrata – possuem fundações, à semelhança do que ocorre no Brasil, que financiam pesadamente estudantes e pesquisadores, além de publicações de teses (que são pagas pelos autores) e outros projetos acadêmicos, diferentemente do que se dá no Brasil. Desde cedo é possível identificar a orientação ideológica de muitos docentes, o que se reflete nas universidades. Em larga medida, isso não afeta a independência científica, porque não há uma apropriação “partidária” das instituições em níveis que comprometam sua independência. 

Conclusões parciais e algumas comparações: é um sistema ideal? 
O modelo de docência universitária alemão, particularmente a jurídica, tem enormes méritos. A remuneração é boa, mas não é a maior da Europa. Os catedráticos possuem condições de trabalho e de pesquisa muito superiores a seus congêneres europeus e ainda podem ser “disputados” em um saudável processo de concorrência entre as instituições, que só encontra paralelo equiparável nos Estados Unidos. A seleção é mais dinâmica e focada nas necessidades da instituição e não somente em aspectos formais que muitas vezes não selecionam os melhores candidatos. A existência de um grande número de assistentes, adjuntos e associados em volta do catedrático permite-lhe realizar pesquisas de maior qualidade, concentrar seu tempo para preparar aulas de melhor nível, ao passo em que também lhe dá o reconhecimento social invulgar em termos contemporâneos. A representação social do professor é superiormente interessante na Alemanha.

A despeito de suas grandes qualidades, o modelo alemão, no que se refere à docência, também possui problemas e alguns deles têm sido objeto de críticas por parte de setores da sociedade. As mais graves, como se verá, dizem respeito ao modo como os estudantes são avaliados.

Limitando-se o problema aos professores, existem algumas censuras veladas ao método de seleção, que abriria muito espaço para o peso do orientador do candidato. É também crescente a discussão sobre as relações entre oDoktorvater (orientador) e os doutorandos. O número de denúncias de plágio cresceu muito e isso causou espécie na sociedade alemã. Foi muito divulgado o escândalo envolvendo a tese de doutorado de Karl-Theodor Freiherr von und zu Guttenberg, então ministro da Defesa do governo Merkel, acusado de plágio no trabalho que apresentou à Universidade de Bayreuth, sob orientação de Peter Häberle. O barão Guttenberg, ou barão Googleberg, como se tornou jocosamente conhecido, era cotado para o cargo de chanceler federal e um nome muito popular na Alemanha. Jovem, carismático, bem sucedido como ministro e com impecáveis credenciais familiares: seus antepassados militaram ativamente contra Hitler e envolveram-se na Operação Valquíria. Sua reputação foi abaixo com o plágio, o que simboliza o valor de um título acadêmico na Alemanha.

A remuneração dos pesquisadores e assistentes é considerada baixa e seus vínculos são precários. Eles firmam contratos temporários, que são renovados a depender de seu desempenho e das verbas para se manter o grupo vinculado ao catedrático.

A transposição do modelo de docência alemã para o Brasil implicaria se rever a quase inexistência de estrutura de carreira real nas universidades brasileiras. À exceção de alguns departamentos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, são poucas as escolas jurídicas que ainda dão posição de preeminência aos professores titulares. Ademais, na prática, não seria sustentável a atual divisão entre professores catedráticos (na acepção alemã) e os não catedráticos. Outra incompatibilidade está na administração de equipes de docência e pesquisa, o que, com nossas regras de estabilidade, é praticamente inviável. Para não se recordar da hipótese de migração por “concorrência” entre instituições.

Elogiar ou se inspirar no modelo de docência alemã é muito interessante. Mas, não se pode perder de vista que os regimes jurídicos únicos são fortes obstáculos a transposição do exemplo da Alemanha. Embora se possa ficar com a seguinte reflexão: não teriam sido esses regimes jurídicos, como o instituído pela Lei 8.112/1990, uma reação natural aos desmandos e ao descontrole, ao compadrio e à pessoalidade patrimonialista da Administração brasileira?

Na próxima coluna, a formação docente e, se houver espaço, o currículo e o método de ensino alemães.

