quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Ensino Jurídico, críticas e novas propostas: Paisagem no horizonte?


Ensino Jurídico, críticas e novas propostas: Paisagem no horizonte?
Legal Education, Critics And New Proposals: Landscape On The Horizon?

Fauzi Hassan Choukr[1]

Maria Fernanda Loureiro[2]

Resumo

Este artigo tem como objetivo abordar o Ensino Jurídico em seu contexto mais amplo, que é o da Educação, buscando assim a sua melhor compreensão. A proposta do presente estudo é tecer novas relações e correlações entre os referidos temas, tomados em sentido estrito e lato, buscando-se assim possíveis imbricações e críticas. Do mesmo modo, os modelos de Ensino Jurídico são analisados em comparação com os modelos de Universidade existentes no mundo. Trata-se, também, da questão da Avaliação no Ensino Jurídico, igualmente compreendida na sua acepção mais abrangente, sem que se adentre ainda ao problema da Avaliação Insitucional dos Cursos de Direito. Por derradeiro, delineia-se uma proposta brasileira e duas propostas anglo-saxônicas para o Ensino Jurídico, indagando-se até que ponto estas duas últimas podem ser úteis ao caso brasileiro.

Palavras-chave

Ensino Jurídico – Educação – Modelos – Currículo – Projeto Pedagógico – Avaliação - Críticas – Tendências – Propostas.

Abstract

This article aims an approach to Legal Teaching in its broader context, which is Education, searching for its better comprehension. The proposal of this study is to stablish new relationships and correlations amid such themes, considered in their broader sense, searching for possible imbrications and criticism. In the same way, the models of Legal Teaching are analized in comparison to the models of University existing in the world. It also deals with the questions of Legal Teaching Evaluation, comprehended as well in its broader sense, without boarding the problem of Intitucional Evaluation of Law Courses. At last, it outlines a brazilian proposal and two algo-saxon proposals for Legal Teaching, asking until what point the two latter can be useful to brazilian case.

Key Words

Legal Teaching - Education - Models - Curriculum - Pedagogical Project - Evaluation - Criticism - Tendencies - Proposals.
1. Ensino Jurídico no contexto maior da Educação

Para iniciarmos a reflexão a que nos propomos sobre o Ensino Jurídico, cabe considerar, primeiramente, que a temática não deve ser tomada de modo estanque e isolado; mas deve, isto sim, ser considerada no contexto maior da Educação, no qual se insere.

Educação, todavia, não é somente aquilo que se faz na Escola. Há um conceito mais lato de Educação, que inclui a sociedade e a própria vida do indivíduo e dos grupos, por assim dizer, posto que Educação é algo permanente. O indivíduo está em constante aprendizado e a sociedade, por seu turno, está em constantes transformações.

Aí se insere o Ensino Jurídico que, perene enquanto Ensino, é dinâmico enquanto processo social, devendo refletir esse dinamismo em seus conceitos e práticas, revelando, desta forma, não apenas o compromisso formal de aculturar (juridicamente), mas aquele mais amplo, o de ser capaz de inserir-se e contribuir para a construção de um verdadeiro programa de civilização.

A tarefa civilizatória, muito mais ampla que é que a construção de uma sociedade – posto que contempla marcos que podem variar historicamente, mas sem que se alcance sua supressão – conferida à Educação, não é, contudo, indene às mutaçõessociais e científicas que acarretam o surgimento do conceito de “modernidade” com o que se altera profundamente a compreensão do que venha a ser racionalidade, sociedade e Estado e, portanto, do que venha a ser a própria Educação.

Odesafio educacional contemporâneo – do processo e dos seus atores - parece ser, prioritariamente, a conciliação do eixo formador dos direitos inerentes à pessoa humana identificados em larga parte com a promulgação da Declaração dos Direitos da ONU e, por outro lado, com a crescente e competitiva economia de mercado (lex mercatoria), tendências autodestrutivas no interior dos diferentes agrupamentos sociais, pois, ao mesmo tempo em que têm que assegurar as suas necessidades básicas de sobrevivência, vêem postas em perigo essas mesmas bases.[1]

A esse desafio conciliador agrega-se uma recorrente discussão inerente ao primeiro eixo mencionado, que aponta para a divisão entre o universalismo de seus conceitos, em contraposição ao relativismo dessas mesmas conceituações, que sereflete na construção do saber pedagógico com a busca de matrizes da Etnometodologia – entendida esta como “o paradigma normativo e sociológico existente em cada cultura”[2] – que perfaz o contexto integrativo entre os aspectos micro e macro específicos de cada povo, nação ou região.

Assim, destaca-se que, mais que cultura, existem culturas, posto que em cada meio social há valores e normas autóctones que constroem seus nichos culturais e que devem ser levadas em consideração quando se trata de compreender o contexto Educacional como bojo mais amplo, em cujo seio são constituídas as relações sócio-normativas e sócio-valorativas.

O relativismo apresentado ganha relevo em sua análise a partir do quanto afirmado por Alain Coulon que, citando Wittgenstein, ressalta que a interação entre tais modelos pode ser considerada uma espécie de “etnografia semiológica’[3] – uma gramática – que perpassa a descrição e a explicação das relações humanas em cada uma das diferentes culturas existentes.

Entendemos que a Etnologia aplicada à Educação – a dizer, compreender a Educação como fenômeno ínsito a cada cultura respeitados seus paradigmas normativo e sociológico - não há de ser o mero registro frio e desprovido de valores que caracteriza as análises documentais, mas, ao contrário, justamente por se referir à Educação, há de conter um componente retrospectivo, mas também prescritivo, no sentido de (re) fundar as bases civilizatórias em seus fundamentos mínimos e criar, por meio da propagação destas, a sustentabilidade da vida social nas gerações futuras.

Com efeito, a busca nas origens, na fonte – no caso, de cada cultura – pode revelar achados porventura mascarados, dissimulados ou simplesmente encobertos pelo decurso do tempo, mesmo porque, conforme assevera Moacir Gadotti, a história das idéias (e também das pedagógicas) é descontínua, portanto, não se apresenta de modo uniforme, isolado ou estanque, mas sim na configuração de um emaranhado disforme:

A história das idéias é descontínua. Não existe propriamente um aperfeiçoamento crescente que faz com que as ideais filosófico-educacionais antigas deixem de ser válidas e sejam superadas pelas modernas. As idéias dos clássicos da filosofia continuam atuais. É por isso que a história da filosofia se distingue da história das ciências. As novas descobertas das ciências vão tornando as antigas obsoletas. Isso não acontece com a filosofia e a teoria educacional.[4]

Sendo as ideias descontinuas e não havendo um conceito de superação a elas inato, não se pode dar a elas o manto do envelhecimento em nome – ou pela mera utilização - de recentíssimas tecnologias aplicadas à Educação. Apenas pelo uso tecnológico não se recomenda descurar das lições legadas por clássicos pedagogos, da inspiração vocacionada, como, por exemplo, de Comenius[5], mesmo porque, na Educação, muitas são as vezes em que vemos os mesmos problemas reiterarem-se incontáveis vezes, diante de nossos olhos e da nossa percepção.

Desta forma, cremos que a Etnometodologia em Educação se afigura hábil a conferir, desde a origem, um possível contributo eficaz de “verdade” às indagações e à crítica a respeito da Educação em geral e do Ensino Jurídico em especial, cabendo destacar que é imprescindível buscar, no contexto descrito nos parágrafos supra, o que é “verdadeiro” – e não falácia – no âmbito educacional, visando, antes de tudo, identificar quais são os reais problemas e dificuldades. Nesse desiderato, oportuna a observação de Henri Atlan, quando diz, com propriedade:

A estratégia de pesquisa do verdadeiro deve, então, esforçar-se para determinar o verídico a partir do verossímel (o qual depende, por sua vez, de critérios variáveis segundo os espíritos). É preciso fazer a crítica dos testemunhos. Mas uma crítica que desqualifica um testemunho por ele conter alguns erros deve ser criticada também. Isso parece provocar uma desintegração em cadeia, que finalmente reduz a migalhas todos os dados. Mas não é o que acontece: a crítica, que põe em dúvida todo testemunho, torna-se hipercrítica e é a hipercrítica que deve ser criticada. Mas se a crítica da hipercrítica desemboca numa subcrítica, então ela deve ser criticada por sua vez. Temos, de fato, tendência para ser hipercríticos em relação aos testemunhos que nos desagradam porque contradizem nossa própria visão da realidade e temos tendência para ser subcríticos com tudo aquilo com que concordamos.[6] (grifos nossos).

Mas o ensino jurídico é, em si, marcado por particularidades e uma das mais destacadas é sua inafastável institucionalização, tornando, desta forma, obrigatório observar, antes de tudo, alguns modelos de institucionalização.

1.1 Ensino Jurídico e Modelos

Conforme se expôs no tópico precedente, este artigo propõe-se a analisar o Ensino Jurídico no contexto mais amplo da Educação, no qual se inclui. Assim sendo, antes de examinarmos os modelos de Ensino Jurídico, vejamos quais são os modelos de Universidades existentes, considerando-se que aqueles são um corolário natural destes e que, de muitos modos, estão interrelacionados e fortemente imbricados.

Na história das Universidades, são indicados basicamente quatro modelos distintos, a saber:[7]

a) A Universidade como santuário do saber;

b) A Universidade como campo de treinamento para as profissões liberais;

c) A Universidade como agência de prestação de serviço; e

d) A Universidade como linha de montagem para o homem do sistema.

Ora, naturalmente que esses quatro modelos de Universidade têm sido alvo de acirrados debates e veementes críticas por parte dos acadêmicos, em nível mundial, de modo a fazer surgir, por exemplo, a idéia de “Multiversidade” em lugar de “Universidade”[8], visando assim abarcar modelos plurais e ambientes dinâmicos na referida Instituição.

Tais debates são de todo oportunos, ao nosso ver, haja vista a afirmação, no item anterior deste escrito, que as transformações sociais e científicas vêm sendo decisivas para as transformações na seara da Educação. No caso específico do Ensino Jurídico, a discussão sobre os modelos de Universidade parece ser ainda mais pujante, pois, nos primórdios, especialmente durante o período Medieval, a essas Instituições – em especial aos grêmios estudantis – eram delegadas também funções legislativas, de modo que as Universidades eram, em si mesmas, verdadeiros centros de estudos jurídicos, em particular em decorrência das invasões dos bárbaros, que provocaram uma enorme confusão em matéria de leis.[9] A Universidade de Bolonha, nesse contexto, desempenhou relevante papel, conforme se vê:

Bolonha transformou-se, então, na Idade Média, em metrópole do Direito. Já nos primórdios da era medieval, a escola jurídica bolonhesa era considerada a mais antiga da Europa, tendo prosperado com rapidez, tanto assim que o número de estudantes ascendi a 20.000, enquanto a população da cidade não passava de 10.000 habitantes. Justificava-se, pois, a vocação da cidade pelo ensino, vocação esta proclamada nas moedas: “Bononia mater studiorum, Bononia docet”. De fato, em 1067, já existiam em Bolonha escolas locais de Direito, ao lado da escola episcopal de artes liberais. Em 1080, o “doctor legis” Pepone aí iniciou “autoritate sua legere in legibus”. Corria o ano de 1088, quando procedeu-se, em Bolonha, a tentativa da formação da primeira Universidade do mundo, com a agregação de outras faculdades à de Direito. (Grifo nosso; itálicos e aspas no original).[10]

Assim, depois do surgimento da Universidade de Bolonha, que foi a primeira do mundo, foram aos poucos se constituindo as demais Universidades européias medievais, a respeito das quais os historiadores vêm-se às voltas com aspectos cronológicos e classificatórios, pois, no mais das vezes, os textos oficiais e jurídicos referentes à fundação de tais Instituições só apareciam tardiamente, vindo a homologar situações existentes de fato, empiricamente, sob a pressão das necessidades práticas[11].

