sexta-feira, 16 de maio de 2014

Os dez mandamentos do advogado que é empreendedor

Os dez mandamentos do advogado que é empreendedor

 
1. Ser perseveranteImplementar o seu sonho não é tão fácil quanto você pensa que é. Leva anos. E muito mais se você não se manter focado, organizado e entender que você não conseguirá crescer de verdade se não arriscar de vez em quando, enquanto mantém a cabeça no lugar nos momentos de crise.
2. Saber valorizar o trabalho em equipe
Um pequeno escritório nunca tem internamente todos os recursos que precisa. Portanto, é essencial ter uma equipe de pessoas que possa pedir ajuda quando os problemas e dificuldades aparecerem. Tenha mentores para as áreas de marketing jurídico, finanças, produção jurídica, recursos humanos, tecnologia e toda área que você julgar necessário.
3. Manter o foco
Um escritório de advocacia só consegue prosperar quando se mantém focado naquilo que ele sabe fazer de melhor. Não insista na clínica geral, no “fazer tudo para todos”.
4. Manter-se constantemente informadoTodos os dias acontecem eventos que afetam os negócios dos seus clientes. Se você quer realmente prestar um excelente serviço jurídico, você precisa manter-se atualizado sobre as tendências do mercado, jurídico ou não, e implementá-las antes mesmo de o seu cliente saber. O conhecimento pode diferenciar você dos seus concorrentes.
5. Entender que comunicação é chave para o sucessoTenha certeza que você sempre fala de uma maneira clara, simples e consistente. Todo e qualquer processo de comunicação envolve documentar o que aconteceu entre você e o seu cliente para que não exista qualquer mal-entendido no futuro. Ambos os lados devem estar sempre cientes sobre as respectivas expectativas
6. Entender que dinheiro é fator críticoÉ sempre bom tratar as finanças do escritório com o rigor necessário e reservar uma verba para os eventos que você não imagina que possam acontecer. Por outro lado, não tenha medo de investir dinheiro onde você acredita que trará retorno.
7. Ser honesto e íntegro o tempo todoAcima de tudo, você precisa ser verdadeiro. Desonestidade é sinal de fraqueza, sem mencionar que é a pior estratégia de marketing que pode existir. Se os seus clientes souberem que você será sempre verdadeiro com eles, nunca terão dúvidas sobre acreditar em você. Uma excelente reputação jurídica leva anos para desenvolver, mas segundos para ser destruída.
8. Ser um aprendiz sempreO mundo está em constante movimento, e para você adaptar-se a ele e manter-se à frente dos seus concorrentes, você precisa ser um eterno aprendiz. Aprenda sobre economia, sobre gestão, sobre negócios, sobre biotecnologia, sobre tecnologia, sobre a Floresta Amazônica. Aprenda! Aprenda! Aprenda!
9. Trabalhar pelo sucesso dos outrosNunca esqueça o porquê de um advogado existir: ajudar os clientes a resolver os problemas que eles têm. E lembre-se: “faça o bem e jogue no mar”. O que vai, volta!
10. Fazer Marketing JurídicoNunca pare de fazer o marketing do seu escritório. Procure constantemente por novos negócios dentro dos atuais clientes, novos clientes e novos mercados para servir. Inove!
Assim, em um mundo sem heróis e de conceitos deturpados sobre o bem e o mal, prevalece a máxima socrática: conhece-te a ti mesmo. Conhecendo nosso espírito e buscando a luz do mundo (conhecimento e repertório), seremos o que desejamos: pessoas dispostas a mudar a ordem do tempo e das coisas. Se as coisas estão difíceis na profissão, se os contratos não estão sendo fechados como gostaria e tudo demora tempo demais, atitudes são possíveis de ser tomadas com planejamento, ética e ação. Inovar na advocacia é como o sangue que corre nas veias: não pode parar sob pena de falência dos órgãos vitais. A mudança depende de nós e de nossa alma. Isso e nada mais.
 
Rodrigo D’Almeida Bertozzi é especialista em Comunicação Jurídica Ética, sócio da Selem, Bertozzi Consultores Associados, autor dos livros Marketing Jurídico e Revolution Marketing Place, Consultor de Marketing de diversas sociedades de advogados, membro do conselho editorial da Juruá Editora e administrador com MBA em Marketing.
Lara Selem é advogada, consultora em planejamento estratégico, composição societária e gestão de pessoas na advocacia, International Executive MBA pela Baldwin-Wallace College (EUA), especialista em gestão de serviços jurídicos pela FGV-SP e em Liderança de Empresas de Serviços Profissionais pela Harvard Business School (EUA), sócia da Selem, Bertozzi & Consultores Associados e autora de obras sobre Gestão Legal.
Revista Consultor Jurídico, 17 de janeiro de 2014

