Informativo n. 0524
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Primeira Seção |
DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PENHORA, POR DÍVIDAS TRIBUTÁRIAS DA MATRIZ, DE VALORES DEPOSITADOS EM NOME DE FILIAIS. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
Os valores depositados em nome das filiais estão sujeitos à penhora por dívidas tributárias da matriz. De
início, cabe ressaltar que, no âmbito do direito privado, cujos
princípios gerais, à luz do art. 109 do CTN, são informadores para a
definição dos institutos de direito tributário, a filial é uma espécie
de estabelecimento empresarial, fazendo parte do acervo
patrimonial de uma única pessoa jurídica, partilhando os mesmos sócios,
contrato social e firma ou denominação da matriz. Nessa condição,
consiste, conforme doutrina majoritária, em uma
universalidade de fato, não ostenta personalidade jurídica própria, nem é
sujeito de direitos, tampouco uma pessoa distinta da sociedade
empresária. Cuida-se de um instrumento para o exercício da atividade
empresarial. Nesse contexto, a discriminação do patrimônio da sociedade
empresária mediante a criação de filiais não afasta a unidade
patrimonial da pessoa jurídica, que, na condição
de devedora, deve responder, com todo o ativo do patrimônio social, por
suas dívidas à luz da regra de direito processual prevista no art. 591
do CPC, segundo a qual "o devedor responde, para o cumprimento de suas
obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as
restrições estabelecidas em lei". Cumpre esclarecer, por oportuno, que o
princípio tributário da autonomia dos estabelecimentos, cujo
conteúdo normativo preceitua que estes devem ser considerados, na forma
da legislação específica de cada tributo, unidades autônomas e
independentes nas relações jurídico-tributárias travadas
com a administração fiscal, é um instituto de direito material ligado ao
nascimento da obrigação tributária de cada imposto especificamente
considerado e não tem relação com a
responsabilidade patrimonial dos devedores, prevista em um regramento de
direito processual, ou com os limites da responsabilidade dos bens da
empresa e dos sócios definidos no direito empresarial. Além disso, a
obrigação de
que cada estabelecimento se inscreva com número próprio no CNPJ tem
especial relevância para a atividade fiscalizatória da administração
tributária, não afastando a unidade patrimonial da empresa,
cabendo ressaltar que a inscrição da filial no CNPJ é derivada da
inscrição do CNPJ da matriz. Diante do exposto, limitar a satisfação do
crédito público, notadamente do crédito
tributário, a somente o patrimônio do estabelecimento que participou da
situação caracterizada como fato gerador é adotar interpretação absurda e
odiosa. Absurda porque não se concilia, por exemplo,
com a cobrança dos créditos em uma situação de falência, em que todos os
bens da pessoa jurídica (todos os estabelecimentos) são arrecadados
para pagamento dos credores; com a possibilidade de
responsabilidade contratual subsidiária dos sócios pelas obrigações da
sociedade como um todo (arts. 1.023, 1.024, 1.039, 1.045, 1.052 e 1.088
do CC); ou com a administração de todos os estabelecimentos da
sociedade pelos mesmos órgãos de deliberação, direção, gerência e
fiscalização. Odiosa porque, por princípio, o credor privado não pode
ter mais privilégios que o credor
público, salvo exceções legalmente expressas e justificáveis. REsp 1.355.812-RS, Rel. Min.
Mauro Campbell Marques, julgado em 22/5/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO RECEBIDO EM RAZÃO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA.
O segurado da
Previdência Social tem o dever de devolver o valor de benefício
previdenciário recebido em antecipação dos efeitos da tutela (art. 273
do CPC) a qual tenha sido posteriormente
revogada. Historicamente, a jurisprudência do STJ, com
fundamento no princípio da irrepetibilidade dos alimentos, tem isentado
os segurados do RGPS da obrigação de restituir valores obtidos por
antecipação de tutela que posteriormente tenha sido revogada. Já os
julgados que cuidam da devolução de valores percebidos indevidamente por
servidores públicos evoluíram para considerar não apenas
o caráter alimentar da verba, mas também a boa-fé objetiva envolvida na
situação. Nestes casos, o elemento que evidencia a boa-fé objetiva
consiste na legítima confiança ou justificada
expectativa de que os valores recebidos sejam legais e de que passem a
integrar definitivamente o seu patrimônio. Nas hipóteses de benefícios
previdenciários oriundos de antecipação de tutela, não
há dúvida de que existe boa-fé subjetiva, pois, enquanto o segurado
recebe os benefícios, há legitimidade jurídica, apesar de precária. Do
ponto de vista objetivo, todavia, não há
expectativa de definitividade do pagamento recebido via tutela
antecipatória, não podendo o titular do direito precário pressupor a
incorporação irreversível da verba ao seu patrimônio. Efetivamente,
não há legitimidade jurídica para o segurado presumir que não terá de
devolver os valores recebidos, até porque, invariavelmente, está o
jurisdicionado assistido por advogado e, conforme o disposto no
art. 3º da LINDB — segundo o qual ninguém se escusa de cumprir a lei,
alegando que não a conhece —, deve estar ciente da precariedade do
provimento judicial que lhe é favorável e da
contraposição da autarquia previdenciária quanto ao mérito. Ademais, em
uma escala axiológica, evidencia-se a desproporcionalidade da hipótese
analisada em relação aos casos em que o próprio
segurado pode tomar empréstimos de instituição financeira e consignar
descontos em folha, isto é, o erário "empresta" — via antecipação de
tutela posteriormente cassada — ao segurado
e não pode cobrar sequer o principal. Já as instituições financeiras
emprestam e recebem, mediante desconto em folha, não somente o principal
como também os juros remuneratórios. REsp 1.384.418-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 12/6/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. FORMA DE DEVOLUÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO RECEBIDO EM ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA.
Na devolução de
benefício previdenciário recebido em antecipação dos efeitos da tutela
(art. 273 do CPC) a qual tenha sido posteriormente revogada, devem ser
observados os seguintes
parâmetros: a) a execução de sentença declaratória do direito deverá ser
promovida; e b) liquidado e incontroverso o crédito executado, o INSS
poderá fazer o desconto em folha de até 10% da
remuneração dos benefícios previdenciários em manutenção até a
satisfação do crédito. Isso porque o caráter alimentar dos
benefícios previdenciários
está ligado ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana,
de forma que as imposições obrigacionais sobre os respectivos proventos
não podem comprometer o sustento do segurado. REsp 1.384.418-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 12/6/2013.
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Segunda Seção |
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DE AÇÃO DE PETIÇÃO DE HERANÇA.
A ação de
petição de herança relacionada a inventário concluído, inclusive com
trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, deve ser
julgada,
não no juízo do inventário, mas sim no da vara de família, na hipótese
em que tramite, neste juízo, ação de investigação de paternidade que,
além de ter sido ajuizada em data
anterior à propositura da ação de petição de herança, encontre-se
pendente de julgamento. De fato, registre-se que o art. 96 do
CPC determina que "o foro do domicílio do autor da
herança, no Brasil, é o competente para o inventário, a partilha, a
arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade e todas as
ações em que o espólio for
réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro". Entretanto, nos
termos da jurisprudência do STJ, a regra do art. 96 do CPC não incide
quando já encerrado o inventário, com trânsito em julgado da
sentença homologatória da partilha (CC 51.061-GO, Segunda Seção, DJ de
19/12/2005). Sendo assim, não há como aplicar o mencionado dispositivo
legal à hipótese em análise com o intuito de
firmar, no juízo responsável pela conclusão do inventário, a competência
para o julgamento da ação de petição de herança. Além disso, esta
somente poderá prosperar se o
pedido da ação de investigação de paternidade for julgado procedente, o
que demonstra a existência de relação de dependência lógica entre as
referidas demandas. Por efeito, deve-se reconhecer
a existência de conexão entre as ações por prejudicialidade externa — a
solução que se der a uma direciona o resultado da outra — para que elas
sejam reunidas, tramitando conjuntamente no mesmo
juízo; não constituindo, ademais, óbice à prevalência das regras
processuais invocadas a existência de regra de organização judiciária
estadual em sentido diverso. CC 124.274-PR, Rel. Min. Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 8/5/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DE AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO.
Compete à
justiça comum, e não à justiça trabalhista, o processamento e o
julgamento de ação cautelar de exibição de documentos na qual
beneficiário de
seguro de vida coletivo busque a exibição, pelo ex-empregador de seu
falecido pai, de documentos necessários a instruir ação de cobrança
contra a seguradora. Isso porque, nessa situação, a
ação não se fundamenta em qualquer vínculo trabalhista estabelecido
entre as partes, mas, sim, em relação contratual existente entre o
autor, beneficiário do seguro de vida coletivo, e a seguradora. Com
efeito, conforme o art. 21, § 2º, do Decreto-Lei 73/1966, nos seguros
facultativos, o estipulante (empregador) é mero mandatário dos
segurados, intermediando a avença celebrada entre seus empregados e a
seguradora. Dessa
forma, o pleito cautelar de exibição de documento está fundado em
relação de direito civil, qual seja, cobrança de indenização
securitária. A lide, portanto, não se enquadra nas
hipóteses constitucionais que atraem a competência da Justiça do
Trabalho. CC 121.161-SP, Rel. Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 22/5/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DE AÇÃO PROPOSTA POR EX-DIRETOR SINDICAL CONTRA O SINDICATO QUE ANTERIORMENTE REPRESENTAVA.
Compete à
Justiça do Trabalho o julgamento de ação proposta por ex-diretor
sindical contra o sindicato que anteriormente representava na qual se
objetive o recebimento de verbas com fundamento em
disposições estatutárias. De fato, com a promulgação da EC
45/2004, ampliou-se a competência da Justiça do Trabalho para o
julgamento de litígio decorrente da prestação do
trabalho humano, seja ele decorrente ou não de um vínculo de emprego.
Nesse contexto, a Justiça do Trabalho passou a ser competente para
processar e julgar controvérsia pertinente à representação interna
de entidades sindicais (sindicatos, federações e confederações),
conforme o art. 114, III, da CF. Precedente citado do STJ: CC 64.192-SP,
Primeira Seção, DJ 9/10/2006. Precedente citado do STF: ARE 681.641-DF,
Segunda Turma, DJe 20/3/2013. CC 124.534-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/6/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DE AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS CAUSADOS AO AUTOR EM RAZÃO DE SUA INDEVIDA DESTITUIÇÃO DA PRESIDÊNCIA DE ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA.
Compete à
Justiça Comum Estadual — e não à Justiça do Trabalho — processar e
julgar ação de indenização por danos materiais e de
compensação por danos morais que teriam sido causados ao autor em razão
de sua destituição da presidência de entidade de previdência privada, a
qual teria sido efetuada em desacordo com as normas do
estatuto social e do regimento interno do conselho deliberativo da
instituição. Isso porque, nessa hipótese, a lide tem como fundamento o descumprimento de normas estatutárias relativas ao exercício de
função eletiva, de natureza eminentemente civil, não decorrendo de relação de trabalho entre as partes. CC 123.914-PA, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 26/6/2013.
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Primeira Turma |
DIREITO ADMINISTRATIVO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA INTERPRETAÇÃO CONFORME O INTERESSE PÚBLICO.
É ilegal o ato
administrativo que determine a exclusão de candidato já emancipado e a
menos de dez dias de completar a idade mínima de 18 anos exigida em
edital de concurso público para
oficial da Polícia Militar, por este não haver atingido a referida idade
na data da matrícula do curso de formação, ainda que lei complementar
estadual estabeleça essa mesma idade como sendo a mínima
necessária para o ingresso na carreira. Nessa situação, ocorre
ofensa aos princípios da razoabilidade e da interpretação conforme o
interesse público. De fato, estabelece o art. 2º,
parágrafo único, da Lei 9.784/1999 que nos processos administrativos
devem ser observados, entre outros, os critérios da “adequação entre
meios e fins, vedada a imposição de
obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente
necessárias ao atendimento do interesse público” (VI) e da
“interpretação da norma
administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a
que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação”
(XIII). Nesse contexto, com a interpretação então
conferida, o administrador, a pretexto de cumprir a lei, terminou por
violá-la, pois, com o ato praticado, desconsiderou a adequação entre
meios e fins, impôs restrição em medida superior àquela
estritamente necessária ao atendimento do interesse e, além disso,
deixou de interpretar a lei da maneira que garantisse mais efetivamente o
atendimento do fim público a que se dirige. RMS 36.422-MT, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 28/5/2013.
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DIREITO ADMINISTRATIVO. INSCRIÇÃO NO CADIN POR DÉBITOS DE OPERADORAS DE PLANO DE SAÚDE RELATIVOS AO NÃO RESSARCIMENTO DE VALORES AO SUS.
As operadoras
de plano de saúde que estejam em débito quanto ao ressarcimento de
valores devidos ao SUS podem, em razão da inadimplência, ser inscritas
no Cadastro Informativo dos créditos
não quitados de órgãos e entidades federais (Cadin). Isso
porque as referidas quantias não se enquadram na ressalva contida no §
8º do art. 2º da Lei 10.522/2002, de acordo com a qual os débitos
referentes a “preços de serviços públicos” ou “operações financeiras que
não envolvam recursos orçamentários" não podem ser inscritos no
cadastro. Precedente citado:
AgRg no REsp 841.509-RJ, Segunda Turma, DJ 21/8/2009. AgRg no AREsp 307.233-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves,
julgado em 6/6/2013.
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Segunda Turma |
DIREITO ADMINISTRATIVO. CONVALIDAÇÃO DE VÍCIO DE COMPETÊNCIA EM PROCESSO LICITATÓRIO.
Não deve ser
reconhecida a nulidade em processo licitatório na hipótese em que, a
despeito de recurso administrativo ter sido julgado por autoridade
incompetente, tenha havido a posterior
homologação de todo o certame pela autoridade competente. Isso
porque o julgamento de recurso por autoridade incompetente não é, por si
só, bastante para acarretar a nulidade do ato e dos demais
subsequentes,
tendo em vista o saneamento da irregularidade por meio da homologação do
procedimento licitatório pela autoridade competente. Com efeito, o ato
de homologação supõe prévia e detalhada análise de
todo o procedimento, atestando a legalidade dos atos praticados, bem
como a conveniência de ser mantida a licitação. Ademais, o vício
relativo ao sujeito — competência — pode ser convalidado pela autoridade
superior quando não se tratar de competência exclusiva. REsp 1.348.472-RS, Rel. Min. Humberto Martins,
julgado em 21/5/2013.
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DIREITO ADMINISTRATIVO. CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO NAS FORÇAS ARMADAS PARA O FIM DE APOSENTADORIA ESPECIAL.
Não é possível
computar, para a concessão da aposentadoria especial prevista no art. 1º
da LC 51⁄1985, o tempo de serviço prestado nas Forças Armadas.
Observe-se,
inicialmente, que a Administração está adstrita ao princípio da
legalidade, razão pela qual todos os seus atos devem estar de acordo com
a lei, não sendo possível contrariá-la ou tratar de tema que
nela não esteja previsto. No caso, dispõe o art. 1º da LC 51⁄1985 que o
“funcionário policial” será aposentado, voluntariamente, com proventos
integrais, após trinta anos de serviço, desde
que conte pelo menos vinte anos de exercício em cargo de “natureza
estritamente policial”. Nesse contexto, não há, efetivamente, como
proceder à extensão da aposentadoria especial, diante da
existência de restrição legal. Ressalte-se que, de acordo com a
jurisprudência do STF, a aposentadoria especial será concedida àqueles
que tenham exposto sua vida a riscos e prejuízos à saúde
e à integridade física, sendo necessária, ainda, expressa previsão em
lei complementar. Ademais, é certo que as atividades das Forças Armadas e
das carreiras responsáveis pela segurança
pública até podem, por vezes, apresentar semelhanças, devido ao uso de
armas, hierarquia e coerção para a ordem. Todavia, distinguem-se quanto
às finalidades e quanto às atribuições das
respectivas carreiras. De fato, deve-se observar que as finalidades e
atribuições dos militares das Forças Armadas não são idênticas às dos
policiais civis, militares, federais, rodoviários ou
ferroviários. Com efeito, enquanto as Forças Armadas se destinam à
defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais, da lei e da
ordem, as atribuições dos policiais estão relacionadas com a
segurança pública, visando à preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio. REsp 1.357.121-DF, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 28/5/2013.
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DIREITO ADMINISTRATIVO. ABSORÇÃO DA VPNI PELO ACRÉSCIMO REMUNERATÓRIO DECORRENTE DA PROGRESSÃO NA CARREIRA.
