sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Juiz não é gestor nem gerente. Ele deve julgar. E bem!

Um pouco de história
Como pensávamos antes de 1988? O que mudou no imaginário dos juristas desde então? Esta é uma pergunta que os alunos costumam fazer. Veja-se que, por exemplo, promulgada a nova Constituição em 1988, a composição do Supremo Tribunal Federal continuou a mesma. Repetimos o que já havíamos feito na Constituição de 1824, recepcionando os conselheiros da Casa de Suplicação. E repetimos o que fizemos em 1891, quando, já na República, sob a égide da nova Constituição constituímos o Supremo Tribunal com os antigos conselheiros do velho Superior Tribunal de Justiça. Com isso, tornaram-se ministros do STF republicano dois “nobres”, com título e tudo.
Na verdade, nunca tivemos grandes rupturas. Acostumamo-nos a ver o novo com os olhos do velho. Imaginemos os velhos conselheiros, novéis ministros do STF da República, julgando inconstitucionalidades, coisa que não existia no Império. Pouco pode nos surpreender, quando falamos em “questões paradigmáticas”.
Antes da CF 88, a não democracia. A ditadura. O regime autoritário. A luta do jurista crítico era contra essa estrutura jurídica “que aí estava”. Se ele não fosse para a política (ou para outro tipo de luta), tinha que lutar dentro da institucionalidade. Ou seja, nas brechas da institucionalidade, o jurista “de oposição” (não partidária, mas de oposição ao autoritarismo) tinha que se desdobrar para levar adiante e ter êxito nos seus pleitos (habeas corpus, mandados de segurança etc.). Correntes críticas de várias tendências se formaram. O realismo jurídico deu azo às posturas ditas alternativas. Um certo marxismo concebeu o “direito achado na rua”. As correntes linguísticas buscavam nas brechas do texto legal, repleto de vaguezas e ambiguidades, o direito de seus clientes. Outras posturas, sem maior filiação epistêmica, faziam do axiologismo um modo de ultrapassar as barreiras ônticas da estrutura autoritária do sistema implantado pelo regime militar. Veja-se, por exemplo, a importância (até) de um positivista-axiologista como Recasens Siches, para mostrar as insuficiências do positivismo formal(ista). No fundo, qualquer um que se colocasse contra o formalismo legal era considerado aliado, desde que, teleologicamente, suas posições fossem contra o establishment.
E chegamos à democracia
E assim conquistou-se a democracia. E construímos a Constituição, que albergou a expressiva maioria de nossos pleitos. Na dúvida, emplacamos tudo no texto da Constituição. Afinal, se nem a lei se respeitava, quem sabe o novo regime pós/88 respeitaria o texto da Constituição? Veja-se que, já então, apostava-se em uma nova textualidade. Claro que não uma textualidade exegética, e, sim, uma nova, daquelas que fizeram com que, na Europa, os juristas progressistas que se forjaram no direito pós-bélico (pós 1945) passassem a apostar em um certo objetivismo do texto constitucional, aquilo que Elias Diaz chamará, depois, de “legalidade constitucional”.
Passados 25 anos, como estamos? Continuamos com o velho Código Penal, que tantas vítimas já fez e vem fazendo. Sim, esse mesmo CP que privilegia a propriedade em detrimento da vida e que pune com mais rigor os crimes interindividuais do que os crimes metaindividuais. O velho CPC, que sempre apostou no protagonismo judicial (ah, o dano causado pelo instrumentalismo processual!), depois de todo o estrago já causado, agora será substituído por um novo código, repristinando os velhos defeitos, com a agravante de querer a duras penas “commonlizar” nosso sistema — tido ainda como da família romano-germânica. O novo texto não conseguiu se livrar, por exemplo, do livre convencimento e dos embargos declaratórios, só para falar desses dois sintomas do “problema paradigmático” que aflige nosso direito. Já o velho Código de Processo Penal não tem jeito mesmo. Nos últimos tempos, a grande inovação (positiva) não vem sendo cumprida pelo Judiciário. Ou seja, o artigo 212, ao institucionalizar o sistema acusatório, acabou letra morta, com os juízes continuando a produzir prova, como no tempo de Abrantes. O projeto do novo CPP? Repete os mesmo erros do velho, como se o tempo não tivesse passado... Nem vou falar do Código Civil, paraíso das cláusulas abertas, espaço privilegiado da discricionariedade. Nem vou falar do Código do Consumidor, que “colocou” o call center dentro do Poder Judiciário (palavras do ministro Luis Salomão, do STJ). E o Direito Tributário? Virou o paraíso das invenções hermenêuticas. Tem até “ponderação de regras”, postulados, “normas-regras” (o que seria isso?), para dizer o mínimo.
A ressaca teorética
Isso tudo porque, promulgada a Constituição, passamos por uma ressaca. Ainda inseridos no antigo imaginário (formalismo versus “qualquer postura apta a derrotar esse inimigo comum), demoramos a perceber a necessidade de uma (nova) teoria das fontes, uma (nova) teoria da norma, uma nova teoria que desse conta da interpretação da Constituição e, finalmente, uma teoria da decisão, para impedir que, nesse novo patamar, passássemos a decidir de qualquer modo, ainda com o olho nos velhos dilemas.
Nesse contexto, importamos, de forma equivocada (porque descontextualizada), a jurisprudência dos valores, a teoria da argumentação jurídica (cuja vulgata possibilitou o uso indiscriminado da ponderação, essa doença contemporânea da interpretação) e o ativismo judicial de origem norte-americana (como se os ativismos de lá fossem “sentimentos constitucionais” e não meramente contingenciais em face das composições da US Supreme Court).
Resultado disso: uma aplicação do direito fragmentada, dando vazão aos “sentimentos pessoais” de cada julgador. No STF, não é difícil perceber isso, a partir da tese, repetida ad nauseam, de que “o juiz primeiro decide e depois busca o fundamento” ou que “a interpretação da lei é um ato de vontade”, como se isso fosse uma novidade e não fosse algo dito por Kelsen em contexto totalmente diferente (com efeitos colaterais desastrosos!).
Claro que o establishment deu uma resposta darwiniana a esse estado de natureza interpretativo, em que uma portaria ainda vale mais do que a Constituição e em que não é difícil ver decisões que, em um dia, negam a insignificância em R$ 80 e, dias depois, a deferem em valores superiores a R$ 1 mil. E qual foi ou tem sido a resposta? Súmulas vinculantes, repercussão geral, recursos repetitivos, “commonlização” do sistema e criação sistemática de mecanismos conhecidos como “jurisprudência defensiva”, como alertado recentemente por José Miguel Garcia Medina aqui mesmo na ConJur (clique aqui para ler), para evitar que a malta leve seus pleitos aos Tribunais Superiores.
A crise da Justiça é questão de “gestão”? Não! Juiz não é gestor!
Esse terreno é fértil para o surgimento de soluções no plano das neoteorias jurídicas, como por exemplo, apostar na “indústria” das efetividades quantitativas. Tudo para que se julgue teses e não mais causas. Tudo para que se julgue por atacado. Eis o campo para o florescimento das teorias da “gestão”. Solução mágica que “vende muito por aí”. Sim, a solução é a gestão dos processos. Há problemas na aplicação do Direito? Bingo: venha estudar gestão em pós-graduação. Tem agora até MBA. “Juiz deve ser gestor”, como tenho lido em muitos textos e folders propagandeando novos cursos de especialização e mestrados profissionalizantes.
Nesse sentido, li na Folha de S.Paulo do último dia 3 de agosto, que juízes devem investir em gestão para agilizar processos. O ilustre professor Pablo Cerdeira, da FGV, considera que a saída para o problema da morosidade da Justiça é os juízes aprenderem “gestão”. Como ninguém tinha pensado nisso antes? Para que estudar Teoria do Direito, saber jurisdição constitucional, a diferença entre regras e princípios, se a saída está em saber gerenciar os processos? Claro que as neoteorias que apostam na gestão não se restringem à “questão da agilização”. Na verdade, a onda é colocar a gestão para além disso, ou seja, a aposta na gestão vem assumindo um caráter substancial. E nisso mora o perigo. O meio se transforma em fim...
E isso “pega”. O CNJ gosta dessas coisas. E estipula metas. Tudo vira estatística. Ouvi falar que um juiz estadual precisa preencher todo mês nada menos que 13 relatórios! E os cursos de pós-graduação em gestão aproveitam para vender seu peixe. Ao invés de estudar Konrad Hesse e Gadamer, estudemos formas de fazer o processo ir de estagiário a estagiário, passando por um gerenciamento por temas. E como já há decisões padronizadas, basta que se gerencie esse modelo aplicativo. Por exemplo, como diz o professor Cerdeira, protagonista da matéria, na medida em que o TJ do Amazonas não alcançou as metas do CNJ, isso foi assim porque não adotou processos integralmente digitais. Pronto. Eis a solução para o Amazonas. E para todo o Brasil. Somando processos totalmente digitais com gestão, teremos o nirvana processual. Nas Faculdades, nem precisaremos mais estudar processos civil ou penal. Direitos fundamentais, nem falar... O lema é: “Não precisamos mais de um bom juiz: precisamos de um bom gestor”. Promotor de Justiça, defensor, procurador? Para quê? Basta um bom “juiz gestor”! E se ele tiver pós-graduação em gestão, melhor ainda. Estará treinado.
O que quero dizer é que não estou dispensando ou menosprezando a importância de que alguém faça uma otimização dos modos como se distribuem tarefas em um determinado gabinete. Ninguém pode trabalhar de forma desorganizada. Não sou ingênuo para não reconhecer a utilidade das novas tecnologias. Mas colocar esses instrumentos como um fim é, exatamente, deslocar a discussão da qualidade para a quantidade.
De há muito perdemos o sentido do que seja “uma decisão jurídica adequada”. E já vejo dissertações de mestrado e até teses de doutorado encantadas com esse deslocamento. No fundo, mal sabem os adeptos dessas neoteorias que esses modelos são meramente procedimentais. Kelsen era melhor que eles. A ele não importava a qualidade da decisões. Aliás, para ele juízes não faziam ciência. Faziam política jurídica. Então, para Kelsen — que ninguém mais estuda, porque o melhor é, pós-modernamente (sem que saiba o que é essa palavra), estudar coisas como “gestão” — não importa o acerto ou o erro ou o “justo ou o injusto”.[1] Cada juiz, em Kelsen, produz uma norma individual. Que vale, porque ele está autorizado para isso. E se o sistema não corrigir, vale até mesmo a sentença mais absurda. Qual é a diferença dessa cisão kelseniana (entre direito e ciência do direito) com a total procedimentalização das decisões judiciais?
Aliás, essa questão da ênfase na gestão assume ares de dramaticidade, se colocarmos a discussão face aos recentes problemas do Exame de Ordem da OAB. Pergunto: Como ficaria a tese da gestão aplicada à falta de qualidade das questões do Exame de Ordem? Ou a tese da gestão não se aplica ao “sistema” de elaboração das perguntas feitas à malta que quer ser advogado? Pergunto isso porque a mesma instituição que aplica o Exame de Ordem é a instituição que mais aposta na “questão da gestão”, como se pode ver na matéria assinada pelo professor Cerdeira.
Fico pensando na Medicina. O aluno, em vez de fazer uma tese sobre as complexidades de uma operação cardíaca, é instado pelo seu professor-orientador a fazer uma coisa mais gerencial, ou seja, escrever sobre o bisturi e sua eficácia (ou sobre a entrada e saída de pacientes da UTI). Capítulo primeiro, a história do aço; capítulo segundo, a sua invenção; capítulo terceiro, sua função; capítulo final (conclusão genial): “sem bisturi não dá para operar”. Bingo!
A crise do (e no) Direito decorre de falta de gestão ou falta de reflexão?
Em conversas com magistrados por todo o Brasil, os mais atentos já perceberam que esse discurso de juiz gestor é para anestesiá-los, para desfocar o real problema: a concentração de recursos nas cúpulas e o abandono, em especial, da Justiça de primeira instância. Na verdade, a Reforma do Judiciário só ajeitou o reboco do edifício. Não mexeu nas estruturas. E sem essa mexida não haverá resultados significativos. Transformar o juiz em gerente de entreposto judiciário, sem enfrentar a questão hermenêutica, é engodo. Serve para o exercício da vontade de poder das cúpulas e em benefício do estamento sempre próximo.
Não sei se tenho paciência para continuar a discutir “coisas republicanas”. Sinceramente, não sei. A cada semana, novas denúncias de uso de aviões, passagens etc. Até o vice-presidente da Câmara usa jatinhos do Projeto Bolsa FAB. E a desculpa: tem uma instrução normativa que autoriza (veja-se o modo como são usadas e criadas “cotas de passagens aéreas” para ministros do STJ). Ah, bom. Basta uma portaria ou uma resolução. Bingo! Feita por quem? E não há teoria das fontes? Não há controle de legalidade-constitucionalidade? Ainda é possível dizer que uma “norma” é legal, mas imoral? Para que serve o princípio da moralidade? Estamos, por acaso, na era em que direito e moral estão cindidos? Basta estar na lei que está “legal”? Então não serviu para nada a virada copernicana ocorrida no Direito após o segundo pós-guerra? Veja-se, pois, do que precisam saber nossos juízes e promotores... Estudar os grandes conceitos do direito. É disso que precisamos.
Claro: para que estudar isso? Parece que, segundo as neoteorias, melhor do que estudar a boa doutrina e aprofundar-se na reflexão jurídica é estudar a informática no Direito, novas formas de gerenciamento de processos, novas estatísticas e criar mecanismos para impedir a subida de recursos. É isso. Tudo se transforma em números: tenho um pé nas brasas e outro no gelo — na média, temperatura ideal... Por sinal, o brilhante Otavio Luiz Rodrigues Junior, na sua Coluna do dia 7 de agosto (clique aqui para ler), faz uma adequada crítica a uma espécie de neoteoria que está se proliferando no país, que ele chama de “onda da empiria”, isto é, feita por aqueles que pensam que só se pode falar do e sobre o Direito a partir de dados empírico-jurisprudenciais. No fundo, trata-se de um “gerenciamento de dados”, aproximando as teorias que apostam na gestão com aquilo que é o seu instrumento: dados numérico-estatísticos. Em meu novo Jurisdição Constitucional e Decisão Juridica (RT, 2013, páginas 290-295), mostro como determinada pesquisa sobre os julgamentos do STF pode ser lida inversamente, ou seja, com os mesmos números provo o contrário do que a autora queria demonstrar. Esse problema também invade a ciência política, que, em muitos casos, vem adotando a tática de check list para tentar demonstrar determinadas teses (ou projeções).
Da série “há algo mais nos céus do que os aviões de carreira”, poderia perguntar se seria um problema de “gestão” ou “falta de gestão” a fragilidade com que foram aplicadas, no julgamento da Ação Penal 470, teses como do domínio do fato ou “o princípio da livre apreciação da prova”? Afinal, a crise do Direito é de que ordem?
Quando um banqueiro — que dá um “cano” de mais de R$ 3 bilhões — viaja para o exterior, com autorização judicial e vai esquiar estroinando da malta, isso é um problema de gestão ou um problema de decisão (ou decisão equivocada)? Juiz deve aprender a gerenciar processos ou a julgá-los de acordo com o direito? Eis a questão! Ainda: os mais de 8 mil homicídios por ano que não são sequer investigados são um problema de gestão ou um problema de falta de estrutura, desvirtuamento de função e incompetência individual? A humilhação daquele estagiário e o consequente arquivamento do feito é um problema de gestão?
Esse é o nosso país. Não estou, por óbvio, colocando “a culpa” da crise do e no Direito em quem aposta na “gestão”. É claro que não. O que quero dizer é que não devemos crer que, no meio de um grande tiroteio que é a crise da operacionalidade do Direito, apareça alguém com uma solução de caráter procedimental e queira “acabar com a discussão”. Se gestão resolvesse, a prova da Ordem não seria desse nível. Então, por favor, não me tirem de bobo com soluções mágicas. Perguntemos por aí como anda a operacionalidade do Direito...
O que temos de fazer é estudar. Mudar os cursos jurídicos. Parar de ensinar conceito prêt-à-porterprêt-à-penser, prêt-à-parler. Chega de simplificar livros. Paremos com a ficção. O maior exemplo do fracasso disso tudo em terrae brasilis é o último exame de Ordem, em que, em um exemplo de furto, apareceu um comprador, paraguaio, terceiro de boa-fé (sic) e, em uma perseguição ininterrupta, a ladra teve tempo para esconder o carro cleptado, indo depois até a fronteira do Paraguai, para vender o carro... Nada mais precisa ser dito depois disso.
A crise em três dimensões
Uma palavra final: há muito tempo, li um texto do Diogo Figueiredo Moreira Neto, em que ele mostrava que uma crise deve ser analisada sob três âmbitos: estrutural, funcional e individual. Vamos trazer isso para o caos do trânsito. Não adianta construir rodovias ou abrir novas ruas, se não cuidarmos da função, isto é, semáforos inteligentes, passarelas, túneis etc; mas também não adianta tratarmos da estrutura e da função, se tivermos péssimos motoristas...
Isto é: não adianta abrir novos tribunais, contratar milhares de estagiários, novos computadores, se não tratarmos do problema da funcionalidade do processo. Mas, por favor, de nada adianta arrumarmos a estrutura e a função, se não tivermos bons “operadores” desse sistema. E isso, lamento dizer àqueles que apostam em “formulismos”, depende da ciência jurídica. Depende de um bom ensino jurídico. De bons concursos. De provas do exame da Ordem sem pegadinhas. Depende, pois, da reflexão. Depende da Teoria do Direito, da Constituição, do Processo... E não de “gestão”. Vamos parar com esse neodiscurso “eficientista”. Vejam até onde ele está nos levando. Juiz não é gerente. Juiz é julgador! Tem de aprender a decidir. E bem. Quem faz mapa é cartógrafo. Quem faz estatística é matemático (ou algo do gênero). Juiz tem de saber processo. Teoria. Tem de saber o que é isto: o Direito. É isso!