Com o descobrimento da América, passaram-se a instalar delegações das Universidades Portuguesas e hispânicas também em nosso Continente, com a característica de que as Universidades na América Latina desenvolveram-se, no início, sob o comando central – para o qual eram decisivos os principia generaliainstituídos –das respectivas Coroas (a única exceção foi a Universidade Autônoma do México, que foi sempre autônoma, desde o princípio), e tinham uma visão precipuamente agrária e rural.[12]

No Brasil, a princípio, as Universidades desenvolveram-se segundo os modelos europeus, entre dilemas e falácias e em meio a uma civilização emergente. Considera-se que, somente a partir da década de 70, com o intenso debate sobre a Reforma Universitária e a autonomia institucional, que a estruturação tripartida em ensino, pesquisa e extensão e a busca pela integração entre os diversos complexos educacionais começou a proporcionar feições próprias – em desenvolvimento constante – à Universidade brasileira.[13]

É Darcy Ribeiro que diz que “todas as grandes estruturas universitárias do mundo moderno podem ser definidas como produtos residuais da vida de seus povos, somente inteligíveis como resultantes de sequências históricas singulares”.[14]

Não obstante, a despeito das características individuais – e mesmo etnológicas, conforme se mencionou anteriormente – é possível delinear anseios e fios condutores comuns a todas as Universidades do mundo, como por exemplo:[15]

a) Todas as Universidades são centros educacionais;

b) São uma comunidade de pesquisadores;

c) São um núcleo de progresso;

d) Apresentam simbiose entre ensino e pesquisa;

e) Preconizam a liberalidade acadêmica;

f) São dependentes do Poder;

g) Obedecem a princípios de estruturação e funcionamento, etc.

Essas características comuns a todas as Universidades foram por nós hauridas a partir da leitura da obra de Dreze e Debelle[16], ao tratar das concepções de Universidade, que são: i) a Universidade do espírito (um centro de educação, uma comunidade de pesquisadores, um núcleo de progresso; e ii) a Universidade do poder (um modelo intelectual; um fator de produção).

Aliás, o problema da disparidade entre as Universidades existentes no mundo foi muito bem percebido também em termos políticos – e não apenas pelos acadêmicos – de modo que, em Paris, a 09 de outubro de 1998, a UNESCO, como fecho daConferência Mundial de Educação Superior, publicou o documento intitulado “La Educación Superior em el Siglo Veitiuno: Visión y Accion”, que tem no resumo o sub-título “De la declaración mundial sobre la Educación superior para el siglo veintinuo”. O referido documento, válido em termos globais, apresenta diretrizes exaradas em forma de artigos (obedece, portanto, à tendência legiferante) a serem atendidas por todas as Universidades, tais como as missões e funções do ensino superior, de educar e ensinar; o rol ético antecipatório; os estudantes como principais protagonistas do cenário universitário; o avanço do conhecimento e da ciência por meio da pesquisa, et caetera.[17]

Sobre a questão específica do desenvolvimento e da adoção dos modelos de Ensino Jurídico no Brasil, devemos considerar antes que a crise do mundo contemporâneo atinge também o Direito, aí incluídas as suas estruturas de ensino. Há certa instabilidade no Direito, que decorre das transformações sociais e repercute em uma dinâmica legiferante, onde surgem constantemente novas leis, algumas vezes contraditórias e revogando-se umas às outras. Ora, isto repercute na relação ensino/aprendizagem do Direito, pois é pela educação jurídica que a vida social se ordena e os valores se hierarquizam, de modo a embasar a tomada de decisões e referenciar os comportamentos individuais e dos grupos sociais.

Para entendermos esse contexto, temos que volver os olhos ao início dos cursos de Direito em nosso país. Para José Eduardo Faria, “a criação dos cursos jurídicos no Brasil reflete uma mentalidade dominante na primeira metade do século XIX, constituída pelo individualismo político e pelo liberalismo econômico” [18].

Para o referido autor, a decisão de fundar duas faculdades de Direito, uma em Recife e outra em São Paulo, não se desvincula do contexto político da época onde se tinha um Estado que precisava afirmar-se de modo independente e, para tanto, necessitava de elites jurídico-políticas que controlassem os seus interesses e atendessem às suas próprias necessidades.

Conforme José Eduardo Faria, na obra mencionada, as elites forneceram o fundamento ideológico dos cursos jurídicos no Brasil, embora esse fundamento ideológico não fosse de todo uniforme, pois havia também segmentos emergentes da sociedade civil, em especial os proprietários de engenho e os coronéis que se opunham à elite de herança cultural imperial. Assim, com a fundação dos cursos jurídicos no Brasil, o Absolutismo vai sendo, paulatinamente, substituído pelo Liberalismo.

Entretanto, pari passu ao Liberalismo que se instalava, o governo controlava os recursos, o currículo, o método de ensino, a nomeação dos professores, os programas e os livros[19]. Desse modo, eram formados operadores do Direito conservadores e tradicionalistas, que tendiam a perpetuar e reproduzir os interesses da elite, com raras exceções. Era o modelo do ensino dogmático. O ensino jurídico vai se tornando cada vez mais técnico e separado da realidade social, constatando-se a ruptura entre a teoria e a prática.

Cria-se, assim, um grande abismo entre os valores professados nas faculdades de Direito e os professados na sociedade. Deste modo, “o Direito é visto como estrutura imutável, ao invés de ser encarado como um processo de adaptações entre fatos e valores em modelos normativos relacionados às necessidades de mudança da sociedade” [20]. A formação do bacharel em Direito era, então, dogmática, uniforme, elitista e conservadora.

A tônica dogmática sobre os Positivismo Jurídico faz com que disciplinas como Sociologia e Filosofia sejam apenas propedêuticas e a hermenêutica e os métodos críticos de pensamento não sejam contemplados nos currículos. Vale dizer que, nesse caso, os cursos jurídicos não são muito mais do que o mero estudo das leis e dos institutos jurídicos, sem indagações críticas e quase sempre desvinculados da prática. O conhecimento adquirido pelos alunos é, sobretudo, descritivo e linear. Desse modo, fica assegurada a reprodução das estruturas sociais vigentes.

O Professor Doutor José Sebastião Oliveira, em seu artigo intitulado “O perfil do profissional do Direito neste início de século XXI”[21], faz uma análise detalhada e minuciosa da história e dos modelos de ensino jurídico, lecionando que são basicamente três tipos de modelos, quais sejam:

- Modelo cultural ou humanístico:Dotado de grande cultura humanista, mas não resolve problemas e casos, ou seja, questões jurídicas. Trata-se de um modelo que ensina a pensar e criar o Direito, mas não guarda relação estreita com o direito processual, pois não busca a solução de casos e problemas.

- Modelo profissionalizante ou técnico informativo:Trata-se de um modelo informativo, visando à formação do jurista como mero operador do Direito, ou seja, totalmente dirigido à prática forense. Apresenta uma postura positivista.

- Modelo misto-normativo ou de formação integral:Visa à formação de um jurista integral, tendo como característica peculiar a forte formação humanística no início do curso e forte formação profissional no final do curso. É considerado o modelo ideal de ensino jurídico.

Todavia, em consonância com o “acordo semântico” proposto por Maria Francisca Carneiro[22], criticamos o emprego do vocábulo “modelo” para os cursos jurídicos, por sugerir rigidez estanque e acabada; enquanto que a palavra “padrão”, por seu turno, remonta a patamares plurais e flexíveis, hábeis a comportar certa amplitude, revelando-se, assim, consentâneo com a complexidade dos dias atuais.

Tais padrões exigem um determinado grau de demonstração de domínio do saber – ao menos formalmente – transmitido e, em certa medida, dessa demonstração deriva a própria manutenção desse padrão, conferindo, desta forma, circularidade à sua existência.

1.2 Ensino Jurídico e Avaliação

Tendo como ponto de partida que, neste ensaio, não se pretende analisar o Ensino Jurídico senão de forma contextualizada e correlacionada, tomemos como pressuposto que os modelos de Ensino Jurídico decorrem das concepções não somente de Universidade e de Educação, mas também de Currículo e de Projeto Pedagógico e que, desse conjunto, deriva a Avaliação que se faz dos Cursos de Direito, dos programas, das disciplinas e, finalmente, do desempenho individual de cada estudante, como em uma reação em cadeia.

Portanto, quando falamos em Avaliação do Ensino Jurídico, sobre o que mesmo estamos falando, ainda que de modo subliminar ou subjacente? O que é, enfim, Avaliar?

Grosso modo, pode-se dizer que avaliar é atribuir valor a algo ou a alguém. Assim, não foi por acaso que se consolidou no Brasil, na década de 70, a distinção entre “Verificação de Aprendizagem” e “Avaliação”[23]; por se considerar que esta é mais ampla do que aquela e por implicar também em valoração, e não apenas à mensuração do conteúdo programático ministrado.

Muito se tem falado sobre Avaliação em Educação, mas pouco sobre Avaliação no Ensino Jurídico, mormente no Brasil. Avaliar é também uma forma de poder, que, no caso, é transferida para aInstituição. José Wilson Ferreira Sobrinho bem observa que “tal concepção de poder – preponderância de uma parte sobre a outra (...) oscila entre a barganha e a vingança que pode ser feita, efetivamente”[24], até por meio da força bruta.

Assim, o ato de avaliar, por implicar valores e por ser, portanto, de índole qualitativa[25] – e não meramente quantitativa – pode conter subjacências e subliminaridades nem sempre compatíveis com o ideal ético que deveria sempre presidir a Educação. A Avaliação transita fluidamente entre os critérios objetivo e subjetivo da relação ensino / aprendizagem e, por essa razão, requer especial atenção.

Por tais motivos, propomos que a Avaliação, no Ensino Jurídico, seja realizada sempre em consonância com o desenvolvimento dos programas educacionais inerentes ao currículo, de modo sistemático, [26] e não isoladamente; e que apareça como obrigatoriedade na formação do professor de Direito ter cursado a disciplina científica de “Avaliação”, visando assim a capacitar o profissional do Ensino Jurídico a responder melhor a essa questão.

Desta feita, a Avaliação, além de aferir o conhecimento adquirido pelos alunos, exerceria também uma função equilibradora (e “calibradora”, se nos permite o leitor a expressão) do currículo.

Importa, sobretudo, alçar um patamar mais amplo do conceito de Avaliação, em sua acepção dialética, posto que, de uma maneira geral, a avaliação escolar foi tradicionalmente entendida como uma função de controle[27] e, por conseguinte, de policiamento, quando, na verdade, poderia também contribuir para com a revisão do currículo e dos planos de ensino, bem como facilitar o desenvolvimento de capacidades e habilidades suplementares, tanto do corpo discente, quanto do docente.

Cumpre observar também que, quem diz “Avaliação”, diz “objetivos”, conforme a concepção de Ralph W. Tyler, [28] de sorte que o planejamento da Avaliação, que é anterior à sua consecução, deve levar em conta as finalidades propostas.[29] Assim, há sempre um quê de “teleológico” no ato de avaliar, que acaba sendo influenciado por diversos fatores. Avaliação é qualidade política, e não mera formalidade.

Por ora, atemo-nos à Avaliação da relação ensino / aprendizado nos cursos jurídicos, pois a Avaliação Institucional do Ensino Jurídico, do modo como vem sendo feita no Brasil, pela CAPES, demandaria um estudo específico[30], lembrando apenas que, consoante nossa proposta, o Ensino Jurídico não pode ser avaliado senão no contexto da Avaliação mesma da Universidade, no qual se insere e com o qual guarda intrínsecas trocas.

É claro que tal proposta quedaria, em princípio, algo prejudicada no caso específico das Faculdades de Direito isoladas, merecendo adequações, que virão a seu tempo oportuno. De momento, está-se apenas noticiando a idéia, quiçá a ser desenvolvida futuramente, por equipes especializadas no metier.

