quinta-feira, 16 de maio de 2013

A PEC 37 E A "EMEPÊFOBIA" OU "QUE TAL UM OUTRA PEC"?


Explicação propedêutica
A coluna de hoje deveria tratar da parte II do “Cego de Paris”, em que desmi(s)tificaria (e ainda o farei) o “princípio” (sic) da verdade real. Mientras tanto, por ter estado na Colômbia en clases naUniversidad Javeriana, tive contato com o sistema acusatório por lá implantado, em que o Ministério Público tem um relevante papel na investigação criminal, com poderes, inclusive, para decretar escutas e condução de testemunhas.

Por isso, uma vez que estão ocorrendo reuniões — no Congresso Nacional — para “aprimorar” (sic) a PEC 37, tenho por obrigação trazer algumas observações sobre a temática. Por isso, peço que os leitores me perdoem por não trazer, hoje, a parte II da coluna do Cego de Paris.
Além disso, a presente coluna também tem o condão de fechar alguns gaps facilmente encontrados nos pareceres dos professores Ives Gandra Martins e José Afonso da Silva, ambos no sentido de que a Constituição do Brasil não autoriza o Ministério Público a investigar (sic). Ao que li, aparece, ali, a ponta do iceberg de uma espécie de “emepêfobia” que se forma no Brasil (não por parte de Gandra e Silva, mas por aí afora...). Surpreende-me, em ambos pareceres, a ausência do tempo e da história. Faltou uma boa dose de Spinosa, Weber e Gadamer, enfim, os efeitos da história sobre todos nós — não é que devessem ser citados tais autores; deviam estar presentes, sim, como vozes silentes). De todo modo, se considerarmos que a dogmática jurídica é cronofóbica e factumfóbica, também essegap é facilmente compreensível. Estranho os pareceristas não falarem da Alemanha, da Itália, do México e da Colômbia (aliás, como se o Brasil fosse um país autóctone, fechado em si mesmo, nada precisando do que tem sido feito de bom na área da investigação criminal). Estranho também os eminentes pareceristas não falarem de prognoses (aliás, a PEC 37, se aprovada, é inconstitucional exatamente pela ausência de prognose). Aliás, por falar em prognose (razões e motivos para a aprovação da PEC), vale citar o comentário do governador paulista, na Folha de S.Paulo, sobre “o grau de roubalheira e de impunidade” (sic): “O controle é zero. O sujeito fica rico, bilionário... e nada acontece. O povo não sabe de um décimo do que se passa contra ele [o povo]”. Então, pergunto: com a PEC o grau de impunidade baixará? Ora, onde está a prognose? Na Alemanha, a falta de prognose torna inconstitucional uma lei ou emenda à Constituição.
Mas, continuemos. E por partes. O professor Gandra Martins, por exemplo, comete equívocos muito sérios (leia aqui), ao entender, por um lado, que o inquérito policial é um procedimento administrativo abrangido pelo disposto no artigo 5º, inciso LV, da CF (é mesmo? Cabe a pergunta: que tipo de contraditório se estabelece no inquérito policial? A autoridade policial examina, detida e demoradamente, os argumentos das “partes” Ministério Público e investigado antes de elaborar o seu relatório final? Quais seriam os “recursos administrativos” a ele inerentes?); e, por outro, que o Ministério Público, por ser o titular da ação penal (e, portanto, parte autora de uma futura e eventual ação penal), caso exercesse poder investigatório, estaria, na prática, exercendo as figuras de parte e de juiz simultaneamente — o que o Supremo já teria proibido (Gandra infere, erroneamente, essa conclusão de uma decisão na qual se recusou ao MP o poder de quebra do sigilo bancário de investigados). Aliás, este segundo argumento é particularmente curioso. Vou repeti-lo, para deixá-lo bem claro: na leitura de Gandra, o MP é “parte” de um processo administrativo (sic) do qual, segundo entendi, a autoridade policial é o “juiz”, uma “autoridade neutra”, já que “a serviço” (sic) do Poder Judiciário. Assim, como o Supremo já disse que não se pode ser “parte e juiz” ao mesmo tempo...! Pronto. Uma questão de lógica elementar, não? Por mais simpatia pessoal que nutra por Gandra, não é possível aceitar esse “drible hermenêutico” que ele deu na Constituição. Como se dizia antigamente no futebol, o jogador (o argumento) estava off side.