Saia da zona de conforto antes que seja tarde

Saia da zona de conforto antes que seja tarde

 
Lara Selem e Rodrigo Bertozzi - 09/08/2012 [Spacca]Neste momento muitos sócios de escritórios de advocacia, diretores de departamentos jurídicos e até mesmo nas carreiras individuais, o fenômeno das postergações de decisões está a pleno voo. As desculpas são variadas, tais como: este é um ano morto, o carnaval começou tarde, vários feriados seguidos e obviamente Copa do Mundo e eleições. Em uma análise superficial parece realmente acertado simplesmente ficar parado até que terminem as eleições e vejam só: já seria meados de novembro de 2014 e tudo ficará para 2015, depois do carnaval é claro, que se inicia como se sabe sempre ruim para a advocacia devido a sazonalidade.
Em resumo: para muitos, o ano de 2014 começará mesmo em março de 2015. Este erro estratégico está ameaçando a saúde financeira de milhares de organizações jurídicas. A zona de conforto nunca custou tão caro.
Nossa opinião é que adotem o estilo Buy & Build — ou seja comprar o conhecimento em gestão legal e construir uma advocacia sólida. Bancas de volume precisam reduzir a dependência de poucos clientes ou seja pulverizar a carteira, reduzir custos e posicionar a marca em outros segmentos econômicos e em áreas do Direito. Boutiques, já enxutas em estrutura, precisam manter ativa sua reputação, se conectando cada vez mais com seus clientes. Departamentos jurídicos precisam ficar atentos a quem são os escritórios de advocacia que melhor atendem suas necessidades. Individualmente, advogados precisam trabalhar forte seu network e capitalizar todo o conhecimento acumulado numa direção correta.
Manter a direção é mais importante que andar rápido, porém não andar pode facilmente gerar a perda do norte.
6 reações táticas em tempos imprevisíveis.
- atacar fortemente na prospecção de novos clientes . Nunca abandonar a ideia de sempre girar novos clientes na carteira ativa da banca - seja consultivo ou contencioso, boutique ou volume;
- reduzir os custos com inúmeras medidas profissionais. Acreditem cortar na própria carne é muito difícil, mas existem certos custos ocultos que precisam ser enfrentados;
- criar serviços e produtos inovadores para furar o bloqueio imposto por empresas, sindicatos e pessoas físicas;
- treinar a equipe jurídica e administrativa para fazer mais com menos recursos;
- Mapear mercados que não estão atravessando momentos ruins e adaptar-se a eles com novos projetos;
- Investir em comunicação para neutralizar a crise. E mesmo que não esteja na crise ela chegará em alguma hora.
Analise o conjunto de decisões a tomar e não espere algum quadro positivo. As vantagens de ser corajoso é sair na frente da concorrência, reposicionar a marca, ser eficaz na relação com o cliente ativo e, claro, preparar para crescer. A bem da verdade, toda crise gera uma oportunidade. Apesar de muitos saberem disso (nossos avós já diziam), poucos executam as medidas necessárias e se agarram à ilusão de que os mercados e clientes atuais são imutáveis.
Para que passar sufoco se podemos decidir agora?
 
Rodrigo Bertozzi é administrador especializado em escritórios de advocacia, MBA em marketing e sócio da Selem, Bertozzi & Consultores Associados.
Lara Selem é advogada, consultora em planejamento estratégico, composição societária e gestão de pessoas na advocacia, International Executive MBA pela Baldwin-Wallace College (EUA), especialista em gestão de serviços jurídicos pela FGV-SP e em Liderança de Empresas de Serviços Profissionais pela Harvard Business School (EUA), sócia da Selem, Bertozzi & Consultores Associados e autora de obras sobre Gestão Legal.
Revista Consultor Jurídico, 16 de maio de 2014

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Advogado faz perito levar choque para desmentir testemunho

Advogado faz perito levar choque para desmentir testemunho

 
No banco das testemunhas, o perito em eletricidade, identificado nos autos como Dr. A.P. Meliopoulos, prestava esclarecimentos técnicos em uma disputa de dez anos entre fazendeiros criadores de gado e uma companhia de eletricidade de Utah, nos EUA. Os fazendeiros acusam a companhia de fazer com que seu gado leiteiro tome choques constantemente, por causa da dispersão de corrente elétrica no solo, a partir de sua linha de transmissão.
Ao ser questionado pelo advogado dos demandantes, o perito da companhia de eletricidade ridicularizou o dano que qualquer dispersão de corrente elétrica no solo poderia causar ao gado leiteiro. “A corrente parasita é tão fraca que equivale à energia de uma pilha AAA, de apenas 1,5 volt. Ela não é sentida, nem mesmo por um ser humano”, testemunhou Meliopoulos.
O advogado Don Howarth, representando os fazendeiros, alegou que não é bem assim e propôs um teste. Mostrou a Meliopoulos uma caneta — uma espécie de caneta elétrica de brinquedo, inventada recentemente para emitir choques — durante o que foi descrito pelo juiz James Brady como “uma inquirição cruzada agressiva”:
“O senhor acabou de dizer aos jurados que, se fecharmos o circuito de uma pilha AAA, o senhor sequer sentiria qualquer choque, certo? Isso aqui é uma caneta, na qual eu coloquei uma bateria AAA. Se o senhor pressionar a parte de cima da caneta o circuito vai se fechar. O senhor gostaria de testá-la, para ver se sente o choque da bateria AAA?”, entregando a caneta ao perito. “Vá em frente, pressione o botão da caneta e diga ao júri se sentiu ou não um choque”, acrescentou.
O perito concordou, sem titubear. Levou um choque que o fez se mexer bruscamente na cadeira e deixar a caneta cair. Não precisou dizer aos jurados o que sentiu. Todos viram.
No entanto, havia um componente “perverso”, que o juiz descobriu mais tarde, ao examinar a atitude do advogado e as possibilidades de punição a ele. O juiz descreveu a caneta, na decisão em que mandou o advogado pagar uma multa de US$ 3 mil — US$ 1 mil para o perito e US$ 2 mil para a outra parte, a companhia de eletricidade. Embora seja alimentada por uma pilha de 1,5 volt, a caneta elétrica tem um transformador interno que pode gerar até 750 volts. “Uma voltagem que pode até causar a morte de uma pessoa com saúde ruim”, escreveu.
Segundo o juiz, a embalagem da caneta declara que o dispositivo não é recomendado para adultos com mais de 60 anos e crianças com menos de 12 anos, e para qualquer pessoa com saúde ruim. Meliopoulos tem mais de 60 anos e Howarth não lhe fez perguntas sobre o estado de sua saúde.
O juiz levantou a questão da “agressão à testemunha” e afirmou que “o tribunal tem o poder de sancionar um advogado por contato nocivo ou ofensivo com a testemunha”.
Ele escreveu: “Uma testemunha tem o direito de estar segura e protegida contra agressões ou intimidação física. Se o senhor Howard tivesse informado à corte que iria aplicar um choque no Dr. Meliopoulos, isso não seria permitido. Testemunhas são chamadas para responder a perguntas, podendo ser testadas suas qualificações, memória e credibilidade. E também para conferir seus depoimentos anteriores e explicar quaisquer inconsistências”.
E continuou: “Acrescentar a exigência de que façam isso, em um ambiente hostil, onde podem se sujeitar a choques elétricos sem advertência prévia, está muito longe do decoro e do profissionalismo requerido dos advogados e não pode ter lugar em uma sala de julgamento”.
O advogado Jefferson Gross, de Salt Lake City, que também representou os fazendeiros, disse que Howarth vai recorrer, porque a decisão do juiz não faz sentido. “Essa caneta é um brinquedo de crianças”, ele disse ao jornal da ABA (American Bar Association). “Ela transmite apenas um choque leve. A única coisa forte nela é o elemento surpresa”, afirmou.
Os advogados da companhia elétrica pediram ao juiz que cancelasse a autorização especial que o tribunal concedeu a Howarth, que é da Califórnia, para atuar no caso em Utah. O juiz negou o pedido. Mas impôs limitações à atuação do advogado nas próximas inquirições cruzadas do julgamento.
 