A simples
absorção do valor referente à VPNI pelo acréscimo remuneratório
decorrente da progressão na carreira independe de processo
administrativo anterior. A
jurisprudência desta Corte Superior sedimentou-se no sentido de que a
absorção da vantagem pessoal nominalmente identificada (VPNI) pelos
acréscimos remuneratórios decorrentes da progressão na carreira não
importa redução nominal de vencimentos, não havendo ofensa ao princípio
da irredutibilidade de vencimentos. Nessa esteira de entendimento, por
não se tratar de redução de vencimentos, é
desnecessária a prévia abertura de processo administrativo para proceder
à absorção da VPNI nos moldes da lei. Precedentes citados: AgRg no REsp
1.162.982-RS, Quinta Turma, DJe 2/10/2012; e REsp 935.358-RS, Quinta
Turma, DJe 31/5/2010. AgRg no REsp 1.370.740-RS, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 18/6/2013.
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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL . PROIBIÇÃO DE RETIRADA DOS AUTOS POR QUALQUER DAS PARTES NOS CINCO DIAS ANTERIORES AO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI.
Não
configura ilegalidade a determinação do Juiz-Presidente do Tribunal do
Júri que estabeleça a proibição de retirada dos autos por qualquer das
partes,
inclusive no caso de réu assistido pela Defensoria Pública, nos cinco
dias que antecedam a realização da sessão de julgamento. Com
efeito, deve-se considerar lícita a referida limitação,
já que tem por objetivo garantir a concretização de princípios materiais
do processo, equilibrando a prerrogativa legal da Defensoria Pública
com o direito das demais partes. É certo que o art. 128, VII, da LC
80/1994 confere à Defensoria Pública a prerrogativa de ter vista pessoal
dos processos fora dos cartórios e secretarias, ressalvadas as vedações
legais. Por sua vez, dispõe o art. 803 do CPP que, salvo nos casos
expressos em lei, é proibida a retirada de autos do cartório, ainda que
em confiança, sob pena de responsabilidade do escrivão. Ocorre que, na
hipótese, a solução da controvérsia exige a
ponderação entre os dispositivos legais, à luz do princípio da igualdade
e da necessidade de garantir a amplitude da defesa e do contraditório,
nos termos do art. 5º, LV, da CF. Nesse contexto, afigura-se
razoável e proporcional equacionar a prerrogativa de retirada dos autos
de uma das partes com o direito da outra de realizar vista em cartório. RMS 41.624-RJ, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 7/5/2013.
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DIREITO DO CONSUMIDOR. VÍCIO DE QUANTIDADE DE PRODUTO NO CASO DE REDUÇÃO DO VOLUME DE MERCADORIA.
Ainda que haja
abatimento no preço do produto, o fornecedor responderá por vício de
quantidade na hipótese em que reduzir o volume da mercadoria para
quantidade diversa da que habitualmente fornecia
no mercado, sem informar na embalagem, de forma clara, precisa e
ostensiva, a diminuição do conteúdo. É direito básico do
consumidor a “informação adequada e clara sobre os diferentes
produtos e serviços, com especificação correta de quantidade,
características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos
que apresentem” (art. 6º, III, do CDC). Assim, o direito
à informação confere ao consumidor uma escolha consciente, permitindo
que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de fato
atingidas, manifestando o que vem sendo denominado de consentimento
informado ou vontade qualificada. Diante disso, o comando legal somente
será efetivamente cumprido quando a informação for prestada de maneira
adequada, assim entendida aquela que se apresenta simultaneamente
completa, gratuita e
útil, vedada, no último caso, a diluição da comunicação relevante pelo
uso de informações soltas, redundantes ou destituídas de qualquer
serventia. Além do mais, o dever de informar
é considerado um modo de cooperação, uma necessidade social que se
tornou um autêntico ônus pró-ativo incumbido aos fornecedores (parceiros
comerciais, ou não, do consumidor), pondo fim à antiga e
injusta obrigação que o consumidor tinha de se acautelar (caveat emptor). Além disso, o art. 31 do CDC, que cuida da oferta publicitária, tem sua origem no princípio da transparência (art. 4º, caput)
e é decorrência do princípio da boa-fé objetiva. Não obstante o amparo
legal à informação e à prevenção de danos ao consumidor, as infrações à
relação de consumo são constantes, porque, para o fornecedor, o lucro
gerado pelo dano poderá ser maior do que o custo com a reparação do
prejuízo causado ao consumidor. Assim, observe-se que o dever de
informar não é tratado como mera obrigação anexa, e sim como dever
básico, essencial e intrínseco às relações de consumo, não podendo
afastar a índole enganosa da
informação que seja parcialmente falsa ou omissa a ponto de induzir o
consumidor a erro, uma vez que não é válida a “meia informação” ou a
“informação incompleta”.
Com efeito, é do vício que advém a responsabilidade objetiva do
fornecedor. Ademais, informação e confiança entrelaçam-se, pois o
consumidor possui conhecimento escasso dos produtos e serviços
oferecidos no mercado. Ainda, ressalte-se que as leis imperativas
protegem a confiança que o consumidor depositou na prestação contratual,
na adequação ao fim que razoavelmente dela se espera e na confiança
depositada na segurança do produto ou do serviço colocado no mercado.
Precedentes citados: REsp 586.316-MG, Segunda Turma, DJe 19⁄3⁄2009; e
REsp 1.144.840-SP, Terceira Turma, DJe 11⁄4⁄2012. REsp 1.364.915-MG, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 14/5/2013.
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DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DO SALÁRIO-MATERNIDADE.
É do INSS — e
não do empregador — a responsabilidade pelo pagamento do
salário-maternidade à segurada demitida sem justa causa durante a
gestação. Isso porque,
ainda que o pagamento de salário-maternidade, no caso de segurada
empregada, constitua atribuição do empregador, essa circunstância não
afasta a natureza de benefício previdenciário da referida
prestação. Com efeito, embora seja do empregador a responsabilidade, de
forma direta, pelo pagamento dos valores correspondentes ao benefício,
deve-se considerar que, nessa hipótese, o empregador tem direito a
efetuar a
compensação dos referidos valores com aqueles correspondentes às
contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos.
REsp 1.309.251-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 21/5/2013.
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DIREITO PREVIDENCIÁRIO. CÔMPUTO DO PERÍODO DE GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA PARA EFEITO DA CARÊNCIA NECESSÁRIA À CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR IDADE.
O período de
recebimento de auxílio-doença deve ser considerado no cômputo do prazo
de carência necessário à concessão de aposentadoria por idade, desde que
intercalado com
períodos contributivos. Isso porque, se o período de
recebimento de auxílio-doença é contado como tempo de contribuição (art.
29, § 5º, da Lei 8.213/1991), consequentemente,
também deverá ser computado para fins de carência, se recebido entre
períodos de atividade (art. 55, II, da Lei 8.213/1991). Da mesma forma, o
art. 60, III, do Dec. 3.048/1999 estabelece que, enquanto não houver
lei
específica que discipline a matéria, será contado como tempo de
contribuição o período em que o segurado tenha recebido auxílio-doença
entre períodos de atividade. Precedentes citados: REsp
1.243.760-PR, Quinta Turma, DJe 9/4/2013; e AgRg no REsp 1.101.237-RS,
Quinta Turma, DJe 1º/2/2013. REsp
1.334.467-RS, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 28/5/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA DE URGÊNCIA DECRETADA POR JUÍZO ABSOLUTAMENTE INCOMPETENTE.
Ainda
que proferida por juízo absolutamente incompetente, é válida a decisão
que, em ação civil pública proposta para a apuração de ato de
improbidade administrativa, tenha determinado — até que haja
pronunciamento do juízo competente — a indisponibilidade dos bens do réu
a fim de assegurar o ressarcimento de suposto dano ao patrimônio
público.
De fato, conforme o art. 113, § 2º, do CPC, o reconhecimento da
incompetência absoluta de determinado juízo implica, em regra, nulidade
dos atos decisórios por ele praticados. Todavia, referida regra não
impede que o juiz, em face do poder de cautela previsto nos arts. 798 e
799 do CPC, determine, em caráter precário, medida de urgência para
prevenir perecimento de direito ou lesão grave ou de difícil
reparação. REsp 1.038.199-ES, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 7/5/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INGRESSO DO MP EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA NA HIPÓTESE DE VÍCIO DE REPRESENTAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO AUTORA.
Na
ação civil pública, reconhecido o vício na representação processual da
associação autora, deve-se, antes de proceder à extinção
do processo, conferir oportunidade ao Ministério Público para que assuma
a titularidade ativa da demanda. Isso porque as ações
coletivas trazem em seu bojo a ideia de indisponibilidade do interesse
público, de
modo que o art. 13 do CPC deve ser interpretado em consonância com o
art. 5º, § 3º, da Lei 7.347/1985. Precedente citado: REsp 855.181-SC,
Segunda Turma, DJe 18/9/2009. REsp 1.372.593-SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em
7/5/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APLICAÇÃO DO ART. 8º DA LEI 12.514/2011 AOS PROCESSOS EM CURSO.
As execuções fiscais ajuizadas pelos conselhos profissionais em data anterior ao início de vigência do art. 8º, caput,
da Lei 12.514/2011 devem ser extintas na hipótese em que
objetivarem a cobrança de anuidades cujos valores sejam inferiores a
quatro vezes o montante cobrado anualmente da pessoa física ou jurídica
inadimplente. Isso porque, nesses casos, há
falta
superveniente de interesse de agir. Cabe esclarecer que esse artigo
trouxe nova condição de procedimento para as execuções fiscais ajuizadas
pelos conselhos profissionais, qual seja, o limite de quatro vezes o
montante das
anuidades como valor mínimo que poderá ser executado judicialmente.
Dessa forma, cuidando-se de norma de caráter processual, deve ter
aplicação imediata aos processos em curso. REsp 1.374.202-RS, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 7/5/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. REGULAMENTAÇÃO DO PROCESSO ELETRÔNICO PELOS ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO.
É possível que o
tribunal local defina, por meio de resolução que regulamente o processo
eletrônico no âmbito de sua respectiva competência, ser de
responsabilidade do autor a
digitalização dos autos físicos para continuidade da tramitação do
processo em meio eletrônico. Isso porque, nessa hipótese, a
regulamentação está em consonância com o
art. 18 da Lei 11.419/2006, o qual prevê que os “órgãos do Poder
Judiciário regulamentarão esta Lei, no que couber, no âmbito de suas
respectivas competências”. REsp 1.374.048-RS, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 21/5/2013.
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DIREITO TRIBUTÁRIO. TAXA DE SAÚDE SUPLEMENTAR POR REGISTRO DE PRODUTO.
É ilegal a
cobrança da Taxa de Saúde Suplementar por Registro de Produto, prevista
no art. 20, II, da Lei 9.961/2000, em relação a requerimentos de
registro efetuados antes de 1º de
janeiro de 2000, data do início da vigência dessa lei. Precedente citado: REsp 1.064.236-RJ, Segunda Turma, DJe 13/2/2009. REsp 1.192.225-RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 21/5/2013.
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Terceira Turma |
DIREITO CIVIL. LEGITIMIDADE DO ECAD PARA A FIXAÇÃO DO VALOR A SER RECEBIDO A TÍTULO DE DIREITOS AUTORAIS.
O ECAD tem legitimidade para reduzir o valor a ser recebido, a título de direitos autorais, pelos autores de obras musicais de background (músicas
de fundo), bem como estabelecer, para a
remuneração desse tipo de obra, valor diferente do que o recebido pelos
compositores das demais composições, de forma a corrigir distorções na
remuneração pela execução das diversas
obras musicais. Com efeito, o ECAD é uma associação civil
constituída pelas associações de direito do autor com a finalidade de
defesa e cobrança dos direitos autorais, nos termos do que
prevê o art. 99 da Lei 9.610/1998. Vale ressaltar que, com o ato de
filiação, as associações atuam como mandatárias de seus filiados na
defesa dos seus interesses (art. 98), principalmente junto ao ECAD, que
tem
a competência para fixar preços, efetuar a cobrança e distribuir os
valores referentes aos direitos autorais. Ademais, apesar de a lei de
direitos autorais não fazer distinção entre os tipos de obras,
outorgando-lhes igual proteção, verifica-se que não há nada que impeça
que o critério adotado pelo ECAD para a distribuição dos valores
arrecadados entre os autores leve em
consideração o fato de as músicas de fundo serem obras de menor
evidência do que as composições que, por exemplo, são temas de novelas,
de personagens etc. Dessa forma, entende o STJ que, em se tratando de
direito de autor, compete a este a fixação do seu valor, o que pode
ocorrer diretamente ou por intermédio das associações e do próprio ECAD,
que possui métodos próprios para a
elaboração dos cálculos diante da diversidade das obras reproduzidas,
segundo critérios eleitos internamente, já que não há tabela oficial
regulamentada por lei ou normas administrativas sobre o assunto.
REsp 1.331.103-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/4/2013.
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DIREITO CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE SOCIEDADE LIMITADA.
Na
hipótese em que tenha sido determinada a desconsideração da
personalidade jurídica de sociedade limitada modesta na qual as únicas
sócias sejam mãe e filha,
cada uma com metade das quotas sociais, é possível responsabilizar pelas
dívidas dessa sociedade a sócia que, de acordo com o contrato social,
não exerça funções de gerência ou
administração. É certo que, a despeito da inexistência de
qualquer restrição no art. 50 do CC/2002, a aplicação da desconsideração
da personalidade jurídica apenas deve
incidir sobre os bens dos administradores ou sócios que efetivamente
contribuíram para a prática do abuso ou fraude na utilização da pessoa
jurídica. Todavia, no caso de sociedade limitada modesta na qual as
únicas sócias sejam mãe e filha, cada uma com metade das quotas sociais,
a titularidade de quotas e a administração da sociedade se confundem,
situação em que as deliberações sociais, na
maior parte das vezes, ocorrem no dia a dia, sob a forma de decisões
gerenciais. Nesse contexto, torna-se difícil apurar a responsabilidade
por eventuais atos abusivos ou fraudulentos. Em hipóteses como essa, a
previsão no
contrato social de que as atividades de administração serão realizadas
apenas por um dos sócios não é suficiente para afastar a
responsabilidade dos demais. Seria necessária, para tanto, a
comprovação de que um dos sócios estivera completamente distanciado da
administração da sociedade. REsp 1.315.110-SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/5/2013.
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DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR VEICULAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA.
A entidade
responsável por prestar serviços de comunicação não tem o dever de
indenizar pessoa física em razão da publicação de matéria de interesse
público em jornal de grande circulação a qual tenha apontado a
existência de investigações pendentes sobre ilícito supostamente
cometido pela referida pessoa, ainda que posteriormente tenha ocorrido
absolvição quanto às acusações, na hipótese em que a entidade busque
fontes fidedignas, ouça as diversas partes interessadas e afaste
quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do
que divulga. De fato, a hipótese descrita apresenta um conflito
de direitos constitucionalmente assegurados: os direitos à liberdade de
pensamento e à sua livre manifestação (art. 5º, IV e IX), ao acesso
à informação (art. 5º, XIV) e à honra (art. 5º, X). Cabe ao aplicador da
lei, portanto, exercer função harmonizadora, buscando um ponto de
equilíbrio no qual os direitos conflitantes possam
conviver. Nesse contexto, o direito à liberdade de informação deve
observar o dever de veracidade, bem como o interesse público dos fatos
divulgados. Em outras palavras, pode-se dizer que a honra da pessoa não é
atingida quando são divulgadas informações verdadeiras e fidedignas a
seu respeito e que, outrossim, são de interesse público. Quanto à
veracidade do que noticiado pela imprensa, vale ressaltar que a
diligência que se deve exigir na verificação da informação antes de
divulgá-la não pode chegar ao ponto de as notícias não poderem ser
veiculadas até se ter certeza plena e absoluta de
sua veracidade. O processo de divulgação de informações satisfaz o
verdadeiro interesse público, devendo ser célere e eficaz, razão pela
qual não se coaduna com rigorismos próprios de um
procedimento judicial, no qual deve haver cognição plena e exauriente
dos fatos analisados. Além disso, deve-se observar que a
responsabilidade da imprensa pelas informações por ela veiculadas é de
caráter subjetivo, não se cogitando da aplicação da teoria do risco ou
da responsabilidade objetiva. Assim, para a responsabilização da
imprensa pelos fatos por ela reportados, não basta a
divulgação de informação falsa, exige-se prova de que o agente
divulgador conhecia ou poderia conhecer a falsidade da informação
propalada, o que configuraria abuso do direito de informação.
REsp 1.297.567-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/5/2013.
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DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EFEITOS DA SENTENÇA DE INTERDIÇÃO SOBRE MANDATO JUDICIAL.