Já o professor José Afonso da Silva, em parecer sobre a questão (leia aqui), assume, em termos hermenêutico-interpretativos, uma posição ora subjetivista, ora essencialista (na filosofia chamaríamos de “objetivismo”). Explico: lendo o seu alentado parecer, constato que ele vai da metafísica clássica à metafísica moderna (da adeaquatio intellectum et rei à adeaquatio rei et intellectum). Assim, acreditando em uma pretensa vontade do legislador (sic), reconstrói o processo constituinte, no qual teria sido derrotada a tese da investigação pelo Ministério Público com a retirada da expressão “supervisionar a investigação criminal” do então artigo 180 do projeto constituinte (algo do tipo “já que o constituinte não quis...”). E, em razão disso, não se poderia defender que o Ministério Público investigasse, uma vez que a “vontade constituinte” teria sido de rechaçá-la. O que seria essa “vontade”, parece impossível de responder. Ao menos hermenêutico-filosoficamente, trata-se de uma impossibilidade. Vontade de quem?
Só que em outra passagem, o professor assume uma visão objetivista (essencialista), ao afirmar que “O que vale não é a intenção do legislador, mas a intencionalidade das normas constitucionais”, que teria se dado “não pela intenção de cada um, mas pela conjugação da vontade constituinte, não da vontade psicologicamente identificada, mas pela vontade culturalmente constituída, porque vontades que agiam em função de valores, por isso mesmo acolhendo uns e recusando outros. Por isso é que a Constituição é um sistema de valores.”
E diz mais. “Percorram-se os incisos em que o art. 129 define as funções institucionais do Ministério Público e lá não se encontra nada que autorize os membros da instituição a proceder a investigação criminal diretamente. O que havia sobre isso foi rejeitado, como ficou demonstrado na construção da instituição durante o processo constituinte e não há como restabelecer por via de interpretação o que foi rejeitado.”
Defende, assim, a interdição do discurso por meio de uma pretensa cogência do que foi discutido e rejeitado durante a constituinte. Pergunto-me, então: como manter o mesmo argumento, paradoxalmente, se o referido parecerista defendeu a tese da constitucionalidade da união homoafetiva (sob o argumento de que não deveria haver discriminação) que, igualmente, foi objeto de proposta rejeitada durante o processo constituinte?[1] O argumento vale (só) quando interessa? Sinto o cheiro, aí, de teses como a "Invisible Constitution" (Tribe) ou algo do tipo "Unwritten Constitution" (Akhil).
Ademais, sob o argumento de que possuiríamos um modelo próprio e único de investigação criminal (obviamente centralizado na exclusividade [sic] da polícia judiciária) e, por isso, a doutrina estrangeira não seria aplicável, José Afonso da Silva tangencia uma questão incontornável: como, dentro da tradição ocidental da qual fazemos parte, sustentar esse pretenso modelo? Isto é, por que a exclusividade da investigação pela polícia melhor se adequaria às nossas realidades social, política, jurídica e econômica? Pergunto: por que nos igualarmos apenas ao Quênia, Indonésia e Uganda?
Portanto, o texto de hoje é propositivo. Alguém dirá: mas o professor Lenio é do Ministério Público, sendo, portanto, suspeito. Pois é. Mas os professores Gandra e Afonso da Silva também o são, já que emitiram pareceres no plano da advocacia, portanto, com nítido raciocínio teleológico (a resposta vem antes do fundamento). Despiciendo falar do meu respeito e distinguida admiração e afeto pelos dois professores paulistas. Mas, como verão, serei propositivo.
O alvo errado dos parlamentares 
Assim, sigo. E quero ir mais longe. Esta coluna não é para contestar os pareceres dos eméritos professores Gandra e José Afonso. Como visto, não é tarefa difícil. O que quero dizer é que, em tempos de PEC 37, que pretende colocar em mãos da autoridade policial a totalidade da investigação criminal, está passando a oportunidade de discutirmos a gestão da prova no Brasil. Interessante notar que os parlamentares, no contexto da PEC 37, em nenhum momento se preocuparam com o papel exercido pelo juiz no processo penal. Por exemplo, os mesmos parlamentares que hoje apoiam a PEC 37 provavelmente foram os mesmos que, até o momento, apoiaram o projeto de reforma do Código de Processo Penal (PL 156), que continua a conceder ao juiz o poder de “livre apreciação da prova” (dentre outros poderes discricionários). Aliás, parcela do Congresso brasileiro parece que é paradoxal: ao mesmo tempo em que, pela PEC 33, pretende restringir poderes do Judiciário, aposta até mesmo no livre convencimento da Polícia, conforme se vê no recente PLC 132. Difícil saber por onde andar, nessa encruzilhada de senderos que se bifurcam, como diria Jorge Luis Borges.