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 15 de maio de 2014

O "decido conforme a consciência" dá segurança a alguém?

O “decido conforme a consciência” dá segurança a alguém?

Caricatura Lenio Streck [Spacca]Advertência da Coluna
Esta coluna não deve ser lida por quem não aprecia questões sofisticadas sobre o Direito. Quem acha que discutir filosofia e “crise de paradigmas” é perfumaria, não deve perder seu precioso tempo. Pare por aqui. Portanto, ninguém poderá alegar desconhecimento acerca do “produto”.
A entrevista do Desembargador Ricardo Dip
Domingo, abro o ConJur e leio o título “Segurança Jurídica” acima do titulo “juiz precisa ter consciência que erra”. Era a entrevista do desembargador Ricardo Dip, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Pensei: sob esse epíteto “segurança” e esse título da entrevista, vou me deliciar. Finalmente alguém do Judiciário vai entrar rachando na temática “segurança jurídica” e na problemática do “erro de apreciação judicial”. Alvíssaras.
Já no início, fiquei animado. O entrevistado, com base filosófica considerável e grande convivência com a literatura (o que atraiu, de pronto, minha simpatia), faz uma crítica ao neosofistas contemporâneos. E fez críticas ao relativismo. Cada vez mais animado, fui adiante. Confesso que me vi nas palavras do desembargador Dip. Principalmente depois que li, dias antes, que um ministro do STF, abrindo uma conferência, citou um poeta sofista, para quem as coisas são segundo o cristal com se olha, isto é, nada mais, nada menos que a repristinação da máxima de Protágoras “o homem é a medida de todas as coisas”. Aqui, um esclarecimento necessário. No caso da sentença de Protágoras, faz-se necessário ressalvar que o fato de ser aqui o homem a medida de todas as coisas não representa um sujeito que por si só descobre os sentidos do mundo, construindo estes (os sentidos) seguindo a sua subjetividade ou consciência (Com Heidegger, é preciso observar que o ambiente da filosofia grega não conhecia conceitos próprios da modernidade como é o caso do conceito de sujeito). De todo modo, repito, o desembargador Dip fez críticas duras aos sofistas (inclusive nominando Protágoras). Que felicidade.
Mas eis que, na sequência, de repente, nosso entrevistado resvala epistemicamente, ao dizer que o juiz deve decidir de acordo com sua consciência. Como eu estava empolgado com o início da entrevista, tive que ler de novo. De fato, ali constava, verbis: “O juiz deve decidir de acordo com sua ciência e consciência. Em rigor, eu digo isso, e é um fato muito pessoal: minha consciência, em determinado momento, está totalmente voltada a Deus. Eu sei que eu vou responder pelos meus acertos e erros perante Deus”. Sobre essa “questão de Deus”, não falarei na coluna, uma vez que sou adepto da secularização plena, por assim dizer.
Prossigo. Em outro momento, quando fala do juiz ideal, lá aparece, esculpido-em-carrara, a figura do juiz solipsista, uma espécie de “juiz do justo concreto”. Então, qual é o problema? Onde reside o resvalo epistêmico?
Explico: os sofistas foram os primeiros positivistas (naquilo que se entende por positivismo de forma sofisticada). E isso é assim por causa de sua concepção convencionalista. Não há qualquer imanência ou ontologia entre palavras e coisas. Por isso o homem é a medida de todas as coisas. Foram combatidos por Platão, pela boca de Sócrates. O livro Crátilo deixa isso muito claro, quando os sofistas são colocados frente à frente com o naturalismo de Crátilo. Aristotéles pensava, inclusive, que Platão bateu pouco nos sofistas.
É certo que o relativismo contemporâneo deita raízes nos sofistas, embora essa concepção possa ser explicada de outros modos. Por exemplo, o pragmaticismo tem relação direta com o nominalismo (pensemos no personagem Humpty Dumpty de Alice Através do Espelho). Assim, o positivismo é relativista (Kelsen reconhece isso; e o positivismo tem um quê forte de nominalismo. E assim por diante. Michel Villey descreve muito bem essa relação do positivismo com o nominalismo e o relativismo.
Já o sujeito — da relação sujeito-objeto — é uma invenção moderna. A partir de Descartes, tem-se que os sentidos, se antes estavam nas coisas (porque estas tinham uma essência), agora passam a estar na consciência. Vale dizer, a filosofia cartesiana transfere a substância aristotélica que se colocava na natureza e naquilo que, diante da constante modificação, permanece inalterado, para a certeza de si do pensamento pensante (cogito). Todas as afirmações e dogmas da tradição foram colocados em dúvida pelo cartesianismo, até que essa dúvida encontrou qualquer coisa que já não podia ser posta em dúvida: enquanto se duvida, não se pode duvidar que aquele que duvida ele próprio existe e que tem que existir para que possa duvidar. Na medida em que duvido, portanto, eu sou. O eu é aquilo que não pode ser colocado em dúvida. Desse modo, antes da teoria acerca do mundo (esse sim, objeto da dúvida), deve colocar-se a teoria acerca do sujeito. Daqui em diante a teoria do conhecimento é o fundamento da filosofia, o que a torna moderna, distinguindo-a da medieval.
Para evitar mal-entendidos sobre o que estou dizendo