A sentença de
interdição não tem como efeito automático a extinção do mandato
outorgado pelo interditando ao advogado para sua defesa na demanda,
sobretudo no caso em que o
curador nomeado integre o polo ativo da ação de interdição. De
fato, o art. 682, II, do CC dispõe que a interdição do mandante acarreta
automaticamente a extinção do mandato,
inclusive o judicial. Contudo, ainda que a norma se aplique
indistintamente a todos os mandatos, faz-se necessária uma interpretação
lógico-sistemática do ordenamento jurídico pátrio, permitindo afastar a
sua incidência no caso específico do mandato outorgado pelo interditando
para a sua defesa judicial na própria ação de interdição. Isso porque,
além de o art. 1.182, § 2º, do CPC assegurar
o direito do interditando de constituir advogado para sua defesa na ação
de interdição, o art. 1.184 do mesmo diploma legal deve ser
interpretado de modo a considerar que a sentença de interdição produz
efeitos desde logo quanto aos atos da vida civil, mas não atinge, sob
pena de afronta ao direito de defesa do interditando, os mandatos
referentes ao próprio processo. Com efeito, se os advogados constituídos
pelo interditando
não pudessem interpor recurso contra a sentença, haveria evidente
prejuízo à defesa. Ressalte-se, ademais, que, nessa situação, reconhecer
a extinção do mandato ensejaria evidente colisão
dos interesses do interditando com os de seu curador. Contudo, a
anulação da outorga do mandato pode ocorrer, desde que, em demanda
específica, comprove-se cabalmente a nulidade pela incapacidade do
mandante à época da
realização do negócio jurídico. REsp 1.251.728-PE, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino,
julgado em, 14/5/2013.
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DIREITO DO CONSUMIDOR. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA EM CONTRATO DE CONSUMO.
É abusiva a
cláusula contratual que atribua exclusivamente ao consumidor em mora a
obrigação de arcar com os honorários advocatícios referentes à cobrança
extrajudicial
da dívida, sem exigir do fornecedor a demonstração de que a contratação
de advogado fora efetivamente necessária e de que os serviços prestados
pelo profissional contratado sejam privativos da advocacia.
É certo que o art. 395 do CC autoriza o ressarcimento do valor
de honorários decorrentes da contratação de serviços advocatícios
extrajudiciais. Todavia, não se pode perder de
vista que, nos contratos de consumo, além da existência de cláusula
expressa para a responsabilização do consumidor, deve haver
reciprocidade, garantindo-se igual direito ao consumidor na hipótese de
inadimplemento do fornecedor. Ademais, deve-se ressaltar que a liberdade
contratual, integrada pela boa-fé objetiva, acrescenta ao contrato
deveres anexos, entre os quais se destaca o ônus do credor de minorar
seu prejuízo mediante
soluções amigáveis antes da contratação de serviço especializado. Assim,
o exercício regular do direito de ressarcimento aos honorários
advocatícios depende da demonstração de
sua imprescindibilidade para a solução extrajudicial de impasse entre as
partes contratantes ou para a adoção de medidas preparatórias ao
processo judicial, bem como da prestação efetiva de
serviços privativos de advogado. REsp 1.274.629-AP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/5/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DESNECESSIDADE DE AÇÃO AUTÔNOMA PARA A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE SOCIEDADE.
O juiz pode
determinar, de forma incidental, na execução singular ou coletiva, a
desconsideração da personalidade jurídica de sociedade. De
fato, segundo a jurisprudência do
STJ, preenchidos os requisitos legais, não se exige, para a adoção da
medida, a propositura de ação autônoma. Precedentes citados: REsp
1.096.604-DF, Quarta Turma, DJe 16/10/2012; e REsp 920.602-DF, Terceira
Turma, DJe 23/6/2008. REsp 1.326.201-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 7/5/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APLICABILIDADE DO ART. 285-A DO CPC CONDICIONADA À DUPLA CONFORMIDADE.
Não
é possível a aplicação do art. 285-A do CPC quando o entendimento
exposto na sentença, apesar de estar em consonância com a jurisprudência
do STJ,
divergir do entendimento do tribunal de origem. Isso porque, se
o entendimento constante da sentença não for o mesmo do tribunal local,
eventual apelação interposta será provida e os autos retornarão ao
juízo de primeiro grau para processamento e julgamento da ação. Assim,
ao invés de acelerar o trâmite processual, em atenção aos princípios da
celeridade e economia processuais, na verdade estaria
atrasando o encerramento da ação. Nesse diapasão, deve-se reconhecer que
o disposto no art. 285-A do CPC fundamenta-se na ideia de que a
improcedência liminar somente está autorizada quando a tese jurídica
trazida para julgamento estiver tão amadurecida que a sua discussão,
naquele processo, seja dispensável. Ressalte-se que a mencionada
dispensabilidade somente é verificada pela unidade de entendimento entre
a sentença
de improcedência, o tribunal local e os tribunais superiores.
Precedentes citados: REsp 1.279.570-MG, Segunda Turma, DJe de
17/11/2011. REsp 1.225.227-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/5/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR PEDIDO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA.
Havendo
vara privativa para julgamento de processos de família, essa será
competente para processar e julgar pedido de reconhecimento e dissolução
de união estável
homoafetiva, independentemente de eventuais limitações existentes na lei
de organização judiciária local. Ressalte-se, inicialmente,
que a plena equiparação das uniões estáveis
homoafetivas às heteroafetivas trouxe, como consequência, a extensão
automática àquelas das prerrogativas já outorgadas aos companheiros
dentro de uma união estável de homem e mulher. Ademais,
apesar de a organização judiciária de cada estado ser afeta ao
Judiciário local, a outorga de competências privativas a determinadas
varas impõe a submissão destas às respectivas
vinculações legais estabelecidas no nível federal, para que não se
configure ofensa à lógica do razoável e, em situações como a em análise,
ao princípio da igualdade. Assim, se
a prerrogativa de vara privativa é outorgada, para a solução de
determinadas lides, à parcela heterossexual da população brasileira,
também o será à fração homossexual,
assexual ou transexual, bem como a todos os demais grupos
representativos de minorias de qualquer natureza que precisem da
intervenção do Poder Judiciário para a solução de demandas similares. REsp 1.291.924-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/5/2013.
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Quarta Turma |
DIREITO CIVIL. USUCAPIÃO DE TERRENO QUE A UNIÃO ALEGA SER INTEGRANTE DE FAIXA DE MARINHA.
A alegação da
União de que determinada área constitui terreno de marinha, sem que
tenha sido realizado processo demarcatório específico e conclusivo pela
Delegacia de Patrimônio
da União, não obsta o reconhecimento de usucapião. A demarcação
da faixa de marinha depende de complexo procedimento administrativo
prévio de atribuição do Poder Executivo, com
notificação pessoal de todos os interessados, sempre que identificados
pela União e de domicílio certo, com observância à garantia do
contraditório e da ampla defesa. Tendo-se em conta a complexidade e
onerosidade do procedimento demarcatório, sua realização submete-se a um
juízo de oportunidade e conveniência por parte da Administração
Pública. Ocorre que não é razoável que o
jurisdicionado tenha sua pretensão de reconhecimento da usucapião de
terreno que já ocupa com ânimo de dono condicionada à prévia demarcação
da faixa de marinha, fato futuro e sem qualquer
previsibilidade de materialização. Assim, é possível o reconhecimento da
usucapião, desde que resguardados expressamente os interesses da União,
admitindo que, caso se apure, no procedimento próprio, que
a área usucapienda se caracteriza como bem público, não haverá prejuízo
ao ente público. Com efeito, a eficácia preclusiva da coisa julgada
alcança apenas as questões passíveis de
alegação e efetivamente decididas pelo juízo constantes do mérito da
causa, não podendo, no caso, ser considerada deduzível a matéria, pois
inexistente estudo conclusivo sobre o assunto. REsp 1.090.847-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 23/4/2013.
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DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS CORREIOS POR EXTRAVIO DE CARTA REGISTRADA.
A Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) deve reparar os danos morais
decorrentes de extravio de correspondência registrada. Com
efeito, o consumidor que opta por enviar carta registrada tem
provável interesse no rastreamento e na efetiva comprovação da entrega
da correspondência, por isso paga mais caro pelo serviço. Desse modo, se
o consumidor escolhe enviar carta registrada, é dever dos Correios
comprovar a entrega da correspondência ou a impossibilidade de fazê-lo,
por meio da apresentação ao remetente do aviso de recebimento, de
maneira que o simples fato da perda da correspondência, nessa hipótese,
acarreta dano moral in re ipsa. REsp 1.097.266-PB, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para
acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 2/5/2013.
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DIREITO CIVIL. LIMITES À UTILIZAÇÃO DE TRECHOS DE OBRA MUSICAL.
Constitui
ofensa aos direitos autorais a reprodução, sem autorização ou menção
aos seus autores, em periódico de cunho erótico, de trechos de
determinada obra musical — que vinha sendo explorada comercialmente, em
segmento mercadológico diverso, pelos titulares de seus direitos
patrimoniais — no caso em que o trecho tenha sido utilizado para dar
completude ao ensaio
fotográfico publicado, proporcionando maior valorização do produto
comercializado. Em regra, a exploração comercial da obra e a
escolha dos meios em que ela ocorrerá são direitos exclusivos do
autor. De fato, a utilização de pequenos trechos de obras preexistentes
somente não constitui ofensa aos direitos autorais quando a reprodução,
em si, não seja o objetivo principal da obra nova, não
prejudique a exploração normal daquela reproduzida, nem cause prejuízo
injustificado aos legítimos interesses dos autores (art. 46, VIII, da
Lei 9.610/1998). Nesse contexto, verificado que a situação em
análise não se enquadra na exceção, por ter sido a obra utilizada em
caráter de completude, e não de acessoriedade, bem como pelo fato de que
esta vinha sendo explorada comercialmente em segmento
mercadológico diverso pelos titulares de seus direitos patrimoniais,
deve-se reconhecer, na hipótese, a ocorrência de efetiva violação aos
direitos dos autores. REsp 1.217.567-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 7/5/2013.
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DIREITO DO CONSUMIDOR. VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO PELO FORNECEDOR.
No caso em que
consumidor tenha apresentado reação alérgica ocasionada pela utilização
de sabão em pó, não apenas para a lavagem de roupas, mas também para a
limpeza doméstica, o fornecedor do produto responderá pelos danos
causados ao consumidor na hipótese em que conste, na embalagem do
produto, apenas pequena e discreta anotação de que deve ser evitado o
"contato
prolongado com a pele" e que, "depois de utilizar" o produto, o usuário
deve lavar e secar as mãos. Isso porque, embora não se possa
falar na ocorrência de defeito intrínseco do produto —
haja vista que a hipersensibilidade ao produto é condição inerente e
individual do consumidor —, tem-se por configurado defeito extrínseco do
produto, qual seja, a inadequada informação na embalagem do
produto, o que implica configuração de fato do produto (CDC, art. 12) e,
por efeito, responsabilização civil do fornecedor. Esse entendimento
deve prevalecer, porquanto a informação deve ser prestada de forma
inequívoca, ostensiva e de fácil compreensão, principalmente no tocante
às situações de perigo, haja vista que se trata de direito básico do
consumidor (art. 6°, III, do CDC) que se baseia no
princípio da boa-fé objetiva. Nesse contexto, além do dever de informar,
por meio de instruções, a forma correta de utilização do produto, todo
fornecedor deve, também, advertir os usuários
acerca de cuidados e precauções a serem adotados, alertando sobre os
riscos correspondentes, principalmente na hipótese em que se trate de um
grupo de hipervulneráveis (como aqueles que têm hipersensibilidade ou
problemas imunológicos ao produto). Ademais, o art. 31 do CDC estabelece
que a “oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar
informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em
língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade,
composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros
dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e
segurança dos consumidores”. Por fim, ainda que o consumidor utilize o
produto para a limpeza do chão dos cômodos da sua casa — e não apenas
para a lavagem do seu vestuário —, não há como
isentar a responsabilidade do fornecedor por culpa exclusiva do
consumidor (CDC, art. 12, § 3º, III) em razão de uso inadequado do
produto. Isso porque a utilização do sabão em pó para limpeza
doméstica não representa, por si só, conduta descuidada apta a colocar a
consumidora em risco, haja vista que não se trata de uso negligente ou
anormal do produto, sendo, inclusive, um comportamento de praxe nos
ambientes
residenciais. REsp 1.358.615-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
2/5/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO À IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA.
No âmbito de
execução de sentença civil condenatória decorrente da prática de ato
ilícito, é possível a penhora do bem de família na hipótese em que o
réu também tenha sido condenado na esfera penal pelo mesmo fundamento de
fato. A Lei 8.009/1990 institui a impenhorabilidade do bem de
família como instrumento de tutela do direito fundamental à moradia. Por
sua vez,
o inciso VI do art. 3º desse diploma legal estabelece que “a
impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil,
fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se
movido por
ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença
penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens”. O
legislador, ao registrar a exceção, não
tratou do caso de execução de título judicial civil decorrente da
prática de ato ilícito, ainda que devidamente apurado e cuja decisão
tenha transitado em julgado. Nesse contexto, pode-se concluir que o
legislador optou pela prevalência do dever do infrator de indenizar a
vítima de ato ilícito que tenha atingido bem jurídico tutelado pelo
direito penal e que nesta esfera tenha sido apurado, sendo objeto,
portanto, de
sentença penal condenatória transitada em julgado. Dessa forma, é
possível afirmar que a ressalva contida no inciso VI do art. 3º da
referida lei somente abrange a execução de sentença penal
condenatória — ação civil ex delicto —, não alcançando a sentença cível de indenização, salvo se, verificada a coexistência dos dois tipos, as decisões
tiverem o mesmo fundamento de fato. Precedente citado: REsp 209.403-RS, Terceira Turma, DJ 5/2/2001. REsp 1.021.440-SP,
Min. Rel. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/5/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. UTILIZAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA PARA CONTROLE DA COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS.
É cabível
mandado de segurança, a ser impetrado no Tribunal de Justiça, a fim de
que seja reconhecida, em razão da complexidade da causa, a incompetência
absoluta dos juizados especiais
para o julgamento do feito, ainda que no processo já exista decisão
definitiva de Turma Recursal da qual não caiba mais recurso. Inicialmente,
observe-se que, em situações como essa, o controle por meio da
ação mandamental interposta dentro do prazo decadencial de cento e vinte
dias não interfere na autonomia dos Juizados, uma vez que o mérito da
demanda não será decidido pelo Tribunal de Justiça. Ademais,
é necessário estabelecer um mecanismo de controle da competência dos
Juizados, sob pena de lhes conferir um poder desproporcional: o de
decidir, em caráter definitivo, inclusive as causas para as quais são
absolutamente
incompetentes, nos termos da lei civil. Dessa forma, sendo o juízo
absolutamente incompetente em razão da matéria, a decisão é, nesse caso,
inexistente ou nula, não havendo, tecnicamente, que falar em
trânsito em julgado. RMS 39.041-DF, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 7/5/2013.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE DA BRASIL TELECOM S/A PARA RESPONDER POR OBRIGAÇÕES DA TELEMS S/A.
Em execução
individual de sentença coletiva promovida em face da Brasil Telecom S/A,
sucessora da Telems S/A, não é cabível a análise de tese de
ilegitimidade passiva fundada na
alegação de que, em razão de disposições contidas no ato de cisão ou no
edital de privatização da sucedida, a obrigação objeto de execução —
consistente na
restituição de valores pagos por consumidores em razão da participação
financeira em construção de rede de transmissão de telefonia — não
seria, conforme previsto no título
executivo judicial, da sucedida (Telems S/A), e sim da Telebrás. Isso
porque a referida tese só teria relevância no processo de conhecimento,
não podendo, assim, ser suscitada no momento da execução
individual. Desse modo, o reconhecimento da responsabilidade da
sucedida, em sentença transitada em julgado, implica a da sucessora seja
por força dos arts. 568 e 592 do CPC, seja por regra segundo a qual "a
sentença, proferida
entre as partes originárias, estende seus efeitos ao adquirente ou ao
cessionário" (art. 42, § 3º, do CPC). REsp 1.371.462-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 7/5/2013.
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Quinta Turma |
DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR AÇÃO PENAL REFERENTE A SUPOSTO CRIME DE AMEAÇA PRATICADO POR NORA CONTRA SUA SOGRA.
É do juizado
especial criminal — e não do juizado de violência doméstica e familiar
contra a mulher — a competência para processar e julgar ação penal
referente a
suposto crime de ameaça (art. 147 do CP) praticado por nora contra sua
sogra na hipótese em que não estejam presentes os requisitos cumulativos
de relação íntima de afeto, motivação de gênero
e situação de vulnerabilidade. Isso porque, para a incidência
da Lei 11.340/2006, exige-se a presença concomitante desses requisitos.
De fato, se assim não fosse, qualquer delito que envolvesse
relação entre parentes poderia dar ensejo à aplicação da referida lei.
Nesse contexto, deve ser conferida interpretação restritiva ao conceito
de violência doméstica e familiar, para que se
não inviabilize a aplicação da norma. HC 175.816-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado
em 20/6/2013.