1.3 Uma tendência brasileira e duas anglo-saxônicas para o Ensino Jurídico atual

Nos últimos anos, várias tendências para o Ensino Jurídico têm sido apontadas no Brasil, com os mais diversos matizes políticos[31]. Dentre elas, há uma que nos colhe particularmente a atenção, que é a formulação da lavra de Álvaro Melo Filho, como proposta para o Ensino Jurídico no século XXI, qual seja:

a) determinar o que será exigível dos profissionais jurídicos na primeira parte do próximo milênio e, ao mesmo tempo, propiciar aos formandos conciliar o saber prático com o saber fático, de modo a romper com a dicotomia entre teoria e prática, utilizando o conhecimento jurídico para interferir e modificar essa prática;

b) identificar e catalogar as habilidades necessárias às funções que os alunos irão desempenhar num mundo em permanente ebulição em que as referências às idéias e aos valores se esbatem e são substituídas com inusitada velocidade;

c) congregar as informações e habilidades indispensáveis em unidades disciplinares, para ministração intra e extra sala de aula, bem como para ensejar uma “educação jurídica continuada”;

d) ultrapassar os limites estreitos do texto legal, repudiando só ensino dogmático de posições doutrinárias e não ficar adstrito à jurisprudência, sumulada ou não;

e) mobilizar e dotar os docentes do preparo e proficiência requeridas para a “tarefa sem fim” de ensino do Direito numa sociedade onde a globalização exige conduta de indagação, análise, problematização e protagonismo diante de situações novas, a par de um tratamento metodológico interdisciplinar e contextualizado dos temas que sejam juridicamente relevantes. [32]

É o próprio Álvaro Melo Filho quem afirma, lembrando Calamandrei, “que é um dos remédios para reordenar o ensino jurídico que se substitua a velha lição de cátedra por um método de ensino mais vivo e moderno, fundado na colaboração contínua dos estudantes com o professor”[33].

Depois de examinarmos a tendência proposta pelo jurista brasileiro e professor de Direito Álvaro Melo Filho, vejamos a seguir duas tendências sobre o mesmo assunto, verificadas uma nos Estados Unidos da América e outra no Reino Unido, conjeturando, ao final, até que ponto tais anotações podem ser de alguma valia para o caso brasileiro.

Antes, porém, cumpre lembrar que várias das propostas apresentadas e concretizadas na história mais recente do Brasil, mormente após a Reforma Universitária (anos 70) e após a promulgação da Constituição da República, em 1988 (como por exemplo, a limitada participação da intervenção federal aos currículos; o delineamento da missão e da função institucional de cada Universidade; o papel da Educação em face das necessidades sociais, etc.), já vêm sendo exaustivamente tratadas, implementadas e consolidadas por países anglicanos há, pelos menos, quatro décadas. [34]

Das duas propostas anglo-saxônicas que abordamos neste breve escrito, a primeira, que nos chama particularmente a atenção, provém dos Estados Unidos da América e se refere especificamente ao ensino do Direito Penal, tendo sido formulada por E. J. Williams e Matthew Robinson.[35]

Estes autores criaram um modelo pedagógico para o ensino das ciências criminais que se fundamenta na exploração da ideologia estabelecida, entendida esta em seus aportes filosóficos, como “ciência das idéias”, de modo a viabilizar, dessa forma, uma compreensão mais profunda da natureza dessas mesmas ideologias, sobre as quais se assenta todo o Direito Penal constituído. Ora, tal proposta é realmente inusitada enquanto modelo pedagógico, pois o que se tem buscado é uma (im) possível “neutralidade científica” do Direito, para cuja Epistemologia imagina-se possível uma suposta “desideologização” que toma emprestado o modelo da Ciência, formulado principalmente sob o viés racionalista-cartesiano do século XVIII, referendado por Kelsen, como de conhecimento cediço.

Portanto, adotar a ideologia como modelo pedagógico é uma brava atitude que, a buscar a verdadeira natureza das Ciências Criminais em sua origem mais fundante, assume corajosamente a verve da “verdade”, sobre a qual nos referimos no início deste ensaio. Ao nosso ver, a adoção do estudo da ideologia, aliada à Etnometodologia do Direito, pode revelar ângulos inusitados dos saberes sobre os quais nos debruçamos, com evidentes repercussões sobre o Ensino Jurídico.

A segunda proposta anglicista abordada aqui provém da Inglaterra e é apresentada por Avrom Sherr. Ao contrário da anterior, esta proposta é ampla e genérica, referindo-se ao Ensino Jurídico como um todo e não apenas a uma disciplina específica do Direito. Consoante suas críticas aos efeitos da Globalização sobre o Judiciário inglês (efeitos esses até mesmo de dissimulação, segundo o referido autor), [36] Avrom Sherr desenvolve uma instigante reflexão sobre o Ensino Jurídico na atualidade, considerando que as categorias tradicionalmente adotadas mostram-se cristalizadas e endurecidas, de modo a gerar inclusive o que ele chama de “desprofissionalização das profissões jurídicas”, pois em um contexto globalizado e, portanto, modificado, no qual surgem novos afazeres ao mesmo tempo em que declinam os antigos, é de se perguntar efetivamente sobre a correlação entre o ensino, o emprego, a prática profissional e o mercado; e se o abismo entre a empregabilidade dos bacharéis em Direito e a teorias e práticas do Ensino Jurídico não nos levam a pensar criticamente sobre a criação de novas competências e habilidades. [37] Afinal, quem estamos formando e para quê?

Somos do parecer que, com efeito, ambas as propostas anglo-saxônicas aqui abordadas podem somar-se às reflexões sobre o Ensino Jurídico no Brasil, servindo até mesmo como um fio unificador, em tempos globais, ao mesmo tempo em que a Etnometodologia assegura o caráter autóctone do Ensino Jurídico em cada localidade.

Assim, unindo o todo às partes, exercitaríamos o paradoxo do “um e do múltiplo” simultâneos, o que parece compatível com a concepção de uma sociedade complexa e plural.

A questão que está mais ao fundo e que, na verdade, subjaz a todas estas reflexões, é como aproveitar toda a experiência histórica das práticas, das teorias e das “teorias praticadas”, quer dizer, como fazer a “coisa certa”[38], pois o que está em jogo é a prioridade da Justiça e, mais além, o que se entende por liberdade humana e o que a partir daí se pretende.
2. Críticas ao Ensino Jurídico no Brasil

Desde a década de 1980 do século passado, para ficarmos nos momentos imediatamente anteriores à reestruturação formal do Estado de Direito no Brasil, existe toda uma construção crítica à maneira de produzir e reproduzir o saber jurídico no Brasil[39] que se assenta em aspectos como, por exemplo, a dissonância entre o saber formal e a realidade social e a incapacidade reflexiva do sistema institucionalizado em perceber e superar esse descompasso.

A essas análises devem ser somadas outras tantas que, em parte, são repercussões daquelas mencionadas como a necessidade de aperfeiçoar a grade formal curricular, a inserção de abordagens multi e transdisciplinares e a forma de avaliação discente, docente e da própria instituição de ensino.

No entanto, pelas limitações próprias do presente texto, será forçoso limitar o espaço de análise, deixando de adentrar em algumas searas que, malgrado a importância estrutural para a maturação do tema, não podem ser aqui exauridas, tais como a necessária interdependência política dos modelos de ensino institucionalizados com o poder político instituído e, mais ainda, como se comporta essa institucionalização do saber quando se estabelece um estado de exceção aos primados do Estado de Direito. Esse último aspecto, por sinal, já é merecedor de preocupações há pelo menos seis décadas.[40]

Assim, observando-se mais a conjuntura que o contexto, três situações podem ser merecedoras de especial relevância critica: a forte expansão horizontal das instituições de saber sem o necessário acompanhamento na construção de um saber “relevante”; a mercantilização do Direito como decorrência dessa expansão de base com seus consequentes subprodutos e, por fim, o emprego da tecnologia como propulsora dessas inconsistências, dado que se trata de fator singular em relação aos momentos históricos anteriores.

2.1 Expansão horizontal e superficialidade vertical

A expansão horizontal do ensino formal de Direito – aqui entendido o aumento do número de instituições oficialmente habilitadas para tanto – é fruto de uma realidade complexa que foi apresentada, ao longo dos anos 1990[41] como, de um lado, a necessidade de aumentar-se o acesso da população brasileira ao ensino[42] de terceiro grau[43] e, de outro, a implementação de um modelo econômico que visualizava com naturalidade o incremento da iniciativa privada no modelo de ensino,“particularmente da educação superior. Essa ampliação foi realizada através de dois movimentos: a) a expansão das instituições privadas, através da liberalização dos "serviços educacionais"; b) a privatização interna das universidades públicas, através das fundações de direito privado, das cobranças de taxas e mensalidades pelos cursos pagos e do estabelecimento de parcerias entre as universidades públicas e as empresas, redirecionando as atividades de ensino, pesquisa e extensão.”[44]

As consequências imediatas foram o aumento exponencial da oferta de cursos jurídicos com a massificação do “fornecimento do produto”, fenômeno facilmente visualizável em salas de aula abarrotadas e em quantidades astronômicas numa mesma instituição de ensino e, somado a isso, um baixo grau de titulação acadêmica do corpo docente, posto que a forma abrupta como o modelo foi introduzido tornou inviável que, naquele momento, houvesse uma quantidade de doutores e mesmo de mestres que fosse suficiente para, minimamente, fazer frente às novas ofertas.

Outros desdobramentos nítidos foram as deficiências administrativas para fazer cumprir as incipientes regulações e, sobretudo, a fragilidade do sistema avaliador discente, distorção essa que acabaria, em pouco tempo, inflando o mercado de trabalho e tensionando o relacionamento da “academia” com segmentos profissionalizantes, em particular a Ordem dos Advogados do Brasil, pelo papel que viria a assumir no refreamento do exercício da advocacia, empregando para tanto o recrudescimento do exame de ingresso naquela profissão.

Mas, para além das questões de mercado de trabalho às quais se voltará em outro momento do texto, impõe ser destacado o efetivo grau de contribuição da massificação do ensino jurídico na produção do saber jurídico, restrita a abordagem para o quanto se verifica de acréscimo na experiência do saber pelos cursos de graduação.

Quase trinta anos passados da incorporação desse novo padrão institucionalizado e sua vocação para ser mais um objeto no mercado de consumo, sujeita-se agora a institucionalização desse ensino a uma teia razoavelmente complexa de competências, seja no plano institucional, no discente e, igualmente, no docente.

Compreende-se que não há atitude administrativa que careça de repercussão na vida acadêmica e que, por seu turno, não há movimento acadêmico que possa prescindir do correspondente apoio administrativo. Sendo correta tal premissa, impõe considerar, pelo modelo aprovativo instituído para conclusão de curso, qual a efetiva contribuição ao pensamento jurídico que daí advém.

Certo que, pelos níveis e etapas percorridos na formação individual e construção do saber amplamente considerado, a contribuição ofertada em âmbito institucional e individual deve ser aquilatada na medida de sua adequada dimensão. Nada obstante, não sendo possível entende-la como um saber amadurecido, também não pode ser relegada essa etapa a um mero compromisso formal como o tem sido.

Mais ainda, se observadas as premissas lançadas, pode-se constatar que o ideal civilizatório se encontra absolutamente ausente da produção desse “saber”, tampouco ai se apresentando o resultado do ensino mesmo como um fator de construção social, nada obstante o discurso predominante seja o da valorização humana no ensino jurídico.