[1] Na verdade, para que estudar Kelsen, se ele era um positivista exegético, não? É o que se ensina por aí. Diz-se que Kelsen era um positivista porque ele queria que o direito fosse aplicado de forma pura... Não é de rir?
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 8 de agosto de 2013

AP 470 Posições de ministros substituem o Direito no mensalão

Mais uma vez, a falta de distanciamento transformou julgamento do Supremo Tribunal Federal em disputa pessoal deixando em segundo plano as normas jurídicas, a doutrina e a jurisprudência. Para impor seu projeto de condenar definitivamente os políticos em julgamento, o ministro Joaquim Barbosa acusou Lewandowski de fazer chicana e usar o recurso para “arrependimento”. Lewandowski, que mais uma vez explorou deficiências da acusação, pediu, então que Barbosa se retratasse. O presidente do STF se recusou.
Os ministros se entreolhavam envergonhados com a situação. O decano do Supremo, Celso de Mello, tentou intervir duas vezes, em vão. A discussão fez com que Barbosa encerrasse a sessão. Mas não a discussão.
Na antessala do Plenário, em que os ministros se reúnem antes de entrar para o julgamento e na hora do intervalo, ouviam-se gritos. Quem estava na sala, disse que não faltava muito para que os ministros chegassem às vias de fato. Lewandowski, então, se retirou. O estopim do bate-boca foram os embargos interpostos pelo réu Carlos Alberto Rodrigues Pinto, o Bispo Rodrigues, ex-parlamentar do PL.
Bispo Rodrigues foi condenado a seis anos e três meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no final do ano passado. Nos embargos, reclamou que em sua condenação por corrupção passiva, foi aplicada para o cálculo da pena a Lei 10.763/2003, que aumenta a punição para crimes do gênero. De acordo com ele, deveria ter sido usada a lei anterior, mais branda, já que o crime teria sido cometido em 2002.
Lewandowski iria acolher os embargos. Os ministros passaram a discutir qual o momento do crime para definir a aplicação da lei. No julgamento de mérito, a decisão de condenar Bispo Rodrigues com base na lei mais gravosa foi unânime.
Deu-se, então, a seguinte discussão:
Celso de Mello – Os argumentos são ponderáveis. Talvez pudéssemos encerrar essa sessão e retomar na quarta-feira. Poderíamos retomar a partir deste ponto específico para que o tribunal possa dar uma resposta que seja compatível com o entendimento de todos. A mim me parece que isso não retardaria o julgamento, ao contrário, permitiria um momento de reflexão por parte de todos nós. Essa é uma questão delicada.
Barbosa – Eu não acho nada ponderável. Acho que ministro Lewandowski está rediscutindo totalmente o ponto. Esta ponderação...
Lewandowski – É irrazoável? Eu não estou entendendo...
Barbosa – Vossa Excelência está querendo simplesmente reabrir uma discussão...
Lewandowski – Não, estou querendo fazer Justiça!
Barbosa – Vossa Excelência compôs um voto e agora mudou de ideia.
Lewandowski – Para que servem os embargos?
Barbosa – Não servem para isso, ministro. Para arrependimento. Não servem!
Lewandowski – Então, é melhor não julgarmos mais nada. Se não podemos rever eventuais equívocos praticados, eu sinceramente...
Barbosa – Peça vista em mesa!
Celso de Mello – Eu ponderaria ao eminente presidente, talvez conviesse encerrar trabalhos e vamos retomá-los na quarta-feira começando especificamente por esse ponto. Isso não vai retardar...
Barbosa – Já retardou. Poderíamos ter terminado esse tópico às 15 para cinco horas...
Lewandowski – Mas, presidente, estamos com pressa do quê? Nós queremos fazer Justiça.
Barbosa – Pra fazer nosso trabalho! E não chicana, ministro!
Lewandowski – Vossa Excelência está dizendo que eu estou fazendo chicana? Eu peço que Vossa Excelência se retrate imediatamente.
Barbosa – Eu não vou me retratar, ministro. Ora!
Lewandowski – Vossa Excelência tem obrigação! Como presidente da Casa, está acusando um ministro, que é um par de Vossa Excelência, de fazer chicana. Eu não admito isso!
Barbosa – Vossa Excelência votou num sentido, numa votação unânime...
Lewandowski – Eu estou trazendo um argumento apoiado em fatos, em doutrina. Eu não estou brincando. Vossa Excelência está dizendo que eu estou brincando? Eu não admito isso!
Barbosa – Faça a leitura que Vossa Excelência quiser.
Lewandowski – Vossa Excelência preside uma Casa de tradição multicentenária...
Barbosa – Que Vossa Excelência não respeita!
Lewandowski – Eu?
Barbosa – Quem não respeita é Vossa Excelência.
Lewandowski – Eu estou trazendo votos fundamentados...
Barbosa – Está encerrada a sessão!
Crime e castigo
Para Lewandowski, o que pode ser depreendido da denúncia do Ministério Público é que o crime se consumou em 2002, ocasião em que foi definido o acordo político entre PT e PL, sendo o recebimento da propina por Rodrigues o mero exaurimento da conduta criminosa. Dessa forma, conforme preconiza a jurisprudência, deve ser aplicada a pena com base na lei anterior, que é menos gravosa e, portanto, mais favorável ao réu.
O ministro Joaquim Barbosa insistiu que, ao contrário de Valdemar da Costa Neto e outros corréus, Bispo Rodrigues não participou das reuniões que alinhavaram a base governista ainda em 2002. Com exceção de Lewandowski, os outros ministros se manifestaram no sentido de concordar com o relator.
No entanto, Lewandowski insistiu que “o que importa é o que consta no acórdão”, que sugere, segundo ele, que o crime se deu no momento da negociação financeira travada antecipadamente.
“Estou recebendo uma informação da minha assessoria, que está passando um pente fino na denúncia, que há uma imputação na exordial acusatória, de que Bispo Rodrigues recebeu uma primeira parcela antes [de dezembro de 2003]. Ou seja, ele recebeu uma das parcelas anteriormente, e a doutrina e a jurisprudência entendem que um segundo, um terceiro ou um quarto [recebimento], como lhe foi imputada a continuidade delitiva, é um mero exaurimento”, disse Lewandowski.
No entanto, os demais ministros discordavam da tese de Lewandowski. Luiz Fux observou que, a despeito do recebimento da vantagem indevida ser o exaurimento do crime formal, este também é tipificado como crime de receptação, sendo, portanto, um tipo alternativo misto e, dessa forma, caracterizado como crime em si. Fux ainda citou a Súmula 711 da Corte, que indica que a lei penal mais grave se aplica em caso de crime continuado.
O raciocínio foi endossado pelo ministro Celso de Mello, para quem, no caso da acusação, o recebimento figura como “modo autônomo”, se tratando assim de condutas múltiplas. “O Ministério Público, ao delimitar tematicamente a acusação, imputou a esse réu a prática de corrupção passiva”, disse o decano. “Houve dois momentos. Um deles, em dezembro de 2003, quando já se achava em vigor a mais gravosa corrente da lei 10.763, e não imputou assim a esse réu o ato de ele haver previamente solicitado ou acolhido a vantagem indevida”, disse o ministro.
O decano do STF insistiu que o recebimento de propina por Bispo Rodrigues em dezembro de 2003 foi um acontecimento independente, não relacionado a uma negociação anterior, que teria acertado o recebimento da vantagem. “Qual é o tempo do crime? O tempo do crime é aquele em que se realizou a ação”, disse. “A denúncia imputa uma determinada atividade a esse réu embargante. Qual? O ato de haver recebido, sem que haja qualquer conotação, como prévia aceitação de promessa ou prévia solicitação de indevida vantagem. A questão é essa, bem objetiva, bem clara. Portanto, situa-se o momento temporal em que se consumou o delito. Delito de mera conduta, de simples atividade”, disse Celso de Mello.
O presidente do STF disse ainda que o revisor tentava reexaminar as provas, o que não cabia em sede de Embargos de Declaração. O ministro Fux também se manifestou no sentido de que, naquele ponto, não era possível mais reavaliar os fatos. “Tenho severas dúvidas se é possível em embargos de declaração rever um entendimento”. Ao que Lewandowski respondeu que aquele era o “momento do julgador de se redimir”, em caso de erro ou omissão.
Em seguida, a discussão saiu do eixo e os ministros passaram a bater boca em Plenário. A sessão foi encerrada sem que o caso fosse decidido.
Rafael Baliardo é repórter da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Rodrigo Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 15 de agosto de 2013