FONTE: STJ
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quinta-feira, 5 de setembro de 2013
INFORMATIVO JURISPRUDENCIAL DO STJ Nº. 524
terça-feira, 3 de setembro de 2013
Que “marravilha”, somos uma República très chic!
Voilà, madame Suplicy, ministre de la Culture du Brésil
Sem repetir clichê e sem querer estar na “moda” (ups!), Hannah Arendt já disse que quando o mal se banaliza, perdemos a capacidade de indignação. Corrompendo o ditado, pode-se dizer que, quando o desperdício fica banalizado, perdemos a capacidade de contar o dinheiro gasto...! Definitivamente, vou estocar comida. Passamos dos limites. Como ninguém tinha pensado nisso antes? Como ninguém tinha pensando em usar incentivos fiscais — portanto, o dinheiro da choldra, da rafanalha, da ratatulha — para fazer desfiles de moda... em Paris? Très chic! Voilà, madame Suplicy, ministre de la Culture du Brésil.
Já escrevi, aqui, sobre o livro de Alan Riding, Paris, a Festa Continuou, que trata da vida cultural de Paris durante a ocupação nazista. Há uma bela passagem, que fala de uma canção popular do ano de 1936, interpretada por Ray Ventura, chamada Tout va très bien, Madame La Marquise (“Tudo vai bem, Madame La Marquise”). A canção denunciava o que a França fingia não ver: o cataclisma que se aproximava. Na canção, os empregados de uma aristocrata continuavam a assegurar-lhe de que tudo estava bem, embora um incêndio tomara conta de seu castelo, destruindo os estábulos e matando a sua égua favorita. Além disso, o marido de Madame cometera suicídio, mas, ainda assim, não havia com que se preocupar, porque Tout va très bien, Madame La Marquise. Faço, então, uma paródia com o título da música de Ray Ventura: tudo-vai-muito-bem-no-mundo-do-ministério-da-cultura-de-terrae-brasilis. Como o famoso corsário, “afundando e atirando, afundando e atirando”! Também há o filme italiano Stanno tutti bene (1990), com Marcelo Mastroianni (os filhos estavam todos “bem”: por exemplo, o que era maestro, na verdade apenas tocava um tambor!).
Tudo isso parece perfeito para explicar o episódio da autorização da ministra da Cultura, Marta Suplicy, passando por cima de seu órgão técnico que a negara, para que dois ricos estilistas brasileiros usem incentivos fiscais (mais de R$ 7 milhões) para fazerem desfiles de moda na França. Não há palavras para isso. E não há comparativos. Enquanto a malta (não a Marta) toma soro em pé, se esfalfela em apertados ônibus etc., etc., damo-nos ao luxo de gastar dinheiro público para essas excentricidades para ricos e frequentadores de colunas sociais.
A ministra defende sua atitude dizendo que isso faz parte do soft power, mas certamente esqueceu de ler o que Joseph Nye, que cunhou a expressão, diz o que significa. Está mais para waste of money. Não adianta a malta ir às ruas reclamar. Certas autoridades não se dão conta. Como escrevi na coluna passada, parece que só a palmeira jussara evolui. Nossa nobre ministra parece que está vivendo em outro mundo. Filha de família rica (a nobreza de Pindorama), pensa que pode, numa terra de milhões de descamisados, distribuir dinheiro público para, digamos assim, supérfluos exibicionismos prêt-à-porter. Isso é estroinar com a malta.
E o Direito, o que tem a ver?
Sim, esta é uma boa pergunta: o que se pode fazer? Tem ela, a ministra, poder discricionário para gastar o ervanário da combalida viúva? Ou ela pode ser impedida de fazer esse gesto de mecenato fora de lugar? A bola está com o Ministério Público. O que fará a instituição encarregada de zelar pelo patrimônio da viúva e da malta? Agirá?
Se ninguém fizer nada, então sugiro que façamos uma fila e peçamos todos passagens para assistir ao desfile dos dois estilistas em Paris. Torre Eiffel, aqui vamos nós! A malta na Cidade Luz. Tomemos Paris de assalto! Locupletemo-nos todos. Entupamos o ministério com nossos pedidos. Quero ver os burocratas despachando papéis e formulários.
Se o Direito não servir para parar com uma farra desse naipe, então que paremos de falar em princípios constitucionais. Fechemos as faculdades. Não mais façamos teses e dissertações sobre moralidade, eficiência, controle de gastos públicos, discricionariedade, legalidade, isonomia e, fundamentalmente, republicanismo. Se o Direito não servir para impedir esse tipo de farra com o ervanário público, vou fazer um projeto para um desfile de princípios constitucionais. Vou abrir uma grife, algo como Kalvin Streck Principles Clothes (K&SPC), Levi’Streck, Streck & Zegna Hermeneutics Dresses ou Streckvitton Books & Simplicity Law Literature (para fazer desfiles para concursos públicos — sim, porque minha grife levará a moda jurídica para todos os setores). Tudo sob o patrocínio de incentivos fiscais. A teoria do direito ficando chique...! Très chic!
Falando sério: levemos o Direito a sério. E a República. E nada mais tenho a dizer. Esta é a coluna mais curta que já escrevi. Mas penso que não preciso dizer mais do que isso. Quando esta coluna for publicada, provavelmente a autorização para a captação dos milhões destinados aos desfiles na Cidade Luz já tenha sido revogada, em face dos protestos da mídia. Não importa. O episódio é relevante por seu papel simbólico. Não é o fato em si, que, creio, é facilmente sustável. Preocupa-me o imaginário de certa gente. E falta total de sensibilidade. O gesto da ministra faz lembrar ditaduras africanas ou coisas de potentados do petróleo... Só não faz lembrar... o Brasil.
E tudo começou com um inconfidente que bordava...
Na verdade, lendo o livro Histórias da nossa História, de Viriato Correa, escrito em 1883, constato que, já ali, estava presente a figura do estilista e que a alta costura já fazia parte dos bastidores da Inconfidência Mineira. Em uma das histórias da nossa história, conta-se que o espírito de Joaquim Silvério dos Reis relatou as razões pelas quais delatou os companheiros inconfidentes. Autodenominou-se delator e, não, traidor. Ele vai contando as vicissitudes de cada um dos inconfidentes, o que, aliado ao seu estado de falência (devia uma vela para cada santo), “obrigou-o” a cometer o infausto ato pelo qual passou a história como traidor dos insurrectos. Viriato conta, pela boca de Silvério dos Reis, que o desembargador Tomás Antonio Gonzaga — um dos conhecidos insurrectos — bordava, a ouro, o vestido nupcial de sua noiva, Dona Maria Joaquina Doroteia de Seixas.
Pronto. Não quero fazer juízo de valor sobre a história contada por Viriato. É só uma estória. Nem sobre as habilidades do desembargador (mormente nestes tempos de politicamente correto). Mas, sem dúvida, já ali, na Inconfidência Mineira, há indícios fortes do início da trajetória dos estilistas em Pindorama. Só que — atenção — ainda não pedia dinheiro da viúva para fazer desfiles de moda em Ouro Preto e em Pindorama em geral. Nosso ínclito e ilustrado Tomás Antonio Gonzaga usava o seu próprio ouro e sua habilidade de bordador. Bom, mas também não existia, à época, o Ministério da Cultura...
Um assunto que não tem nada a ver, mas... Vai Qatar coquinho!
Quando a coluna já estava concluída, veio a informação de que, em virtude de uma piada, uma jovem estudante universitária brasileira, bolsista da USP, foi impedida de viajar para Bali, pela Qatar Airways. Ela preencheu um longo formulário. Na fila, seu pai, em tom de blague, disse “que bom que não acharam que você era terrorista”. Foi o suficiente para que os sicários da Qatar impedissem-na de embarcar. Ela perdeu a passagem, o congresso que tanto sonhou e ainda foi humilhada. Quem essa gente das companhias aéreas pensa que é? A Qatar Airways não é uma embaixada. Não tem imunidade. Portanto, seus funcionários deveriam ser arrestados pelas autoridades brasileiras, na hora. Um país que se presa protege seus cidadãos... no mínimo em seu próprio território. A empresa diz que é “rigorosa com a segurança”. E daí, cara pálida? E daí? O que uma coisa tem a cara com as calças? E ainda retiveram o passaporte da jovem, o que a impediria de voar por outra companhia aérea. Vamos fazer o seguinte raciocínio: um cidadão norte-americano chega no balcão da Tam, em Nova Iorque, e seu familiar faz uma piada desse tipo. A Tam impede o ianque de embarcar. Vocês acham que a Tam escaparia impune? Espero que o governo brasileiro abra investigação e a Anac puna com rigor esses sicários da Qatar Airways, que causaram esse sofrimento à jovem Thaís Buratto da Silva, de 24 anos, estudante e não-terrorista. Espero que Thaís entre com uma ação milionária contra a Qatar. Que deve ter muitos petrodólares para gastar. Pela arrogância, deve ter muita grana sobrando.
Sem repetir clichê e sem querer estar na “moda” (ups!), Hannah Arendt já disse que quando o mal se banaliza, perdemos a capacidade de indignação. Corrompendo o ditado, pode-se dizer que, quando o desperdício fica banalizado, perdemos a capacidade de contar o dinheiro gasto...! Definitivamente, vou estocar comida. Passamos dos limites. Como ninguém tinha pensado nisso antes? Como ninguém tinha pensando em usar incentivos fiscais — portanto, o dinheiro da choldra, da rafanalha, da ratatulha — para fazer desfiles de moda... em Paris? Très chic! Voilà, madame Suplicy, ministre de la Culture du Brésil.
Já escrevi, aqui, sobre o livro de Alan Riding, Paris, a Festa Continuou, que trata da vida cultural de Paris durante a ocupação nazista. Há uma bela passagem, que fala de uma canção popular do ano de 1936, interpretada por Ray Ventura, chamada Tout va très bien, Madame La Marquise (“Tudo vai bem, Madame La Marquise”). A canção denunciava o que a França fingia não ver: o cataclisma que se aproximava. Na canção, os empregados de uma aristocrata continuavam a assegurar-lhe de que tudo estava bem, embora um incêndio tomara conta de seu castelo, destruindo os estábulos e matando a sua égua favorita. Além disso, o marido de Madame cometera suicídio, mas, ainda assim, não havia com que se preocupar, porque Tout va très bien, Madame La Marquise. Faço, então, uma paródia com o título da música de Ray Ventura: tudo-vai-muito-bem-no-mundo-do-ministério-da-cultura-de-terrae-brasilis. Como o famoso corsário, “afundando e atirando, afundando e atirando”! Também há o filme italiano Stanno tutti bene (1990), com Marcelo Mastroianni (os filhos estavam todos “bem”: por exemplo, o que era maestro, na verdade apenas tocava um tambor!).
Tudo isso parece perfeito para explicar o episódio da autorização da ministra da Cultura, Marta Suplicy, passando por cima de seu órgão técnico que a negara, para que dois ricos estilistas brasileiros usem incentivos fiscais (mais de R$ 7 milhões) para fazerem desfiles de moda na França. Não há palavras para isso. E não há comparativos. Enquanto a malta (não a Marta) toma soro em pé, se esfalfela em apertados ônibus etc., etc., damo-nos ao luxo de gastar dinheiro público para essas excentricidades para ricos e frequentadores de colunas sociais.
A ministra defende sua atitude dizendo que isso faz parte do soft power, mas certamente esqueceu de ler o que Joseph Nye, que cunhou a expressão, diz o que significa. Está mais para waste of money. Não adianta a malta ir às ruas reclamar. Certas autoridades não se dão conta. Como escrevi na coluna passada, parece que só a palmeira jussara evolui. Nossa nobre ministra parece que está vivendo em outro mundo. Filha de família rica (a nobreza de Pindorama), pensa que pode, numa terra de milhões de descamisados, distribuir dinheiro público para, digamos assim, supérfluos exibicionismos prêt-à-porter. Isso é estroinar com a malta.
E o Direito, o que tem a ver?
Sim, esta é uma boa pergunta: o que se pode fazer? Tem ela, a ministra, poder discricionário para gastar o ervanário da combalida viúva? Ou ela pode ser impedida de fazer esse gesto de mecenato fora de lugar? A bola está com o Ministério Público. O que fará a instituição encarregada de zelar pelo patrimônio da viúva e da malta? Agirá?
Se ninguém fizer nada, então sugiro que façamos uma fila e peçamos todos passagens para assistir ao desfile dos dois estilistas em Paris. Torre Eiffel, aqui vamos nós! A malta na Cidade Luz. Tomemos Paris de assalto! Locupletemo-nos todos. Entupamos o ministério com nossos pedidos. Quero ver os burocratas despachando papéis e formulários.
Se o Direito não servir para parar com uma farra desse naipe, então que paremos de falar em princípios constitucionais. Fechemos as faculdades. Não mais façamos teses e dissertações sobre moralidade, eficiência, controle de gastos públicos, discricionariedade, legalidade, isonomia e, fundamentalmente, republicanismo. Se o Direito não servir para impedir esse tipo de farra com o ervanário público, vou fazer um projeto para um desfile de princípios constitucionais. Vou abrir uma grife, algo como Kalvin Streck Principles Clothes (K&SPC), Levi’Streck, Streck & Zegna Hermeneutics Dresses ou Streckvitton Books & Simplicity Law Literature (para fazer desfiles para concursos públicos — sim, porque minha grife levará a moda jurídica para todos os setores). Tudo sob o patrocínio de incentivos fiscais. A teoria do direito ficando chique...! Très chic!
Falando sério: levemos o Direito a sério. E a República. E nada mais tenho a dizer. Esta é a coluna mais curta que já escrevi. Mas penso que não preciso dizer mais do que isso. Quando esta coluna for publicada, provavelmente a autorização para a captação dos milhões destinados aos desfiles na Cidade Luz já tenha sido revogada, em face dos protestos da mídia. Não importa. O episódio é relevante por seu papel simbólico. Não é o fato em si, que, creio, é facilmente sustável. Preocupa-me o imaginário de certa gente. E falta total de sensibilidade. O gesto da ministra faz lembrar ditaduras africanas ou coisas de potentados do petróleo... Só não faz lembrar... o Brasil.
E tudo começou com um inconfidente que bordava...
Na verdade, lendo o livro Histórias da nossa História, de Viriato Correa, escrito em 1883, constato que, já ali, estava presente a figura do estilista e que a alta costura já fazia parte dos bastidores da Inconfidência Mineira. Em uma das histórias da nossa história, conta-se que o espírito de Joaquim Silvério dos Reis relatou as razões pelas quais delatou os companheiros inconfidentes. Autodenominou-se delator e, não, traidor. Ele vai contando as vicissitudes de cada um dos inconfidentes, o que, aliado ao seu estado de falência (devia uma vela para cada santo), “obrigou-o” a cometer o infausto ato pelo qual passou a história como traidor dos insurrectos. Viriato conta, pela boca de Silvério dos Reis, que o desembargador Tomás Antonio Gonzaga — um dos conhecidos insurrectos — bordava, a ouro, o vestido nupcial de sua noiva, Dona Maria Joaquina Doroteia de Seixas.
Pronto. Não quero fazer juízo de valor sobre a história contada por Viriato. É só uma estória. Nem sobre as habilidades do desembargador (mormente nestes tempos de politicamente correto). Mas, sem dúvida, já ali, na Inconfidência Mineira, há indícios fortes do início da trajetória dos estilistas em Pindorama. Só que — atenção — ainda não pedia dinheiro da viúva para fazer desfiles de moda em Ouro Preto e em Pindorama em geral. Nosso ínclito e ilustrado Tomás Antonio Gonzaga usava o seu próprio ouro e sua habilidade de bordador. Bom, mas também não existia, à época, o Ministério da Cultura...
Um assunto que não tem nada a ver, mas... Vai Qatar coquinho!
Quando a coluna já estava concluída, veio a informação de que, em virtude de uma piada, uma jovem estudante universitária brasileira, bolsista da USP, foi impedida de viajar para Bali, pela Qatar Airways. Ela preencheu um longo formulário. Na fila, seu pai, em tom de blague, disse “que bom que não acharam que você era terrorista”. Foi o suficiente para que os sicários da Qatar impedissem-na de embarcar. Ela perdeu a passagem, o congresso que tanto sonhou e ainda foi humilhada. Quem essa gente das companhias aéreas pensa que é? A Qatar Airways não é uma embaixada. Não tem imunidade. Portanto, seus funcionários deveriam ser arrestados pelas autoridades brasileiras, na hora. Um país que se presa protege seus cidadãos... no mínimo em seu próprio território. A empresa diz que é “rigorosa com a segurança”. E daí, cara pálida? E daí? O que uma coisa tem a cara com as calças? E ainda retiveram o passaporte da jovem, o que a impediria de voar por outra companhia aérea. Vamos fazer o seguinte raciocínio: um cidadão norte-americano chega no balcão da Tam, em Nova Iorque, e seu familiar faz uma piada desse tipo. A Tam impede o ianque de embarcar. Vocês acham que a Tam escaparia impune? Espero que o governo brasileiro abra investigação e a Anac puna com rigor esses sicários da Qatar Airways, que causaram esse sofrimento à jovem Thaís Buratto da Silva, de 24 anos, estudante e não-terrorista. Espero que Thaís entre com uma ação milionária contra a Qatar. Que deve ter muitos petrodólares para gastar. Pela arrogância, deve ter muita grana sobrando.