Aliás, nesse particular, o ensino segue sendo – e cada vez – tecnicista, burocratizante[45], infenso às diversidades culturais e, por isso, alheio às modulações da Etnometodologia. Segue sendo, também por isso, em larga medida carente de motivação, fator indispensável que é ao ato de aprender em qualquer circunstância, segundo João Baptista Herkenhoff. Assevera o referido tratadista que “o móvel da aprendizagem é a motivação. Ninguém aprende bem alguma coisa se não estiver motivado para aprender”[46]. A seguir, esclarece:

Segundo os psicólogos, a motivação mais eficaz não é a motivação negativa – aprender por medo de ficar reprovado, aprender por medo de ser malsucedido etc. A motivação de maior eficiência é a motivação positiva – aprender por gosto, aprender prazerosamente etc. Por esse motivo, uma cadeira introdutória ao estudo do Direito deve ser, segundo penso, uma iniciação para gostar do Direito” (itálicos no original).[47]

Para além da expansão horizontal e da superficialidade vertical, o Direito e seu ensino transformaram-se num mercado vertiginoso, regido pela lógica própria da Lex mercatoria, como adiante se verá.

2.2 O Direito como bem de consumo

Há um mercado específico que tem como produto principal de comercialização o “fenômeno jurídico”. Esse “marché du droit” se apresenta em todas as etapas, as quais têm seu inicio na própria arregimentação dos candidatos a protagonistas desse enredo, perpassa todas as cenas do ato encenado e é capaz de crescer cerca 20% ao ano, sendo certo que “O segmento já movimenta mais de R$ de 3 bilhões por ano no Brasil. O país tem cerca de 700 mil advogados e 20 mil escritórios de advocacia. As perspectivas futuras também são animadoras: outros 600 mil jovens brasileiros estão nos bancos universitários desvendando os códigos jurídicos” [48]

Não se trata exatamente de algo novo em sua essência, mas é inédito quando se constata que ele não se exaure nos bancos iniciais de estudo jurídico, mas se projeta para algo que se situa fora da formação institucionalizada tradicional.

Refere-se aqui à mercantilização póstuma do saber que não foi minimamente construído no ciclo institucional, prometendo-se suprir as deficiências estruturais para atender nichos mercadológicos com seus interesses específicos. Desta forma, o “marché” ganha uma sobrevida que atende padrões de expectativa para além da formação e mesmo da informação jurídica.

Tais padrões se caracterizam pela inexistência de qualquer reflexão do fenômeno jurídico e atende essencialmente a enfoques tecnicistas em sua mais ortodoxa essência ou, comojá enfatizou FERRAZ Jr em outro contexto histórico, mas com a mesma preocupação: “Nestes termos a formação do bacharel é entendida como uma acumulação progressiva de informações, limitando-se o aprendizado a uma reprodução de teorias que parecem desvinculadas da prática (embora não sejam), ao lado de esquemas prontos de especialidade duvidosa, que vão repercutir na imagem”[49].

Para dar azo a esse papel, o docente se transforma num hermeneuta superficial e defende essa característica por meio de rituais de comunicação que se assemelham – não poucas e não por acaso – àquele religioso fundamentalista valendo-se, inclusive, de uma ferramenta inédita nesse processo: a tecnologia.
3. À guisa de conclusão: A tecnologia propulsora do expansionismo e do consumismo

Algo de novo em todo esse contexto é a influencia da tecnologia em todo o processo do ensino jurídico, sentida que é desde sua presença na administração institucionalizada até sua colocação no patamar de formação e fomento de construções de “saber”.

Como sabido, tecnologia em si é um instrumento e, de muito, concebe-se que o mero progresso tecnológico não se confunde nem alimenta, obrigatoriamente, o progresso humanizado que é muitas vezes por ele corrompido[50].

Para o ensino do direito em particular, contudo, a tecnologia tem efeito exponencial no distanciamento que o tecnicismo (muitas vezes confundido com a adjetivação superficial de “positivismo”) produz no pensamento e na prática jurídicas. O “Homo Juridicus”, [51] substitui suas crenças divinas na ilusão da técnica esterilizada e, por tal razão, não consegue conceber a vocação humanizante do Direito que, em suma, acarretará na compreensão da plena valorização do ser humano como verdadeira “racionalização da razão de Estado”, no dizer de Delmas-Marty.[52]

Também por essa razão não consegue compreender o Direito como instrumento civilizatório na sua compreensão mais ampla e que verdadeiramente se insira numa “teoria da cultura, capaz de dar conta da nossa realidade, em que o saber erudito é tantas vezes espúrio e o não-saber popular alcança, contrastantemente, atitudes críticas, mobilizando consciências para movimentos profundos de reordenação social.[53]
4. Referências

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[1] PEUKERT, Helmut. Las ciências de la educación de la modernidad y los desafios del presente. In: Educación, Volumen 49/50, Instituto de Colaboración Científica, Tübingen, República Federal da Alemania, 1994, p. 25. Para esse Autor, as teorias pedagógicas clássicas de Rousseau, Kant e Schiller, entre outras, podem ser entendidas como uma resposta ao acelerado desenvolvimento científico e tecnológico que caracterizou o período referido e, em muitos aspectos, condicionou a pós-modernidade e observa que as teorias de Rousseau, v. G., retratam o desgarramento do homem de um possível “conforto” imaginado nos períodos históricos precedentes, presididos pelo ideário escolástico do medievo e, antes disto, pela belíssima – mas possivelmente utópica – concepção grega da paidéia e da politéia[1], que tanto influenciou a cultura ocidental.

[2] COULON, Alain. Etnometodologia e Educação. (Trad. De Guilherme João de Freitas Teixeira), Petrópolis: Vozes, 1995, p. 44.

[3] Idem, ibidem, p.50.

[4] GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. São Paulo: Ática, 1993, p.17. Itálico no original.

[5] Veja-se, para ilustrar: GASPARIN, João Luiz. Comênio ou da arte de ensinar tudo a todos. Campinas: Papirus, 1994; e também: COVELLO, Sergio Carlos.Comenius – A construção da Pedagogia. São Paulo: Sociedade Educacional João Amós Comenius, 1991.

[6] ATLAN, Henri. Tudo, não, talvez – Educação e verdade. (Trad. De Fátima Gaspar e Carlos Gaspar), Lisboa: Instituo Piaget, 1995, p. 31.

[7] WOLFF, Robert Paul. O ideal da Universidade. (Trad. De Sonia Veasey Rodrigues e Maria Cecília Pires Barbosa Lima), São Paulo: Editora da UNESP, 1993, p.27.

[8] KERR, Clarck. Os usos da Universidade – Com Post Scriptum. (Trad. De Débora Cândida Dias Soares), Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará, 1982.

[9] LOUREIRO, Maria Amélia Salgado (Coord). História das Universidades. São Paulo: Estrela Alfa Editora, 1994, p. 39.

[10] Idem, ibidem, p. 39-40.

[11] VERGER, Jacques. As Universidades na Idade Média. (Trad. De Fúlvia M. L. Moretto), São Paulo: Editora da UNESP, 1990, p.19.

[12] STEGER, Hanns-Albert. As Universidades no desenvolvimento social da América Latina. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970.

[13] RIBEIRO, Darcy. A Universidade necessária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969.

[14] Idem, ibidem, p.31.

[15] DREZE, Jacques; DEBELLE, Jean. Concepções da Universidade. (Trad. De Francisco de Assis Garcia; Prefácio de Paul Ricoeur), Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará, 1983.

[16] Idem, ibidem.

[17] UNESCO. Educación superior em el siglo veinteuno: visión y accion.Conferencia mundial sobre educación superior, ED-98/CONF.202/7 (versión preliminar), Paris, 5 a 9 de outubro de 1998.

[18] FARIA, José Eduardo. A função social da dogmática e a crise do ensino e da cultura brasileira. In: Sociologia Jurídica. Crise do Direito e Práxis Política. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 157.

[19]Idem, Ibidem, p. 161

[20] Idem, Ibidem, p. 168

[21] OLIVEIRA, José Sebastião de. O perfil do profissional do Direito neste início de século XXI. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 208, 30 jan. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4745>. Acesso em: 07 de maio de 2010.

[22] CARNEIRO, Maria Francisca. Ensino Jurídico: modelo e padrão. In: Revista Cesumar Mestrado, v.10, número 1, Maringá: Cesumar, 2010, p. 125-131.

[23] NÉRICI, Imídeo Giuseppe Didática geral dinâmica. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cutura, 1973, p. 271 et passim.

[24] FERREIRA SOBRINHO, José Wilson. Metodologia do Ensino Jurídico e Avaliação em Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997, p. 88.

[25] Cite-se, para ilustrar: DEMO, Pedro. Avaliação qualitativa. São Paulo: Cortez, 1987; CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais.Petrópolis: Vozes, 2007; LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em Educação: Abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986; dentre outros.

[26] LEWY, Arieh (Org.) Avaliação de Currículo. (Trad. De Sandra Maria Carvalho de Paoli e Letícia Rita Bonato), São Paulo: EPU / Editora da Universidade de São Paulo, 1979, p. 3-5.

[27] LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1992.

[28] Apud SAUL, Ana Maria. Avaliação emancipatória – Desafio à teoria e à prática de avaliação e reformulação de currículo. 2. Ed., São Paulo: Cortez, 1988, p.29.

[29] DAVIES, Ivor Kevin. O planejamento de currículo e seus objetivos. (Trad. De Maríia Lins e Nélio Parra). São Paulo: Saraiva, 1979, p. 32.

[30] Veja-se, para ilustrar: SANTOS FILHO, José Camilo (Editor). Pro-Posições –Avaliação Institucional da Universidade. Campinas: Revista Quadrimestral da Faculdade de Educação, vol. 6, número 1 (16), março de 1995; AMORIN, Antônio.Avaliação institucional da Universidade. São Paulo: Cortez, 1992; DURHAM, Eunice R.; SCHWARTZMAN, Simon (Org). Avaliação do ensino superior. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1992; GREEN, Diana (Editor). What is quality in higher education? Bristol, 1994, entre outros.

[31] Veja-se, para ilustrar: FARIA, José Eduardo. A reforma do Ensino Jurídico.Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1987, entre vários outros autores, muitos deles imbuídos de ideologias políticas de viés mais (ou bem mais) à esquerda, contribuindo, desse modo, para um debate diversificado e plural, consentâneo com a redemocratização do País, à época.

[32] MELO FILHO, A. Repensando o ensino para o século XXI. In: Revista Cearense Independente do Ministério Público, Ano I, nº 01, Abril/99, Fortaleza: ABC, p. 27.

[33]Idem. Metodologia do Ensino Jurídico. 3. Ed., Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 111

[34] Veja-se, para ilustrar: ROSENBLOOM, Paul. (Editor). Modern viewpoints in the curriculum: National conference on curriculum experimentation. New York: McGraw-Hill Book Company, 1961.

[35] WILLIAMS, E. J.; ROBINSON, Matthew. Ideology and Criminal Justice: Suggestions for a pedagogical model. In: Journal of Criminal Justice Education.(Academy of Criminal Justice Sciences), vol. 15, N. 2, Fall 2004, p.374-392.

[36] SHERR, Avrom. Globalisation and the English Judiciary. London: Institute of Advanced Legal Studies / University of London, 2010.

[37] Idem, Legal Education – Where do we begin? Starting again… again.(Australasian Law Teachers Association – ALTA – Conference, July 2005, The University of Waikato, Hamilton, New Zealand). London: Institute of Advanced Legal Studies, School of Advanced Study / University of London, 2010.

[38] SANDEL, Michael J. Justiça – O que é fazer a coisa certa.(Trad. De Heloísa Matias e Maria Alice Máximo), 4. Ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

[39] Assim, WARAT, Luís Alberto et al. O poder do discurso docente das es- colas de Direito. Sequência, Florianópolis, UFSC, a. I, n.2,
p. 146-52, 1980; LOPES, José Reinaldo de Lima. Função social do ensino da ciência do direito. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v.72, ano 18, p.365-380, out./dez. 1981

[40] DANTAS, San Tiago. A educação jurídica e a crise brasileira. Revista Forense, Rio de Janeiro, v.159, ano 52, p.449-459, maio/jun. 1955.