***

Agradeço imensamente à leitura e às contribuições de Tilman Quarch, Jan Peter Schmidt e a Martônio Mont’Alverne Barreto Lima. 



[1] Comparatives Studies in Society and History, v. 14, n.2, 1972, pp. 215-244. Cambridge Univ. Press, London. (Agradeço a Martônio Mont’Alverne Barreto Lima pela referência).


[2] Parte dos dados quantitativos (informações não oficiais) foi extraída deste site: http://www.lto.de/jura/studium/uni/augsburg/. Acesso em 2-2-2015.


[3] P.156



Otavio Luiz Rodrigues Junior é professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP), com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.



Revista Consultor Jurídico, 4 de fevereiro de 2015, 10h53

Supremo autoriza capitalização de juros em empréstimos bancários






O Supremo Tribunal Federal autorizou, nesta quarta-feira (4/2), a capitalização de juros em empréstimos bancários com periodicidade inferior a um ano. Por 7 votos a 1, o Plenário entendeu que a Medida Provisória que autorizou o cálculo de juros compostos é constitucional. Isso quer dizer que os bancos estão autorizados a firmar contratos em que podem incidir juros compostos em parcelas menores que anuais.

A discussão era sobre a constitucionalidade da Medida Provisória 2.170-36/2001, que em seu artigo 5º autoriza “a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano”. Em Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida, o banco Fiat reclama de decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que o proibiu de cobrar juros maiores que 12% ao ano (e que 1% ao mês, portanto).

Para o banco, o acórdão violou o artigo 62 da Constituição Federal, que dá autonomia à União para, “em caso de relevância e urgência”, adotar medidas provisórias, “com força de lei”.

O relator, ministro Marco Aurélio (foto), foi o único que votou pela inconstitucionalidade da Medida Provisória. Afirmou que não estavam presentes os requisitos de relevância e urgência da matéria, já que a Lei da Usura, um decreto presidencial de 1933, proibia a capitalização. E em 1976, o Supremo entendeu que o Sistema Financeiro Nacional não se submete à lei. Portanto, já havia tratamento legislativo e judicial a respeito do tema.

A sustentação oral do procurador-chefe do Banco Central, Isaac Sidney Menezes Ferreira, entretanto, atacou justamente esse ponto. De acordo com ele, já havia tratamento sobre a matéria no Brasil, mas também havia enorme insegurança jurídica. E justamente porque enquanto a lei determinava uma coisa, uma súmula do STF determinava o oposto. O resultado foram decisões judiciais em todos os sentidos, segundo o procurador.

O BC entrou no caso como amicus curiae, na qualidade de “guardião da moeda”. Na sustentação feita nesta quarta, Ferreira disse que, como havia insegurança, os bancos assinavam contratos com juros capitalizados e altíssimos — caso o Judiciário viesse a declarar o contrato ilegal, o preço dos juros compensaria o risco. Isso se traduziu em aumento do custo do crédito.

Fio da meada
A divergência seguiu algumas das balizas traçadas pelo Banco Central, mas circulou principalmente o entendimento da ministra Cármen Lúcia. Em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra a MP 2.170-36, cujo julgamento foi interrompido há oito anos por pedido de vista e nunca foi retomado, a ministra abriu a divergência. Explicou que a urgência e relevância estavam, sim, presentes.

A relevância era a regulação das operações de crédito do sistema financeiro. A urgência estava no contexto da época: a insegurança levou ao encarecimento dos juros e o aumento do spread (diferença entre o preço pago pelo banco e cobrado ao consumidor em empréstimos), que justificaram uma ação imediata do governo federal.

O ministro Teori Zavascki (foto), o primeiro a votar depois do relator e o primeiro a divergir, partiu daí e afirmou que a jurisprudência do Supremo em relação aos requisitos para a edição de MPs é de que a ausência deles é preciso estar “cabalmente demonstrada”. No caso da relevância, Teori argumentou que é “difícil dizer” que é irrelevante tratar da regulação das operações do sistema financeiro.

Sobre a urgência, Zavascki preferiu optar pela “conveniência” de não se interferir numa situação que vigora há 15 anos. Segundo ele, o Supremo não poderia se “transportar para o passado” e dizer que aquela medida provisória é nula porque não era urgente.