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Plataforma da USP ensina a escrever artigo científico


Plataforma da USP ensina a escrever artigo científico
06/08/13 // On-line // Universidade // Brasil
por Davi Lira

Para melhorar o nível de qualidade na elaboração de artigos científicos por pesquisadores brasileiros, a Universidade de São Paulo – líder em produção científica no país -, lançou o curso de Escrita Científica: produção de artigos de alto impacto. Formatado para a web e oferecido gratuitamente, o curso tem como objetivo auxiliar pesquisadores e estudantes de pós-graduação na elaboração de artigos de maior relevância acadêmica.

A redação de trabalhos científicos, elaborados para serem publicados em revistas de alto impacto (como a Science, Nature e a Clinics) é um dos gargalos para o crescimento da produção científica das universidades, incluindo a própria USP, afirmou o pró-reitor de pesquisa da instituição Marco Antonio Zago, em reunião recente com dirigentes da universidade. ”A técnica não é dominada amplamente, em especial pelos pesquisadores principiantes e alunos de pós-graduação”, disse Zago.
crédito Brian Jackson/Fotolia.com

É por isso que o curso on-line de escrita científica foi pensado de forma didática e intuitiva. Desenvolvido pelo professor Valtencir Zucolotto, do Instituto de Física de São Carlos, o curso é dividido em oito módulos e conta com videoaulas que explicam, passo a passo, cada uma das partes que compõem o paper (títulos, introdução, resultados, conclusões). Há um tópico especial sobre a elaboração de textos científicos em inglês.

Além das videoaulas – que podem ser consultadas a qualquer momento -, os interessados ainda contam com apostilas explicativas e materiais didáticos extras, que trazem indicações de obras de referência recomendadas por Zucolotto. Todos os materiais podem ser baixados livremente. O curso, no entanto, não disponibiliza a emissão de certificados.

Inovação

O baixo índice de repercussão internacional de parte da pesquisa produzida nacionalmente é um dos principais problemas que impactam diretamente na inovação do Brasil. No ranking do Índice Global de Inovação 2013 produzido pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual, por exemplo, o país ficou em 64ª lugar entre 142 países.

A análise de problemas na qualidade dos artigos científicos foi um dos destaque nas reuniões do último encontro realizado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Recife, no final de julho. Na ocasião, representantes de agências de fomento apontaram a necessidade de estimular a qualidade dos trabalhos publicados por cientistas brasileiros, especialmente quando os artigos são feitos em inglês.

Offline

E para quem preferir fazer um curso presencial, a Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e Relações Públicas (Abrapcorp) promove, dia 17 de agosto, das 8h30 às 17h30, o curso avançado Como elaborar artigos científicos para eventos e revistas. O curso será ministrado por Gilson Volpato, professor do Instituto de Biociências da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Botucatu.(Inscrições encerradas)

Material gratuito para download

1. Baixe um modelo padrão de artigo pré-pronto feito pela Intercom
2. Confira as normas da ABNT sobre artigos acadêmicos
3. Veja a apresentação da professora da USP Eliana Maria Garcia detalhando os tipos de artigos científicos
4. Saiba como produzir artigos para revistas científicas com a apresentação da professora da USP Aparecida Sabadini
 
 
Fonte: PorVir

INFORMATIVO JURISPRUDENCIAL DO STF Nº. 712



Informativo STF

Brasília, 24 de junho a 1º de julho de 2013 - Nº 712.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

Download deste Informativo

SUMÁRIO

Plenário
Detentor de mandato eletivo e efeitos da condenação - 1
Detentor de mandato eletivo e efeitos da condenação - 2
Detentor de mandato eletivo e efeitos da condenação - 3
Detentor de mandato eletivo e efeitos da condenação - 4
ED: extinção de punibilidade pelo pagamento integral do débito e prescrição retroativa - 8
ED: extinção de punibilidade pelo pagamento integral do débito e prescrição retroativa - 9
ED: extinção de punibilidade pelo pagamento integral do débito e prescrição retroativa - 10
ADI e criação de município
Reabertura de inquérito: notícia de nova prova - 6
Justiça militar: deserção em tempo de paz e “sursis” - 1
Justiça militar: deserção em tempo de paz e “sursis” - 2
Justiça militar: deserção em tempo de paz e “sursis” - 3
Porte de arma de magistrado e competência - 1
Porte de arma de magistrado e competência - 2
1ª Turma
ECA: fotografia de atos libidinosos e causas especiais de aumento de pena - 1
ECA: fotografia de atos libidinosos e causas especiais de aumento de pena - 2
Justiça militar: homicídio culposo e perdão judicial
Justiça militar: Lei 11.719/2008 e interrogatório
Prescrição executória e termo inicial
AI: tempestividade de RE e recesso forense
Peculato de uso e tipicidade
Receptação qualificada e constitucionalidade
2ª Turma
Princípio da insignificância e bem de concessionária de serviço público
Pensão e policial militar excluído da corporação
Repercussão Geral
Clipping do DJe
Transcrições
Manifestações em vias e logradouros públicos (Rcl 15887/MG)
Outras Informações


PLENÁRIO
Detentor de mandato eletivo e efeitos da condenação - 1
O Plenário, por maioria, não conheceu de embargos de declaração e reconheceu o imediato trânsito em julgado — independentemente da publicação do acórdão — de decisão condenatória proferida contra então ex-deputado federal, pela prática dos crimes de formação de quadrilha e peculato, em que imposta a pena de 13 anos, 4 meses e 10 dias de reclusão, além de 66 dias-multa no valor de um salário mínimo vigente à época do fato. Determinou-se o lançamento do nome do réu no rol dos culpados e a expedição imediata do mandado de prisão. Preliminarmente, por decisão majoritária, resolveu-se questão de ordem para estabelecer-se que tanto a suspensão quanto a perda do cargo seriam medidas decorrentes da condenação criminal e imediatamente exequíveis após seu trânsito em julgado, sendo irrelevante se o réu exercia ou não cargo eletivo ao tempo do julgamento. Assim, rejeitou-se a alegação da defesa de que o embargante, em razão de haver sido eleito e diplomado, novamente, deputado federal, após a condenação, teria direito às prerrogativas dos artigos 53, § 2º (“§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”); e 55, § 2º (“§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa”), ambos da CF. Esses preceitos, segundo a defesa, prevaleceriam sobre a regra do art. 15, III, da CF (“Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: ... III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos”).
AP 396 QO/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 26.6.2013. (AP-396)
AP 396 ED-ED/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 26.6.2013. (AP-396)



Detentor de mandato eletivo e efeitos da condenação - 2
Registrou-se que o réu teria sido condenado pelos crimes de peculato e quadrilha, com a determinação de que fossem suspensos seus direitos políticos, com fulcro no art. 15, III, da CF. Destacou-se que essa suspensão seria inócua se o exercício de novo mandato parlamentar impedisse a perda ou suspensão dos direitos políticos. Nesse sentido, a perda do mandato parlamentar derivaria logicamente do preceito constitucional a impor a limitação dos direitos políticos, que poderia efetivar-se com a suspensão ou perda do mandato. Ressaltou-se que, além dos casos em que a condenação criminal transitada em julgado levasse à perda do mandato — em razão de o tipo penal prever que a improbidade administrativa estaria contida no crime —, haveria hipóteses em que a pena privativa de liberdade seria superior a quatro anos, situações em que aplicável o art. 92 do CP. Portanto, a condenação também poderia gerar a perda do mandato, pois a conduta seria incompatível com o cargo. Ressalvadas essas duas hipóteses, em que a perda do mandato poderia ser decretada pelo Judiciário, observar-se-ia, nos demais casos, a reserva do Parlamento. Poderia, então, a casa legislativa interessada proceder na forma prevista no art. 55, § 2º, da CF. Reputou-se que, na linha jurisprudencial da Corte, a sanção concernente aos direitos políticos imposta a condenado por crime contra a Administração Pública bastaria para determinar a suspensão ou perda do cargo, e seria irrelevante o fato de ter sido determinada a condenação sem que o réu estivesse no exercício de mandato parlamentar, com sua posterior diplomação no cargo de deputado federal, antes do trânsito em julgado da decisão.
AP 396 QO/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 26.6.2013. (AP-396)
AP 396 ED-ED/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 26.6.2013. (AP-396)

Detentor de mandato eletivo e efeitos da condenação - 3
O Min. Teori Zavascki acrescentou que não procederia a alegação de ofensa ao art. 53, § 2º, da CF. Afirmou que o dispositivo preservaria, no que diz respeito às imunidades reconhecidas aos parlamentares federais, a regra segundo a qual, no âmbito das prisões cautelares, somente se admitiria a modalidade de prisão em flagrante, decorrente de crime inafiançável. Afirmou que nesse preceito não se compreenderia a prisão resultante de sentença condenatória transitada em julgado. Destacou que a incoercibilidade pessoal dos congressistas configuraria garantia de natureza relativa. Assim, ainda que pendente a deliberação, pela casa legislativa correspondente, sobre a perda de mandato parlamentar do condenado por sentença com trânsito em julgado (CF, art. 55, § 2º), não haveria empecilho a que o Judiciário promovesse a execução da pena privativa de liberdade imposta. No caso, aduziu a impertinência dessa questão — no que foi acompanhado pelos Ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber —, pois não se poderia atrelar a suspensão dos direitos políticos com a perda do mandato. Assentou que a manutenção ou não do mandato, nas hipóteses de condenação definitiva, deveria ser resolvida pelo Congresso. Consignou, ainda, que o regime constitucional conferido ao tema quanto ao Presidente da República também não salvaguardaria o embargante, pois mesmo o Chefe do Executivo estaria sujeito à prisão decorrente de condenação transitada em julgado. Desse modo, o fato superveniente citado não alteraria a condenação imposta, sequer inibiria a execução penal. Vencido o Min. Marco Aurélio, que reiterava a incompetência do STF para julgar o feito, tendo em vista a renúncia do parlamentar ao cargo que ocupava antes da decisão condenatória.
AP 396 QO/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 26.6.2013. (AP-396)
AP 396 ED-ED/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 26.6.2013. (AP-396)