[41] E se insere numa abordagem mais ampla que redunda, em ambito internacional, na na Conferência Mundial sobre Educação para Todos ocorrida em março 1990 (Ano Internacional de Alfabetização), em Jomtien na Tailândia, sob os auspicios da UNESCO e participação de Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF); o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD); e o Banco Mundial (BID) além da presença de 155 países.

[42] De uma forma mais ampla: “Somente nos anos 1990 é que, realmente, tem lugar a grande revolução no ensino básico. Em meados dos anos 1980, 86% da coorte de 7 a 12 anos já estava na escola. Na segunda metade da década, 97% da coorte estavam freqüentando a escola fundamental. Ao mesmo tempo, um enorme contingente de alunos que tradicionalmente estava represado dentro do ciclo fundamental vai progressiva- mente sendo capaz de concluir seus cursos. Programas de correção de fluxo, como a criação do ciclo básico de alfabetização, aumentaram a taxa de cresci- mento nas conclusões em torno de 2% ao ano (a. A.)

[43] Inclusive por conta da compreensão que o progresso individual economicamente compreendido está intimamente atrelado ao progresso da escolaridade e que o “investimento” na educação se traduz em ascensão econômica e social.

[44] LIMA, Kátia Regina de Souza. O Banco Mundial e a educação superior brasileira na primeira década do novo século. Rev. Katálysis, vol.14 no.1 Florianópolis Jan./June 2011. ISSN 1414-4980 (versão impressa).

[45] Que se insere razoavelmente na perspectiva da “educação bancária” tal como entendida por Freire. FREIRE, Paulo. (1979). Pedagogia do Oprimido. 13. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983, p. 67.

[46] HERKENHOFF, João Baptista. Para gostar do Direito – Carta de iniciação para gostar do Direito. 6. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 9.

[47] Idem, ibidem.


[49] FERRAZ Jr, Tércio Sampaio. O ensino jurídico. In: Encontros da UNB: ensino jurídico. Brasília: UNB 1978-79, p. 70. (ISBN: 5765)

[50] ROUSSEAU, J. J. Discurso sobre as ciências e as artes. Coleção os Pensadores. 2. Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

[51] ALAIN Supiot . Homo Juridicus - ensaio sobre a funçao antropologica do Direito. SP: WMF Editora, 2007.

[52] MIREILLE, Delmas-Marty. Três desafios para um direito mundial. Tradução e posfácio de Fauzi Hassan Choukr. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2003, passim.

[53] RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: A formação e o sentido do Brasil. 2º ed., São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 16.

[1] Pós-Doutor pela Universidade de Coimbra. Doutor e Mestre em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo. Especializado em Direitos Humanos pela Universidade de Oxfor e em Direito Processual Penal pela Universidade Castilla la Mancha. Promotor de Justiça no Estado de São Paulo.

[2] Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Professora de Direito Penal e Prática Penal do Centro Universitário Campos Andrade - Uniandrade.

Fonte: Atualidades do Direito

Viúva de empregado que tinha outra família comprova legitimidade para propor ação trabalhista


Viúva de empregado que tinha outra família comprova legitimidade para propor ação trabalhista



O espólio de um motorista falecido que trabalhava para o Município de São José da Laje, em Alagoas, representado por sua ex-esposa, conseguiu demonstrar à Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho que detinha a legitimidade para propor reclamação requerendo verbas trabalhistas decorrentes do vínculo de emprego com o município. O empregado deixou ainda uma companheira e três filhos.

Na decisão anterior, o Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região (AL) havia extinguido o processo sem resolução do mérito, por entender que a ex-esposa do empregado não tinha legitimidade para propor a ação, porque não havia nos autos documento que comprovasse a sua qualidade de inventariante, ou seja, que representasse o espólio.

Ao examinar o recurso do espólio para o TST, o ministro Alberto Bresciani, relator, afirmou que a discussão acerca da legitimidade ativa para ajuizar ação pedindo parcelas trabalhistas devidas a empregado falecido "resolve-se à luz da Lei 6.858/1980, que trata especificamente do tema". O artigo 1º dessa lei estabelece que tanto os dependentes habilitados perante a Previdência Social como os sucessores previstos na lei civil podem requerer as verbas não recebidas em vida pelo empregado falecido, "independentemente de inventário ou arrolamento".

Segundo o relator, apesar da não comprovação da viúva na condição de inventariante, ficou demonstrado que ela é a sucessora legal do empregado morto, na "qualidade de cônjuge sobrevivente" (artigo 1.829 do Código Civil). Ela apresentou as certidões de casamento e de nascimento dos filhos do casal, para fins de comprovação da condição de herdeiros necessários do empregado falecido.

O magistrado destacou que o fato de outra pessoa ter comparecido à sessão de audiência como companheira e mãe de três filhos do empregado, dois deles menores, não afasta a legitimidade da representante do espólio para ajuizar a ação trabalhista. Concluindo ser inafastável esse entendimento, pois ficou devidamente configurada a sua legitimidade para compor o polo ativo da reclamação, o relator determinou o retorno do processo ao Tribunal Regional, para que prossiga no exame da ação.

A decisão foi unânime.

(Mário Correia/CF)


O TST possui oito Turmas julgadoras, cada uma composta por três ministros, com a atribuição de analisar recursos de revista, agravos, agravos de instrumento, agravos regimentais e recursos ordinários em ação cautelar. Das decisões das Turmas, a parte ainda pode, em alguns casos, recorrer à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1).

Empresas e sindicatos são condenados por usar comissão de conciliação prévia para fraudar direitos


Empresas e sindicatos são condenados por usar comissão de conciliação prévia para fraudar direitos





A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento a agravo de um sindicato de trabalhadores e de uma concessionária de transportes urbanos de São Paulo (SP) contra decisão que os condenou em R$ 50 mil por dano moral coletivo por utilizarem a comissão intersindical de conciliação prévia (CCP) como instrumento de violação dos direitos dos trabalhadores. Segundo o processo, nos acordos firmados na CCP, os trabalhadores abriam mão de direitos em troca de sua permanência no emprego.

O caso foi tratado em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) da 2ª Região (SP), ajuizada a partir de denúncias de irregularidades na sucessão de empresas concessionárias de transporte público de São Paulo. As empresas Via Norte, Viação São Paulo e Auto Viação Brasil Luxo, contratadas em 2002 em caráter emergencial, foram descredenciadas e sucedidas pela Sambaíba, vencedora de concorrência promovida pela Secretaria Municipal de Transportes do Município.

A fim de não assumir o passivo trabalhista das empresas descredenciadas, criou-se, segundo o MPT, "uma estratégia jurídica" para refutar a sucessão e, em seguida, dispensar os empregados das antecessoras sem grandes prejuízos financeiros, envolvendo as empresas, o Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores em Transporte Rodoviário Urbano e o Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de São Paulo. Os empregados das empresas descredenciadas estariam sendo forçados a firmar acordos contrários aos seus direitos sociais e a simular lides na CCP para homologar as rescisões dos contratos. No entanto, os sócios das empresas descredenciadas e da sucessora eram os mesmos.

Na ação civil pública, o MPT requereu a declaração de sucessão trabalhista e a condenação da Sambaíba e dos sindicatos patronal e profissional por dano moral coletivo por desvirtuar o uso das CCPs.

Violação de direitos

O juízo da 10ª Vara do Trabalho de São Paulo constatou que, em diversos casos, as verbas rescisórias dos empregados das empresas descredenciadas não eram pagas em sua totalidade, e que após a homologação, para receber as diferenças, firmava-se termo de conciliação na CCP pelo qual o trabalhador dava quitação ampla e geral do extinto contrato. Quanto ao FGTS, o acordo previa que o trabalhador dava quitação pelo valor que estivesse depositado em sua conta, abrindo mão, assim, da multa de 40%.

Segundo a sentença, havia provas de que os empregados não compareciam espontaneamente perante a comissão: a quitação era condição para que fossem admitidos pela Sambaíba. Assim, concluiu que a CCP, prevista nos artigos 625-A a 625-H da CLT, estava sendo usada de forma indevida, e determinou que os dois sindicatos a organizassem dentro dos moldes legais.

Além de reconhecer a existência de sucessão entre as empresas, a sentença condenou os dois sindicatos e a Sambaíba por dano moral coletivo, fixando a indenização em R$ 50 mil, reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). A condenação foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP).

Na tentativa de trazer o caso à discussão no TST, o sindicato dos trabalhadores e a empresa interpuseram agravo de instrumento no qual alegavam que a decisão, ao interferir na organização da CCP, afetaria a liberdade sindical. Sustentaram ainda que não cometeram nenhum ato ilícito que justificasse a condenação por dano moral coletivo.

O relator do agravo, ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, observou que o TRT-SP, "soberano no exame dos fatos e provas", reconheceu taxativamente a existência de conluio para fraudar e desvirtuar os preceitos trabalhistas. Nesse contexto, a jurisprudência apontada como violada pelos agravantes não serviam para tal finalidade, pois não tratavam da mesma situação, como exige a Súmula 296, item I, do TST. Por unanimidade, a Turma negou provimento ao agravo.

(Lourdes Côrtes e Carmem Feijó)


O TST possui oito Turmas julgadoras, cada uma composta por três ministros, com a atribuição de analisar recursos de revista, agravos, agravos de instrumento, agravos regimentais e recursos ordinários em ação cautelar. Das decisões das Turmas, a parte ainda pode, em alguns casos, recorrer à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1).

Seguro de acidentes pessoais não cobre morte por AVC

Seguro de acidentes pessoais não cobre morte por AVC
Apesar do nome, o acidente vascular cerebral – conhecido pela sigla AVC – enquadra-se no conceito de causa de morte natural, e não acidental, para fins de seguro. O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao negar recurso dos beneficiários de um contrato de seguro de acidentes pessoais celebrado com a Santander Seguros S/A.

Os beneficiários ajuizaram ação contra a Santander Seguros pretendendo que a morte do segurado – causada por acidente vascular cerebral – fosse enquadrada como acidental, incluída, portanto, na cobertura do contrato.

O segurado havia contratado um seguro de acidentes pessoais que previa cobertura para os casos de morte acidental, invalidez permanente total ou parcial por acidente, assistência funeral e despesas médico-hospitalares.

Após a ocorrência do AVC, o contratante faleceu, e os beneficiários requereram o pagamento da indenização, a qual foi negada pela seguradora sob o argumento de que o sinistro morte natural não estava garantido no contrato.

Súbito e violento

A primeira instância entendeu que houve morte natural e que esse evento não tinha cobertura, decisão mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

No recurso ao STJ, os beneficiários afirmaram que o AVC que vitimou o segurado “é tido como um evento súbito, violento, inesperado, que trouxe como consequência certamente uma lesão física que ocasionou a morte do proponente". Sustentaram que, por isso, o evento deveria ser considerado morte acidental.

Alegaram ainda que, havendo dúvida, as cláusulas de contrato de adesão devem ser interpretadas em favor do consumidor. Também pediram a anulação do processo por cerceamento de defesa, pois houve julgamento antecipado, sem produção de provas.

Faculdade do juiz

Em seu voto, o relator do caso, ministro Villas Bôas Cueva, afirmou que, quanto ao julgamento antecipado da ação, devem ser levados em consideração os princípios da livre admissibilidade da prova e do livre convencimento do juiz.

O ministro mencionou que, de acordo com o artigo 130 do Código de Processo Civil, cabe ao julgador determinar as provas que entender necessárias à instrução do processo, bem como indeferir as que considerar inúteis ou protelatórias.

“O acórdão impugnado pontificou que não havia necessidade da juntada das condições gerais do contrato de seguro, porquanto a existência da apólice já era suficiente para o deslinde da controvérsia. Rever os fundamentos que levaram a tal entendimento demandaria a reapreciação do conjunto probatório, o que é vedado em recurso especial, a teor da Súmula 7 do STJ”, disse o relator.