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito.
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Revista Consultor Jurídico, 29 de agosto de 2013
Advogados têm direito a trabalhar com dignidade
Quem
se põe a discutir as teorias que reinam sobre a natureza do processo,
logo se depara com aquelas, digamos, “tradicionais”: o processo, para
muitos, é relação jurídica angular, triangular etc. Não considero
errados tais pontos de vista. Penso, contudo, que esses são modos
simplistas de ver o fenômeno, que não o esgotam.
Não pode o processo ser considerado uma relação jurídica simples, simétrica e unidirecional, capaz de representar, more geometrico, os papéis que desempenham os sujeitos que a compõem. O processo é relação jurídica complexa, dinâmica, bidirecional e circular, em que o comportamento de cada um dos sujeitos afeta e é afetado pelo comportamento dos outros etc. Para a definição de processo interessa notar não apenas a relação existente entre os sujeitos, mas, também, a relação existente entre os atributos de tais sujeitos, e o modo como os sujeitos os exercem, no processo. Estas relações (entre os sujeitos e entre os atributos) dão coesão a este sistema, que é o processo.1
O processo é um sistema integrado pelos sujeitos processuais e por seus atributos, em que interagem tais sujeitos.2 Poderíamos sintetizar essa concepção com a seguinte fórmula: processo é sistema interacional.
Essa concepção não contraria aquelas outras, a que me referi acima, mas as supera.3 Chama a atenção para o fato de que, no processo, relacionam-se sujeitos concretos. Permitam-me insistir nesse ponto: no processo canalizam-se os anseios de entes que integram a sociedade, e tais entes manifestam no processo sua condição humana, social, econômica etc. Como o processo se desenvolve através da interação entre as partes e o juiz,4 isso é, através da comunicação que deve se dar entre as partes e o órgão jurisdicional, é imprescindível que tais sujeitos encontrem-se em condições de compreender e de serem compreendidos, e o primeiro passo para que isso ocorra é a percepção de que os sujeitos que compõem a relação jurídica não são abstratos, mas sujeitos concretos.5
Nesse contexto, a importância do papel desenvolvido pelo advogado assume contornos ainda mais relevantes que o de mero “representante” das partes.
Não se pode considerar “Democrático de Direito” (artigo 1.º, caput, da Constituição) o Estado, se não permitir às partes participarem incisivamente do processo. A materialização desse direito ficaria irremediavelmente prejudicada e a prestação jurisdicional não seria condizente com as garantias mínimas do processo, decorrentes do devido processo legal, caso as partes não fossem representadas por alguém habilitado tecnicamente.6
Coerentemente com esta ordem de ideias, dispõe a Constituição que “o advogado é indispensável à administração da justiça” (art. 133), e o parágrafo 2º do artigo 2º da Lei 8.906/1994 estabelece que, “no processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público”.
A ausência de representação por advogado tornaria evidentemente mais débil a defesa dos interesses da parte, o que prejudicaria a concretização da aspiração constitucional, consistente em tornar o processo um espaço efetivamente democrático, não apenas na forma, mas também na substância.7
Por essas e outras razões, tenho insistido, em vários espaços, que o advogado não deve se envergonhar de suas prerrogativas, nem se acanhar em exercitá-las. Nos textos publicados nesta coluna até aqui, tenho chamado a atenção para a complexidade que nos cerca: tem-se, de um lado, um ambiente normativo cada vez mais complicado, que deverá ser aplicado a situações materiais as mais diversas, em um País em que cresce a carência por uma tutela jurisdicional eficiente; de outro lado, tem-se a insistente prática da “jurisprudência defensiva”.
Nesse ambiente, compreende-se que o desrespeito às prerrogativas do advogado significa a afronta direta aos direitos e liberdades assegurados ao cidadão pelo texto constitucional. Como decidiu o STF em julgado antes referido, “qualquer que seja o espaço institucional de sua atuação, ao Advogado incumbe neutralizar os abusos, fazer cessar o arbítrio, exigir respeito ao ordenamento jurídico e velar pela integridade das garantias jurídicas - legais ou constitucionais - outorgadas àquele que lhe confiou a proteção de sua liberdade e de seus direitos”.
Sei que muitos não veem o trabalho desenvolvido pelo advogado desse modo. Infelizmente. Mas tenho confiança em que isso deve mudar. Evidentemente, sempre houve, e sempre haverá, aqueles que têm interesse em uma advocacia cada vez mais frágil. Por essas e outras razões, sei que o texto desta semana atrairá críticas. Mas a luta contra essa prática odiosa é dever não apenas da OAB ou dos advogados, mas de todos aqueles que têm interesse no desenvolvimento e aprimoramento do Estado Democrático.
Faz-se necessário, sob esse prisma, que sejam dadas aos advogados condições dignas de exercer o seu trabalho. Note-se bem: o advogado tem dever de exercitar suas prerrogativas, sob pena de, não o fazendo, prejudicar não apenas a si próprio e à advocacia como um todo, mas também àquele que o constituiu seu defensor. É evidente que, quando se falha não apenas na proteção do advogado como profissional, mas também como ser humano, fragiliza-se não apenas a advocacia, mas também a proteção daqueles a quem os advogados devem defender.
Considero salutar, nesse sentido, o intento do legislador ao prever, no projeto de novo CPC, que “os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial” (artigo 82, § 14, da versão que será levada à votação no Plenário da Câmara dos Deputados). Algo importante, também, é a disposição que prevê percentuais mínimos a serem observados, nas causas em que a Fazenda Pública for parte (artigo 82, § 3.º do Projeto). Há outras inovações no projeto, igualmente importantes, relativas aos honorários advocatícios.
Em relação ao dia a dia do trabalho do advogado, há duas regras, inseridas no anteprojeto de novo CPC e mantidas tanto na versão aprovada pelo Senado quanto na que será levada à discussão no Plenário da Câmara, que, a meu ver, merecem destaque. Considero-as importantes, porque vêm em socorro especialmente dos advogados que laboram sozinhos, ou daqueles que constituíram pequenas sociedades:
A primeira delas é que prevê a suspensão dos prazos processuais entre os dias 20 de dezembro e 20 de janeiro.8
Para alguns, o prazo de suspensão deveria ser menor (de 20 de dezembro a 10 de janeiro). Penso, contudo, que qualquer que seja a solução adotada pelo novo Código, será a mesma salutar, e resolverá o problema que, todos os anos, têm acontecido: os advogados ficam sem saber qual será sua sorte, em relação ao que fazer durante as festas de fim de ano e ao período de férias de seus filhos, até que, por decisão do Tribunal de Justiça do Estado em que atuam – tomada, não raro, após insistente apelo da OAB –, se delibere no sentido da suspensão dos prazos processuais...
Tenho especial apreço, ainda, por outra disposição, que estabelece que “na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os úteis” (artigo 219 do projeto que será levado a votação).
Há muitos prazos curtos, de cinco dias, previstos na legislação processual – e isso se repete, no projeto do novo CPC. Não raro – eu me arriscaria a dizer que essa é uma prática frequente –, as intimações são publicadas às quintas-feiras, e os prazos têm início às sextas-feiras. Com isso, à luz do Código em vigor (artigo 178), os prazos correm inclusive no final de semana (e, às vezes, para azar do advogado, também em feriados “prolongados”).
Evidentemente, não faltam vozes para criticar tais soluções.
Afirma-se, por exemplo, que, com isso, a tramitação dos feitos durará ainda mais tempo. Essa crítica, a meu ver, carece de razão. Como todos sabem, os processos judiciais demoram tanto tempo em razão dos denominados “tempos mortos”, em que, embora não haja prazo próprio em curso, ficam os autos aguardando alguma providência na burocracia estatal judiciária.
Esse é um problema que se resolve com o melhor aprimoramento do Poder Judiciário (por exemplo, com mais juízes, melhor distribuídos dentro da estrutura judiciária, o que implica na necessidade de melhor gestão, de se escolher com cuidado os pontos que merecem maior investimento etc.). Definitivamente, não é o fato de os prazos não correrem em alguns dias que compreendem as festas de fim de ano, ou correrem apenas em dias úteis, que farão com que o processo dure mais tempo.
Claro que, como antecipei acima, não faltarão manifestações contrárias a esse modo de pensar. Mas, por tudo o que antes se disse, não considero que exista outro modo de se compreender o exercício da advocacia, no Estado Democrático de Direito.
Até a próxima semana!
1 Procuro desenvolver essas ideias, com mais vagar, na obra CPC Código de Processo Civil comentado, 2. ed., comentários ao art. 3.º
2 Sobre a ideia de sistema, aqui apenas referida, cf. Paul Watzlawick et al, Pragmática da comunicação humana, p. 109.
4 Sobre a crise do conceito de relação processual, cf., dentre outros, Aroldo Plínio Gonçalves, Técnica processual e teoria do processo, p. 97; Giovanni Arieta et al, Corso base di diritto processuale civile, 3. ed., p. 90.
4 Tratando o processo como estrutura dialética, cf. Elio Fazzalari, Istituzioni di diritto processuale, 7. ed., p. 83.
5 Sobre a importância da conscientização recíproca dos interlocutores de uma relação, cf. Enrique Dussel, Ética da libertação, p. 437 e ss.
6 Sobre o papel do advogado, à luz da Constituição brasileira, escrevi na obra CF Constituição Federal comentada, 2. ed., comentário ao art. 133.
7 Nesse sentido, decidiu o STJ que “o direito de acesso à justiça compreende, entre outros, o direito daquele que está em juízo poder influir no convencimento do magistrado, participando adequadamente do processo. Nessa dimensão, assume especial relevância a função do advogado no processo como fator de concretização do acesso à justiça, na medida em que, utilizando os seus conhecimentos jurídicos, otimiza a participação do seu cliente no processo de convencimento do magistrado” (STJ, REsp 1027797/MG, rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª T., j. 17.02.2011).
8 “Art. 220. Suspende-se o curso do prazo processual nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, inclusive. § 1º
Ressalvadas as férias individuais e os feriados instituídos por lei,
os juízes, os membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e da
Advocacia Pública, e os auxiliares da Justiça exercerão suas
atribuições durante o período previsto no caput. § 2º Durante a suspensão do prazo, não serão realizadas audiências e julgamentos por órgão colegiado.”
Não pode o processo ser considerado uma relação jurídica simples, simétrica e unidirecional, capaz de representar, more geometrico, os papéis que desempenham os sujeitos que a compõem. O processo é relação jurídica complexa, dinâmica, bidirecional e circular, em que o comportamento de cada um dos sujeitos afeta e é afetado pelo comportamento dos outros etc. Para a definição de processo interessa notar não apenas a relação existente entre os sujeitos, mas, também, a relação existente entre os atributos de tais sujeitos, e o modo como os sujeitos os exercem, no processo. Estas relações (entre os sujeitos e entre os atributos) dão coesão a este sistema, que é o processo.1
O processo é um sistema integrado pelos sujeitos processuais e por seus atributos, em que interagem tais sujeitos.2 Poderíamos sintetizar essa concepção com a seguinte fórmula: processo é sistema interacional.
Essa concepção não contraria aquelas outras, a que me referi acima, mas as supera.3 Chama a atenção para o fato de que, no processo, relacionam-se sujeitos concretos. Permitam-me insistir nesse ponto: no processo canalizam-se os anseios de entes que integram a sociedade, e tais entes manifestam no processo sua condição humana, social, econômica etc. Como o processo se desenvolve através da interação entre as partes e o juiz,4 isso é, através da comunicação que deve se dar entre as partes e o órgão jurisdicional, é imprescindível que tais sujeitos encontrem-se em condições de compreender e de serem compreendidos, e o primeiro passo para que isso ocorra é a percepção de que os sujeitos que compõem a relação jurídica não são abstratos, mas sujeitos concretos.5
Nesse contexto, a importância do papel desenvolvido pelo advogado assume contornos ainda mais relevantes que o de mero “representante” das partes.
Não se pode considerar “Democrático de Direito” (artigo 1.º, caput, da Constituição) o Estado, se não permitir às partes participarem incisivamente do processo. A materialização desse direito ficaria irremediavelmente prejudicada e a prestação jurisdicional não seria condizente com as garantias mínimas do processo, decorrentes do devido processo legal, caso as partes não fossem representadas por alguém habilitado tecnicamente.6
Coerentemente com esta ordem de ideias, dispõe a Constituição que “o advogado é indispensável à administração da justiça” (art. 133), e o parágrafo 2º do artigo 2º da Lei 8.906/1994 estabelece que, “no processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público”.
A ausência de representação por advogado tornaria evidentemente mais débil a defesa dos interesses da parte, o que prejudicaria a concretização da aspiração constitucional, consistente em tornar o processo um espaço efetivamente democrático, não apenas na forma, mas também na substância.7
Por essas e outras razões, tenho insistido, em vários espaços, que o advogado não deve se envergonhar de suas prerrogativas, nem se acanhar em exercitá-las. Nos textos publicados nesta coluna até aqui, tenho chamado a atenção para a complexidade que nos cerca: tem-se, de um lado, um ambiente normativo cada vez mais complicado, que deverá ser aplicado a situações materiais as mais diversas, em um País em que cresce a carência por uma tutela jurisdicional eficiente; de outro lado, tem-se a insistente prática da “jurisprudência defensiva”.
Nesse ambiente, compreende-se que o desrespeito às prerrogativas do advogado significa a afronta direta aos direitos e liberdades assegurados ao cidadão pelo texto constitucional. Como decidiu o STF em julgado antes referido, “qualquer que seja o espaço institucional de sua atuação, ao Advogado incumbe neutralizar os abusos, fazer cessar o arbítrio, exigir respeito ao ordenamento jurídico e velar pela integridade das garantias jurídicas - legais ou constitucionais - outorgadas àquele que lhe confiou a proteção de sua liberdade e de seus direitos”.
Sei que muitos não veem o trabalho desenvolvido pelo advogado desse modo. Infelizmente. Mas tenho confiança em que isso deve mudar. Evidentemente, sempre houve, e sempre haverá, aqueles que têm interesse em uma advocacia cada vez mais frágil. Por essas e outras razões, sei que o texto desta semana atrairá críticas. Mas a luta contra essa prática odiosa é dever não apenas da OAB ou dos advogados, mas de todos aqueles que têm interesse no desenvolvimento e aprimoramento do Estado Democrático.
Faz-se necessário, sob esse prisma, que sejam dadas aos advogados condições dignas de exercer o seu trabalho. Note-se bem: o advogado tem dever de exercitar suas prerrogativas, sob pena de, não o fazendo, prejudicar não apenas a si próprio e à advocacia como um todo, mas também àquele que o constituiu seu defensor. É evidente que, quando se falha não apenas na proteção do advogado como profissional, mas também como ser humano, fragiliza-se não apenas a advocacia, mas também a proteção daqueles a quem os advogados devem defender.
Considero salutar, nesse sentido, o intento do legislador ao prever, no projeto de novo CPC, que “os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial” (artigo 82, § 14, da versão que será levada à votação no Plenário da Câmara dos Deputados). Algo importante, também, é a disposição que prevê percentuais mínimos a serem observados, nas causas em que a Fazenda Pública for parte (artigo 82, § 3.º do Projeto). Há outras inovações no projeto, igualmente importantes, relativas aos honorários advocatícios.
Em relação ao dia a dia do trabalho do advogado, há duas regras, inseridas no anteprojeto de novo CPC e mantidas tanto na versão aprovada pelo Senado quanto na que será levada à discussão no Plenário da Câmara, que, a meu ver, merecem destaque. Considero-as importantes, porque vêm em socorro especialmente dos advogados que laboram sozinhos, ou daqueles que constituíram pequenas sociedades:
A primeira delas é que prevê a suspensão dos prazos processuais entre os dias 20 de dezembro e 20 de janeiro.8
Para alguns, o prazo de suspensão deveria ser menor (de 20 de dezembro a 10 de janeiro). Penso, contudo, que qualquer que seja a solução adotada pelo novo Código, será a mesma salutar, e resolverá o problema que, todos os anos, têm acontecido: os advogados ficam sem saber qual será sua sorte, em relação ao que fazer durante as festas de fim de ano e ao período de férias de seus filhos, até que, por decisão do Tribunal de Justiça do Estado em que atuam – tomada, não raro, após insistente apelo da OAB –, se delibere no sentido da suspensão dos prazos processuais...