E aí é que está o problema da entrevista do desembargador. Vou pontuar bem essa questão para evitar mal-entendidos (sei que haverá muitos mal-entendidos, mas vou tentar reduzir os “danos” o máximo que puder). Note-se: o desembargador Dip faz menção à decisão conforme à “ciência e a consciência” (algo que me faz lembrar diversos pronunciamentos do ministro Marco Aurélio no plenário do STF) em uma pergunta cujo contexto está ligado ao atual apelo midiático do poder judiciário e ao excessivo caráter de publicidade que temos hoje em certos julgamentos, especialmente aqueles que são transmitidos pela TV Justiça. Todavia, nesse momento, aparece, como um sintoma, algo que está recrudescido no imaginário gnosiológico dos juristas: a ideia de que a “liberdade de decisão do juiz” está ligada a uma ideia de responsabilidade subjetiva dos julgamentos que profere. Algo como dizer que o-juiz-constrói-sua-decisão-a-partir-de-uma-simbiose-de-razões-e-sentimentos que são apenas seus (vale dizer, um juiz solipsista — um Selbstsüchtiger). Ora, dizer que o juiz decide conforme sua consciência retira o caráter institucional e político que reveste as decisões do Poder Judiciário. Daí que o desembargador, da — acertada — crítica que faz àquilo que se chama de “pós-modernidade” e ao relativismo dos sofistas, acaba por cair em um outro tipo de relativismo: aquele próprio da filosofia da consciência (ou nas vulgatas moderno-voluntaristas). É nisso que reside a “coisa”.
Daí a minha pergunta: De que adianta dizer que não há segurança jurídica hoje no Brasil e, ao mesmo tempo, sustentar que o juiz deve decidir conforme sua consciência? Ora, em termos de paradigmas filosóficos, estamos apenas saindo da crítica de uma concepção sofistica e indo em direção a uma concepção solipsista, para dizer o menos. Que segurança tem o jurisdicionado quando sabe que a decisão é dada conforme a consciência individual do decisor? Ainda que isto esteja afiançado por uma instância transcendente com pretensões de objetividade (Deus ou a Natureza).
Mas não estou satisfeito. Sigo para aprofundar mais ainda essa questão. É que da crítica bem feita aos sofistas o desembargador Dip cai na filosofia da consciência (ou nas vulgatas moderno-voluntaristas). Daí a minha pergunta: De que adianta dizer que não há segurança jurídica hoje no Brasil se, ao mesmo tempo, sustentar que o juiz deve decidir conforme sua consciência? Ora, em termos de paradigmas filosóficos, ele apenas saiu da critica de uma concepção sofistica e caiu em uma concepção solipsista, para dizer o menos. Trazendo para o direito: Em vez de a decisão ser dada de acordo com uma estrutura (na hermenêutica chamamos a isso de a priori compartilhado, que compreende a reconstrução da história institucional do direito, com coerência e integridade, o decisor prolata a sentença de acordo com o que a sua consciência. Ora, dizer que alguém decide assim implica ingressar na problemática dos paradigmas filosóficos. Sem tirar nem por.
Eis a grande discussão a ser feita e que venho sustentando há tantos anos e que está no livro O Que É Isto – Decido Conforme Minha Consciência? Não há Direito sem Filosofia. Não há direito sem paradigmas filosóficos. Parece que já superamos o paradigma epistemológico da filosofia da consciência em outras áreas. A própria filosofia, depois daquilo que se consignou a chamar de linguistic turn, movimenta-se fora dos estreitos caminhos da subjetividade assujeitadora do mundo. Isso tanto no campo da filosofia analítica quanto no âmbito da assim chamada filosofia continental, no interior da qual se situa a corrente hermenêutica. Mas não no Direito. Parece que no Direito isso está impregnado. E desse enclausuramento de imaginário temos uma sequência de implicações à listar mas que, de um modo ou de outro, convergem para o mesmo ponto: a aposta no protagonismo judicial. O instrumentalismo processual começou com um “grito” solipsista de Oskar Büllow. Isso também pode ser visto nas posturas que defendem o realismo jurídico. É o que se chama também de positivismo fático. Enfim, um mix de posturas que acabam na defesa de posturas discricionaristas, que, ao fim ao cabo, são o produto da prevalência do sujeito indomado da modernidade.
Portanto, a defesa da segurança jurídica por parte do desembargador Dip se transforma na defesa de uma insegurança jurídica ou a segurança-conforme-o-decidir- individua(ista) da consciência de si do pensamento pensante (do julgador). E isso não dá segurança para ninguém. Apenas a sensação de que temos de torcer para que o juiz que decide nossa causa seja um “homem de bem”. E quem acredita na bondade dos bons?
Digo de novo: Não é implicância minha com quem assume a postura do “decidir conforme a consciência”, ou de sentença vem de sentire ou ainda de posturas que repristinam o velho socialismo processual dos tempos de Menger e Klein. São os paradigmas filosóficos que falam (d)isso. Cada um fala de determinado lugar. Lorenz Puntel explica bem que, quando fazemos filosofia, fazemos teoria. E que teoria pressupõem um quadro referencial teórico que permita articular os seus resultados em um contexto de sistematicidade. Ernildo Stein afirma algo similar, mas chama esse contexto amplo que acomoda a sistematicidade da reflexão de paradigmas filosóficos. Falar de um determinado lugar implica compromissos. Por isso, defender que o uma decisão deve ser dada conforme a consciência é permanecer refratário a todas as conquistas do giro linguístico do século XX. E isso não é invenção minha. Nem implicância.
O contexto e o nível da crítica