Mais do que isso, os parlamentares, tão preocupados com a “democratização” da investigação no Brasil, não se preocuparam com a parte do projeto do CPP que dá o poder ao juiz de decretar prisões de ofício. Para onde estão olhando nossos parlamentares? Não estariam sendo enganados pelos passos do Curupira?[2]
A Itália
Portanto, o Brasil parece querer dar um passo atrás na questão da investigação criminal e da gestão da prova. Para se ter uma ideia, na Itália, onde o Ministério Público derrotou a máfia, é pacífica a possibilidade de investigar. Não é preciso pesquisar muito para descobrir isso tudo. Basta ler o belo artigo escrito por Neviton Guedes (leia aqui), quando diz que “na Itália, exemplo dos maiores processualistas que inspiraram nossa produção legislativa e jurisprudencial, sua Corte Constitucional, na sentença 88/1991, diante do inegável poder do Ministério Público para produzir investigação criminal, deixou todavia assentado que, ‘mesmo no novo processo, o Ministério Público é obrigado a realizar investigações (indagini) completas e buscar todos os elementos necessários para uma decisão justa, incluindo aqueles favoráveis ​​ao acusado’ (favorevoli all'imputato). Por isso mesmo conclui Paolo Barille, ‘o novo código de processo penal, em harmonia com essa visão de magistrado do Ministério Público, isto é, órgão imparcial, sanciona o poder-dever do Ministério Público para realizar investigações sobre a base do exercício da acusação e da apreciação dos fatos específicos, incluindo as provas favoráveis ​​ao ‘réu’”.

O MP e a administração da justiça penal na Alemanha
Nem foi preciso buscar meus alfarrábios para revelar à comunidade jurídica — o que Néviton magnificamente já o fez — o teor do parágrafo 160 do Código de Processo Penal (Strafprozessordnung) alemão, em seu enunciado segundo: “o legislador alemão entendeu por bem deixar expressamente disposta a obrigação de o Ministério Público (Die Staatsanwaltschaft), ainda na fase da investigação, “verificar não só as circunstâncias incriminatórias (Belastung), mas também as que servem para exonerar (Entlastung), assim como tomar o cuidado de recolher as provas que se possa recear sejam perdidas”.Também Emerson Garcia mostra bem essa face do Ministério Público alemão.[3]

Ademais, há um acórdão da Corte Constitucional da Colômbia (C-591 de 2005), na qual há um perfeito resumo das características do sistema alemão, que serviu, junto com México e Costa Rica, de base para a Reforma da Constituição colombiana. Trata-se dos princípios comuns ao sistema acusatório, como passa a explicar-se:
“a) Em alguns países, o Ministério Público faz parte do ramo judicial. Na Alemanha, pelo contrário, o MP é uma autoridade independente, isto é, não faz parte do Poder Executivo e nem do poder Judiciário.[4] Daí que, como afirma Claus Roxin,[5] o Ministério Público não pode ser equiparado, de maneira alguma, ao Judiciário, porém tampouco é uma autoridade administrativa. Assim, pois, na medida em que se lhe confia a administração da Justiça Penal, a atividade do Ministério Público, do mesmo modo a que dos juízes, não pode estar orientada às exigências da administração, senão que se encontra vinculada aos valores jurídicos, isto é, a critérios de verdade e justiça. Em consequência, um membro do Ministério Público não pode ser obrigado, por seu superior hierárquico, a sustentar ou deixar de sustentar uma acusação ou a deixar de perseguir a um indiciado-acusado.
b) Como decorrência do que foi dito, o membro do MP não é tecnicamente uma “parte processual”. Por isso que não somente deve reunir material probatário contra o acusado, como também é sua obrigação investigar as circunstâncias que sirvam para a sua desimputação.[6]
c) Está presente também o princípio da oportunidade da ação penal.”[7]
O sistema colombiano