Tenho especial apreço, ainda, por outra disposição, que estabelece que “na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os úteis” (artigo 219 do projeto que será levado a votação).
Há muitos prazos curtos, de cinco dias, previstos na legislação processual – e isso se repete, no projeto do novo CPC. Não raro – eu me arriscaria a dizer que essa é uma prática frequente –, as intimações são publicadas às quintas-feiras, e os prazos têm início às sextas-feiras. Com isso, à luz do Código em vigor (artigo 178), os prazos correm inclusive no final de semana (e, às vezes, para azar do advogado, também em feriados “prolongados”).
Evidentemente, não faltam vozes para criticar tais soluções.
Afirma-se, por exemplo, que, com isso, a tramitação dos feitos durará ainda mais tempo. Essa crítica, a meu ver, carece de razão. Como todos sabem, os processos judiciais demoram tanto tempo em razão dos denominados “tempos mortos”, em que, embora não haja prazo próprio em curso, ficam os autos aguardando alguma providência na burocracia estatal judiciária.
Esse é um problema que se resolve com o melhor aprimoramento do Poder Judiciário (por exemplo, com mais juízes, melhor distribuídos dentro da estrutura judiciária, o que implica na necessidade de melhor gestão, de se escolher com cuidado os pontos que merecem maior investimento etc.). Definitivamente, não é o fato de os prazos não correrem em alguns dias que compreendem as festas de fim de ano, ou correrem apenas em dias úteis, que farão com que o processo dure mais tempo.
Claro que, como antecipei acima, não faltarão manifestações contrárias a esse modo de pensar. Mas, por tudo o que antes se disse, não considero que exista outro modo de se compreender o exercício da advocacia, no Estado Democrático de Direito.
Até a próxima semana!
1 Procuro desenvolver essas ideias, com mais vagar, na obra CPC Código de Processo Civil comentado, 2. ed., comentários ao art. 3.º
2 Sobre a ideia de sistema, aqui apenas referida, cf. Paul Watzlawick et al, Pragmática da comunicação humana, p. 109.
4 Sobre a crise do conceito de relação processual, cf., dentre outros, Aroldo Plínio Gonçalves, Técnica processual e teoria do processo, p. 97; Giovanni Arieta et al, Corso base di diritto processuale civile, 3. ed., p. 90.
4 Tratando o processo como estrutura dialética, cf. Elio Fazzalari, Istituzioni di diritto processuale, 7. ed., p. 83.
5 Sobre a importância da conscientização recíproca dos interlocutores de uma relação, cf. Enrique Dussel, Ética da libertação, p. 437 e ss.
6 Sobre o papel do advogado, à luz da Constituição brasileira, escrevi na obra CF Constituição Federal comentada, 2. ed., comentário ao art. 133.
7 Nesse sentido, decidiu o STJ que “o direito de acesso à justiça compreende, entre outros, o direito daquele que está em juízo poder influir no convencimento do magistrado, participando adequadamente do processo. Nessa dimensão, assume especial relevância a função do advogado no processo como fator de concretização do acesso à justiça, na medida em que, utilizando os seus conhecimentos jurídicos, otimiza a participação do seu cliente no processo de convencimento do magistrado” (STJ, REsp 1027797/MG, rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª T., j. 17.02.2011).
8 “Art. 220. Suspende-se o curso do prazo processual nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, inclusive. § 1
José Miguel Garcia Medina é
doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas
nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de
Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.
Revista Consultor Jurídico, 2 de setembro de 2013
segunda-feira, 2 de setembro de 2013
"O advogado já não ganha para responder perguntas"
Em
1989, 17 ex-governadores de estados americanos notaram que poderiam
melhorar suas vidas profissionais. Advogados, eles pactuaram que um
indicaria o escritório do outro para clientes que quisessem fazer
negócios em outro estado. A ideia deu certo e eles foram buscar outros
parceiros, uma banca por estado. A demanda dos clientes fez com que a
rede se expandisse para outros países. Batizado de State Capital Group, e
conhecida pela sigla SCG Legal, o coletivo de escritórios hoje está em
mais de 90 países, com 145 bancas.
A missão principal do grupo continua a mesma: o cliente que quiser fazer negócio em outro estado ou em outro país, terá a indicação de um escritório confiável. A ideia é ter um por estado nos EUA e um por país no resto do mundo. No Brasil, o único associado é o Peixoto e Cury Advogados. A banca foi responsável por organizar um encontro internacional do grupo em junho, quando o presidente da SCG Legal, David Poisson, falou à revista Consultor Jurídico sobre a advocacia mundial.
Sua função e a conexão direta com a rede com mais de 10 mil advogados dão a Poisson uma boa visão do mercado. Ele sentencia que os Brasil é o mercado do momento, mas vai adiante: a África é o próximo grande destino da advocacia. São muitos os desafios de chegar e atuar lá, mas serão boas as recompensas. Os grandes escritórios estão indo para Joanesburgo, mas o continente tem muito mais a oferecer, diz o presidente da SCG.
Advogados, porém, não vão por vontade própria para os novos mercados, eles chegam lá porque seus clientes bolam novos negócios. As demandas são variadas e Poisson afirma que a busca por lobby tem aumentado — e que o movimento é contínuo. Nos EUA, a prática é comum no grupo, ainda mais porque seus criadores são ex-governadores, que pretendiam se manter na criação de políticas públicas.
Há resistência de alguns escritórios fora dos EUA a fazer lobby por clientes. A justificativa apresentada, porém, não se sustenta. “Dizem que o lobby coloca interesses privados à frente do interesse público. Mas advogar para um acusado de cometer um crime é exatamente isso”, rebate Poisson.
Entre os temas debatidos pelo grupo está a sucessão nos escritórios e a adaptação destes. O perfil dos advogados que chegam às bancas mudou, assim como o trabalho. A tecnologia e o maior acesso à informação fazem com que o cliente que antes chegava com uma pergunta e pagava o advogado pela resposta, agora chega com uma meta e paga para que o operador do Direito abra os caminhos para cumpri-la.
Leia a entrevista:
ConJur — Como foi criado o State Capital Group, hoje chamado de SCG Legal?
David Poisson — Formado por 17 ex-governadores dos Estados Unidos, começou com a ideia desses políticos que também eram advogados de voltar a atuar nos tribunais. Eles queriam oferecer aos seus clientes cobertura nacional, assim, um indicava o outro. Era para ser um grupo de referência, de indicações, mas acabou se tornando um grupo de apoio ao trabalho dos colegas.
ConJur — Era apenas nos EUA?
David Poisson — Sim. Foi assim que começou e cresceu até atingir os 50 estados. Não só com governadores, mas também com procuradores gerais dos estados e às vezes com o chefe do Legislativo. O grupo decidiu, então, levar para outros países, olharam mais ao norte, para o Canadá, e disseram “esse país se parece com o nosso, vamos tentar fazer a mesma coisa”.
ConJur — Isso foi feito por necessidade dos clientes?
David Poisson — Sim. Eles precisavam fazer negócios no Canadá, por conta do aumento das importações e exportações com o país vizinho, que continua a ser o principal parceiro comercial dos EUA. Uns 15 anos depois de a organização se formar, começou esse processo de internacionalização. Começaram a buscar, em cada país, o escritório que tivesse a melhor reputação. A ideia é ter parceiros originários dos países, que cresceram lá, entendem a economia e o mercado e têm licença para advogar no país. Nós não representamos, nem queremos representar, os grandes escritórios multinacionais, ou seus braços nos países. Buscamos bancas que atendam a todas as demandas dos clientes, abrangentes, como o Peixoto e Cury no Brasil, que tem 65 anos, mostrando que não vai deixar o mercado em breve, e já criou reputação. Eles foram bem na nossa classificação.
ConJur — Como vocês classificam as bancas?
David Poisson — Há os índices criados a partir de grupos específicos do mercado, conselhos corporativos, câmaras de comércio e arbitragem e publicações. Há também avaliações feitas por escritórios do grupo, que relatam suas experiências ao trabalhar com os escritórios de outros países. Minha responsabilidade no grupo é aumentar o tamanho dessa rede, que hoje engloba mais de 80 países e 150 escritórios.
ConJur — Vocês pensam em aumentar a rede indo sempre para novos países ou estão também à busca de novos parceiros nos países em que já atuam?
David Poisson — Ambas as formas. Buscamos atrair novas firmas em locais onde não estamos representados, buscando sempre as tendências do mercado, que áreas apresentam novas oportunidades de negócios. Falamos também com nossos clientes, perguntando do que eles estão precisando.
ConJur — E quais são os novos bons mercados?
David Poisson — O Brasil! A capa da [revista especializada] American Lawyer desse mês diz o seguinte: “Brasil, o Mercado legal mais quente do mundo”, com uma linda foto do Rio de Janeiro. Esse país vai sediar os dois maiores eventos esportivos do mundo nos próximos dois anos. Isso significa que ele está em processo de reerguer sua infraestrutura, muito trabalho e muitos empregos, ascensão da classe C e muitas oportunidades de negócios. As pessoas estão se perguntando como entrar no mercado brasileiro, entender as leis daqui. E em quem eu posso confiar para ser meu conselheiro e advogado? Não se pergunta se ele sabe da lei, mas se ele entende do modelo de negócio que se pretende fazer, das possíveis consequências de cada movimento no mercado.
ConJur — Além da América Latina, que bons mercados o senhor vê para a advocacia?
David Poisson — A América Latina é uma certeza. A China é outra. Os Brics são os óbvios, mas eu diria que o próximo mercado emergente para advogados está na África. Mas a questão legal precisa ainda se firmar por lá. Nós vamos ter na SCG um escritório da Nigéria e um da África do Sul. São ricos em energia, com algumas instituições já bem sólidas em uma mão e outras bem retrógradas em outra. O continente tem os problemas dos mercados emergentes recentes: pobreza, doenças, corrupção. Mas ao mesmo tempo, os recursos naturais estão ainda pouco explorados. Os russos estão indo para lá, os chineses também, mas infelizmente parece que ninguém está indo de forma muito estruturada.Essa estruturação é o caminho para os profissionais da lei. Os escritórios ainda são pequenos, com pouca tecnologia e estrutura. Assim como o potencial é enorme, os desafios também são.
ConJur — Quantos escritórios da África fazem parte da SCG atualmente?
David Poisson — Nós temos seis. Quando você olha para onde as grandes bancas estão indo, vê que Norton Rose Fulbright, Baker & McKenzie, Freshfields, Linklaters e DLA Piper estão rumando para Joanesburgo. Estavam indo para a Ásia, mas a China tem tomado conta do mercado.
ConJur — Quais os principais assuntos que tem sido discutidos entre os escritórios da SCG? Foreign Corruption Practices Act (FCPA) — ou Lei de Anticorrupção no Exterior, em tradução livre?
David Poisson — Nós discutimos questões sobre o FCPA, sobre o UK Bribery Act — versão britânica da lei — e problemas relacionados a regulação e compliance em empresas. Muitos advogados têm falado sobre privacidade, como a tecnologia tem afetado esse direito. Isso tem atingido diversos advogados de diferentes áreas do Direito.Na área de saúde, por exemplo é preciso controlar o acesso às informações sobre o estado de saúde das pessoas. O que é a privacidade em termos de mercado de trabalho? Até onde o patrão tem direito a saber sobre o seu empregado? O chefe pode investigar o que seu funcionário faz depois do expediente? Isso pode influenciar em uma promoção? A tecnologia tem borrado esses limites. Outro dia enviei um e-mail para minha mulher falando que tinha deixado as raquetes de tênis no conserto e, no dia seguinte, havia anúncios de raquete de tênis no meu e-mail. Vi que a política de privacidade do Google permite que ele faça essa busca e te ofereça produtos relacionados. Eles não estão hackeando, eles têm a tecnologia para fazer isso automaticamente. Este pequeno aparelho [pega o telefone celular] mostra para o mundo inteiro onde eu estou, ele tem um GPS embutido, diz meu exato lugar no mapa. Essas facilidades certamente estão influenciando a formação de jurisprudência no mundo inteiro sobre privacidade. Em Washington há uma forte discussão sobre a instalação de câmeras de segurança por todo o país, com a falta de recursos para policiar as ruas. Em Londres fizeram isso. Tudo sobre seu comportamento pessoal, provavelmente, será conhecido em um futuro próximo. Essa discussão foi travada há pouco em uma teleconferência com advogados da Nova Zelândia, Inglaterra, Austrália, Alemanha, França, todos preocupados com a privacidade.Temos nos organizado para lutar contra a invasão de privacidade.
ConJur — Bancas estrangeiras são proibidas de atuar no Brasil. Então esse bom mercado para a advocacia não pode ser aproveitado por advogados brasileiros. As parcerias são formas de os estrangeiros se aproveitarem disso também?
David Poisson — Se você é um advogado esperto, vai querer orientar seu cliente sobre como entrar em um novo mercado. Isso significa que, neste processo, você vai precisr de auxílio de um advogado brasileiro. Seria presunçoso pensar que só porque terá muito dinheiro no mercado brasileiro, vai ser possível chegar aqui e começar a atuar para tirar proveito disso. O contrário também vale. Um advogado brasileiro não pode querer abrir um negócio em Nova York sem auxílio de uma banca americana. Nos EUA, tem uma ordem dos advogados em cada um dos 50 estados. Eu sou licenciado para atuar na Virgínia e Columbia. Para atuar em outros estados, eu preciso me associar com algum advogado daquela jurisdição.
ConJur — Esse bloqueio da OAB a estrangeiros é um problema?
David Poisson — Não vejo como um problema. Algumas firmas podem estar tentando vir para o Brasil sem se alinhar com escritórios daqui, abrindo bancas que são seus braços no país, tentando recrutar advogados brasileiros ou mesmo trazendo americanos para buscar negócios nessa economia em crescimento. E acho que todas elas vão mesmo falir. O cliente quer alguém que fale a língua daquele país, que entenda as relações institucionais e pessoas.
ConJur — É esse o enfoque da SCG?
David Poisson — Com certeza. Nós somos um coletivo de escritórios que busca oferecer isso nos 24, quase 25, anos em que existimos. Nós temos focado todos os nossos esforços em desenvolver negócios para nossos potenciais clientes. Esse é meu principal papel quando não estou organizando reuniões de membros.
ConJur — Apenas escritórios full service podem ser parte do grupo?
David Poisson — Sim. Nós não temos boutiques. Os clientes não precisam ter a necessidade de usar todos os serviços da banca, mas o escritório deve oferecer todas as possibiliddes para manter os negócios de seus clientes. Nos Estados Unidos, muito do trabalho das nossas bancas é fazer lobby. É possível que isso aumente também em outros países.
ConJur — No Brasil essa questão é polêmica, pois há o lobby, mas não há regulamentação e ele é criminalizado. O senhor está a par disso?
David Poisson — Não estou familiarizado com isso no Brasil. Mas fora dos EUA temos a experiência de alguns escritórios terem reservas a fazer lobby. Ouvimos o discursos afirmando que fazer lobby é colocar interesses privados sobre o público, mas o mesmo pode se dizer de defender um réu em processo criminal... Pessoalmente acredito que é tudo advocacia, defender os interesses de seu cliente. O juiz é que julga quem está certo ou errado.
ConJur — Tem aumentado a necessidade de clientes por lobby?
David Poisson — Em nosso grupo, sempre foi grande, pois começamos com ex-ocupantes de cargos públicos, muito confortáveis com a ideia de continuar a influenciar a política. É uma parcela significativa da demanda aos escritórios nos EUA. No resto do mundo ainda não é grande, mas tende a aumentar. O Brasil poderia ser um catalizador desse movimento na América Latina.
ConJur — A OAB colocou um freio na criação de faculdades de Direito. Temos cerca de 60 mil advogados chegando ao mercado por semestre. Apenas 10% ou 15% passam no Exame de Ordem e podem advogar. Os que não passam têm um espaço incerto no mercado de trabalho. Há experiências semelhantes no resto do mundo?
David Poisson — Nós temos um problema semelhante, exceto que lá mais pessoas passam no exame, mas ainda assim não encontram lugar no mercado de trabalho. Há muito mais advogados do que trabalho na área legal. Então as faculdades de Direito estão fechando. Este ano teremos a menor formação de bachareis da história recente dos EUA. Estamos produzindo tantos advogados que não há outra saída.
ConJur — Temos nos deparado com a aposentadoria dos baby boomers [nascideos entre 1946 e 1964] e a chegada da geração Y [nascidos de 1978 a 200] nas bancas. Como os escritórios estão se adaptando para mudar para a mão desses jovens — conhecidos por terem pressa e sede de poder — sem mudarem sua história e sua forma de atuação?