Patologia

Villas Bôas Cueva afirmou que é necessário distinguir o seguro de vida do seguro de acidentes pessoais. “No primeiro, a cobertura de morte abrange causas naturais e também causas acidentais; já no segundo, apenas os infortúnios causados por acidente pessoal, a exemplo da morte acidental, são garantidos”, explicou.

Quanto à morte acidental e à natural, o ministro concluiu que a primeira está evidenciada quando o falecimento da pessoa decorre de acidente pessoal, definido como um evento súbito, exclusivo e diretamente externo. Já a morte natural está configurada por exclusão, ou seja, por qualquer outra causa, como as doenças em geral.

“No caso dos autos, o segurado faleceu de acidente vascular cerebral. Apesar dessa denominação”, explicou Cueva, “o AVC é uma patologia, ou seja, não decorre de causa externa, mas de fatores internos e de risco da saúde da própria pessoa”.Como estava contratada apenas a garantia por morte acidental (seguro de acidentes pessoais), a Terceira Turma isentou a seguradora da obrigação de indenizar os beneficiários do segurado vitimado por AVC, evento de causa natural, desencadeado por fatores internos à pessoa.
Fonte: STJ

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Como seria o protótipo do professor ideal na esteira do aluno ideal?


Como seria o protótipo do professor ideal na esteira do aluno ideal?



Comprei na Argentina o livro La Lentitude como método, de Carl Honoré. É um libelo contra a falta de planejamento e contra as “soluções rápidas”, tipo “manualescas”. Diz ele: a solução rápida não é o cavalo ganhador. Por si só nenhum algoritmo resolveu um problema global de saúde. Nenhuma compra impulsiva transformou a vida de alguém. Nenhuma caixa de bombons consertou uma relação amorosa espatifada. Nenhum DVD educativo transformou, até hoje, uma criança em um pequeno Einstein. Nenhuma conferência TED (de 18 minutos) mudou o mundo. Nenhuma guerra relâmpago já acabou com grupos terroristas. Tudo sempre é mais complicado que isso.

Bingo, pensei. Nenhum DVD transforma uma criança em um gênio. Não há autoajuda em Direito. Como também nenhum resumo transforma a vida de alguém. Não há facilidade. Não dá para cair na gandaia e querer prosperar sem que tenha QI, paitrocínio ou um emprego público sem precisar trabalhar.

Um dos sintomas de que tudo deve ser compactado e que não devemos refletir são os debates da campanha eleitoral. Trinta segundos para formular uma pergunta, um minuto e meio para responder e 50 segundos para réplica e tréplica... Patético. Ora, como um candidato vai explicar o que pensa fazer na saúde em 90 ou 120 segundos? Resultado: tudo fica fast food.Um debate macdonaldizado, em que os marqueteiros tomam conta da vida e dos destinos da nação. Uma vergonha. Tudo vira narrativa. Já não há fatos. Tanto faz o que o candidato pergunte ou diga. Se a pergunta for “por que a saúde vai mal”, responda, primeiro, que a “sua mãe se tratou há uma semana”; na sequência, diga que “construiu tantos postos de saúde”. Se o adversário disser que você está mentindo, diga que “o irmão dele emitiu um cheque sem fundos há 20 anos”. Ou que a sua tia toca banjo. Tudo é imagem. Palavras ao vento. Você venceu o debate. E a realidade? Bom, azar dela.

Consta que um dos segredos para que alguém se dê bem em frente às câmeras é não parar de falar. Em geral, ninguém está realmente prestando atenção ao conteúdo da fala. O importante é demonstrar segurança e não fazer pausas (a não ser, é claro, aquelas “dramáticas”, pré-programadas pelo pessoal do marketing). Se alguém fica quieto por alguns segundos, para refletir sobre o que se debate, dana-se. Demonstra insegurança. “Acusa o golpe”. É mais importante sacar um número ou um chavão do bolso do colete e meter bala do que reconhecer, por exemplo, que era o caso de “pensar melhor” sobre tal coisa.

Esse modelo é perceptível nos cursos-para-concursos públicos — em especial, aqueles ministrados via Educação a Distância (EAD). Deus nos livre de um professor que não saiba “de cor” as expressões utilizadas pelo Ministro Fulano no RE número tal. De um professor que levante problemas e suscite questões não enfrentadas em determinado caso, ou que aponte a penumbra por detrás do vaticínio de uma súmula. “E se cair na prova, professor, o que eu marco?” Alunos têm pânico de “mestres” que não cravem a resposta: “se for para a Defensoria, é tal!” — com aquela segurança bruta que, me desculpem, só os ignorantes têm.

Assim é o ensino jurídico. Pasteurizado. Embalado a vácuo. O resultado? Bom, o resultado pode ser visto em palestras e aulas (e na baixa sofisticação de nossa jurisprudência). O professor diz algo mais sofisticado e a expressiva maioria sequer sabe o significado das palavras. Um bom exercício é o professor pedir para os alunos lerem em voz alta um texto. Peguem dois textos: um escrito por um desses facilitadores; e depois peguem um texto de Hart ou Kelsen. No primeiro caso, eles conseguem gaguejar menos. No segundo, as pausas são constrangedoras. Feito isso, peça para interpretarem os dois textos. No primeiro caso, os textos são autoexplicativos (que é a pretensão isomórfica dos livros facilitadores-simplificadores-resumos, etc); no segundo caso, o resultado é desastroso. Em palestras, se o conferencista faz uma ironia usando filosofia, o silêncio é igualmente constrangedor. Mas, com certeza, um professor neopentescostal fará os alunos reagirem, contando um exemplo envolvendo crime sexual ou de direito do consumidor em que o sujeito foi ao motel e... Bom, tem de ser engraçado, certo? Mais ou menos como o humor de A Praça É Nossa ouZorra Total–autoexplicativo. Eis a fórmula “DVD para crianças se tornarem Einsteins”.

Minha tese: ganharás o pão com o suor do teu rosto. Não há intelectual bronzeado. A preparação de alunos passa pela pesquisa. Professor que não pesquisa e que não possui um projeto de pesquisa tem imensas dificuldades em passar para os alunos algo para além do trivial, da cultura fast food. Tenho lidado por décadas com alunos pesquisadores. Comecei como tutor do Programa Especial de Treinamento (PET), na década de 80 no mestrado da UFSC. Sempre acompanhei grupos de alunos da graduação, mestrado e doutorado no desenvolvimento da pesquisa. Hoje recebo também professores que fazem pós-doutorado comigo. Minha equipe hoje é formada por 14 pessoas, que se reúnem comigo às terças-feiras. Fora os que se relacionam comigo por e-mail. Todos têm tarefas a cumprir. Escrevem textos. Solo e em co-autoria comigo. Alunos de graduação, depois de dois anos, já possuem uma “unha enorme” e já estão em condições de debater com(o) “gente grande”. Todos alunos são obrigados a ler os clássicos. E devem conhecer a obra do professor. Somando e dividindo, quando terminam o mestrado e/ou o doutorado estão prontos para enfrentar a sala de aula. Entre esse conjunto de alunos, há profissionais militantes; portanto, ser lidadores do direito não afasta a pesquisa. Ao contrário: agrega. Na Unisinos (Capes-6) e na Unesa (Capes-5), tenho orientandos e co-orientandos de todos os cantos do país. Todos os alunos que fazem dissertações e teses comigo publicam seus textos. É garantia de qualidade. E de profundidade.

Não há fórmulas para o professor ideal. Professor não faz milagres com grades curriculares como as que vicejam nas centenas das faculdades de leis (e não de direito). Quem leu a coluna da semana passada (ler aqui), entenderá o que estou dizendo. Posso acrescentar ao protótipo do aluno ideal — e às necessárias mudanças curriculares — um conjunto de ideias para a formação de um professor que tenha condições de encarar um ensino jurídico de qualidade.

Com efeito, para começar, esse professor deve ter condições de “vender o seu peixe” sem a bengala dos resumos e do Bacharel Google. Esse é o desafio, no mínimo no plano simbólico. Uma aula sem livros de direitos facilitados, simplificados, resumos, resumões, manuaizinhos de baixo teor epistêmico: nem o professor pode usá-los, nem os alunos. Pronto. Vamos construir novos conhecimentos (isso é diferente de, atenção!, associar ideias livremente, de querer substituir suor por “criatividade”). Vamos pegar um acórdão do Supremo Tribunal e fazer uma anamnese? Quais os pressupostos teóricos que a Corte lançou mão? Eles são consistentes? O julgado obedeceu a coerência e a integridade ou foi um caso decidido ad hoc? Se o Tribunal (pode ser usado acórdão de qualquer tribunal) lançou mão dos métodos de Savigny, eis aí a oportunidade de o professor falar sobre esse autor e mostrar o que foi o positivismo alemão do século XIX. Na sequência, compará-lo com o que veio depois. Quem foi Ihering? O que ele tem a ver com Savigny? Quem foi Philipe Heck? Um tema puxa o outro, devendo a coordenação do curso fazer esse esquema tático. Isso tem de ser capilarizado por todo o curso de direito.

Vamos comparar, neste semestre, as diferentes visões sobre o direito penal desde o império? O que se entende por bem jurídico desde o Código de 1830? Quem foi Teixeira de Freitas? Qual é a relação do Código Civil brasileiro com o Code francês e o BGB alemão?

O que é isto — a teoria do Estado? O que o absolutismo tem a ver com o Estado Moderno? O que quer dizer a palavra “modernidade”? E pós-modernidade? Quais os paradigmas filosóficos que estão por trás dos CPCs de 1939, 1973 e o atual em gestação? O CPP foi inspirado em quais pressupostos filosóficos no que tange à formação da prova e o papel do juiz? O que é isto — o inquisitorialismo? É correto um autor de processo penal dizer que o CPP tem um modelo (inquisitorial) e a Constituição, outro (acusatório)? O que é uma teoria das fontes para esse tipo de autor? O que tem a ver as questões dos “sistemas de produção de prova” com as mudanças ocorridas na Constituição de 1988? O que é a teoria da recepção das leis? Quantas vezes até hoje o STF fez nulidade parcial sem redução de texto? Está correto o STF equiparar os conceitos de validade, vigência e eficácia? Qual é a consequência disso?

O juiz do Tocantins deu uma decisão invocando o princípio da felicidade ou da afetividade? Muito bem. Vamos discutir neste semestre o que é isto — o princípio? Qual é a relação dos princípios gerais do direito com os princípios constitucionais? O que é isto — um axioma do século XIX? O que é isto — a relação direito-moral do século XX? Houve uma continuidade ou descontinuidade no conceito de princípio? Princípios são valores? Então não são normas, certo? Ou são? Por quê? Quem foi Kant? E o neokantismo? Qual é o papel da autonomia do direito nessa relação direito-moral-economia-política? O direito pode ser corrigido pela moral? Ainda hoje podemos falar em injustiças? O que é isto — o ideal de vida boa escrito na Constituição? O que é ética? O que é moral?

Cognotivismo ético? Cognotivismo moral? O que isto tem a ver com o constitucionalismo do segundo pós-guerra? Em termos filosóficos, é possível sustentar cognotivismos? Recasens Siches e o positivismo jurídico... Uma boa aula pode sair de um confronto Siches-Kelsen... Siches, ao sustentar a lógica do razoável, é um pós-positivista? Mas não tem uma certa ontologia clássica por trás de Siches? Quem é Friedrich Müller? Palavras e coisas... Qual é a relação da questão palavra e coisas constantes no Crátilo com a tese de Müller sobre texto e norma? E o que isso tem a ver com a hermenêutica? Quais os autores brasileiros que tratam dessa temática de forma aprofundada?

Quem trata dos TCCs? O que o professor está dizendo sobre a metodologia? Ele ensina que há indutivismo? Ou ele diz que o método é o dedutivo? O professor está indicando livros que dizem isso? Então peça para ele demonstrar isso empiricamente. E com uma boa literatura jurídica.