Portanto, quero dizer que a Colômbia é bem mais avançada que o Brasil em termos de sistema processual penal. Claro que tem problemas. Por exemplo, não se livraram da expressão (ou da questão paradigmática) “livre apreciação da prova”. Mas, como disse, há consideráveis avanços.  O novo sistema foi introduzido pelo ato legislativo número 3 de 2002, na Lei nº 906, de 2004, reformada pela lei 1142, de 2007 (ver, acima, o  acordão C-591 de 2005).
Nesse sentido, há um interessante estudo feito por Pedro Oriol Avella Franco, intitulado Estructura del processo penal acusatório.[8] Com efeito, as variações que o referido Ato Legislativo introduziu ao dispositivo podem ser resumidas assim: ao MP compete impulsionar a ação penal, cabendo-lhe a investigação dos eventos que possuam características de um delito. Tem a seu favor o princípio da oportunidade, com controle pelo juiz de garantias. Ao MP está facultado ordenar, ainda no curso das investigações, busca e apreensão de bens e interceptação de comunicações, submetendo a posterior controle judicial os motivos que serviram de base para decretá-las, juntamente com a ordem e os resultados, dentro das seguintes 36 horas. Na Colômbia, esse controle é feito por um juiz de garantias. Medidas que afetem direitos fundamentais devem ser levadas ao juiz de garantias.
Interessante registrar que, como na Alemanha, se no curso da investigação encontrar elementos materiais probatórios, evidência física ou informação legalmente obtida, que seja favorável ao acusado, é dever do promotor do caso mencioná-los no apêndice da acusação (artigo 337 da Lei 906/2004). Tudo isso com respaldo no artigo 251 da Constituição Federal, que foi alterada exatamente para ampliar os poderes do Ministério Público. Por último, cabe ressaltar que “é a polícia judiciaria, sob a direção, coordenação e controle do promotor do caso”, a encarregada de materializar os atos de investigação encaminhados para coleta de provas.
Em conclusão, com Ferrajoli e Roxin
O assunto é recorrente. Relevantíssimo. O STF já disse que o Ministério Público pode investigar. Há anos diz isso. Essa matéria inclusive está regulamentada pelo CNMP. Entretanto, os eminentes pareceristas José Afonso e Ives Gandra sustentam que, para afastar o Ministério Público das investigações, nem seria necessária a aprovação da PEC 37. Gandra chega a dizer que, de todo modo, o óbvio deve ser dito e, talvez por isso, a “necessidade da PEC 37”.

Pois bem. Vou dar de barato, ad argumentantum tantum, que os ilustrados mestres estejam corretos. Pois se eles estão certos, é por isso mesmo que necessitamos, não de uma PEC como a 37, mas de outra PEC. Sim, uma PEC que altere a Constituição e explicite, muito claramente, que o Ministério Público, como na Alemanha, Itália, México e Colômbia (para falar somente destes, e não de Congo, Bangladesh, Burkina Faso, Suazilândia, Indonésia, Uganda etc, onde, ao que tudo indica, o Ministério Público não investiga), é não somente o titular da ação penal como aquele que é o encarregado da busca da prova, em um sistema acusatório, buscando exatamente as lições de um jurista da extirpe de Claus Roxin, conforme especificado no acórdão C-591 de 2005 do Tribunal Constitucional da Colômbia.
Aliás, interessante que dia destes vi gente utilizando Ferrajoli para sustentar a PEC 37. Por sinal, preciso criar um novo som onomatopeico para mostrar o tamanho de minha perplexidade. Vejam o que diz Ferrajoli, em Direito e Razão: “É necessário, antes de tudo, que a função judicial não seja minimamente contaminada pela promiscuidade entre os juízes e os órgãos de polícia, sendo que estes últimos devem ter relações — de dependência — unicamente com a acusação pública. [...] A segunda condição concerne à defesa, que deve ser dotada da mesma dignidade e dos mesmos poderes de investigação do Ministério Público. [...] Dotado dos mesmos poderes da acusação pública sobre a polícia judiciária [...]”. Paro por aqui. Fico, pois, com Roxin e Ferrajoli.[9] Nota: Ferrajoli, de fato, não admite investigação... só que não a admite por parte... do juiz. Para ele, a polícia investiga sob dependência do Ministério Público.
Em síntese: claro que o Ministério Público pode investigar. Deve investigar. Não fosse isso e não haveria a PEC 37... óbvio isso (para usar a contundência de Gandra Martins, só que em sentido contrário!). De todo modo, esquecendo o que aí está e o que querem os adeptos da PEC 37, permito-me sugerir uma nova PEC — que eu chamaria de a PEC da Esperança —, que colocará o Brasil no rol dos países civilizados, a menos que consideremos a Alemanha um país atrasado, onde “nada funciona”. Sem apresentar, aqui, a necessária redação técnica, a PEC, inspirada nos sistemas alemão, mexicano, italiano, costarriquenho, norte-americano, espanhol e colombiano (não é pouca coisa, pois não?), seria bem simples, pois faria constar na Constituição apenas isto: São funções do Ministério Público, entre outras já previstas na Constituição: 1. Investigar e acusar; 2. Assumir diretamente as investigações e processos, qualquer que seja o estado em que se encontrem; 3. Participar no planejamento das políticas de Estado em matéria criminal e apresentar projetos de lei a respeito. A regulamentação será feita por lei.
Para reforçar e institucionalizar o sistema acusatório — desejo de todo garantista da cepa de terrae brasilis —, sugiro constitucionalizar o conteúdo do dispositivo do parágrafo 160 do Código de Processo Penal da Alemanha, pelo qual o Ministério Público tem a “obrigação de, ainda na fase da investigação, verificar não só as circunstâncias incriminatórias (Belastung), mas também as que servem para exonerar (Entlastung), assim como tomar o cuidado de recolher as provas que se possa recear sejam perdidas”Alguém dirá: lá vêm o professor Lenio e o professor Neviton, de novo, “copiando” coisas da Alemanha... Bom, é melhor nos inspirarmos na Alemanha do que no sistema penal do Congo. Bingo!Simples, mas eficiente.Aliás, este pode ser um parágrafo único do artigo sugerido acima!
Com isso, pelo menos poderemos falar com os alemães, os italianos, os mexicanos e colombianos e lhes dizer: estamos avançando! E dizer para o pessoal do Congo, Burkina Faso e outros países onde o Ministério Público não investiga que estamos bem melhor que eles. E, desde já, brindemos a isso! Tenho certeza de que o Congresso brasileiro não quererá ficar atrás dos vizinhos colombianos! E ficar bem à frente de Uganda e outros dessa estirpe. Afinal, somos a sexta economia do mundo. E membros dos BRICS. Vamos optar pelo terceiro-mundismo?
Eça de Queiroz era genial. Um dos personagens de seu Primo Basílio era o Conselheiro Acácio. Sua máxima: “as consequências sempre vêm depois”. A ironia de Eça na construção desse personagem é absolutamente genial. Não é mesmo?