Detentor de mandato eletivo e efeitos da condenação - 4
No mérito, anotou-se que os embargos seriam protelatórios, visto que pretenderiam rediscutir temas já suscitados e debatidos, de maneira a viabilizar indevido reexame da causa. Ressaltou-se incabível a excepcional ocorrência de efeitos modificativos nesse recurso, ou mesmo eventual concessão de habeas corpus de ofício. Destacou-se que a superveniente diplomação do embargante para o cargo de deputado federal já teria sido enfrentada na questão de ordem e, ainda que não houvesse sido analisada, estaria preclusa, porque não suscitada nos primeiros embargos, embora a diplomação tivesse ocorrido antes de sua oposição. O Min. Luiz Fux repisou — no tocante à tese aventada no sentido de que a investigação que culminara na denúncia padeceria de vícios — que não se permitiria a nulidade de ação penal em decorrência desses supostos defeitos preliminares, caso a própria ação penal obedecesse aos princípios constitucionais. Consignou, ainda, que a casa legislativa a que vinculado o parlamentar não teria o condão de sustar o andamento da ação penal na hipótese de crime ocorrido antes da diplomação. Vencido o Min. Marco Aurélio, que admitia os embargos.
AP 396 QO/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 26.6.2013. (AP-396)
AP 396 ED-ED/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 26.6.2013. (AP-396)

ED: extinção de punibilidade pelo pagamento integral do débito e prescrição retroativa - 8
O Plenário retomou julgamento de embargos de declaração opostos sob a alegação de que o acórdão condenatório omitira-se sobre o entendimento desta Corte acerca de pedido de extinção de punibilidade pelo pagamento integral de débito fiscal, bem assim sobre a ocorrência de prescrição retroativa da pretensão punitiva do Estado. Na situação, o parlamentar, ora embargante, fora condenado pela prática dos crimes de apropriação indébita previdenciária e de sonegação de contribuição previdenciária (CP, art. 168-A, § 1º, I, e art. 337-A, III, c/c o art. 71, caput, e art. 69) — v. Informativos 650 e 705. A defesa argumenta que a extinção de punibilidade poderia ocorrer a qualquer tempo. No ponto, afirma que o adimplemento total, acompanhado dos consectários legais, acontecera antes da publicação do acórdão e, portanto, do próprio trânsito em julgado, ainda pendente. Sustenta, ainda, a ocorrência de prescrição retroativa da pretensão punitiva do Estado, embasada no art. 109, IV, c/c art. 115 do CP, e no art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003. Argui que teria completado 70 anos de idade em momento anterior ao início da própria sessão de julgamento que o condenara, assim como da publicação da respectiva decisão. Por fim, pugna pelo acolhimento dos embargos com efeitos infringentes.
AP 516 ED/DF, rel. Min. Ayres Britto, 26.6.2013. (AP-516)



ED: extinção de punibilidade pelo pagamento integral do débito e prescrição retroativa - 9
Em voto-vista, o Min. Teori Zavascki acompanhou o Min. Ayres Britto, relator, para rejeitar os embargos e indeferir o pleito de declaração de extinção da punibilidade. No que se refere à alegada prescrição da pretensão punitiva em virtude de o embargante haver completado 70 anos de idade após o julgamento, aduziu que o termo ad quem do prazo prescricional seria a data da sessão em que condenado o réu, e não a data do trânsito em julgado do acórdão condenatório. O trânsito não seria ato constitutivo de condenação, mas apenas qualidade especial da sentença ou acórdão: sua imutabilidade. Assim, seria somente requisito autorizador do início da execução, nos casos em que inadmissível execução provisória de sentença condenatória — como na ação penal. Portanto, imposta a condenação no julgamento, estaria operada naquela data a causa interruptiva da prescrição prevista no art. 117, IV, do CP. Qualquer fato superveniente a afetar esse prazo — como o posterior aniversário do embargante — deveria ser considerado à luz do novo ciclo prescricional iniciado por força do art. 117, § 2º, do CP.
AP 516 ED/DF, rel. Min. Ayres Britto, 26.6.2013. (AP-516)

ED: extinção de punibilidade pelo pagamento integral do débito e prescrição retroativa - 10
No que se refere à suposta extinção da punibilidade pelo pagamento integral do tributo, o Min. Teori Zavascki reputou que a regra inscrita no art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003 — ao não estabelecer prazo para pagamento total do tributo devido — não permitiria que essa quitação fosse feita após a condenação, inclusive. Entendeu que a norma cuidaria de extinção da pretensão punitiva, e não executória. Assim, o pagamento autorizador da extinção da punibilidade seria aquele realizado até a data da condenação. Esgotada essa fase jurisdicional, ter-se-ia o exercício da pretensão executória, em que despicienda a discussão. Por sua vez, o Min. Gilmar Mendes proveu os embargos, nos termos do voto do Min. Dias Toffoli. Em seguida, ante o empate na votação, deliberou-se, por maioria — tendo em vista questão de ordem suscitada pela defesa no sentido de que esse resultado deveria privilegiar o réu —, suspender o julgamento, para aguardar-se o voto do Min. Celso de Mello. O Min. Luiz Fux, no ponto, salientou que o julgamento ter-se-ia iniciado em sessões anteriores, de maneira que poderia continuar para colheita do voto de Ministro que participara das demais assentadas. A Min. Rosa Weber destacou que, na AP 470/MG (DJe de 15.3.2013), as situações de empate que naquela ocasião teriam acontecido decorreriam da composição do Pleno, incompleta por causa da aposentadoria de Ministros, o que não seria o caso. O Min. Dias Toffoli sublinhou, ainda, a importância de a Corte fixar tese a respeito do tema, motivo pelo qual seria relevante que todos os membros do STF votassem. Vencido o Min. Ricardo Lewandowski, que resolvia a questão de ordem para que fosse aplicado o entendimento mais benéfico ao réu. Aduzia que o julgamento dos embargos integraria a ação penal, de modo que o empate deveria favorecer o acusado, à luz da orientação firmada na AP 470/MG.
AP 516 ED/DF, rel. Min. Ayres Britto, 26.6.2013. (AP-516)

ADI e criação de município
O Plenário concedeu medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade, para suspender a eficácia da Lei 2.264/2010, do Estado de Rondônia, por vislumbrar aparente ofensa ao art. 18, § 4º, da CF, que estabelece a previsão da forma mediante a qual poderá haver a criação de novos municípios no Brasil. A norma impugnada criara a municipalidade de Extrema de Rondônia, a partir de desmembramento de área territorial de Porto Velho, fixara os seus limites, bem como informara os distritos que integrariam a municipalidade criada. Ponderou-se que, até a presente data, não fora editada a lei complementar a que aludiria o art. 18, § 4º, da CF (“§ 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei”). Destacou-se a pacífica jurisprudência da Corte quanto ao procedimento constitucionalmente previsto para a criação de municípios, que não fora observado na espécie.
ADI 4992 MC/RO, rel. Min. Gilmar Mendes, 26.6.2013. (ADI-4992)



Reabertura de inquérito: notícia de nova prova - 6
Em conclusão, o Plenário declarou a extinção da punibilidade, pela prescrição da pretensão punitiva, em favor de paciente, nos autos de habeas corpus impetrado contra ato do Procurador-Geral da República. O PGR havia requerido o desarquivamento de procedimento administrativo e a reabertura de inquérito policial instaurado para apurar a suposta prática de crime de tráfico de influência por parte do paciente, à época senador, acusado de intermediar contrato firmado entre entidade da administração indireta estadual e pessoa jurídica de direito privado — v. Informativos 574 e 672.
HC 94869/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 26.6.2013. (HC-94869)



Justiça militar: deserção em tempo de paz e “sursis” - 1
O Plenário iniciou julgamento de habeas corpus em que se pleiteia a concessão da suspensão condicional da pena a militar condenado pela prática do crime de deserção. Alega-se que a vedação legal dessa incidência não teria sido recepcionada pela Constituição [CPM: “Art. 88. A suspensão condicional da pena não se aplica: ... II - em tempo de paz: a) por crime contra a segurança nacional, de aliciação e incitamento, de violência contra superior, oficial de dia, de serviço ou de quarto, sentinela, vigia ou plantão, de desrespeito a superior, de insubordinação, ou de deserção”]. O Min. Dias Toffoli, relator, concedeu a ordem para implementar o benefício do sursis pelo prazo de 2 anos (CPM, art. 84), devendo o paciente cumprir as condições previstas no art. 626 do CPPM, excetuada a da alínea a (“tomar ocupação, dentro de prazo razoável, se fôr apto para o trabalho”), na hipótese de estar ativo no serviço. Determinou que ele ficasse obrigado a comparecer trimestralmente perante o juízo da execução e designou o juiz-auditor que o sentenciara para presidir a audiência admonitória (CPPM, art. 611).
HC 113857/AM, rel. Min. Dias Toffoli, 26.6.2013. (HC-113857)



Justiça militar: deserção em tempo de paz e “sursis” - 2
O relator salientou que o preceito em questão ofenderia mais diretamente a equidade, pela qual se esperaria harmonia na aplicação dos princípios constitucionais e das normas infraconstitucionais. Ponderou que o legislador deveria inspirar-se na proporcionalidade para estabelecer tipos penais incriminadores, de modo a não cominar sanções ínfimas para delitos que violassem bens jurídicos de relevo maior nem penas exageradas para infrações de menor potencial ofensivo. Acrescentou que também seria necessário observar a proporcionalidade para as normas tendentes à individualização dessas mesmas penas, com atenção às condições específicas do infrator e às consequências da violação cometida ao bem jurídico tutelado pela lei e a eventual vítima do crime. Explicitou que, alguns dias após ter se ausentado do posto de serviço, o paciente se apresentara voluntariamente à Administração castrense, que o reincorporara ao Exército. Entendeu que, por mero imperativo de lei, não se poderia impedir a apreciação das condições objetivas e subjetivas do delito e de seu autor, a vedar-se de forma absoluta e cogente a aplicação do sursis aos que, em tempo de paz, fossem sentenciados por idêntico crime e preenchessem os requisitos previstos no art. 84 do CPM. Nessa conformidade, declarou não recepcionada pela Constituição a alínea a do inciso II do art. 88 do CPM — e, em consequência, a alínea a do inciso II do art. 617 do CPPM — na parte em que excluiria, em tempo de paz, a suspensão condicional da pena aos condenados por delito de deserção.
HC 113857/AM, rel. Min. Dias Toffoli, 26.6.2013. (HC-113857)

Justiça militar: deserção em tempo de paz e “sursis” - 3
Em divergência, o Min. Luiz Fux denegou a ordem, no que foi acompanhado pelo Min. Marco Aurélio. Aduziu que a jurisprudência do Supremo inclinar-se-ia pela constitucionalidade do tratamento processual penal mais gravoso aos crimes submetidos à justiça militar, em virtude da hierarquia e da disciplina próprias das instituições castrenses. Nesse sentido, citou precedente a cuidar da suspensão condicional do processo relativo a militar responsabilizado por crime de deserção. Acentuou que a ratio seria idêntica para a situação da suspensão condicional da pena. Observou que, no próprio texto constitucional, haveria discrímen do regime de disciplina das instituições militares. O Min. Marco Aurélio enfatizou que a matéria referir-se-ia a predicados muito caros às Forças Armadas. Sublinhou que, como princípio de hermenêutica, somente se deveria declarar um preceito normativo conflitante com a Lei Maior se o conflito fosse evidente. Mencionou que a Constituição seria categórica ao remeter ao legislador a organização da justiça castrense e também a definição dos crimes e consequências deles. Assinalou que o afastamento da suspensão condicional da pena seria opção política normativa. Após, pediu vista o Min. Teori Zavascki.
HC 113857/AM, rel. Min. Dias Toffoli, 26.6.2013. (HC-113857)