Favor legis
O ministro Luiz Fux (foto) apontou que o Supremo tem retomado um balanço entre o controle judicial e o interesse legislativo. Nesse caso, votou para que o tribunal entenda a favor da lei e pela legitimidade do interesse legislativo. “A interferência judicial pode ter consequências nefastas”, disse em Plenário.

O ministro Gilmar Mendes seguiu a mesma linha de raciocínio. Afirmou que não se poderia fazer uma avaliação retroativa da situação contemporânea dos anos 2000, pois seria “a diferença entre autópsia e biópsia”. “Esse escrutínio há de ser feito em favor do juízo adotado à época”, comentou o ministro sobre o “elemento político da urgência”.

Gilmar (foto) comentou ensinamento do ministro Vitor Nunes Leal sobre técnica legislativa. Para Nunes Leal, tratar de leis é como acondicionar bombas: “O resultado não é tão espetacular, mas pode ser igualmente desastroso”.

Norma em vigor
O relator lembrou aos colegas que a norma discutida nesta quarta está em vigor há 15 anos, desde agosto de 2001, mas resultou de diversas reiterações. A primeira versão da MP data de 2000. E no mesmo ano chegou ao Supremo a Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.316, parada desde 2004 por pedido de vista do ministro Carlos Velloso — foi nessa ADI que a ministra Cármen Lúcia expôs seu entendimento.

Para o presidente do Supremo, ministro Ricardo Lewandowski (foto), esses dados “talvez sejam” indicativos da “complexidade do tema”. Acrescentou que a MP, com a redação atual, vige desde 2001 sem qualquer manifestação do Congresso — o que pode ser interpretado como uma aceitação da atitude do Executivo, segundo o presidente. E a Emenda Constitucional 32, também de 2001, que altera o artigo 62 da Constitucional, diz que as MPs editadas até a data da promulgação da Emenda (12 de setembro de 2001) “continuam em vigor” até que outra MP a revogue ou até “deliberação definitiva do Congresso Nacional”.

O ministro Teori Zavascki, em seu voto, disse que isso seria uma forma de o Congresso anuir ao conteúdo da medida que trata da capitalização. “Dou a mão à palmatória”, disse Marco Aurélio quando Lewandowski falou da falta de ação do Congresso, se isso quiser dizer que o Legislativo concorda com “todas as 40 medidas provisórias pendentes de análise”.

RE 592.377


Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.



Revista Consultor Jurídico, 4 de fevereiro de 2015, 18h12

Bancário que não optou por mudança de plano não consegue diferenças de complementação de aposentadoria



Em sua primeira sessão de julgamento de 2015, nesta terça-feira (3), a Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, julgou improcedente o pedido de diferenças de complementação de aposentadoria feito por um ex-bancário do Banco do Estado de São Paulo S. A. (Banespa) que pretendia equiparação ao plano Plano Banespa de Seguridade Social. A SDI-2, por unanimidade, deu provimento a recurso do Banco Santander S. A., sucessor do Banespa, e restabeleceu sentença no sentido da improcedência.

O Banesprev foi criado em 1987 para os empregados do Banespa admitidos depois de 1975, mas, à época, o bancário optou por permanecer no plano regido pelo Regulamento de Pessoal do Banespa de 1965. Na reclamação trabalhista originária, ele pretendia o reajuste da complementação de aposentadoria, a partir de janeiro de 2001, pelos mesmos índices aplicados pelo fundo a seus segurados, "por medida de isonomia e equidade".

O pedido foi julgado improcedente pelo juízo da 2ª Vara do Trabalho de São José do Rio preto (SP) com base na Súmula 288 do TST, segundo a qual a complementação é regida pelas normas em vigor na data da admissão do empregado. "O próprio trabalhador reconhece que, à época, não aderiu ao plano de previdência complementar do Banesprev, não tendo agora o direito quanto aos índices aplicados no período, já que não participou de sua instituição", afirma a sentença. Ainda conforme o juízo de primeiro grau, a Súmula 51, item II, do TST prevê expressamente que, havendo coexistência de dois regulamentos, a opção do empregado por um deles implica a renúncia às regras do outro.