O que é isto — o instrumentalismo? Podemos falar em escopos processuais? Mas o que isto tem a ver com o livre convencimento? E os embargos são compatíveis com a exigência de fundamentação do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal? Processo de conhecimento: como sobrevive? O que é a prova? Taruffo tem razão ao sustentar o conceito de verdade comoadeaquatio intelectum et rei? Ou ele está defasado? Mas, se está, porque faz tanto sucesso? Quais as condições de possibilidade de trabalharmos conceitos como verdade,[1] cognição, pré-compreensão na teoria do processo e nos respectivos processos? Pré-compreensão é igual a subjetividade? Por que “Direito civil constitucional” e não “direito tributário constitucional”, “Direito penal constitucional”? Existem hermenêuticas regionais para interpretar os diversos ramos do direito? O que é hermenêutica? E o que são paradigmas? 

A prova de ofício: Justifica-se constitucionalmente? O que é isto — os poderes instrutórios do juiz? Será que o juiz que concede pedido liminar não se torna parcial para julgar o feito? É adequado permitir que o juiz responsável pela concessão de prisão cautelar também sentencie? Juiz que determina prova de ofício pode mesmo julgar? Aquele juiz que tem sua sentença anulada está constitucionalmente autorizado a reapreciar a causa?

Súmulas vinculantes e jurisprudência defensiva: por que esta tem lugar no nosso sistema? Ela é constitucional? Se a Constituição diz que o STF e o STJ julgam causas, porque hoje eles só julgam teses? O professor tem de promover um debate sobre isso. Repercussão geral: por que existem inconstitucionalidades de primeira divisão e inconstitucionalidades de segunda divisão? O que é decidir? É o mesmo que escolher? Mas, se é o mesmo, para que necessitamos de doutrina? Holmes tinha razão quando disse que o direito é o que os tribunais dizem que é? Peça para os alunos levantarem todos os julgamentos do Tribunal local utilizando a “ponderação”. E depois, cotejam os argumentos com o conceito de ponderação. Mais: testem a(s) fórmula(s) de Alexy, empiricamente, para ver se tem sentido...

O que é isto — o ativismo judicial? Isso é bom para a democracia? Posicione-se, professor. Mostre dados empíricos. Demonstre o que fala. Quais são as raízes de quem pratica ativismo? Isso tem raiz filosófica? Ou foi parido por uma chocadeira-epistêmica?

Três aulas para falar sobre o papel da doutrina. Que não mais doutrina. Que é caudatária dos tribunais. O que a frase de Holmes tem a ver com o realismo jurídico? O que é isto — a relação realismo filosófico e o positivismo? Aplicar a “letra da lei” é positivismo?

Meio semestre para ler Kelsen. Para entender de vez o criptograma do positivismo. Qual é a relação do positivismo com o relativismo e o pragmatismo? E paremos com esse negócio do professor pegar o Código Penal e ficar discutindo artigo por artigo com os alunos. Ou qualquer outro Código ou lei. Qualquer aluno, em trinta segundos, pesquisa isso em qualquer site. Por que pagar para o professor contar coisas que estão em qualquer lugar, inclusive à venda nas gondolas de supermercados? Comunicação tautológica: é nisso que se transformaram as salas de aula. O professor diz ou usa um livro que qualquer um — mas qualquer um mesmo — poderia ter dito ou escrito. Mas, então, para que necessitamos de um professor?

Eis, portanto, algumas reflexões que deixo com os alunos e professores. Comecemos logo. Na entrada da sala de aula, coloquemos uma mesa para depositar os livros que não devem ser usados durante as aulas e no aprendizado dos alunos. E o professor será desafiado a, de fato, no gogó, ministrar aulas. Esse é o seu mister. Vamos ler um capitulo de um bom livro de teoria do direito ou de dogmática jurídica e dele retirar o cerne, com críticas internas e externas. E as provas? Provas objetivas se justificam em concursos públicos, onde milhares se inscrevem e, na primeira fase, há que fazer uma triagem. Mas, na faculdade, é justificável, tendo a sala de aula tem em média 60 alunos? Há que remunerar os docentes por correção de provas. E as provas devem ser dissertativas. Os alunos devem saber escrever. E pensar. Resolver grandes casos jurídicos. 

A formação mínima de um jurista

Não quero fazer aqui “terra arrasada”. Meu objetivo não é o de que vocês digam “ah, assim seria se assim fosse, mas... não é”. Sei que é importante ter na “ponta da língua” boa parte do conhecimento jurídico, digamos, mais “dogmático”. Afinal, também nos movemos em uma “dogmática do cotidiano”. É necessário saber, sim, o conceito de legítima defesa ou quais os requisitos necessários para que alguém responda pelo dano que causou a outrem. Ou os pressupostos da antecipação dos efeitos da tutela, ou o que se entende por “direito líquido e certo” (sic), ou qualquer outra destas chaves com que abrimos as portas todos os dias. O erro não está aqui (quando não me pergunto mais por alguma coisa, é porque já a compreendi, pois não?), mas, sim, em acreditar que nada há além disso. As respostas só estão prontas para as perguntas que já foram feitas. Devemos estar preparados para novas perguntas.

Não queria ter uma causa patrocinada por um “jurista” que ficasse paralisado, num exercício de dúvida socrática, diante de uma dessas questões já respondidas pelo Direito. Ou assistir aula com um professor que não me desse respostas diretas e objetivas, quando estas forem possíveis ou necessárias para a construção do saber. Também não quero que o neobacharel saia da faculdade acreditando que deve “reinventar a roda” diante de cada ação de alimentos.

Quero, sim, numa palavra final, formar pessoas que saibam distinguir umcaso fácil de um caso difícil — mas isso só se faz, devidamente, quando se sabe que não há uma distinção ontológica (clássica) entre um e outro. Quando se está preparado para a possibilidade de tornar fácil um caso difícil (pela sua compreensão); e de se abrir para a possibilidade de que um casofácil seja, quando bem compreendido, mais complexo e difícil do que antes de imaginava.

Sei que é um trabalho de longo prazo. Talvez o ideal seria a lentidão como método (La lentitud como método). Fast food só é bom na fotografia. O gosto é horrível. Mas sempre há o primeiro passo. Professores: formem grupos de pesquisa. Alunos: adiram a esses grupos. E a pós-graduação deve se ajudar: não dá para fazer dissertação ou tese sobre agravo de instrumento ou sobre o papel do oficial de justiça ou sobre a união homoafetiva em um programa de meio-ambiente ou sobre o cheque em um programa de direitos fundamentais. E paremos de escrever que “regras é no tudo ou nada e princípios é na ponderação”. Isso ainda vai dar prisão em flagrante por crime epistêmico. E as agências de fomento devem investir melhor o dinheiro público, não mais concedendo bolsa para estudar a violência infantil do Brasil em doutorado no interior da Espanha. Ou o Banco Central do Mercosul a ser estudado...em Paris. Ou o MST brasileiro em Faculdade... da Argentina. Algumas concedidas, outras não. Pelos menos com parecer contrário meu. E pensemos bem antes de financiar a vinda de professores medíocres do exterior para vender espelhos e miçangas para os pindoramenses-impregnados-do-complexo-de-vira-lata.

Sou um otimista metodológico, do estilo “como se” (als ob, de H. Vahinger). É como se um dia isso pudesse acontecer. É como se um dia fosse possível defender grandes teses, profundas e sofisticadas, junto ao judiciário (lato sensu). E que nas bancadas dos fóruns e tribunais não mais fossem vistos livros e compêndios de baixa ou baixíssima densidade teórica, nos quais deveriam ter sido colocados, de há muito, uma tarja com a advertência “o uso constante deste material faz mal à sua saúde mental”. E na quarta capa a fotografia de um aluno ou um bacharel com cara de imbecil, dizendo: “— Li e fiquei assim”!

Quem teve paciência para ler até o final já ganhou vários pontos! Saludo e obrigado!



[1] Caro aluno: você já pensou em fugir para as montanhas quando o professor disse que “tudo é relativo no direito”? Não? Então pense seriamente. Ou use o Código do Consumidor.


Lenio Luiz Streck é jurista, professor, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.



Revista Consultor Jurídico, 30 de outubro de 2014, 8h00

O protótipo do estudante de direito ideal e o "fator olheiras"


O protótipo do estudante de direito ideal e o “fator olheiras”



O estudante de direito Edilson Silva do Nascimento (Faculdades Integradas de Aracruz-ES), do segundo período, mandou-me e-mail, instando-me a escrever sobre como seria o “acadêmico de direito ideal” ou o que seria um ensino jurídico adequado nestes tempos bicudos de pauperização do conhecimento. Contou que muitos de seus colegas preferem brincar no facebook ou no smartfone em vez de prestarem atenção ao que o professor fala. O que fazer? E como deve ser uma aula, pergunta. Os alunos devem ser submetidos a um regime tal qual o contado no livro de Scott Turrow, O Primeiro Ano, em que relata como tinha de estudar e pesquisar?

Quanto à essa pós-modernidade, digo que, em minhas aulas (mestrado e doutorado) não admito — a não ser sob meu comando — a utilização, concomitante às minhas falas e aos seminários dos alunos, o uso dos instrumentos pós-chatos. Isso é para início de conversa. Se não é por outra coisa, trata-se de respeito ao espaço da sala de aula. Quer telefonar ou ver msn? Sai da aula.

Mas este é apenas um dos problemas. O ensino jurídico não vai mal porque os alunos ficam grudados no feicibuqui. Também por isso. Mas vai mal porque não há pedagogia sem dor. Não há intelectual bronzeado (é uma metáfora). Nem intelectuais-periguetes (os e as). No Direito, “pireguetear” não é preciso (apesar da paráfrase, permaneço aqui no nível apofântico — e a palavra “preciso” deve ser entendida em sua ambiguidade). E, fundamentalmente, não há a mínima possibilidade de avançarmos na melhoria do ensino jurídico enquanto a literatura utilizada for composta por um produto pret-à-porter, pret-à-parler e pret-à-penser.

Se a medicina for ensinada com livros “facilitados” como no direito, a ciência hipocrática vai morro abaixo. Espero, sinceramente, que os esculápios terra brasiliensis tenham uma formação melhor na graduação que nossos bacharéis em direito. Para exercitar minha LEER, pergunto (de novo): quem se operaria com um esculápio que tivesse escrito um livro com o título de “Operação cardíaca facilitada” ou “A fibrilação atrial em palavras cruzadas”? Ou quem se submeteria a tratamento com esculápios que tivessem estudado com professores que utilizaram livros tipo resumo-do-resumo?

Rafael Tomaz de Oliveira escreveu recentemente coluna (ler aqui) falando sobre o dilema dos livros mínimos que o aluno deve ler ou que o professor deve cobrar na faculdade de Direito. Não vou, aqui, delinear os livros que deveriam ser utilizados. Mas, por favor: hoje há professores de direito civil que não conhecem a história do direito civil alemão ou o brasileiro... Já fiz testes sobre isso, perguntando aquando surgiu — stricto sensu — o direito de propriedade em terrae brasilis. Aliás: o leitor sabe? E qual a diferença entre o tratamento da posse e da propriedade no século XIX em relação ao Código de 1916? No que isso influenciou a questão da terra?

Os alunos sabem como funcionava o controle de constitucionalidade no Império? Os alunos leram a Teoria Pura do Direito? Sabem que Kelsen nãoseparou o direito da moral? Se seu professor diz que Kelsen separou o direito da moral, fuja enquanto é tempo. Se o seu professor de Introdução ou filosofia do direito não sabe o que é neopositivismo lógico e sua importância para a construção da TPD, tome o mesmo rumo.

Se o seu professor de processo penal acha que a livre apreciação da prova é “assim mesmo” por ser uma fatalidade ou que o tal princípio (sic) da verdade real existe mesmo ou o seu professor de processo civil não sabe quem foi Büllow... (e sua relação com as escolas instrumentalistas) é porque você deve estar cursando outra coisa que não o “direito”. Talvez administração de empresas ou outra coisa.