Porte de arma de magistrado e competência - 1
O Plenário iniciou julgamento de agravo regimental em reclamação na qual se alega usurpada a competência originária do STF fixada no art. 102, I, n, da CF (“Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados”). No caso, associações estaduais de juízes impetraram mandado de segurança, cuja ordem fora concedida para assegurar, aos substituídos, a renovação simplificada de registros de propriedade de armas de defesa pessoal, com dispensa dos testes psicológicos e de capacidade técnica e da revisão periódica de registro previstos no art. 5º, § 2º, da Lei 10.826/2003, em face da prerrogativa dos magistrados de portar arma de defesa pessoal, prevista no art. 33, V, da Lei Complementar 35/79 - Loman. A Min. Rosa Weber, relatora, negou provimento ao agravo regimental, no que foi acompanhada pelo Min. Luiz Fux. A relatora afirmou que a exegese do art. 102, I, n, da CF não comportaria o deslocamento para o STF de toda e qualquer ação ajuizada por magistrados em que discutido algum aspecto do seu estatuto funcional, já que a fixação da aludida competência seria de caráter excepcional e exigiria, pela sua própria teleologia, interpretação restritiva. Aduziu que, no caso em apreço, os efeitos do ato praticado pela autoridade tida como coatora não afetariam o interesse de todos os magistrados. Mencionou que seriam diretamente interessados apenas os magistrados substituídos, quais sejam, os associados às entidades impetrantes, e indiretamente, quando muito, os magistrados domiciliados em determinada unidade federativa, eventualmente interessados em registrar ou renovar o registro de arma de fogo.
Rcl 11323 AgR/SP, rel. Min. Rosa Weber, 26.6.2013. (Rcl-11323)

Porte de arma de magistrado e competência - 2
A relatora asseverou que, ainda que se tratasse de prerrogativa peculiar e exclusiva da magistratura, não se discutiriam, na espécie, os contornos do direito dos magistrados de “portar arma de defesa pessoal”, cingida a lide à exegese das regras gerais e procedimentais relativas a figuras jurídicas diversas. Estas não se confundiriam com questões concernentes ao porte de armas, quais sejam, o registro, a posse e a comercialização de armas de fogo e munição de que trataria a Lei 10.826/2003, regulamentada pelo Decreto 5.123/2004. Aludiu que, tal como posta a hipótese em exame, nela sequer se identificaria controvérsia fundada em prerrogativa específica e exclusiva da magistratura. Seria certo que o interesse em questão estender-se-ia em virtude das legislações de regência a outras carreiras, a exemplo do Ministério Público, das Forças Armadas, da polícia federal e das polícias civis e militares dos estados-membros e do Distrito Federal. Em divergência, o Min. Teori Zavascki deu provimento ao agravo regimental e julgou procedente o pedido formulado na reclamação, no que foi seguido pelos Ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. Ressaltou que, para atrair a competência do STF, não seria necessário que toda magistratura figurasse diretamente como parte no processo, mas que as questões jurídicas envolvidas fossem de interesse geral da classe, o que ocorreria no caso concreto. Sublinhou que se trataria de mandado de segurança coletivo em que se pretenderia reconhecer como prerrogativa da magistratura, alicerçada na Loman, a de não se submeter a certos requisitos gerais aplicáveis a todas as outras pessoas para obter o porte de armas ou a sua renovação. Considerou, então, que essa seria uma matéria exclusivamente de interesse da magistratura, porque estaria embasada em dispositivo da Loman. Reputou, assim, que a interpretação estrita da cláusula constitucional de competência incluiria justamente essa questão jurídica. Após, pediu vista o Min. Gilmar Mendes.
Rcl 11323 AgR/SP, rel. Min. Rosa Weber, 26.6.2013. (Rcl-11323)




PRIMEIRA TURMA
ECA: fotografia de atos libidinosos e causas especiais de aumento de pena - 1
A 1ª Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se discute a tipicidade da conduta, à época dos fatos, de fotografar atos libidinosos com criança e a aplicação concomitante de duas causas especiais de aumento de pena. A defesa alega que a conduta teria deixado de ser prevista no ECA no período posterior à mudança promovida pela Lei 10.764/2003 e anterior à alteração pela Lei 11.829/2008. Além disso, pleiteia que seja imposta apenas uma causa de aumento dentre aquelas previstas no art. 226 do CP [“Art. 226. A pena é aumentada: I - de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas; II - de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela”], tendo em vista o que disposto no parágrafo único do art. 68 do CP (“No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua”).
HC 110960/DF, rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2013. (HC-110960)

ECA: fotografia de atos libidinosos e causas especiais de aumento de pena - 2
Os Ministros Luiz Fux, relator, Rosa Weber e Dias Toffoli julgaram extinto o writ, por inadequação da via processual, e entenderam não ser caso de concessão, de ofício, da ordem. O relator enfatizou que o tipo legal “produzir fotografia” comportaria, no vernáculo, o ato de fotografar. Frisou que a assertiva da atipicidade da conduta careceria de consistência lógica, teleológica e, sobretudo, semântica. Explicitou que a teleologia da norma do ECA visaria à proteção da menoridade contra estes comportamentos deletérios para a vida em sociedade e para a própria formação individual da criança. Em seguida, registrou não vislumbrar arbitrariedade ou teratologia na dosimetria da pena. Acentuou que a previsão do art. 68 do CP estabeleceria, sob o ângulo literal, apenas uma possibilidade de atuação. Após, pediu vista o Min. Marco Aurélio.
HC 110960/DF, rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2013. (HC-110960)

Justiça militar: homicídio culposo e perdão judicial
O art. 123 do Código Penal Militar não contempla a hipótese de perdão judicial como causa de extinção da punibilidade e, ainda que in bonan partem, não se aplica, por analogia, o art. 121, § 5º, do Código Penal (“§ 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”). Na espécie, o paciente fora condenado por homicídio culposo por não ter observado as normas de segurança quanto ao manejo de armas de fogo e, tampouco, regra técnica de profissão, o que causara o resultado morte. Observou-se que o art. 123 do CPM traria os casos de extinção de punibilidade e de seu rol não constaria o perdão judicial, embora essa possibilidade estivesse prevista no art. 255 do mesmo diploma, a cuidar de receptação culposa. Aduziu-se que a analogia pressuporia lacuna, omissão na lei e, na situação, tratar-se-ia de silêncio eloquente.
HC 116254/SP, rel. Min. Rosa Weber, 25.6.2013. (HC-116254)

Justiça militar: Lei 11.719/2008 e interrogatório
Aplica-se ao processo penal militar a reforma legislativa que prevê o interrogatório ao final da instrução [CPP: “Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado”]. Com base nessa orientação, em julgamento conjunto, a 1ª Turma concedeu habeas corpus para determinar a incidência subsidiária da mencionada regra, que adveio com a Lei 11.719/2008.
HC 115698/AM, rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2013. (HC-115698)
HC 115530/PR , rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2013. (HC-115530)

Prescrição executória e termo inicial
A 1ª Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se pretende ver reconhecida a prescrição da pretensão executória, em face do art. 112, I, do CP, que prevê como termo inicial da prescrição o dia do trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação. No caso, alega-se que a sentença transitara em julgado para a acusação em 2001 e que a intimação para execução da pena ocorrera em 2010, após os oito anos do prazo prescricional. A Min. Rosa Weber, relatora, julgou extinto o processo pela inadequação da via eleita. Ressaltou que se trataria de impetração voltada contra decisão que denegara seguimento a writ no STJ. Portanto, o habeas corpus seria substitutivo de recurso ordinário o que, na linha da jurisprudência da Turma, impediria a resolução de mérito. Consignou que não seria possível conceder a ordem de ofício por não vislumbrar teratologia ou ilegalidade manifesta, já que a doutrina e a jurisprudência se dividiriam tanto no posicionamento preconizado pela defesa como naquele que, com base em interpretação teleológica e em face da própria natureza do instituto da prescrição, exigiria o trânsito em julgado para execução da pena. Após, pediu vista o Min. Dias Toffoli.
HC 115269/RR, rel. Min. Rosa Weber, 25.6.2013. (HC-115269)

AI: tempestividade de RE e recesso forense
Em conclusão de julgamento, a 1ª Turma negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão do Min. Menezes Direito, que desprovera agravo de instrumento, porquanto reputara intempestivo o recurso extraordinário inadmitido pelo tribunal a quo por motivo diverso — v. Informativos 545, 560, 606 e 699. O agravante arguia que o recurso extraordinário seria tempestivo, uma vez que os prazos estariam suspensos na Corte de origem em virtude de recesso forense de final de ano, tendo sido reconhecida sua tempestividade naquele tribunal. Salientou-se que, embora a jurisprudência do STF permitisse a comprovação da tempestividade até a interposição do regimental, o recorrente limitara-se a aduzi-la e deixara de juntar aos autos cópia de documentos que comprovassem a alegada suspensão do prazo.
AI 741616 AgR/RJ, rel. Min. Dias Toffoli, 25.6.2013. (AI-741616)

Peculato de uso e tipicidade
É atípica a conduta de peculato de uso. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma deu provimento a agravo regimental para conceder a ordem de ofício. Observou-se que tramitaria no Parlamento projeto de lei para criminalizar essa conduta.
HC 108433 AgR/MG, rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2013. (HC-108433)

Receptação qualificada e constitucionalidade
É constitucional o § 1º do art. 180 do CP, que versa sobre o delito de receptação qualificada (“§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime”). Com fundamento nessa orientação, a 1ª Turma negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus. A recorrente reiterava alegação de inconstitucionalidade do referido preceito, sob a assertiva de que ofenderia o princípio da culpabilidade ao consagrar espécie de responsabilidade penal objetiva. Reportou-se a julgados nos quais, ao apreciar o tema, o STF teria asseverado a constitucionalidade do dispositivo em comento. Precedentes citados: RE 443388/SP (DJe de 11.9.2009); HC 109012/PR (DJe de 1º.4.2013).
RHC 117143/RS, rel. Min. Rosa Weber, 25.6.2013. (RHC-117143)



SEGUNDA TURMA
Princípio da insignificância e bem de concessionária de serviço público
É inaplicável o princípio da insignificância quando a lesão produzida pelo paciente atingir bem de grande relevância para a população. Com base nesse entendimento, a 2ª Turma denegou habeas corpus em que requerida a incidência do mencionado princípio em favor de acusado pela suposta prática do crime de dano qualificado (CP, art. 163, parágrafo único, III). Na espécie, o paciente danificara protetor de fibra de aparelho telefônico público pertencente à concessionária de serviço público, cujo prejuízo fora avaliado em R$ 137,00. Salientou-se a necessidade de se analisar o caso perante o contexto jurídico, examinados os elementos caracterizadores da insignificância, na medida em que o valor da coisa danificada seria somente um dos pressupostos para escorreita aplicação do postulado. Asseverou-se que, em face da coisa pública atingida, não haveria como reconhecer a mínima ofensividade da conduta, tampouco o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento. Destacou-se que as consequências do ato perpetrado transcenderiam a esfera patrimonial, em face da privação da coletividade, impossibilitada de se valer de um telefone público.
HC 115383/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 25.6.2013. (HC-115383)