O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, porém, reformou a sentença para determinar o reajuste e condenar o banco ao pagamento das diferenças. Após o trânsito em julgado da decisão, e com o início da execução, o Santander ajuizou a ação rescisória, julgada improcedente pelo TRT.

Ao recorrer ao TST, o banco alegou, entre diversos itens, que o TRT, ao ignorar as disposições negociadas coletivamente e que regulavam a relação entre ele e seus empregados e ex-empregados, violou o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, que trata do ato jurídico perfeito.

O relator, ministro Alberto Bresciani, observou que a SDI-1 do TST já decidiu, em diversos precedentes, que a transferência, a partir de 2007, da administração e do pagamento dos planos de previdência dos trabalhadores admitidos até maio de 1975 para o Banesprev, culminando na unificação dos planos, constitui "fato irrelevante" e, portanto, não altera o entendimento de que o bancário optou por permanecer vinculado ao plano regido pelo Regulamento do Pessoal do Banespa. "A ausência de opção pelo novo plano impede a aplicação de suas regras aos empregados que decidiram permanecer vinculados ao anterior", afirmou o relator.

A conclusão foi a de que o TRT, ao decidir em sentido contrário, desconsiderou o ato jurídico perfeito decorrente da livre opção do trabalhador em permanecer no plano do Banespa. A subseção ainda deferiu cautelar para suspender a execução em curso na reclamação trabalhista.

(Carmem Feijó. Foto: Fellipe Sampaio)


Fonte: TST

Tempo de serviço especial não afeta cálculo de benefício da previdência privada



O tempo ficto – ou tempo de serviço especial, próprio da previdência social – é incompatível com o regime financeiro de capitalização, característico da previdência privada.

Esse foi o entendimento adotado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso em uma ação de revisão de benefício de previdência privada cujo autor pretendia aproveitar o tempo de serviço especial (tempo ficto) reconhecido pelo INSS para promover a revisão da renda mensal inicial de seu benefício complementar.

Segundo o autor da ação, a Fundação Embratel de Seguridade Social (Telos) deveria ter considerado o tempo de serviço relativo às atividades que ele desempenhou em condições insalubres e de alta periculosidade.

No recurso ao STJ, a Telos contestou acórdão do Tribunal de Justiça da Paraíba que determinou a complementação do benefício com base no reconhecimento do tempo de trabalho como especial pelo INSS.

Para a fundação, o tempo de trabalho ficto não pode ser considerado no cálculo de benefício da previdência privada porque nesse sistema é vedado o pagamento de verba sem o respectivo custeio, sob pena de comprometimento do equilíbrio econômico-atuarial do fundo previdenciário.

Sistemas diversos

O relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, destacou que, de acordo com os artigos 202 da Constituição Federal e 1º da Lei Complementar 109/01, a previdência privada é de caráter complementar, facultativa, regida pelo direito civil e organizada de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social. É baseada na constituição de reservas que garantam o benefício contratado.

Nesse sistema, disse o ministro, o regime financeiro de capitalização (contribuições do participante e do patrocinador, se houver, e rendimentos com a aplicação financeira destas) é obrigatório para os benefícios de pagamento em prestações continuadas e programadas.

A previdência social, por sua vez, é um “seguro coletivo”, público e compulsório (a filiação é obrigatória para diversos empregados e trabalhadores rurais ou urbanos). Esse seguro se destina à proteção social, proporcionando meios indispensáveis de subsistência ao segurado e à sua família diante de situações previstas em lei, como incapacidade, idade avançada, tempo de serviço, morte do segurado e outros eventos. O sistema de financiamento, destacou o ministro, é o de caixa ou de repartição simples.

Autonomia

Villas Bôas Cueva ressaltou que a aposentadoria especial é uma espécie de benefício do regime geral de previdência social devida ao trabalhador que exerce atividade em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física. Assim, o trabalhador pode se aposentar mais cedo como forma de compensar o desgaste físico resultante do tempo de serviço prestado em ambiente insalubre, penoso ou perigoso (tempo de serviço especial).