David Poisson — É um grande desafio, talvez o maior da classe. Eu me formei em Direito há 35 anos e não havia qualquer dúvida sobre como seria o meu trabalho. Os jovens da geração Y dizem que advogar é o que eles fazem para viver, mas não define quem são eles. Eles não são o trabalho, eles fazem aquilo enquanto os satisfaz.
ConJur — São pessoas criadas para serem felizes.
David Poisson — Exato. Os baby boomers falaram “eu quero que meu filho tenha o que eu não tive”. E saímos dizendo que não queríamos que eles só trabalhassem, como nós. Tanto os boomers quanto a geração Y terão de aprender algo sobre o papel do advogado na sociedade, que agora tem muitos diferentes caminhos. Esses caminhos vão ser ampliados certamente no mercado emergente da América Latina.
ConJur — No Brasil há uma polêmica envolvendo o processo eletrônico. Advogados reclamam de ter havido pouca discussão sobre o tema antes de a tecnologia ser implantada nos tribunais. Isso tem sido um problema em outras partes do mundo?
David Poisson — Eu digo que em 10 anos toda essa discussão vai morrer, pois os caras como eu vão se aposentar e morrer e só os que hoje são jovens vão advogar. Quando saí da faculdade não imaginei que fosse mandar petições pelo meu computador, mas hoje fazem isso dos celulares. As gerações mais novas veem a tecnologia como ferramenta, a minha ainda sente a necessidade de estudar e entender as tecnologias antes de tirar proveito dela. Os juízes ainda preferem ler em papel. O desafio para o mercado da advocacia é analisar o que a tecnologia está fazendo no nosso modelo de negócios. Quando eu comecei, um cliente chegava com uma dúvida e eu diria “deixa eu pesquisar a resposta para você”. Eu faria um levantamento que poderia levar alguns dias para responder. Aí eu cobraria pelas horas que levei com a pesquisa. Agora, com a mesma pergunta, o cliente já pesquisou na internet uma resposta e espera que você já tenha essa ou outra na ponta da língua. Com isso, ele vai tomar uma decisão de entrar na Justiça ou não e vai te pagar para representá-lo nela. Eles não pagam pela pergunta que fazem, mas pelas tarefas que te delegam. Os nossos gastos, porém, continuam os mesmos — ou um pouco mais altos.
ConJur — Qual o papel da Ordem dos Advogados nesses desafios que as bancas enfrentam com a mudança?
David Poisson — Eu queria que houvesse uma defesa mais agressiva da classe que elas representam. Eles deveriam estar preocupados com a produção de melhores e mais qualificados advogados. Nos EUA, a taxa de aprovação no Exame de Ordem é de 60% ou até 70%, alguns estados nem pedem exame para quem se formou em faculdade local. Falta uniformidade. As pessoas deveriam esperar que ser um advogado competente no Texas fosse o mesmo que ser um advogado competente no estado de Nova York. Há outras falhas, mas que podemos suprir em outras organizações, como a educação continuada dos advogados. Nós fazemos isso na SCG, vendo com os membros sobre o que eles querem falar e trazendo especialistas para discutir.
ConJur — Então outros grupos estão preenchendo os buracos deixados pelas ordens?
David Poisson — As ordens dizem que o operador do Direito tem que cumprir um certo número de horas de educação continuada depois de se formar na faculdade. Nós organizamos seminaries e eventos com pessoas importantes do mundo inteiro, mas precisamos entregar certificados, dizendo que a pessoa entrou tal hora e saiu tal hora para que isso conte para a ordem. Mas se você está em casa, liga seu computador e deixa ele passando um seminário online sobre um tópico do Direito, você vai ter isso também creditado pela entidade, mesmo que você vá para outro lugar enquanto passa o seminário, ou que fique assistindo TV enquanto ele passa no seu computador. Esse tipo de regra desencoraja que as pessoas se engajem mais ativamente na educação continuada. Temos situações estranhas em alguns estados que, por exemplo, não contam a atividade como crédito se comida for servida nos intervalos. As regras rígidas demais acabam criando distorções. O advogado que está atuante, trabalhando nos tribunais, salvando o dinheiro dos clientes, não tem reconhecimento se não fizer um número de horas de aula específicas. Outras coisas deveriam contar para isso, além da educação continuada, como serviços à comunidade, casos em que atuou, eventos nos quais foi palestrante, publicações...
A missão principal do grupo continua a mesma: o cliente que quiser fazer negócio em outro estado ou em outro país, terá a indicação de um escritório confiável. A ideia é ter um por estado nos EUA e um por país no resto do mundo. No Brasil, o único associado é o Peixoto e Cury Advogados. A banca foi responsável por organizar um encontro internacional do grupo em junho, quando o presidente da SCG Legal, David Poisson, falou à revista Consultor Jurídico sobre a advocacia mundial.
Sua função e a conexão direta com a rede com mais de 10 mil advogados dão a Poisson uma boa visão do mercado. Ele sentencia que os Brasil é o mercado do momento, mas vai adiante: a África é o próximo grande destino da advocacia. São muitos os desafios de chegar e atuar lá, mas serão boas as recompensas. Os grandes escritórios estão indo para Joanesburgo, mas o continente tem muito mais a oferecer, diz o presidente da SCG.
Advogados, porém, não vão por vontade própria para os novos mercados, eles chegam lá porque seus clientes bolam novos negócios. As demandas são variadas e Poisson afirma que a busca por lobby tem aumentado — e que o movimento é contínuo. Nos EUA, a prática é comum no grupo, ainda mais porque seus criadores são ex-governadores, que pretendiam se manter na criação de políticas públicas.
Há resistência de alguns escritórios fora dos EUA a fazer lobby por clientes. A justificativa apresentada, porém, não se sustenta. “Dizem que o lobby coloca interesses privados à frente do interesse público. Mas advogar para um acusado de cometer um crime é exatamente isso”, rebate Poisson.
Entre os temas debatidos pelo grupo está a sucessão nos escritórios e a adaptação destes. O perfil dos advogados que chegam às bancas mudou, assim como o trabalho. A tecnologia e o maior acesso à informação fazem com que o cliente que antes chegava com uma pergunta e pagava o advogado pela resposta, agora chega com uma meta e paga para que o operador do Direito abra os caminhos para cumpri-la.
Leia a entrevista:
ConJur — Como foi criado o State Capital Group, hoje chamado de SCG Legal?
David Poisson — Formado por 17 ex-governadores dos Estados Unidos, começou com a ideia desses políticos que também eram advogados de voltar a atuar nos tribunais. Eles queriam oferecer aos seus clientes cobertura nacional, assim, um indicava o outro. Era para ser um grupo de referência, de indicações, mas acabou se tornando um grupo de apoio ao trabalho dos colegas.
ConJur — Era apenas nos EUA?
David Poisson — Sim. Foi assim que começou e cresceu até atingir os 50 estados. Não só com governadores, mas também com procuradores gerais dos estados e às vezes com o chefe do Legislativo. O grupo decidiu, então, levar para outros países, olharam mais ao norte, para o Canadá, e disseram “esse país se parece com o nosso, vamos tentar fazer a mesma coisa”.
ConJur — Isso foi feito por necessidade dos clientes?
David Poisson — Sim. Eles precisavam fazer negócios no Canadá, por conta do aumento das importações e exportações com o país vizinho, que continua a ser o principal parceiro comercial dos EUA. Uns 15 anos depois de a organização se formar, começou esse processo de internacionalização. Começaram a buscar, em cada país, o escritório que tivesse a melhor reputação. A ideia é ter parceiros originários dos países, que cresceram lá, entendem a economia e o mercado e têm licença para advogar no país. Nós não representamos, nem queremos representar, os grandes escritórios multinacionais, ou seus braços nos países. Buscamos bancas que atendam a todas as demandas dos clientes, abrangentes, como o Peixoto e Cury no Brasil, que tem 65 anos, mostrando que não vai deixar o mercado em breve, e já criou reputação. Eles foram bem na nossa classificação.
ConJur — Como vocês classificam as bancas?
David Poisson — Há os índices criados a partir de grupos específicos do mercado, conselhos corporativos, câmaras de comércio e arbitragem e publicações. Há também avaliações feitas por escritórios do grupo, que relatam suas experiências ao trabalhar com os escritórios de outros países. Minha responsabilidade no grupo é aumentar o tamanho dessa rede, que hoje engloba mais de 80 países e 150 escritórios.
ConJur — Vocês pensam em aumentar a rede indo sempre para novos países ou estão também à busca de novos parceiros nos países em que já atuam?
David Poisson — Ambas as formas. Buscamos atrair novas firmas em locais onde não estamos representados, buscando sempre as tendências do mercado, que áreas apresentam novas oportunidades de negócios. Falamos também com nossos clientes, perguntando do que eles estão precisando.
ConJur — E quais são os novos bons mercados?
David Poisson — O Brasil! A capa da [revista especializada] American Lawyer desse mês diz o seguinte: “Brasil, o Mercado legal mais quente do mundo”, com uma linda foto do Rio de Janeiro. Esse país vai sediar os dois maiores eventos esportivos do mundo nos próximos dois anos. Isso significa que ele está em processo de reerguer sua infraestrutura, muito trabalho e muitos empregos, ascensão da classe C e muitas oportunidades de negócios. As pessoas estão se perguntando como entrar no mercado brasileiro, entender as leis daqui. E em quem eu posso confiar para ser meu conselheiro e advogado? Não se pergunta se ele sabe da lei, mas se ele entende do modelo de negócio que se pretende fazer, das possíveis consequências de cada movimento no mercado.
ConJur — Além da América Latina, que bons mercados o senhor vê para a advocacia?
David Poisson — A América Latina é uma certeza. A China é outra. Os Brics são os óbvios, mas eu diria que o próximo mercado emergente para advogados está na África. Mas a questão legal precisa ainda se firmar por lá. Nós vamos ter na SCG um escritório da Nigéria e um da África do Sul. São ricos em energia, com algumas instituições já bem sólidas em uma mão e outras bem retrógradas em outra. O continente tem os problemas dos mercados emergentes recentes: pobreza, doenças, corrupção. Mas ao mesmo tempo, os recursos naturais estão ainda pouco explorados. Os russos estão indo para lá, os chineses também, mas infelizmente parece que ninguém está indo de forma muito estruturada.Essa estruturação é o caminho para os profissionais da lei. Os escritórios ainda são pequenos, com pouca tecnologia e estrutura. Assim como o potencial é enorme, os desafios também são.
ConJur — Quantos escritórios da África fazem parte da SCG atualmente?
David Poisson — Nós temos seis. Quando você olha para onde as grandes bancas estão indo, vê que Norton Rose Fulbright, Baker & McKenzie, Freshfields, Linklaters e DLA Piper estão rumando para Joanesburgo. Estavam indo para a Ásia, mas a China tem tomado conta do mercado.
ConJur — Quais os principais assuntos que tem sido discutidos entre os escritórios da SCG? Foreign Corruption Practices Act (FCPA) — ou Lei de Anticorrupção no Exterior, em tradução livre?
David Poisson — Nós discutimos questões sobre o FCPA, sobre o UK Bribery Act — versão britânica da lei — e problemas relacionados a regulação e compliance em empresas. Muitos advogados têm falado sobre privacidade, como a tecnologia tem afetado esse direito. Isso tem atingido diversos advogados de diferentes áreas do Direito.Na área de saúde, por exemplo é preciso controlar o acesso às informações sobre o estado de saúde das pessoas. O que é a privacidade em termos de mercado de trabalho? Até onde o patrão tem direito a saber sobre o seu empregado? O chefe pode investigar o que seu funcionário faz depois do expediente? Isso pode influenciar em uma promoção? A tecnologia tem borrado esses limites. Outro dia enviei um e-mail para minha mulher falando que tinha deixado as raquetes de tênis no conserto e, no dia seguinte, havia anúncios de raquete de tênis no meu e-mail. Vi que a política de privacidade do Google permite que ele faça essa busca e te ofereça produtos relacionados. Eles não estão hackeando, eles têm a tecnologia para fazer isso automaticamente. Este pequeno aparelho [pega o telefone celular] mostra para o mundo inteiro onde eu estou, ele tem um GPS embutido, diz meu exato lugar no mapa. Essas facilidades certamente estão influenciando a formação de jurisprudência no mundo inteiro sobre privacidade. Em Washington há uma forte discussão sobre a instalação de câmeras de segurança por todo o país, com a falta de recursos para policiar as ruas. Em Londres fizeram isso. Tudo sobre seu comportamento pessoal, provavelmente, será conhecido em um futuro próximo. Essa discussão foi travada há pouco em uma teleconferência com advogados da Nova Zelândia, Inglaterra, Austrália, Alemanha, França, todos preocupados com a privacidade.Temos nos organizado para lutar contra a invasão de privacidade.
ConJur — Bancas estrangeiras são proibidas de atuar no Brasil. Então esse bom mercado para a advocacia não pode ser aproveitado por advogados brasileiros. As parcerias são formas de os estrangeiros se aproveitarem disso também?
David Poisson — Se você é um advogado esperto, vai querer orientar seu cliente sobre como entrar em um novo mercado. Isso significa que, neste processo, você vai precisr de auxílio de um advogado brasileiro. Seria presunçoso pensar que só porque terá muito dinheiro no mercado brasileiro, vai ser possível chegar aqui e começar a atuar para tirar proveito disso. O contrário também vale. Um advogado brasileiro não pode querer abrir um negócio em Nova York sem auxílio de uma banca americana. Nos EUA, tem uma ordem dos advogados em cada um dos 50 estados. Eu sou licenciado para atuar na Virgínia e Columbia. Para atuar em outros estados, eu preciso me associar com algum advogado daquela jurisdição.
ConJur — Esse bloqueio da OAB a estrangeiros é um problema?
David Poisson — Não vejo como um problema. Algumas firmas podem estar tentando vir para o Brasil sem se alinhar com escritórios daqui, abrindo bancas que são seus braços no país, tentando recrutar advogados brasileiros ou mesmo trazendo americanos para buscar negócios nessa economia em crescimento. E acho que todas elas vão mesmo falir. O cliente quer alguém que fale a língua daquele país, que entenda as relações institucionais e pessoas.
ConJur — É esse o enfoque da SCG?
David Poisson — Com certeza. Nós somos um coletivo de escritórios que busca oferecer isso nos 24, quase 25, anos em que existimos. Nós temos focado todos os nossos esforços em desenvolver negócios para nossos potenciais clientes. Esse é meu principal papel quando não estou organizando reuniões de membros.
ConJur — Apenas escritórios full service podem ser parte do grupo?
David Poisson — Sim. Nós não temos boutiques. Os clientes não precisam ter a necessidade de usar todos os serviços da banca, mas o escritório deve oferecer todas as possibiliddes para manter os negócios de seus clientes. Nos Estados Unidos, muito do trabalho das nossas bancas é fazer lobby. É possível que isso aumente também em outros países.
ConJur — No Brasil essa questão é polêmica, pois há o lobby, mas não há regulamentação e ele é criminalizado. O senhor está a par disso?
David Poisson — Não estou familiarizado com isso no Brasil. Mas fora dos EUA temos a experiência de alguns escritórios terem reservas a fazer lobby. Ouvimos o discursos afirmando que fazer lobby é colocar interesses privados sobre o público, mas o mesmo pode se dizer de defender um réu em processo criminal... Pessoalmente acredito que é tudo advocacia, defender os interesses de seu cliente. O juiz é que julga quem está certo ou errado.
ConJur — Tem aumentado a necessidade de clientes por lobby?
David Poisson — Em nosso grupo, sempre foi grande, pois começamos com ex-ocupantes de cargos públicos, muito confortáveis com a ideia de continuar a influenciar a política. É uma parcela significativa da demanda aos escritórios nos EUA. No resto do mundo ainda não é grande, mas tende a aumentar. O Brasil poderia ser um catalizador desse movimento na América Latina.
ConJur — A OAB colocou um freio na criação de faculdades de Direito. Temos cerca de 60 mil advogados chegando ao mercado por semestre. Apenas 10% ou 15% passam no Exame de Ordem e podem advogar. Os que não passam têm um espaço incerto no mercado de trabalho. Há experiências semelhantes no resto do mundo?
David Poisson — Nós temos um problema semelhante, exceto que lá mais pessoas passam no exame, mas ainda assim não encontram lugar no mercado de trabalho. Há muito mais advogados do que trabalho na área legal. Então as faculdades de Direito estão fechando. Este ano teremos a menor formação de bachareis da história recente dos EUA. Estamos produzindo tantos advogados que não há outra saída.
ConJur — Temos nos deparado com a aposentadoria dos baby boomers [nascideos entre 1946 e 1964] e a chegada da geração Y [nascidos de 1978 a 200] nas bancas. Como os escritórios estão se adaptando para mudar para a mão desses jovens — conhecidos por terem pressa e sede de poder — sem mudarem sua história e sua forma de atuação?