[1] O exemplo, a seguir, é só para mostrar a contradição do professor. Não tem outra serventia. Esse assunto já foi decidido pelo STF. Mas, vamos lá. Segundo o autor, “O sexo sempre foi um fator de discriminação. (...). A questão mais debatida feriu-se em relação às discriminações dos homossexuais. Tentou-se introduzir uma norma que a vedasse claramente, mas não se encontrou uma expressão nítida e devidamente definida que não gerasse extrapolações inconvenientes. Uma delas foi conceder igualdade, sem discriminação de orientação sexual, reconhecendo, assim, na verdade, não apenas a igualdade, mas igualmente a liberdade de as pessoas de ambos os sexos adotarem a orientação sexual que quisessem. Teve-se o receito de que essa expressão albergasse deformações prejudiciais a terceiros. Daí optar-se por vedar a distinções de qualquer natureza e qualquer forma de discriminação, que são suficientemente abrangentes para recolher também aqueles fatores, que têm servido de base para desequiparações e preconceitos” (SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 223-224). Portanto, aqui não valia a intenção? Ou a vontade constituinte? Claro que não serei tão duro assim. Isso seria um originalismo “sincrético”, aplicável apenas ad hoc.. Mas que, utilizado o mesmo argumento que o Professor invocou no caso do poder investigatório, teríamos sérios problemas para sustentar a questão das uniões homoafetivas. Afinal, o constituinte houvera negado a igualdade... Por isso, na hermenêutica, nem a vontade da lei, nem a vontade do legislador... Nada disso tem mais sentido depois do linguistic turn. Só uma coisa, ainda: fosse importante o argumento da “vontade da lei” ou “vontade do legislador”, por certo não teríamos superado a vedação a que os opositores do regime militar, mortos em outro lugar que não “a prisão ou similares”, recebessem indenização. Ali (Lei 9.140), tanto a vontade da lei como a vontade do legislador eram no sentido de deixar de fora Marighella e Lamarca. Ainda bem que havia uma boa interpretação constitucional para além dos serôdios “vontade da lei-vontade do legislador” (ver, para tanto, meu Verdade e Consenso, pp. 555 e segs).
[2] Como reza a lenda, o menino Curupira tem os pés virados ao contrário, para enganar os caçadores.
[3]http://jus.com.br/revista/texto/8190/o-processo-constitucional-alemao-e-a-atuacao-do-ministerio-publico; também nosso Aury Lopes Jr, em seu Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal, Lumen Juris, 2006, trata da matéria.
[4] Cf. Claus Roxin, Pasado, presente y futuro del derecho procesal penal, Bogotá, 2004.
[5] Cf. Claus Roxin, Derecho Procesal Penal, Edit. Del Puerto, Buenos Aires, 2000, Pág. 53.
[6] Cf. Roxin, op.cit., p. 53.
[7] La StPO de 1987 (Ordenanza del Proceso Penal) establece las siguientes causales de procedencia del principio de oportunidad cuando (i) el reproche por el hecho es insignificante y no existe interés alguno en la persecución penal; (ii) el interés en la persecución puede ser satisfecho de otro modo; (iii) el ofendido puede llevar adelante por sí mismo la persecución penal; y (iv) existen intereses estatales prioritarios.
[8] Cf. publicação da Fiscalía General de la Nación – Esculea de Estudios e Ivestigaciones Criminalísticas y Ciências Forenses, 2007.
[9] Ver, nesse sentido, belo artigo aqui no Conjur, de Thiago de Ávila: “Pensamento de Ferrajoli não combina restrição ao MP”. O artigo é precioso. E preciso. Remeto-me a ele, para não precisar citar o mestre fiorentino. 
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine oFacebook.
Revista Consultor Jurídico, 16 de maio de 2013