Vejam os leitores: minha crítica vai nesse nível em respeito e homenagem ao entrevistado. Se ele desfila um leque importante de autores e faz importantes críticas filosóficas no e do direito, penso que essa matéria deve ser enfrentada em um nível similar. Por isso faço esta coluna, jogando nas regras no jogo epistêmico, colocando à lume uma flagrante contradição. Na verdade, ao cair na armadilha da modernidade, o entrevistado anula toda a sua crítica ao modo atual de aplicação do direito. Ao colocar os exemplos para falar do “juiz ideal”, pouco mais fez do que repetir os próprios sofistas. Só que em uma versão 2.0. Sim, porque a diferença entre os sofistas e os filósofos da consciência está na “questão do sujeito”. Os sofistas estavam inseridos em uma dimensão de época — ou, poderíamos dizer, em um paradigma filosófico — que não conhecia a ideia de sujeito. Um mundo cheio de determinismos e, no interior do qual, os sentidos estavam dados.
O sujeito da modernidade, mesmo nos filósofos racionalistas, é livre para construir o próprio conhecimento. Não existe um sentido que lhe seja apresentado como determinante para a organização de sua vida. Ele é auto-nomos. Por certo que a modernidade filosófica não é uma mal-em-si. Destruir as “qualidades” que nos prendiam ao mundo antigo, no sentido de destruição das essências, é um aspecto fundamental para o processo civilizatório. Todavia, há que se ter em mente que essa libertação operada pela modernidade implica mais e não menos responsabilidade — pública — do sujeito/decididor. Dostoievsky, melhor do que todos, compreendeu isso quando perguntava: “Deus morreu, e agora? Podemos tudo?”, ao que já se emendava a resposta: “- não, agora é que não podemos nada”.
Enfim... O juiz do “caso Bernardo” decidiu conforme sua consciência...
O problema, em síntese, nem é o da aparente opção (ou permanência) no paradigma da filosofia da consciência. A questão a ser debatida — e isso venho fazendo amiúde — é a vulgata deste paradigma.
Afirmar que o juiz deve decidir conforme sua consciência, atentando para a realidade ao seu redor, é ressuscitar o velho socialismo processual (para dizer o minus). Veja-se que o juiz do “caso Bernardo” (o menino de Três Passos (RS) que foi morto pela madrasta e pela enfermeira amiga dela, com a possível anuência do pai), ao decidir que o menino ficaria sob a guarda do pai, justificou-se, dizendo: “— decidi conforme minha consciência”. Sim, ele conhecia a realidade da pequena cidade...(hermeneuticamente podemos dizer que esses “sentidos empíricos exsurgidos da imediatez” é que são os mais perigosos, porque provocam uma espécie de “assujeitamento” do intérprete a esse “imediato”, sem questioná-lo e sem suspendê-lo). Veja-se o perigo que é decidir conforme a consciência. Afinal — o que é isto — a consciência de cada um? Este é o busílis da questão! Poderia ele, o juiz, ter decidido que não daria a guarda ao pai. Infelizmente, sua escolha foi ruim (em termos finalísticos, porque com a permanência da guarda, o menino foi morto). Eis aí, pois, a “coisa”: decidir não é o mesmo que escolher, como tenho escrito ad nauseam. Não é e não pode ser. Escolhas sempre podem nos levar a erros. E direito não é filosofia moral, se me entendem.
Por óbvio que (um)a decisão judicial não pode ser compreendida como um fato isolado em um cadeia de eventos — pensemos em Dworkin, que já nos alertou sobre a necessidade de integridade e coerência.
O perigo de tal afirmação — a de que o juiz decide conforme a sua consciência (ou segundo uma instância de fundamentum inconcussum como o ens creatum) — reside na possibilidade de o juiz valer-se, por exemplo, de argumentos metajurídicos criados ad hoc para legitimar sua decisão, que segundo “sua consciência” deveria apontar em certa direção (e que talvez pudesse ser diferente dependendo do juiz ou do humor do mesmo juiz naquele dia)  para mitigar as consequências indesejáveis de sua decisão. Ou o juiz valer do conhecimento empírico “da realidade ao seu redor”...
Se acreditarmos nisso, teremos que passar a prestar atenção no que o juiz come, para que time torce, etc. Isso significa(ria) admitir que o fato de o juiz, quando pequeno, não ter ganhado uma bicicleta no Natal pode(ria) proporcionar — hoje — uma decisão X em lugar de y. Ora, ora. Outro dia vi uma pesquisa dando conta de que os juízes de Israel liberam mais acusados (réus presos) logo depois do café da manhã e são mais rigorosos antes do almoço. Ora, isso apenas prova que o juízes precisam se alimentar melhor... e que o Tribunal de Israel precisa colocar uma nutricionista na vida desses juízes (ironia, é claro!). Se uma decisão depender da fome ou de algo correlato, estamos lascados, para usar uma linguagem mais simples. Se dependermos desse modo de escolhas, podemos dizer: Fracassamos. Fechemos as Faculdades, paremos de escrever livros. E passemos a estocar comida...para dar uma parte da ração aos tais juízes que são mais rigorosos perto do almoço!
Por fim — e sempre ressalvando a importância do entrevistado e a relevância de suas críticas ao imaginário jurídico lato sensu (em boa parte com elas estou de acordo) — é inegável que é preciso resgatar a ideia de verdade na decisão judicial, e neste ponto o entrevistado está absolutamente correto. A descrença no conceito de verdade, seja moderna, negando sua objetividade, ou pós-moderna, negando sua existência, tem repercussões teóricas perigosíssimas para a teoria do direito. No programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos (Capes nota 6, máxima do ranking) mantemos um grupo de pesquisa com 15 integrantes (entre alunos e professores) que estudam esse tema.[1]
O problema surge nas soluções para este dilema. Na grande maioria das vezes, a resposta mira no padre e acerta na igreja. Contra a rigidez objetivista se aposta no voluntarismo niilista, e o contrário também é verdadeiro.