David Poisson — É um grande desafio, talvez o maior da classe. Eu me formei em Direito há 35 anos e não havia qualquer dúvida sobre como seria o meu trabalho. Os jovens da geração Y dizem que advogar é o que eles fazem para viver, mas não define quem são eles. Eles não são o trabalho, eles fazem aquilo enquanto os satisfaz.
ConJur — São pessoas criadas para serem felizes.
David Poisson — Exato. Os baby boomers falaram “eu quero que meu filho tenha o que eu não tive”. E saímos dizendo que não queríamos que eles só trabalhassem, como nós. Tanto os boomers quanto a geração Y terão de aprender algo sobre o papel do advogado na sociedade, que agora tem muitos diferentes caminhos. Esses caminhos vão ser ampliados certamente no mercado emergente da América Latina.
ConJur — No Brasil há uma polêmica envolvendo o processo eletrônico. Advogados reclamam de ter havido pouca discussão sobre o tema antes de a tecnologia ser implantada nos tribunais. Isso tem sido um problema em outras partes do mundo?
David Poisson — Eu digo que em 10 anos toda essa discussão vai morrer, pois os caras como eu vão se aposentar e morrer e só os que hoje são jovens vão advogar. Quando saí da faculdade não imaginei que fosse mandar petições pelo meu computador, mas hoje fazem isso dos celulares. As gerações mais novas veem a tecnologia como ferramenta, a minha ainda sente a necessidade de estudar e entender as tecnologias antes de tirar proveito dela. Os juízes ainda preferem ler em papel. O desafio para o mercado da advocacia é analisar o que a tecnologia está fazendo no nosso modelo de negócios. Quando eu comecei, um cliente chegava com uma dúvida e eu diria “deixa eu pesquisar a resposta para você”. Eu faria um levantamento que poderia levar alguns dias para responder. Aí eu cobraria pelas horas que levei com a pesquisa. Agora, com a mesma pergunta, o cliente já pesquisou na internet uma resposta e espera que você já tenha essa ou outra na ponta da língua. Com isso, ele vai tomar uma decisão de entrar na Justiça ou não e vai te pagar para representá-lo nela. Eles não pagam pela pergunta que fazem, mas pelas tarefas que te delegam. Os nossos gastos, porém, continuam os mesmos — ou um pouco mais altos.
ConJur — Qual o papel da Ordem dos Advogados nesses desafios que as bancas enfrentam com a mudança?
David Poisson — Eu queria que houvesse uma defesa mais agressiva da classe que elas representam. Eles deveriam estar preocupados com a produção de melhores e mais qualificados advogados. Nos EUA, a taxa de aprovação no Exame de Ordem é de 60% ou até 70%, alguns estados nem pedem exame para quem se formou em faculdade local. Falta uniformidade. As pessoas deveriam esperar que ser um advogado competente no Texas fosse o mesmo que ser um advogado competente no estado de Nova York. Há outras falhas, mas que podemos suprir em outras organizações, como a educação continuada dos advogados. Nós fazemos isso na SCG, vendo com os membros sobre o que eles querem falar e trazendo especialistas para discutir.
ConJur — Então outros grupos estão preenchendo os buracos deixados pelas ordens?
David Poisson — As ordens dizem que o operador do Direito tem que cumprir um certo número de horas de educação continuada depois de se formar na faculdade. Nós organizamos seminaries e eventos com pessoas importantes do mundo inteiro, mas precisamos entregar certificados, dizendo que a pessoa entrou tal hora e saiu tal hora para que isso conte para a ordem. Mas se você está em casa, liga seu computador e deixa ele passando um seminário online sobre um tópico do Direito, você vai ter isso também creditado pela entidade, mesmo que você vá para outro lugar enquanto passa o seminário, ou que fique assistindo TV enquanto ele passa no seu computador. Esse tipo de regra desencoraja que as pessoas se engajem mais ativamente na educação continuada. Temos situações estranhas em alguns estados que, por exemplo, não contam a atividade como crédito se comida for servida nos intervalos. As regras rígidas demais acabam criando distorções. O advogado que está atuante, trabalhando nos tribunais, salvando o dinheiro dos clientes, não tem reconhecimento se não fizer um número de horas de aula específicas. Outras coisas deveriam contar para isso, além da educação continuada, como serviços à comunidade, casos em que atuou, eventos nos quais foi palestrante, publicações...
Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 1º de setembro de 2013
O novo Código de Processo Civil barra acesso à Justiça
Dos
mais de mil artigos que compõem o projeto de reforma do Código de
Processo Civil, em tramitação no Congresso Nacional, chamou a atenção da
Federação do Comércio, Bens e Serviços de São Paulo (Fecomércio-SP) o
que limita as possibilidades de interposição da Agravo de Instrumento.
Em relatório
enviado ao relator da reforma, deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP),
o Conselho Superior de Direito da Fecomécio-SP apontou a matéria como
“uma das mais graves” do projeto, por "ofender o direito constitucional
do acesso à Justiça".
O relatório foi elaborado por especialistas em Processo Civil convidados pelo professor Ives Gandra da Silva Martins (foto), presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomércio. O estudo foi coordenado pelo advogado Milton Paulo de Carvalho e foi a última análise enviada a Paulo Teixeira antes de ele levar ao Plenário da Câmara seu relatório final, o que aconteceu nesta terça-feira (27/8). O Projeto de Lei 8.046/2010 foi apensado a outros que tratam do mesmo assunto na Câmara e aguarda aprovação em Plenário.
O problema encontrado pelos especialistas está no artigo 969 do projeto de reforma, que define o Agravo de Instrumento, recurso que cabe contra decisões judiciais interlocutórias, como liminares. O dispositivo do projeto de reforma diz que "cabe Agravo de Instrumento contra as decisões interlocutórias que versem sobre (...) tutelas de urgência ou da evidência; o mérito da causa; rejeição da alegação de convenção de arbitragem; o incidente de resolução de desconsideração da personalidade jurídica; a gratuidade da Justiça; a exibição ou posse de documento ou coisa; exclusão de litisconsorte por ilegitimidade; a limitação de litisconsórcio; a admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; e outros casos expressamente referidos em lei".
A reclamação é que essa lista, da forma como o caput do artigo está redigido, será exaustiva. Isso quer dizer que as hipóteses de interposição de Agravo de Instrumento são as elencadas e não cabe argumentação ou interpretação para além do que diz a lei. E de acordo com o relatório da Fecomércio, “isso significa também que outro direito constitucional, o do acesso à Justiça (artigo 5º, inciso XXXV), não pode ser exercido se a parte não estiver em juízo alegando e postulando com liberdade”.
O documento afirma que o projeto pode submeter o jurisdicionado a ilegalidades sobre as quais não pode reclamar. “Manietado e amordaçado por decisões irrecorríveis que venham a desviar o curso regular do processo, o litigante estará privado do último remédio que lhe oferece o Estado de Direito, o ingresso na Justiça.”
A sugestão dada pelo relatório é que seja mantida a forma como o Agravo de Instrumento é descrito pelo artigo 522 do CPC em vigor: “Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento”.
O professor Ives Gandra é menos radical. Ele sugere que seja adicionado um advérbio no artigo do novo CPC para transformar a lista em indicativa, e não exaustiva. Acrescentar “especialmente” antes da relação, segundo ele, resolveria. “Não me parece ter sido a intenção do deputado Paulo Teixeira suprimir uma possibilidade de recurso. Nossa sugestão, então, é que a lista seja indicativa, para que não se ponha um limite a um instrumento fundamental no Direito Processual.”
Ives Gandra conta que a discussão lembra outra que aconteceu durante a Assembleia Constituinte, quando se elaborava o capítulo sobre o Sistema Tributário Nacional. A ideia que deu origem ao atual inciso III do artigo 146 da Constituição dizia que “cabe à lei complementar estabelecer normais gerais em matéria de legislação tributária sobre:”, e listava os temas. Ives Gandra recorda que foi ao então deputado federal Francisco Dornelles — hoje senador pelo PP —, e alertou: “Se isso passar assim, todo o Código Tributário Nacional [de 1966] será anulado”. E sugeriu que fosse acrescentado um advérbio, o “especialmente”. O inciso, então, ficou com a seguinte redação: “Cabe à lei complementar estabelecer normais gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:”. E a discussão terminou.
Clique aqui para ler o relatório.
O relatório foi elaborado por especialistas em Processo Civil convidados pelo professor Ives Gandra da Silva Martins (foto), presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomércio. O estudo foi coordenado pelo advogado Milton Paulo de Carvalho e foi a última análise enviada a Paulo Teixeira antes de ele levar ao Plenário da Câmara seu relatório final, o que aconteceu nesta terça-feira (27/8). O Projeto de Lei 8.046/2010 foi apensado a outros que tratam do mesmo assunto na Câmara e aguarda aprovação em Plenário.
O problema encontrado pelos especialistas está no artigo 969 do projeto de reforma, que define o Agravo de Instrumento, recurso que cabe contra decisões judiciais interlocutórias, como liminares. O dispositivo do projeto de reforma diz que "cabe Agravo de Instrumento contra as decisões interlocutórias que versem sobre (...) tutelas de urgência ou da evidência; o mérito da causa; rejeição da alegação de convenção de arbitragem; o incidente de resolução de desconsideração da personalidade jurídica; a gratuidade da Justiça; a exibição ou posse de documento ou coisa; exclusão de litisconsorte por ilegitimidade; a limitação de litisconsórcio; a admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; e outros casos expressamente referidos em lei".
A reclamação é que essa lista, da forma como o caput do artigo está redigido, será exaustiva. Isso quer dizer que as hipóteses de interposição de Agravo de Instrumento são as elencadas e não cabe argumentação ou interpretação para além do que diz a lei. E de acordo com o relatório da Fecomércio, “isso significa também que outro direito constitucional, o do acesso à Justiça (artigo 5º, inciso XXXV), não pode ser exercido se a parte não estiver em juízo alegando e postulando com liberdade”.
O documento afirma que o projeto pode submeter o jurisdicionado a ilegalidades sobre as quais não pode reclamar. “Manietado e amordaçado por decisões irrecorríveis que venham a desviar o curso regular do processo, o litigante estará privado do último remédio que lhe oferece o Estado de Direito, o ingresso na Justiça.”
A sugestão dada pelo relatório é que seja mantida a forma como o Agravo de Instrumento é descrito pelo artigo 522 do CPC em vigor: “Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento”.
O professor Ives Gandra é menos radical. Ele sugere que seja adicionado um advérbio no artigo do novo CPC para transformar a lista em indicativa, e não exaustiva. Acrescentar “especialmente” antes da relação, segundo ele, resolveria. “Não me parece ter sido a intenção do deputado Paulo Teixeira suprimir uma possibilidade de recurso. Nossa sugestão, então, é que a lista seja indicativa, para que não se ponha um limite a um instrumento fundamental no Direito Processual.”
Ives Gandra conta que a discussão lembra outra que aconteceu durante a Assembleia Constituinte, quando se elaborava o capítulo sobre o Sistema Tributário Nacional. A ideia que deu origem ao atual inciso III do artigo 146 da Constituição dizia que “cabe à lei complementar estabelecer normais gerais em matéria de legislação tributária sobre:”, e listava os temas. Ives Gandra recorda que foi ao então deputado federal Francisco Dornelles — hoje senador pelo PP —, e alertou: “Se isso passar assim, todo o Código Tributário Nacional [de 1966] será anulado”. E sugeriu que fosse acrescentado um advérbio, o “especialmente”. O inciso, então, ficou com a seguinte redação: “Cabe à lei complementar estabelecer normais gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:”. E a discussão terminou.
Clique aqui para ler o relatório.
Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 1º de setembro de 2013
sexta-feira, 30 de agosto de 2013
Segunda Seção decide em repetitivo pela legalidade da pactuação da TAC e TEC até 2008
A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou na última quarta-feira (28) as teses que devem orientar as instâncias ordinárias da Justiça brasileira no que se refere à cobrança da tarifa de abertura de crédito (TAC), tarifa de emissão de carnê ou boleto (TEC) e tarifa de cadastro, e também ao financiamento do Imposto sobre Operações Financeiras e de Crédito (IOF).
A unanimidade dos ministros seguiu o voto da relatora, ministra Isabel Gallotti, no sentido de que atualmente a pactuação de TAC e TEC não tem mais respaldo legal; porém a cobrança é permitida se baseada em contratos celebrados até 30 de abril de 2008.
De acordo com os ministros, a cobrança de tarifas é legal desde que elas sejam pactuadas em contrato e estejam em consonância com a regulamentação das autoridades monetárias. Os ministros Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino, embora acompanhando o voto da relatora, ressalvaram seu ponto de vista.
A Seção julgou dois recursos repetitivos, interpostos pelo Banco Volkswagen S/A e Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S/A. A decisão deve orientar a solução de milhares de recursos que tratam do mesmo tema e ficaram sobrestados nos tribunais de segunda instância, à espera da posição do STJ.
Em 23 de maio deste ano, a ministra Isabel Gallotti, relatora dos recursos no STJ, determinou a suspensão de todos os processos relativos a TAC e TEC que tramitavam na Justiça Federal e estadual, nos juizados especiais civis e nas turmas recursais. A medida afetou cerca de 285 mil ações em todo o país, em que se discutem valores estimados em R$ 533 milhões.
Teses fixadas
Com o julgamento dos recursos repetitivos, o trâmite dos processos deve prosseguir nas instâncias ordinárias, segundo os parâmetros oferecidos pelo STJ.
A Segunda Seção definiu que os efeitos do julgamento no rito dos repetitivos alcançariam apenas as questões relacionadas às tarifas TAC e TEC, com quaisquer outras denominações adotadas pelo mercado, tarifa de cadastro e a questão do financiamento do IOF. Matérias relativas aos valores cobrados para ressarcir serviços de terceiros e tarifas por outros tipos de serviços não foram analisadas no âmbito de repetitivo.
A Seção aprovou à unanimidade as três teses que devem servir de parâmetro para análise dos processos paralisados, conforme o voto da ministra Gallotti.
A primeira tese é que “nos contratos bancários celebrados até 30 de abril de 2008 (fim da vigência da Resolução CMN 2.303/96), era válida a pactuação dessas tarifas, inclusive as que tiverem outras denominações para o mesmo fato gerador, ressalvado o exame da abusividade em cada caso concreto”.
A segunda tese estabelece que, “com a vigência da Resolução 3.518/07, em 30 de abril de 2008, a cobrança por serviços bancários prioritários para pessoas físicas ficou limitada às hipóteses taxativamente previstas em norma padronizada expedida pela autoridade monetária”.
“Desde então”, acrescentou a ministra relatora, “não tem mais respaldo legal a contratação da TEC e TAC, ou outra denominação para o mesmo fato gerador. Permanece válida a tarifa de cadastro expressamente tipificada em ato normativo padronizador da autoridade monetária, a qual somente pode ser cobrada no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira”.
A terceira tese fixada pela Seção diz que “as partes podem convencionar o pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras e de Crédito (IOF) por meio de financiamento acessório ao mútuo principal, sujeitando-o aos mesmos encargos contratuais”.
Os processos
Nos processos julgados pela Seção, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) havia declarado abusiva a exigência das tarifas administrativas para concessão de crédito e a cobrança parcelada do IOF. As instituições recorreram ao STJ com o argumento de que as tarifas atendem às Resoluções 2.303 e 3.518 mediante autorização concedida pela Lei 4.595/64, estando permitida a cobrança até 30 de abril de 2008.
As instituições financeiras sustentaram que o fracionamento do IOF é opção exercida pelo mutuário, porém o recolhimento é integral, no início da operação, pelas próprias instituições, o que não constitui abuso. A operação é um tipo de mútuo oferecido ao cliente para quitação do tributo no ato do contrato. Por isso o valor é superior ao valor devido ao fisco, já que ele mesmo constitui uma espécie de operação de crédito.
Atuaram nos processos como amicus curiae o Banco Central e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban). O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) apresentou memoriais.
Abuso comprovado
Durante o julgamento, o Banco Central defendeu a legalidade das tarifas e do parcelamento do IOF. O órgão esclareceu que, na vigência da Resolução 2.303, a cobrança pela prestação de quaisquer tipos de serviços era lícita, desde que efetivamente contratados e prestados, com exceção dos serviços definidos como básicos.
A conclusão da Segunda Seção é que não havia, até então, obstáculo legal às tarifas de abertura de crédito e emissão de carnê. Essas deixaram de existir com a edição da Resolução 3.518, que permitiu apenas a cobrança das tarifas especificadas em ato normativo do Banco Central.
“Reafirmo o entendimento no sentido da legalidade das tarifas bancárias, desde que pactuadas de forma clara no contrato e obedecida a regulamentação expedida pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central, ressalvado abuso devidamente comprovado, caso a caso, em comparação com os preços cobrados no mercado”, concluiu Gallotti.
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