Ante as especificidades de cada regime e a autonomia existente entre eles, a concessão de benefícios oferecidos pelas entidades abertas ou fechadas de previdência privada não depende da concessão de benefício oriundo do regime de previdência social.

“Pelo regime de capitalização, o benefício de previdência complementar será decorrente do montante de contribuições efetuadas e do resultado de investimentos, não podendo haver o pagamento de valores não previstos no plano de benefícios, sob pena de comprometimento das reservas financeiras acumuladas (desequilíbrio econômico-atuarial do fundo), a prejudicar os demais participantes, que terão de custear os prejuízos daí advindos”, afirmou o relator.

Precedentes

O ministro destacou que a Quarta Turma do STJ já decidiu ser legal a incidência de fator redutor sobre a renda mensal inicial de participante ou assistido de plano de previdência privada em caso de aposentadoria especial, bem como ser vedada a concessão de verba não prevista no regulamento, dada a necessidade de observância da fonte de custeio e do sistema de capitalização.

Villas Bôas Cueva citou precedentes nesse sentido, entre eles o REsp 1.015.336 e o REsp 1.006.153. Em decisão unânime, a Terceira Turma acompanhou o relator e deu provimento ao recurso da fundação.

Leia a íntegra do voto do relator.

Risco da evicção não atinge banco que apenas financiou a compra do bem


A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) eximiu o Banco Volkswagen da obrigação de ressarcir a empresa compradora de um carro financiado que foi apreendido pela Receita Federal por causa de problemas na importação. A empresa havia adquirido o veículo do primeiro comprador, que lhe transferiu o financiamento.

De acordo com o relator do caso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, o dever de garantir os riscos da evicção é restrito ao alienante do veículo e não se estende à instituição que concedeu o financiamento sem ter vínculo com o importador.

Com esse entendimento, a Turma reconheceu a ilegitimidade passiva do banco e o excluiu do processo.

Apreensão

Inicialmente, um consumidor firmou contrato de alienação fiduciária com o banco para aquisição de um Porshe Carrera modelo 911. Depois, vendeu o veículo para uma empresa e repassou o financiamento com anuência da instituição financeira.

O automóvel, porém, foi apreendido pela Receita Federal devido a irregularidades na importação.

A empresa ajuizou ação contra o espólio do vendedor e o banco. Em primeira instância, o juízo declarou a nulidade do contrato, do termo de cessão, das notas promissórias e das demais garantias vinculadas ao financiamento, além de condenar os dois réus a ressarcir o valor pago pela compradora.

Ao julgar a apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) não reconheceu a ilegitimidade passiva da instituição financeira por entender que todos aqueles que participaram do negócio envolvendo a aquisição do veículo devem responder pelos prejuízos suportados por terceiro. Em recurso ao STJ, o banco insistiu na alegação de ilegitimidade.

Evicção

Em seu voto, Paulo de Tarso Sanseverino explicou que a evicção – tratada nos artigos 447 e seguintes do Código Civil – “consiste na perda total ou parcial da propriedade de bem adquirido em virtude de contrato oneroso por força de decisão judicial ou ato administrativo praticado por autoridade com poderes para apreensão da coisa”.

A responsabilidade pelos riscos da evicção, segundo o ministro, é do vendedor, e desde que não haja no contrato cláusula de exclusão dessa garantia, o adquirente que perdeu o bem poderá pleitear a restituição do que pagou.

No caso julgado, entretanto, o ministro concluiu que essa restituição não poderia ser exigida do banco.

Precedentes

Ele mencionou dois precedentes sobre responsabilidade da instituição financeira em relação a defeitos do produto financiado: no REsp 1.014.547, a Quarta Turma isentou o banco porque ele apenas forneceu o dinheiro para a compra; no REsp 1.379.839, a Terceira Turma reconheceu a responsabilidade do banco porque ele pertencia ao grupo da montadora de veículos e assim ficou patente sua participação na cadeia de consumo.

Nesse segundo julgamento, foi destacada a necessidade de distinguir a instituição financeira vinculada ao fabricante daquela que apenas concede financiamento ao negócio.