[1] Um dos pontos fulcrais, por exemplo, é que, para os sofistas, o problema da verdade estava no âmbito retórico, principalmente. Na modernidade, o problema é outro, metafísico. A necessidade de objetividade no conhecimento deslocou a fonte dos sentidos da coisa para o sujeito. Nesse sentido, ver o meu Hermenêutica Jurídica e(m) crise, 2013. 
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 15 de maio de 2014

Direitos metaindividuais não são heterogêneos

Direitos metaindividuais não são heterogêneos

Os direitos metaindividuais, ou coletivos em sentido amplo, podem ser entendidos como o gênero, do qual fazem parte os direitos difusos, os coletivos em sentido estrito e os individuais homogêneos, conforme previsão na Lei 8.078/1990, artigo 81, parágrafo único, incisos I, II e III (Código de Defesa do Consumidor) e na Lei 7.347/1985, artigo 1º, inciso IV, e 21 (Lei da Ação Civil Pública)[1].
Os mencionados direitos transindividuais são aptos a serem tutelados, assim, por meio de ação civil pública ou ação coletiva.
Os direitos difusos são conceituados como “os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato” (art. 81, parágrafo único, inciso I, da Lei 8.078/1990).
No direito difuso, quanto ao aspecto subjetivo, seus titulares são pessoas indeterminadas; quanto ao aspecto objetivo, o objeto do direito (bem jurídico) é indivisível[2]. Nessa modalidade de direitos coletivos, um mesmo fato dá origem ao direito difuso, com as referidas características.
A indivisibilidade do bem jurídico é facilmente constatada, pois basta uma única ofensa para que todos os titulares do direito sejam atingidos. Do mesmo modo, a satisfação do direito beneficia a todos os titulares indeterminados ao mesmo tempo.
No âmbito trabalhista, pode-se exemplificar com a hipótese de pretensão no sentido de que o ente público realize concurso público para a admissão de servidores e empregados públicos, o que envolve interesse de toda a sociedade.
Os direitos coletivos (em sentido estrito), por sua vez, são definidos como “os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base” (art. 81, parágrafo único, inciso II, da Lei 8.078/1990).
O objeto dos referidos direitos é indivisível (aspecto objetivo)[3], tendo como titular um agrupamento de pessoas, as quais são determináveis (aspecto subjetivo), pois serão todas aquelas que constituem o grupo. Por isso se verifica a “relação jurídica base”, que liga todas as pessoas inseridas no grupo, categoria ou classe[4].
No campo trabalhista, cabe mencionar a hipótese em que certa empresa utiliza substância insalubre em seu ambiente de trabalho, o que causa prejuízo à saúde do grupo de empregados que ali presta serviços.
Os direitos individuais homogêneos, por sua vez, são os “decorrentes de origem comum” (art. 81, parágrafo único, inciso III, da Lei 8.078/1990).
Deve-se esclarecer que os mencionados direitos são, em sua essência, individuais[5]. Por consequência, possuem titulares determinados e objeto divisível. A particularidade está em que muitas pessoas são detentoras, cada uma delas, de direitos individuais substancialmente iguais (podendo cada titular ter determinadas particularidades não exatamente equivalentes perante os demais). Ainda assim, na essência, os direitos são os mesmos, daí serem “homogêneos”, justificando a possibilidade de serem reunidos para a tutela por meio da mesma ação coletiva, ganhando, assim, configuração metaindividual, pois envolvem grupos de pessoas numa mesma situação.
Essa homogeneidade de direitos decorre da “origem comum”. Como se sabe, a origem dos direitos subjetivos são os fatos[6]. Assim, direitos homogêneos são aqueles direitos subjetivos que decorrem dos mesmos fatos.
Efetivamente, há diversas situações em que, a partir de um mesmo fato lesivo, várias são as pessoas atingidas de maneira uniforme, homogênea. Por isso, essas pessoas passam a ser titulares, simultaneamente, de direitos subjetivos substancialmente iguais, homogêneos. Tendo em vista essa particularidade, o sistema processual prevê a aplicabilidade dos instrumentos pertinentes à tutela jurisdicional metaindividual, com o objetivo de defendê-los de maneira mais célere e eficiente.
Ainda na esfera trabalhista, pode-se exemplificar com situação em que a existência de substância insalubre no local de trabalho gera aos empregados da empresa a pretensão de recebimento do adicional de insalubridade.
Portanto, a mesma situação de fato pode dar origem a direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, conforme a causa de pedir e o pedido que são apresentados na demanda.
Apesar do acima exposto, deve-se frisar que, quando o caso envolve questões nitidamente individuais, que dependem do exame de cada uma das hipóteses concretas, com ausência de possíveis questões comuns, ou mesmo quando as questões particulares prevalecem sobre as comuns, na realidade, não se observa a presença de direito individual homogêneo.
Nesse enfoque, segundo esclarece Sergio Pinto Martins: “No reconhecimento de vínculo de emprego em ação civil pública não há interesse ou direitos individuais homogêneos, pois as circunstâncias de fato podem não ser as mesmas: cada caso é um caso. [...] Não se pode declarar na ação civil pública que todos os trabalhadores são empregados ou que devam ser anotadas as Carteiras de Trabalho de todos trabalhadores, pois os interesses ou direitos são individuais em relação a cada trabalhador, mas não são homogêneos. Há necessidade de prova individual para cada trabalhador envolvido. Os trabalhadores não são individualizados na ação civil pública nem o Ministério Público do Trabalho sabe quem são eles individualmente. Pode não existir a mesma situação de fato para cada trabalhador. [...] Nos casos em que se discute vínculo de emprego, o Ministério Público do Trabalho não tem legitimidade para propor ação civil pública contra as empresas [...], pois a questão é individual e não coletiva” (destaquei)[7].
Na jurisprudência, cabe destacar o seguinte julgado:
“SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. DECLARAÇÃO DE RELAÇÃO DE EMPREGO. DIREITO INDIVIDUAL SEM DIMENSÃO COLETIVA. INADEQUAÇÃO DO PROCEDIMENTO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NECESSIDADE DE IDENTIFICAÇÃO DOS SUBSTITUÍDOS. A declaração da existência do vínculo de emprego pressupõe a investigação da situação pessoal de cada um dos substituídos, já que para a efetividade do provimento é imprescindível averiguar o concurso dos requisitos do artigo 3º da Consolidação. A situação não envolve direito individual homogêneo, que, além da origem comum, pressupõe a prevalência das questões comuns sobre as questões individuais de cada substituído. A hipótese é de direito individual puro ou heterogêneo, que não tem dimensão coletiva porque as questões individuais prevalecem sobre as questões comuns. Ao contrário do que ocorre com o direito individual homogêneo, em que a predominância das questões comuns conduz a situação de uniformidade que permite a emissão de provimento genérico e torna desnecessária a identificação dos substituídos até o momento de liquidação da sentença, a efetividade da declaração da existência de vínculo de emprego exige a prévia identificação dos substituídos, já que a eliminação da crise de certeza a que se destina o provimento declaratório depende da cognição de questões individuais de cada um dos trabalhadores. Sem a identificação dos substituídos, o pedido é indeterminado e, de consequência, sua apreciação conduziria a provimento desprovido de qualquer utilidade. Apelo da entidade sindical ao qual se nega provimento para o fim de confirmar a extinção do processo sem resolução do mérito inadequação da via processual.” (TRT/SP – 2ª Reg., 6ª T., RO, Processo nº: 00114-2007-081-02-00-8, Acórdão nº: 20080351217, Rel. Des. Salvador Franco de Lima Laurino, DOE/SP 02.05.2008).
Como se pode notar, a prevalência de questões individuais afasta a possibilidade da tutela dos mencionados direitos de forma metaindividual, inclusive por ser inviável, bem como inadequado e incorreto, o tratamento de direito individual puro, ou nitidamente heterogêneo, de modo coletivo[8].