Seu professor de direito do trabalho trabalha o “principio da primazia da realidade”? Ele não sabe que o socialismo processual acabou há mais de cem anos? Procure asilo na primeira embaixada (sugiro a embaixada da RECHD – República Epistêmica da Crítica Hermenêutica do Direito). E nem vou falar, aqui, da complexidade acerca do positivismo jurídico, incrivelmente simplificado nas salas de aula. É de chorar o que vem sendo ensinado sobre essa que é a mais importante temática do direito desde que o direito é direito positivo. E a tal “ponderação”? Palavra anêmica e vazia semanticamente... Do modo como vem sendo utilizada, não passa de uma fraude.

Isto só para começar a dizer para o aluno Edilson o que de mínimo um curso de Direito precisa propiciar ao aluno. O que falei é menos de um por cento. Assim como para estudar física, engenharia ou filosofia há um “kit” mínimo para começar, também no direito deveríamos fazer uma “cesta jurídico-epistêmico-básica”, algo como a garantia do mínimo existencial na cultura jurídica (MECJ). Em colunas próximas procurarei elaborar essa cesta básica.

De todo modo, o estudante ideal não deveria cursar tantas disciplinas. Muitas delas são absolutamente inúteis. Não é necessário oito ou dez semestres de direito civil. Estudar o(s) Código(s) — do modo como fazem — é mera técnica. O que o aluno deve saber é a matriz que sustenta o(s) Código(s) e a necessária matriz de interpretação da legislação. E assim por diante. Duvide desse negócio de “especialista em....”. Um jurista bem preparado — com estofo teórico — pega uma lei e faz um estudo sobre ela e dá um nó no neoespecialista.

Fico impressionado com os professores que aparecem na TV “explicando” obviedades que... estão escritas na(s) lei(s). Ora, ora. E precisa frequentar a faculdade para ter um professor lendo aquilo que ele mesmo escreveu — em uma linguagem tautológica — o que diz (n)a legislação? Mas, então, o que temos é um curso de legislação? Achei que deveríamos ter Faculdades de Direito e não meros cursinhos de leis (que repetem, pelas palavras dos professores, o que a lei diz e às vezes dela fazem uma vulgata por interesses subjetivo-ideológicos). Roberto Lyra Filho dizia: precisamos urgentemente criar faculdades... de Direito!

Por que frequentar uma disciplina onde o professor pega um resumo ou livro de facilitação para “descobrir” que agressão atual é a que está acontecendo? Ou que escalada é subir em alguma coisa? Ou discutir o assalto de Caio? Ou a solução para o problema dos gêmeos xipófagos? Ou ficar decorando verbetes (enunciados) provenientes de julgados extraídosad hoc? Não há como aprender direito sem que os alunos leiam... livros. Sim, livros e não resumos de livros ou livros orelhados. O que se está fazendo hoje é um processo de violência simbólica, para recordar um famoso livro dos anos 80 chamado A Reprodução, de Bourdieu e Passeron. Direito não se aprende por jogral. E nem por decoreba.

Há vinte anos que, em vários artigos e livros, refiro um trabalho de um aluno de pós-graduação na Faculdade de Direito da USP, do longínquo ano de 1981 — sim, 1981 — , que já então denunciava, verbis:

“O ensino do Direito como está posto favorece o imobilismo de alunos e professores. No esforço de renovação, uns atingem o grau de doutrinadores e o prestígio da cadeira universitária. Os outros, além do mítico título de ‘doutor’, obtêm a habilitação profissional que lhes permite viver de um trabalho não braçal (white collar). A tarefa do ensino para o aluno é cumprida nestes termos: aprendido o abc do Processo e do Direito Civil, já está habilitado a viver de inventários e cobranças sem maior indagação. [...]”

Diz ainda a pesquisa:

“É claro que este operário anônimo do Direito é necessário, mas por que deve ser inconsciente? [...] Sua atividade passa a ser meramente formal, sem influência no processo de tomada de decisão e no planejamento.”

Mais: 

“O jurista formado por escolas, convém lembrar, não será apenas advogado: será também o juiz que fará parte, afinal de contas, de um dos poderes políticos do Estado. A alienação do jurista, deste modo, colabora também na supressão das garantias de direitos. É que o centro de equilíbrio social (ou de legitimação) é colocado na eficiência, não no bem do homem. Começa-se a falar em um bem comum que só existe nas estatísticas dos planejadores, mas que a pobreza dos centros urbanos desmente. E, em nome desse bem comum, alcançável pela eficiência, sacrificam-se alguns valores que talvez não fosse inútil preservar”.[1]

Pergunto: o que mudou de lá para cá?

De todo modo, eis algumas observações sobre o que é e como pode(ria) ser o ensino jurídico. Por exemplo:

a) reformular as grades curriculares, dando ênfase às disciplinas formativas e não às meramente informativas;

b) quando me refiro à formação, quero dizer que, inclusive nas cadeiras de processo, deve o aluno compreender os acessos filosóficos ao processo de formação da prova; e estudar os paradigmas filosóficos que estão por trás dos procedimentos;

c) disciplinas formativas — filosofia do direito, introdução, etc — devem ser ministradas por professores com formação na área e não como biqueiros (quebradores de galho), que chegam na aula dizendo: “regras é no tudo ou nada, princípios é na ponderação”, achando que sabe alguma coisa; pior é utilizar, em sala de aula, manuais que resumem Aristóteles em meia página;

d) as faculdades devem fazer um processo de seleção acerca de que tipo de bibliografia está sendo indicada pelo professor. Não estou aqui a pregar uma espécie de index sobre o que não deve ser lido; mas a coordenação ou os órgãos deliberativos do curso (colegiados de curso e núcleos docentes estruturantes) deveriam, no mínimo, estimular os professores das respectivas áreas a debater a literatura utilizada em aula. É comum, nos dias atuais, mencionar a falta de “espírito crítico” (sic) por parte dos alunos. Mas, cabe perguntar: como cobrar algum tipo de postura investigativa por parte do discente se, na maioria dos casos, os professores colocam-se passivamente diante dos conteúdos que existem na literatura standard sobre o direito? Deve haver, no mínimo, uma recomendação por parte dos órgãos deliberativos no sentido de serem evitados compêndios pequeno-gnosiológicos, resumos, resumões, plastificações, livros lato sensu “tipo” direito tal facilitado;

e) direito constitucional deve tomar maior espaço na formação, incluída nocurriculum a correlação do direito constitucional com a jurisdição constitucional e com a teoria do Estado;

f) de sua parte, o acadêmico de direito precisa também operar um processo de autoanálise para colocar em questão o tipo de atitude por ele assumida com relação à própria formação. Nesse aspecto algumas questões são fundamentais:

f.1.) deve-se abandonar a postura do acadêmico-consumidor que se relaciona com a faculdade do mesmo modo que cuida de seus interesses nos supermercados ou no âmbito de uma mega store. Ora, a educação não é um bem de consumo. O que está em jogo aqui não é um produto estragado ou com mal funcionamento. É da própria formação que estamos falando.

f.2.) é preciso livrar-se das “muletas” utilizadas para apoiar algum tipo de deficiência na própria formação em algum elemento institucional. De se registrar: é claro que as demandas dos discentes por melhoras na infraestrutura do curso são salutares. Todavia, deficiências ou falhas institucionais não são motivos para, a priori, justificar gaps formativos. Exemplos: se na sua faculdade não existe pesquisa institucionalizada, procure um professor doutor que possa lhe orientar e busque financiamento de sua pesquisa em algum órgão de fomento à pesquisa; se sua faculdade não produz eventos científicos interessantes, tente viabilizá-los juntos aos órgãos de representação acadêmica (DA’s; CA’s, etc..). Não incentive showmícios pequeno-epistêmicos feitos por professores mais preocupados em vender seu “peixe” de cursinho. E incentive os alunos a, antes de frequentarem congressos, pesquisarem acerca do curriculum dos palestrantes.

f.3.) aprenda a usar a biblioteca; faça o uso devido de sua autonomia intelectual. Ali você vai descobrir um universo muito além da sala de aula e de seu professor. Faça um exercício consigo mesmo e se pergunte: quantas vezes você, desde que começou a frequentar o curso de direito, foi até a biblioteca despido de alguma obrigação institucional? Quantos livros você tomou emprestado que não foram indicados pelo professor? É importante ir a uma biblioteca e não simplesmente requerer ao bibliotecário ou a quem responda por ele o exemplar que você procura. É importante vagar pelas prateleiras à esmo e deixar que um livro caia nas suas mãos e desperte o seu interesse pelo mero acaso. Pode-se descobrir excelentes livros assim.

f.4) e por fim, mas não menos importante, leia livros de literatura. Leia aos montes... leia-os o máximo que você puder. Especialmente os romances. Neles você terá, além de um contato com a língua na sua forma mais emblemática, a possibilidade de se deparar com personagens fictícios que enfrentam dramas da vida próximos daqueles que os cientistas sociais enfrentam; próximo daqueles que os juristas enfrentam. Frustrações, paixões, um desfile de dilemas morais tudo que nos leva a sentirmos mais humanos, menos bestializados (ver aqui vídeo em que trato desse assunto). Não é a toa que as grandes utopias humanistas queriam formar uma espécie de comunidade universal de leitores. Na literatura temos a representação maior do modo com as relações humanas se desdobram e produzem sentido no mundo prático. Basta relembrar a operacionalidade geométrica do Direito[2]para percebermos que a realidade não sensibiliza os juristas; as ficções, sim. Com isso, seguimos confundindo as ficções da realidade com a realidade das ficções. Ficamos endurecidos.

Desse modo, podemos dizer, como uma palavra final, que o acadêmico ideal representa um arquétipo que só pode ser reproduzido em termos práticos se for possível observarmos duas transformações:

- uma de ordem estrutural institucional: cursos que apresentem currículos mais consistentes e que busquem um material adequado para trabalhar os conteúdos. Há coisas que necessariamente devem ser abordadas e há livros que fazem isto melhor do que outros;

- por outro lado, é necessário que os discentes deixem a passividade de lado e passem a ser mais ativos com relação à própria formação. Não para simplesmente reivindicar “os seus direitos” (sic), mas, muito além, por estar conscientes dos deveres que possuem para com a sua própria formação.

Por fim, quanto à questão relacionada a Scott Turow, a resposta é não. Em um país de modernidade tardia, os alunos não possuem tempo integral como em Harvard, a não ser os que tem paitrocínio ou que podem frequentar faculdades públicas sem trabalhar. A maioria dos acadêmicos se esfalfela trabalhando oito horas por dia e, à noite, vai à faculdade. Por isso, temos que ser darwinianos. Adaptarmo-nos às adversidades. E nos esforçarmos. Um estudante de filosofia, se tem uma prova sobre o sujeito da modernidade em Kant, não faz festa até as quatro da manhã (é uma metáfora). Em regra, os cursos de filosofia exigem olheiras dos alunos, se me entendem a alegoria (ou a brincadeira). O aluno de direito, regra geral, consegue fazer festa até as quatro e responder, no dia seguinte, a prova de direito civil objetiva e tirar sete. Até porque só chumba na faculdade de direito quem tem pistolão (é uma ironia).

Sugiro, pois, o “fator olheiras”. Como disse, não existe intelectual bronzeado. Ou, para ser mais leve, ninguém se torna um bom estudante de direito se ficar lendo resuminhos ou fazendo festa até a madrugada. A vida é bela. Mas é dura. O resto é churumela e autoajuda. Que não resolve nada. Não se pode fazer como o Barão de Münchausen: afogado no pântano com seu cavalo, puxou-se a si mesmo pelos cabelos...



[1] FARIA, José Eduardo. A reforma do ensino jurídico. Porto Alegre, Fabris, 1987.


[2] CALVO GONZÁLEZ, José. Direito curvo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013

Lenio Luiz Streck é jurista, professor, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.



Revista Consultor Jurídico, 23 de outubro de 2014, 8h00

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