Pensão e policial militar excluído da corporação
A 2ª Turma negou provimento a recurso extraordinário interposto de decisão que concedera segurança a dependentes de policial militar excluído da corporação, em sentença transitada em julgado. No caso, a decisão recorrida afastara a alegada inconstitucionalidade do art. 117 da Lei Complementar 53/90, do Estado de Mato Grosso do Sul. O mencionado artigo garantiria, aos dependentes de policial militar excluído ou demitido da corporação, com dez anos de serviço, pensão proporcional ao tempo de contribuição feito à previdência local. Destacou-se que, embora a ADI 1542/MS (DJe de 20.3.2013) — em que se discutia a constitucionalidade da mencionada norma — tenha sido julgada prejudicada, diante da revogação superveniente daquele dispositivo, este fato não atingiria situações consolidadas, do ponto de vista jurídico. Asseverou-se que a Constituição, em seu art. 42, § 1º, estabeleceria competir à lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, X (“X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra”). Enfatizou-se, ainda, que caberia aos estados-membros, por lei especial, regular os direitos previdenciários dos integrantes de sua polícia militar, conforme o art. 42, § 2º, da CF (“§ 2º Aos pensionistas dos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios aplica-se o que for fixado em lei específica do respectivo ente estatal”). Concluiu-se que haveria um locupletamento ilícito por parte do Estado, se viesse a se apropriar do referido benefício.
RE 610290/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25.6.2013. (RE-610290)



Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos
Pleno 26.6.2013 1º.7.2013 132
1ª Turma 25.6.2013 — 233
2ª Turma 25.6.2013 — 240



R E P E R C U S S Ã O G E R A L
DJe de 24 de junho a 1º de julho de 2013

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 684.261-PR
RELATOR: MIN. LUIZ FUX
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. CONTRIBUIÇÃO. SEGURO ACIDENTE DE TRABALHO. RISCOS ACIDENTAIS DO TRABALHO. FATOR ACIDENTÁRIO DE PREVENÇÃO. LEGALIDADE TRIBUTÁRIA. DISCUSSÃO SOBRE A FIXAÇÃO DE ALÍQUOTA. DELEGAÇÃO PARA REGULAMENTAÇÃO. RESOLUÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. PRECEDENTE DO SUPREMO NO RE 343.446-2, RELATOR MINISTRO CARLOS VELLOSO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 742.083-DF
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. DIREITO ADQUIRIDO AO RECEBIMENTO DE COMPLEMENTAÇÃO DE BENEFÍCIO DE ACORDO COM AS REGRAS VIGENTES NO PERÍODO DE ADESÃO AO PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. AUSÊNCIA DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

Decisões Publicadas: 2



C L I P P I N G D O D J E
24 de junho a 1º de julho de 2013

HC N. 112.710-SP
RELATORA: MIN. ROSA WEBER
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL. ART. 1º, I, DA LEI 8.137/90. PROGRAMA DE PARCELAMENTO ORDINÁRIO DE DÉBITOS TRIBUTÁRIOS. LEI 11.941/09. ADESÃO. SUSPENSÃO DA AÇÃO PENAL. SUPERAÇÃO DA SÚMULA 691/STF. ORDEM CONCEDIDA.
1. A adesão ao programa de parcelamento de débitos tributários, previsto no art. 68 da Lei 11.941/2009, enseja a suspensão da pretensão punitiva estatal, até a quitação integral do débito.
2. Demonstrada a inclusão do paciente no programa de parcelamento de débitos tributários (Processo Administrativo Fiscal 10830.009284/2003-31), forçoso admitir, no caso, a suspensão da Ação Penal 2004.61.05016662-7 (Apelação 0016662-96.2004.4.03.6105/SP).
3. Habeas corpus concedido, com superação excepcional da Súmula 691/STF, para determinar a suspensão da ação penal de origem.

HC N. 114.690-SP
RELATORA: MIN. ROSA WEBER
EMENTA: HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DO RECURSO CONSTITUCIONAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CORRUPÇÃO PASSIVA. OITIVA DE MEMBRO DO PARQUET COMO TESTEMUNHA. AUSÊNCIA DE NULIDADE. CONDENAÇÃO EMBASADA EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTOS DO INQUÉRITO. INOCORRÊNCIA. PROVAS PRODUZIDAS EM JUÍZO. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. DEFESA TÉCNICA ASSEGURADA E DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO.
1. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário. Diante da dicção do art. 102, II, “a”, da Constituição da República, a impetração de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio, em manifesta burla do preceito constitucional.
2. O Promotor de Justiça ouvido como testemunha não foi o mesmo que ofereceu a denúncia e atuou no processo, não existindo qualquer impedimento nos termos do art. 252, II, do CPP. A exclusão desse depoimento, por si só, não acarretaria a absolvição do paciente, ante a existência de outras provas.
3. Não há falar em condenação apenas com base em elementos inquisitoriais se da leitura da sentença e do acórdão verifica-se que foram produzidas em juízo, sob o pálio do contraditório e da ampla defesa, provas documentais e ouvidas outras testemunhas, formando o conjunto probatório que culminou no édito condenatório.
4. A descrição da conduta do causídico que defendeu o paciente durante a ação penal no acórdão estadual não autoriza concluir que houve deficiência de defesa.
4. Habeas corpus extinto sem resolução do mérito.

AG. REG. NO ARE N. 728.049-RJ
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Concurso público. 3. Comprovação de habilitação. Momento da posse. Exigência de apresentação de diploma e registro no órgão de classe competente após a conclusão do curso de formação que, no caso, consiste em etapa do referido concurso. 3. Precedentes da Corte. 4. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.

RHC N. 116.713-MG
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PACIENTE PROCESSADA PELO DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS SOB A ÉGIDE DA LEI 11.343/2006. PEDIDO DE NOVO INTERROGATÓRIO AO FINAL DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. ART. 400 DO CPP. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO.
I – Se a paciente foi processada pela prática do delito de tráfico ilícito de drogas, sob a égide da Lei 11.343/2006, o procedimento a ser adotado é o especial, estabelecido nos arts. 54 a 59 do referido diploma legal.
II – O art. 57 da Lei de Drogas dispõe que o interrogatório ocorrerá em momento anterior à oitiva das testemunhas, diferentemente do que prevê o art. 400 do Código de Processo Penal.
III – Este Tribunal assentou o entendimento de que a demonstração de prejuízo, “a teor do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta, eis que (…) o âmbito normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades pas de nullité sans grief compreende as nulidades absolutas” (HC 85.155/SP, Rel. Min. Ellen Gracie).
IV – Recurso ordinário improvido.

AG. REG. NO AI N. 760.595-GO
RELATORA: MIN. ROSA WEBER
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. LICENÇA-PRÊMIO NÃO USUFRUÍDA. PERÍODO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA EC 20/98. APOSENTADORIA. CONTAGEM DE TEMPO EM DOBRO. POSSIBILIDADE. DIREITO ADQUIRIDO. ART. 5º, XXXVI, DA LEI MAIOR. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 08.10.2008.
A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o servidor público que completou os requisitos para usufruir da licença-prêmio em data anterior à EC 20/1998, e não a utilizou, tem direito ao cômputo em dobro do tempo de serviço prestado nesse período para fins de aquisição de aposentadoria.
Agravo regimental conhecido e não provido.

HC N. 116.491-SP
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Habeas corpus. 2. Liberdade provisória. Impetração contra decisão do STJ que julgou prejudicado o feito e cassou liminar concedida ante à superveniência de sentença condenatória. 3. Constrição cautelar mantida pelos mesmos fundamentos. Perda do objeto não configurada. 4. O acusado respondeu ao processo em liberdade e, sobrevindo a sentença condenatória, as circunstâncias fáticas não se alteraram. Prisão provisória que não atende aos requisitos do art. 312 do CPP, limitando-se a invocar a gravidade abstrata do delito. 5. Ordem concedida, de ofício, para que o paciente possa aguardar em liberdade o trânsito em julgado da condenação, se por algum outro motivo não estiver preso.

RHC N. 116.619-RJ
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA NÃO VERIFICADA. SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE CONFIRMOU AS IMPUTAÇÕES DE TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS E DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DO PROCESSO DE CONHECIMENTO PELA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. TIPICIDADE EVIDENCIADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 29 DO CP. RECURSO IMPROVIDO.
I – O argumento de inépcia da denúncia está superado com a prolação de sentença condenatória transitada em julgado para a defesa.
II – A jurisprudência desta Corte, em diversas oportunidades, assentou o entendimento de que não se pode substituir o processo de conhecimento pela via excepcional do habeas corpus, que se presta, precipuamente, para afastar a manifesta violência ou coação ilegal ao direito de locomoção. Precedentes.
III – A autoria intelectual não só denota envolvimento na trama criminosa (art. 29 do CP), como também implica sanção penal mais severa (art. 62, I, do CP).
IV – Recurso ordinário improvido.

RHC N. 105.916-RJ
RELATORA: MIN. ROSA WEBER
DIREITO PENAL. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR CONTRA VULNERÁVEL. INVIABILIDADE DE EXAME DE PROVAS EM HABEAS CORPUS. CONTINUIDADE DELITIVA. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 12.015/2009.
1. Não se presta o habeas corpus, enquanto não permite ampla avaliação e valoração das provas, como instrumento hábil ao reexame do conjunto fático probatório ensejador da condenação criminal.
2. A partir da Lei nº 12.015/2009, passou a ser admitida a possibilidade da unificação das condutas de estupro e de atentado violento ao pudor, considerando-as crime único ou crime continuado, a depender das circunstâncias concretas dos fatos.
3. Tratando-se de estupro de vulnerável, a norma da Lei nº 12.015/2009 que regeria a conduta do condenado, se esta tivesse ocorrido sob sua vigência, seria a do art. 217-A e não a do art. 213 do Código Penal. Ainda que o novo tipo penal comine penas em abstrato superiores às previstas na redação pretérita dos artigos 213 e 214 do Código Penal, a possibilidade de unificação pode levar a pena inferior ao resultado da condenação em concurso material pela lei anterior.
4. Cabe ao Juízo da Execução Penal aplicar à condenação transitada em julgado a lei mais benigna.
5. Habeas corpus extinto sem resolução do mérito, mas com concessão de ofício, para que o juízo da execução criminal competente proceda à aplicação retroativa da Lei 12.015/2009.

RHC N. 115.757-AM
RELATOR: MIN. LUIZ FUX
EMENTA: PROCESSUAL PENAL MILITAR. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE COISA ACHADA – ART. 249, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPM. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. INOCORRÊNCIA. ATO PROCESSUAL REALIZADO E COMPROVADO POR CERTIDÃO DO OFICIAL DE JUSTIÇA. RÉU FORAGIDO DO SISTEMA PRISIONAL. ESGOTAMENTO DOS MEIOS DE LOCALIZAÇÃO. REVELIA.
1. A revelia decretada nos termos do art. 412 do CPPM, após exauridos todos os meios de localização, revela-se indene de error in procedendo.
2. In casu, o paciente foi denunciado pela prática do crime descrito no art. 249, parágrafo único, do Código Penal Militar, por apropriar-se indevidamente de uma pistola encontrada nos destroços de um helicóptero do exército que acabara de cair, e, como estava preso pela prática de outro delito, foi citado nas dependências de uma delegacia, sendo certo que empreendeu fuga e não foi mais encontrado, por isso que o Juiz Auditor após diligenciar intensamente no sentido de localizá-lo, esgotando, para tanto, todos os meios disponíveis, decretou a revelia acertadamente, como descrito no parecer ministerial.
3. Recurso ordinário em habeas corpus desprovido.

MS N. 28.651-DF e MS 28.666-DF
RED. P/ O ACÓRDÃO: MIN. MARCO AURÉLIO
NULIDADE – MÉRITO – AUSÊNCIA DE DECLARAÇÃO. Consoante dispõe o artigo 249 do Código de Processo Civil, presente a utilidade dos pronunciamentos judiciais, cabe afastar a declaração de nulidade se for possível decidir sobre o mérito a favor da parte a quem aproveitaria.
NULIDADE – ARTIGO 249 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – AUSÊNCIA DE DECLARAÇÃO. O Colegiado pode considerar a disciplina própria à nulidade, prevista no referido preceito, partindo para a concepção primeira da procedência ou improcedência do que pleiteado quanto ao mérito.
CONCURSO PÚBLICO – NOTA DE CORTE – ELEVAÇÃO. Fica longe de implicar ilegalidade a elevação da nota de corte, visando a passagem para outra fase do concurso, quando, observada a primitiva, resta grande número de vagas, concorrendo os candidatos em igualdade de condições. Óptica robustecida pelo aproveitamento imediato daqueles situados no patamar inicialmente formalizado, não sendo viável sequer a alegação de prejuízo indireto ante o critério de classificação.
EXPECTATIVA DE DIREITO – PROTEÇÃO – AUSÊNCIA. A ordem jurídica não protege simples expectativa de direito no que poderiam evocá-lo futuros candidatos a preencherem cargos em novo concurso público.
*noticiados no Informativo 643

AG. REG. NO ARE N. 654.260- RJ
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Teto remuneratório. Empregado de sociedade de economia mista. CEDAE. Entidade sem autonomia financeira. Aplicação do art. 37, inciso XI, da CF. Precedentes.
1. A limitação remuneratória estabelecida pelo art. 37, inciso XI, da Constituição Federal aplica-se também aos empregados das empresas públicas e das sociedades de economia mista que receberem recursos públicos para pagamento de pessoal e custeio em geral, conforme disposto no § 9º do referido artigo.
2. Agravo regimental não provido.