[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito processual do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 894-896.
[2] Cf. DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação civil pública. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 26.
[3] Cf. DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação civil pública, cit., p. 54.
[4] Cf. WATANABE, Kazuo. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 803. “Essa relação jurídica-base é a preexistente à lesão ou ameaça de lesão do interesse ou direito do grupo, categoria ou classe de pessoas. Não a relação jurídica nascida da própria lesão ou da ameaça de lesão”.
[5] Cf. DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação civil pública, cit., p. 60: “Eles são verdadeiros interesses individuais, mas circunstancialmente tratados de forma coletiva” (destaques do original).
[6] Cf. LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. 8, t. 1, p. 16: “No direito material, a causa donde brota o direito subjetivo, e, portanto, a relação jurídica, é o fato ou o ato jurídico material: o contrato, o ato ilícito, o nascimento, a morte, o testamento etc.”.
[7] Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 609.
[8] Cf. VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Interesses individuais homogêneos e seus aspectos polêmicos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 21-22 (fazendo referência a GRINOVER, Ada Pellegrini. Da “class action for damages” à ação de classe brasileira: os requisitos de admissibilidade. Revista da Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, n. 20): “Com efeito, sem que se conclua pela prevalência do coletivo sobre o individual, a tutela coletiva de interesses individuais de origem comum não se viabiliza. Torna-se ineficaz. Apresenta-se – acrescentaria – como um sistema processual indevido. Efetivamente, prevalecendo aspectos individuais sobre o coletivo, diante, v.g., do reduzidíssimo número de envolvidos e da especial consequência suportada por cada um, a tutela individual, feita segundo as regras individualistas do Código de Processo Civil, mostrar-se-ia mais eficaz, proporcionando com a dedução de pedidos certos, aptos à satisfação da situação fática reclamada por cada um dos interessados, tutela jurisdicional mais adequada, mais rápida e mesmo mais econômica. [...] Numa palavra, aspectos coletivos devem sobressair em relação a situações individuais para que a tutela coletiva de interesses individuais se justifique” (destaquei).
Gustavo Filipe Barbosa Garcia é doutor e livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, especialista e pós-doutor em Direito pela Universidad de Sevilla. Atua como professor universitário, advogado e consultor jurídico. Foi juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, procurador do Trabalho do Ministério Público da União e auditor fiscal do Trabalho.
Revista Consultor Jurídico, 15 de maio de 2014

terça-feira, 13 de maio de 2014

É cabível no processo do trabalho alienação do bem penhorado por iniciativa particular