Embora o novo recurso tratasse de evicção, e não de produto defeituoso, o ministro aplicou o mesmo raciocínio: “Não há possibilidade de responsabilização da instituição financeira, que apenas concedeu o financiamento para a aquisição do veículo importado sem que se tenha evidenciado o seu vínculo com o importador.”Leia a íntegra do voto do relator.
Fonte: STJ

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Cuidados a serem tomados na contratação de serviços intelectuais sem vínculo





A legislação brasileira estabelece a obrigatoriedade de recolhimento da contribuição previdenciária sobre os pagamentos efetuados aos segurados empregados, os quais correspondem, segundo a Lei 8.212/91, “aqueles que prestam serviço de natureza urbana ou rural à empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração”.

A questão ganha grande relevância quando da análise da incidência da contribuição previdenciária sobre os pagamentos feitos a pessoas jurídicas pela prestação de serviços.

A regra geral, com algumas exceções específicas, é que nos casos de prestação de serviços por pessoa jurídica não haveria incidência da contribuição previdenciária, por não se verificar a figura do segurado empregado. Não obstante, tem sido comum a autuação de empresas sob a Receita Federal do Brasil questionar esse tipo de contratação para cobrar a contribuição previdenciária, sob a alegação de que se estaria diante de uma simulação ou fraude, no qual a personalidade jurídica da empresa serviria apenas para acobertar a relação empregatícia existente entre o contratante e o sócio da pessoa jurídica para reduzir a carga tributária, inclusive afastar o pagamento da contribuição previdenciária.

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a seu turno, quando analisa esse tipo de autuação tem proferido decisões recentes mantendo o entendimento das autoridades fiscais quando identificada a existência dos elementos típicos da relação de emprego.

Ou seja, se a autoridade administrativa concluir que a pessoa jurídica contratada presta serviços de forma habitual, com subordinação e mediante remuneração, estará caracterizado o vínculo que justificaria a desconsideração da personalidade jurídica e a cobrança da contribuição previdenciária.

No entanto, a legislação previu algumas exceções a esta regra, dentre as quais se destaca a prestação de serviços intelectuais — incluindo aqueles de natureza científica, artística ou cultural, — em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da PJ.

Para estes casos, o artigo 129 da Lei 11.196/2005 estabeleceu que, para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, deve se sujeitar tão somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas. Ou seja, nesse caso de serviços intelectuais, ainda que prestados de forma personalíssima, não se poderia desconsiderar a pessoa jurídica e tratar o prestador de serviço como um empregado para fins fiscais e previdenciários.

Não obstante, por conta da falta de uma definição clara do que seriam serviços intelectuais, alguns cuidados devem ser observados para fazer uso do que dispõe o artigo 129 da Lei 11.196/2005.

Nesse sentido, é importante destacar que o Carf tem mantido autuações previdenciárias ainda quando se alega a contratação de serviços intelectuais prestados por pessoas jurídicas, nos casos em que os serviços prestados não possuem caráter eventual ou os contratos possuem prazo de vigência indeterminados.

O Carf também tem mantido a tributação quando verifica que a empresa foi constituída exclusivamente com a finalidade de prestar o serviço, não possuindo outros clientes ou foi formada por ex-funcionários da empresa contratante.

Nesse mesmo sentido, o Carf já desconsiderou a prestação de serviços por pessoa Jurídica quando identificou que a empresa não possuía quaisquer funcionários, sendo formada apenas pelos sócios prestadores do serviço.

O que se tem observado, portanto, é que a mera prestação de serviços intelectuais não tem sido suficiente, por si só, para afastar a incidência de contribuições previdenciárias.

Assim, não basta a demonstração do enquadramento do serviço nas hipóteses previstas no artigo 129 da Lei 11.196/2005, sendo necessário, ainda, que se tome os cuidados necessários para que a pessoa jurídica prestadora do serviço não possa se enquadrar dentro de uma relação de emprego, servindo as decisões do Carf como um guia do que deve ser evitado para afastar esse enquadramento.


William Roberto Crestani é advogado-sênior da área previdenciária do Pinheiro Neto Advogados.

Bruno Toledo Checchia é associado da Área Previdenciária de Pinheiro Neto Advogados.



Revista Consultor Jurídico, 3 de fevereiro de 2015, 7h28

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...