ADI N. 3.885-PR
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei 15.227/2006 do Estado do Paraná objeto de fiscalização abstrata. 3. Superveniência da Lei estadual 15.744/2007 que, expressamente, revogou a norma questionada. 4. Remansosa jurisprudência deste Tribunal tem assente que sobrevindo diploma legal revogador ocorre a perda de objeto. Precedentes. 5. Ação direta de inconstitucionalidade prejudicada.
*noticiado no Informativo 708

EMB. DECL. NA RvC N. 5.428-PE
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Embargos de declaração na revisão criminal. Não cabimento contra decisão monocrática. Conversão dos embargos declaratórios em agravo regimental. Matéria criminal. Repetição dos mesmos fundamentos deduzidos em ação anterior. Inadmissibilidade. Recurso não provido.
1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental.
2. A jurisprudência do Supremo Tribunal é firme no sentido do não cabimento de embargos de declaração opostos contra decisão monocrática.
3. O Supremo Tribunal Federal não admite a repetição de pedido anterior com as mesmas razões e os mesmos fundamentos desse, sem nenhuma inovação. Precedentes.
4. Agravo regimental não provido.

HC N. 110.271-ES
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
HABEAS CORPUS – JULGAMENTO POR TRIBUNAL SUPERIOR – IMPUGNAÇÃO. A teor do disposto no artigo 102, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal, contra decisão, proferida em processo revelador de habeas corpus, a implicar a não concessão da ordem, cabível é o recurso ordinário. Evolução quanto à admissibilidade do substitutivo do habeas corpus.
DEFESA TÉCNICA – INEXISTÊNCIA. Uma vez constatada a inexistência de defesa técnica, em processo-crime, cumpre implementar a ordem de ofício.
*noticiado no Informativo 705

Rcl N. 12.681-DF
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
RECLAMAÇÃO – REPERCUSSÃO GERAL – PRONUNCIAMENTO DO SUPREMO – INOBSERVÂNCIA – ADEQUAÇÃO. A erronia na observância de pronunciamento do Supremo formalizado, sob o ângulo da repercussão geral, em recurso extraordinário gera o acesso ao Tribunal mediante a reclamação.
REPERCUSSÃO GERAL – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – LIMINAR – ALCANCE. No que ressalvada, na liminar implementando a suspensão do processo, a existência de título judicial transitado em julgado, tem-se alcançada situação jurídica reveladora da fase de execução, muito embora se mostre necessário que venha a ser apurado, em processo de liquidação, o valor devido.
*noticiado no Informativo 709

ADI N. 2.818-RJ
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 3.874, de 24 de junho de 2002, do Estado do Rio de Janeiro, a qual disciplina a comercialização de produtos por meio de vasilhames, recipientes ou embalagens reutilizáveis. Inconstitucionalidade formal. Inexistência. Competência concorrente dos estados-membros e do Distrito Federal para legislar sobre normas de defesa do consumidor. Improcedência do pedido.
1. A Corte teve oportunidade, na ADI nº 2.359/ES, de apreciar a constitucionalidade da Lei nº 5.652/98 do Estado do Espírito Santo, cuja redação é absolutamente idêntica à da lei ora questionada. Naquela ocasião, o Plenário julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade, por entender que o ato normativo se insere no âmbito de proteção do consumidor, de competência legislativa concorrente da União e dos estados (art. 24, V e VIII, CF/88).
2. As normas em questão não disciplinam matéria atinente ao direito de marcas e patentes ou à propriedade intelectual – matéria disciplinada pela Lei federal nº 9.279 -, limitando-se a normatizar acerca da proteção dos consumidores no tocante ao uso de recipientes, vasilhames ou embalagens reutilizáveis, sem adentrar na normatização acerca da questão da propriedade de marcas e patentes.
3. Ao tempo em que dispõe sobre a competência legislativa concorrente da União e dos estados-membros, prevê o art. 24 da Carta de 1988, em seus parágrafos, duas situações em que compete ao estado-membro legislar: (a) quando a União não o faz e, assim, o ente federado, ao regulamentar uma das matérias do art. 24, não encontra limites na norma federal geral – que é o caso ora em análise; e (b) quando a União edita norma geral sobre o tema, a ser observada em todo território nacional, cabendo ao estado a respectiva suplementação, a fim de adequar as prescrições às suas particularidades locais.
4. Não havendo norma geral da União regulando a matéria, os estados-membros estão autorizados a legislar supletivamente no caso, como o fizeram os Estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro, até que sobrevenha disposição geral por parte da União.
5. Ação direta julgada improcedente.
*noticiado no Informativo 705

ADI N. 3.745-GO
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
Ação direta de inconstitucionalidade. Parágrafo único do art. 1º da Lei nº 13.145/1997 do Estado de Goiás. Criação de exceções ao óbice da prática de atos de nepotismo. Vício material. Ofensa aos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade. Procedência da ação.
1. A matéria tratada nesta ação direta de inconstitucionalidade foi objeto de deliberação por este Supremo Tribunal em diversos casos, disso resultando a edição da Súmula Vinculante nº 13.
2. A teor do assentado no julgamento da ADC nº 12/DF, em decorrência direta da aplicação dos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade, a cláusula vedadora da prática de nepotismo no seio da Administração Pública, ou de qualquer dos Poderes da República, tem incidência verticalizada e imediata, independentemente de previsão expressa em diploma legislativo. Precedentes.
3. A previsão impugnada, ao permitir (excepcionar), relativamente a cargos em comissão ou funções gratificadas, a nomeação, a admissão ou a permanência de até dois parentes das autoridades mencionadas no caput do art. 1º da Lei estadual nº 13.145/1997 e do cônjuge do chefe do Poder Executivo, além de subverter o intuito moralizador inicial da norma, ofende irremediavelmente a Constituição Federal.
4. Ação julgada procedente.
*noticiado no Informativo 706

Acórdãos Publicados: 299



T R A N S C R I Ç Õ E S

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Manifestações em vias e logradouros públicos (Transcrições)