A execução trabalhista é regida pelo Direito Processual do Trabalho. Mas, eventuais omissões deste podem ser supridas pela Lei de Execução Fiscal, Lei nº 6.830/1980, podendo, ainda, o Código de Processo Civil ser aplicado subsidiariamente. Sendo assim, a 3ª Turma do TRT mineiro entende ser cabível no Processo do Trabalho a alienação do bem penhorado por iniciativa particular. Por esse fundamento, expresso no voto do desembargador Luiz Otávio Linhares Renault, a Turma deu provimento ao agravo de petição interposto pelo trabalhador para autorizar a venda do imóvel penhorado por iniciativa particular. Trata-se de um processo de alienação promovida pelo credor, por intermédio de corretores credenciados, mais eficiente que a praça pública e com possibilidades de obtenção de melhores preços, já que os imóveis à venda são divulgados e recolhidas propostas dos interessados.
O processo já estava na fase de execução quando o ex-empregado pediu ao Juízo de 1º Grau que fosse permitida a alienação do bem penhorado da executada por iniciativa particular. Entretanto o pedido foi indeferido, sob o argumento de que esse procedimento não seria aplicável no Processo do Trabalho, por haver disposição expressa na CLT sobre o tema.
Ao julgar o recurso do trabalhador, o relator deu razão a ele, destacando que a alienação por inciativa particular, prevista no artigo 685-C do Código de Processo Civil, pode contribuir para que o crédito em execução seja satisfeito de forma mais rápida, além de atender ao princípio da economia processual. O desembargador destacou ser este o entendimento do TRT da 3ª Região, disposto no artigo 1º do Provimento nº 2 de 02/08/2012: "Nas execuções trabalhistas, tendo sido esgotada a possibilidade de o exequente adjudicar o bem penhorado, móvel ou imóvel, poderá haver alienação por sua própria iniciativa ou por intermédio de corretor, devidamente credenciado no respectivo Conselho, se se tratar de corretor de imóveis, e perante a autoridade judiciária, sempre sob o comando do Juízo".
De acordo com o relator, além do impulso executório de ofício do Juízo, a parte exequente deverá fornecer todos os meios concretos para a satisfação do crédito em execução. Portanto, é perfeitamente cabível a alienação do bem penhorado por iniciativa particular, tendo em vista a necessidade de satisfação do crédito para a efetividade do comando judicial.
Dessa forma, a Turma deu provimento, nesse aspecto, ao agravo de petição do exequente, e determinou a realização de alienação por iniciativa particular do imóvel penhorado, nos termos do artigo 685-C do Código de Processo Civil e do Provimento nº 2/2012 do TRT da 3ª Região.
Fonte: TRT3ª Região

Ausência de prejuízo leva Terceira Turma a afastar nulidade decretada por suspeita de patrocínio infiel

Antes de considerar nulo um ato processual formalmente defeituoso, é necessário investigar se, além de não ter alcançado o objetivo ao qual se destinava, ele causou efetivamente prejuízo a uma das partes.
 
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o recurso especial de um arrematante contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
 
O tribunal paulista manteve a decisão do juízo de primeira instância que considerou nula a arrematação de três imóveis integrantes de massa falida e destituiu do cargo o síndico representante da massa.
 
O TJSP entendeu que se tratava de um caso de patrocínio infiel, pois o mesmo advogado que defendeu os interesses da massa atuou posteriormente em favor do arrematante.
 
O leilão
 
Durante o processo de falência de uma sociedade, três imóveis foram leiloados. O auto de arrematação foi finalizado com a assinatura da juíza, do arrematante e do leiloeiro. Ao verificar que seu sobrenome havia sido grafado incorretamente, o arrematante constituiu para requerer a correção do erro o mesmo advogado que havia atuado em favor da massa falida.
 
A promotora de Justiça que atuava na primeira instância se manifestou contra o ato de arrematação, sob a alegação de patrocínio infiel. Mesmo com a afirmação do representante da massa falida de que a arrematação não havia gerado prejuízo aos credores, o juízo decretou a nulidade do ato.
 
De acordo com a ministra Nancy Andrighi, a ciência processual contemporânea recomenda que somente seja decretada a nulidade de atos processuais quando se verificar a existência de prejuízo.
 
Segundo a relatora, a doutrina considera que um ato processual não será nulo apenas por ser formalmente defeituoso. Para a doutrina, um ato será nulo quando, cumulativamente, “se afastar do modelo formal indicado em lei, deixar de realizar o escopo ao qual se destina e, por esse motivo, causar prejuízo a uma das partes”, afirmou a ministra.
 
Sem objeções
 
Andrighi destacou que a existência de prejuízo somente pode ser verificada se o defeito constatado impedir que o ato atinja a finalidade à qual se destina. No caso julgado, nenhum dos interessados na arrematação dos bens apresentou objeção alegando eventual prejuízo.
 
A relatora mencionou que o Código de Processo Civil, em seu artigo 694, considera a arrematação perfeita, acabada e irretratável quando o auto for assinado pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro.
 
Nancy Andrighi verificou que o único ato praticado pelo advogado contratado pelo recorrente foi protocolar a petição solicitando a retificação da grafia do nome no auto de arrematação. “A atuação do causídico neste processo, portanto, foi posterior à perfectibilização da arrematação”, afirmou.
 
Para a ministra, “se a hasta pública não apresentou vício em sua estrutura íntima, e tampouco se detectou a existência de defeito anterior à sua realização, não se pode invalidar a arrematação ocorrida com fundamento em causa superveniente, e que com ela sequer se relaciona diretamente”.
 
A Turma ressaltou que a invalidade de um ato não pode ser decretada a partir do exame de elementos posteriores à sua conformação. Por essas razões, os ministros reconheceram a validade da arrematação.
 
Esta notícia se refere ao processo: REsp 1422926
 
Fonte: STJ

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...