Rcl 15887/MG*

RELATOR: Min. Luiz Fux
DECISÃO: Trata-se de reclamação, aparelhada com pedido liminar, ajuizada pelo Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais - SIND-UTE, em face de ato do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que teria supostamente desafiado a autoridade da decisão proferida por esta Suprema Corte nos autos da ADI nº 1.969-4/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski.
Em síntese, aduz que a decisão reclamada, ao determinar liminarmente que o Reclamante se abstivesse de realizar manifestações em vias e logradouros públicos em qualquer parte do território estadual (Ação Cautelar nº 1.0000.13.041148-1/000 ajuizada pelo Estado de Minas Gerais), restringiu substancialmente o conteúdo do direito fundamental de livre manifestação do pensamento (CRFB/88, art. 5º, IV) e de reunião (CRFB/88, art. 5º, XVI), nos balizamentos feitos pela Corte na ADI nº 1.969-4/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski. Ademais, assevera que o acórdão paradigma assentou que as limitações ao direito de reunião somente poderiam ser veiculadas por lei em sentido formal, e desde que observado o núcleo intangível do aludido direito fundamental, o que in casu não teria ocorrido. Afirma, ainda, que a decisão judicial nega vigência ao direito de reunião e de manifestação de pensamento, restabelecendo os ideais autoritários do regime militar.
É o relatório suficiente. Decido.
In casu, articula o Reclamante que o decisum reclamado, ao interditar liminarmente manifestações em vias e logradouros públicos dentro do Estado de Minas Gerais, desafiou a autoridade do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI nº 1.969/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski.
Antes, porém, de examinar se houve o desrespeito ao acórdão apontado como paradigma, é preciso verificar se estão presentes os pressupostos para o cabimento da reclamação.
A Reclamação, por expressa determinação constitucional, destina-se a preservar a competência desta Suprema Corte e garantir a autoridade de suas decisões, ex vi do art. 102, I, alínea l, além de salvaguardar o estrito cumprimento das súmulas vinculantes, nos termos do art. 103-A, § 3º, da Constituição da República, incluído pela EC nº 45/2004. Neste particular, reconheço que a jurisprudência desta Suprema Corte estabeleceu diversos condicionantes para a utilização da via reclamatória, de sorte a evitar o uso promíscuo do referido instrumento processual. Disso resulta (i) a impossibilidade de utilizar per saltum a Reclamação, suprimindo graus de jurisdição, (ii) a impossibilidade de se proceder a um elastério hermenêutico da competência desta Corte, por estarem definidas em um rol numerus clausus, e, ao que interessa ao presente caso, (iii) a observância da estrita aderência da controvérsia contida no ato reclamado e o conteúdo dos acórdãos desta Suprema Corte apontados como paradigma. E, no caso vertente, existe tal similitude, uma vez que, tanto no ato reclamado quanto no acórdão paradigma, a discussão gravita em torno da possibilidade de se proceder a restrições ao conteúdo da liberdade de reunião e de expressão em logradouros públicos, razão por que vislumbro a indispensável identidade material entre a questão de fundo debatida no caso vertente e àquela travada nos autos da ADI nº 1.969/DF.
Conheço, pois, da reclamação e passo ao exame liminar de mérito.
No caso sub examine, a controvérsia travada nestes autos versa suposta ofensa ao conteúdo essencial do direito de reunião e de livre manifestação do pensamento (CRFB/88, art. 5º, XVI e IV, respectivamente), na medida em que o decisum reclamado teria interditado, em sede liminar, manifestações em vias e logradouros públicos dentro do Estado de Minas Gerais pelo ora Reclamante. Em sua decisão, o Desembargador do TJ/MG Barros Levenhagem ressaltou o caráter relativo do direito de reunião, cujo exercício encontrar-se-ia limitado pela liberdade de locomoção (CRFB/88, art. 5º, XV), pelo dever do Estado de prover segurança a toda a coletividade (CRFB/88, art. 144), pela restrição imposta ao direito de greve (Lei nº 7.783/89, art. 6º, § 1º) e pela necessidade de se observar a política urbana (Estatuto das Cidades, art. 2º). E, ao proceder a tal restrição, o Desembargador se distanciou dos balizamentos fixados por esta Suprema Corte na ADI nº 1.969/DF. Senão vejamos.
No acórdão paradigma da ADI nº 1.969/DF, a Corte foi instada a se pronunciar acerca da constitucionalidade de norma distrital (Decreto nº 20.098/99), que proscrevia a realização de manifestações públicas, com a utilização de carros, aparelhos e objetos sonoros na Praça dos Três Poderes, Esplanada dos Ministérios e Praça do Buriti. Naquela assentada, o Tribunal julgou procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade de norma asseverando que a restrição estabelecida ao direito de reunião não se compatibilizava com o postulado da proporcionalidade e seus subprincípios (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). Imperioso, neste ponto, trazer à colação excerto do voto do eminente relator Min. Ricardo Lewandowski, acolhido à unanimidade, que categoricamente afirmou “o Decreto distrital 20.098/99 simplesmente inviabiliza a liberdade de reunião e de manifestação, logo na Capital Federal, em especial na emblemática Praça dos Três Poderes, local aberto ao público, que, na concepção do genial arquiteto que a esboçou, constitui verdadeiro símbolo de liberdade e cidadania do povo brasileiro. Proibir a utilização de carros, aparelhos e objetos sonoros, nesse e em outros espaços públicos que o Decreto vergastado discrimina, inviabilizaria por completo a livre expressão do pensamento nas reuniões levadas a efeito nesses locais, porque as tornaria emudecidas, sem qualquer eficácia para os propósitos pretendidos. (…) Ademais, analisando-se a questão sob uma ótica pragmática, cumpre considerar que as reuniões devem ser, segundo a dicção constitucional, previamente comunicadas às autoridades competentes, que haverão de organizá-las de modo a não inviabilizar o fluxo de pessoas e veículos pelas vias públicas. Há que se ter em conta, por outro lado, que a utilização aparelhos de som nas reuniões, que são limitadas no tempo, certamente não causará prejuízo irreparável àqueles que estão nas imediações da manifestação. (…) A restrição ao direito de reunião estabelecida pelo Decreto distrital 20.098/99, a toda a evidência, mostra-se inadequada, desnecessária e desproporcional quando confrontada com a vontade da Constituição (Wille zur Verfassung), que é, no presente caso, a permitir que todos os cidadãos possam reunir-se pacificamente para fins lícitos, expressando as suas opiniões livremente. Não vejo, portanto, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e em face do próprio texto da Carta Magna, como considerar hígida, do ponto de vista constitucional, a vedação a manifestações públicas que utilizem com a utilização de carros, aparelhos ou objetos sonoros na Praça dos Três Poderes, Esplanada dos Ministérios, Praça do Buriti e vias adjacentes.”.
Com efeito, a identidade material reside precisamente no fato de que tanto a decisão reclamada quanto o acórdão paradigma cuidam da constitucionalidade da proibição ao exercício do direito de reunião e de livre manifestação de pensamento em espaços públicos que, por suas características sociais e históricas, permitam a maior propagação das ideias e opiniões manifestadas pelos diversos segmentos da sociedade civil.
Trata-se daquilo que o direito norteamericano intitulou como doutrina dos fóruns públicos (public-forum doctrine), segundo a qual uma sociedade livre deve criar uma plêiade de espaços nos quais se assegure, àqueles indivíduos que desejam se expressar, o direito de ter acesso aos lugares necessários para permitir a difusão da sua opinião entre as pessoas, notadamente aquelas áreas onde muitas delas se encontram (SUNSTEIN, Cass. Republic.com 2.0. New Jersey: Princeton University Press, 2007. p. 22-23).
Mas não é só. O direito de reunião consubstancia um componente indispensável à vida das pessoas e à própria existência de um substancial Estado Democrático de Direito. Conquanto a reunião de indivíduos em torno de determinados fins sociais tenha sempre existido no curso da história, é praticamente um consenso, como bem assinala o filósofo político canadense Will Kimlicka, que a vida associativa nos dias atuais encontra um solo fértil para as virtudes cívicas, ao mesmo tempo em que propicia uma base de sustentação para a construção de uma ordem democrática viável (KYMLICKA, Will. Ethnic Associations and Democratic Citizenship. In: GUTMANN, Amy: Freedom of Association. New Jersey: Princeton University, 1998, p. 177). Nesse cenário, a liberdade de reunião se apresenta como uma das liberdades básicas dos indivíduos, na formulação do filósofo John Rawls (RAWLS, John. As liberdades fundamentais e suas prioridades. In: Liberalismo Político. Trad. Dinah de Abreu Azevedo. 2ª ed. São Paulo: Editora Ática, 2000, p. 347). Trata-se, à evidência, de um direito moral, que deve ser reconhecido e protegido, independentemente de juízos morais meramente contingentes ou majoritários em uma determinada comunidade. Justamente por isso, sob um enfoque filosófico, a liberdade de reunião ostenta um status especial, um “peso absoluto”, com relação a razões de bem público, de cariz tipicamente utilitaristas, e a valores perfeccionistas, incompatíveis com o pluralismo existente nas sociedades contemporâneas. Com isso não se pretende afirmar que, sob o prisma jurídico-constitucional, o direito de reunião revista-se de caráter absoluto. Ao revés: o seu exercício pode encontrar-se limitado em virtude da colisão com o conteúdo de outros bens jurídicos de mesma estatura constitucional. Na realidade, o próprio constituinte originário previu expressamente uma restrição ao exercício do direito de reunião, quando decretado o Estado de Defesa (CRFB/88, art. 136, § 1º, I, alínea b).
É inegável, entretanto, a virtude cívica de movimentos sociais espontâneos que conclamem a participação ativa dos cidadãos na vida pública, de sorte a estimular a reflexão acerca de temas caros à ordem jurídica, política e econômica nacional. A democracia, longe de exercitar-se apenas e tão somente nas urnas, durante os pleitos eleitorais, pode e deve ser vivida contínua e ativamente pelo povo, por meio do debate, da crítica e da manifestação em torno de objetivos comuns.
Neste contexto, precisamente adverte o laureado economista indiano Amartya Sen que um grande número de ditadores no mundo tem conseguido gigantescas vitórias eleitorais, mesmo sem coerção evidente sobre o processo de votação, principalmente suprimindo a discussão pública e a liberdade de informação (SEN, Amartya. A ideia de justiça. Trad. Denise Bottman e Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 361), o que evidencia o liame indissociável entre a liberdade de expressão e a democracia. Considerando todos os benefícios sociais da argumentação pública, Amartya Sen comprova suas premissas com a constatação de que “nunca houve uma grande ocorrência de fome coletiva em uma democracia com eleições regulares, partidos de oposição, liberdade básica de expressão e uma imprensa relativamente livre (mesmo no caso de países muito pobres e em situação alimentar seriamente adversa)”, sendo de rigor admitir, desse modo, que “as liberdades políticas e os direitos democráticos estão entre os ‘componentes constitutivos’ do desenvolvimento” (op. cit. p. 376 e 381).
Certo é que para a existência de uma democracia robusta este debate não pode cingir-se apenas aos mecanismos governamentais de captação da vontade popular, máxime quando a própria eficácia desses instrumentos é contestada no seio da sociedade. É preciso abrir os canais de participação popular para que os rumos da nação não sejam definidos exclusivamente ao talante dos governantes eleitos, estimulando que os destinatários das prestações estatais sejam co-partícipes da formação da vontade política. No plano filosófico, Frederick Schauer nos recorda que a liberdade de expressão é protegida por ser o meio, por excelência, de chegar-se à verdade. O autor assenta a completa inaptidão do Governo para selecionar o que se deve entender por verdade, sendo que a obtenção desta somente é possível pelo mercado livre de ideias, qualificado pela livre troca de opiniões, pela liberdade de informação e pela liberdade de crítica (SCHAUER, Frederick. Free Speech: A Philosophical Enquiry. Cambridge University Press, 1982. p. 15-34).
O aumento dessa participação cívica, com uma intensa rede de interação entre os diferentes segmentos representativos da sociedade civil, estimula a produção do cognominado “capital social”, formulado inicialmente por James Colmen e difundido na obra do cientista político de Harvard Robert Putnam (COLEMAN, James S. Social Capital in the Creation of Human Capital. American Journal of Sociology (Supplement), Vol. 94, 1988, p. S100-S101; PUTNAM, Robert. Bowling Alone: America’s Declining Social Capital. Journal of Democracy, Vol 6, nº 1, January, 1995), indispensável para o adequado funcionamento e manutenção da estabilidade das instituições democráticas. O “capital social” é caracterizado pela confiança que os membros de um grupo demonstram em seus pares, o que aumenta as chances de realizarem seus projetos quando comparados a um grupo que careça desse grau de confiabilidade recíproca.
Deve-se valorizar, neste diapasão, a potencialidade democrática que as novas tecnologias representam para a formação do capital social, permitindo a formação de relações de confiança entre pessoas de diferentes lugares, crenças e inclinações políticas. Por meio da internet, a fronteira da tradicional dicotomia entre esquerda e direita se dilui para que a sociedade siga em frente, rumo à era da consciência social, do respeito aos direitos fundamentais, do desenvolvimento econômico responsável, sempre tendo como base e pressuposto a moralidade na gestão da coisa pública.
No caso sub examine, a insatisfação popular com as questões centrais da vida pública, inicialmente veiculada apenas em redes sociais na internet – e que, por isso, já permeava o debate público em um espaço no qual não podia ser notada fisicamente –, tomou corpo e se transmudou em passeatas propositalmente realizadas em locais de grande significação e especial simbolismo, onde essas vozes, antes ocultas, podem ser percebidas com clareza pelos seus alvos, mercê de contribuírem para a edificação de um ambiente patriótico de reflexão sobre os rumos da nação. Além disso, é fato público e notório a anuência dos poderes constituídos ao movimento popular observado nas ruas, de manifestações em prol da democracia, da probidade e do bom emprego dos recursos públicos. A imprensa escrita e falada dá notícia das declarações de autoridades governamentais exaltando e chancelando o caráter legítimo e democrático de tais protestos, desde que sem vandalismo e depredação do patrimônio público e privado.
Cass Sunstein, referindo-se especificamente à liberdade de expressão oriunda da rede mundial de computadores, fecunda e própria da modernidade, como sói ocorrer atualmente no Brasil, deixa claro que esse direito não é absoluto, de modo que o Estado tem não apenas o poder, mas o dever de coibir excessos nocivos à vida social e que podem comprometer o próprio exercício, independente e informado, da livre manifestação. Nas palavras do professor de Harvard, uma infrutífera e reprovável tentativa de solicitar a alguém o cometimento de um crime, por exemplo, continua sendo uma incitação criminosa, ainda que se tente justificá-la com base em ideais democráticos (SUNSTEIN, Cass. Republic.com 2.0. New Jersey: Princeton University Press, 2007. pp. 175- 177).
Nesse mesmo campo, o Reitor da Yale Law School, Prof. Robert Post, divide a “palavra” e a “ação” para a definição do conteúdo da liberdade de expressão. Enquanto que um discurso proferido em uma multidão reunida em praça pública se enquadra na categoria “palavra”, quebrar uma vidraça com um tijolo é uma “ação”. Ambas as categorias de manifestações não são protegidas de maneira plena pela referida garantia constitucional. A liberdade de expressão, em ambos os casos, deve ser protegida apenas enquanto meio para a comunicação de ideias – a palavra não é acobertada pela garantia constitucional para veicular, por exemplo, um discurso de ódio. Mais ainda, não se pode admitir a barbárie a pretexto de transmitir uma mensagem ou proposta. Assim, ainda que alguém atire um tijolo contra uma vidraça para expressar que não concorda com certo ponto de vista ou atitude do proprietário do bem, e por mais clara que seja a mensagem retratada em tal ação, não é possível invocar a liberdade de expressão para excluir a prevenção e a repressão, civil e penal, contra o vandalismo (POST, Robert. Democracy, Expertise, and Academic Freedom. A First Amendment Jurisprudence for the Modern State. New Haven: Yale University Press, 2012. p. 2).
Ademais, ressoa absolutamente contraditório protestar contra a malversação de recursos públicos por meio da depredação de prédios e bens custeados e mantidos por toda a sociedade. Esse tipo de conduta não deve ser tolerada, seja pelo seu caráter violento, seja porque não é capaz de transmitir qualquer tipo de mensagem útil ao debate democrático.
Presente o fumus boni iuris quanto à liceidade das passeatas ordeiras, o periculum in mora se evidencia pelo fato de que manifestações têm sido realizadas diariamente em diversas cidades do país, de modo que a manutenção da eficácia da decisão impugnada tolhe injustificadamente o exercício do direito de reunião e de manifestação do pensamento por aqueles afetados pela ordem judicial, contrariando o quanto estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI nº 1.969/DF.
Ex positis, concedo a liminar, cassando a decisão reclamada, nos termos do art. 21, V, do RISTF, porquanto consideradas legítimas as manifestações populares realizadas sem vandalismo, preservado o poder de polícia estatal na repressão de eventuais abusos.
Publique-se. Int..
Brasília, 19 de junho de 2013

Ministro LUIZ FUX
Relator

*decisão publicada no DJe de 24.6.2013

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