quarta-feira, 15 de maio de 2013

JUDICIÁRIO APLICA MULTA A FABRICANTE DA COCA-COLA POR REDUZIR QUANTIDADE DE PRODUTO SEM INFORMAR DE FORMA CLARA E SUFICIENTE OS CONSUMIDORES




A Refrigerantes Minas Gerais Ltda., produtora de Coca-Cola, terá de pagar quase R$ 460 mil, em valores atualizados, por ter reduzido a quantidade de produto nas embalagens, de 600 ml para 500 ml. A multa, aplicada pelo Procon estadual, foi mantida pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). 

Para o órgão mineiro de defesa do consumidor, a empresa teria “maquiado” o produto, praticando “aumento disfarçado” de preços, ao reduzir as embalagens de Coca-Cola, Sprite, Fanta e Kuat sem informar adequadamente os consumidores. 

Para o ministro Humberto Martins, a informação foi prestada de forma insuficiente diante da força das marcas, o que causou dano aos consumidores. 

“Fala-se, aqui, de produtos altamente conhecidos – Coca-Cola, Fanta, Sprite e Kuat –, em relação aos quais o consumidor já desenvolveu o hábito de guiar-se mais pela marca e menos pelos detalhes do rótulo. Exatamente por isso, o fornecedor deveria ter zelado, preventivamente, para que a informação sobre a redução de volume fosse deveras ostensiva, clara e precisa, preservando, assim, a confiança do consumidor”, resumiu o relator. 

Destaque insuficiente 

A empresa alegou seguir norma do Ministério da Justiça, fazendo constar no rótulo a redução, em termos nominais e percentuais, além de ter também reduzido proporcionalmente o preço na fábrica. 

O argumento foi rejeitado tanto administrativamente quanto pelo Judiciário mineiro, que fixou ainda honorários advocatícios no valor de R$ 25 mil. 

Embalagem notória

Para o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), a redução do volume dos refrigerantes de 600 ml para 500 ml, sem qualquer mudança da embalagem já reconhecida há vários anos pelo consumidor, implicaria violação do direito do consumidor à informação clara, precisa e ostensiva. 

No STJ, o ministro Humberto Martins seguiu o entendimento mineiro. “A informação não só foi insuficiente para alertar o consumidor, como também foi mantido o antigo tamanho, a forma e o rótulo do recipiente, o que impossibilitou ou dificultou ao consumidor perceber a redução de volume do produto vendido há anos no mercado”, avaliou o relator. 

Meia informação 

“Não se pode afastar a índole enganosa da informação que seja parcialmente falsa ou omissa a ponto de induzir o consumidor a erro, uma vez que não é válida a meia informação ou a informação incompleta”, acrescentou o ministro. 

“De mais a mais, não é suficiente oferecer a informação. É preciso saber transmiti-la, porque mesmo a informação completa e verdadeira pode vir a apresentar deficiência na forma como é exteriorizada ou recebida pelo consumidor”, asseverou. 

Proteção da confiança 

O relator citou ainda doutrina de Karl Larenz para afirmar que “o ato de ‘suscitar confiança’ é ‘imputável’ quando quem a causa sabe ou deveria saber que o outro irá confiar”. 

No Brasil, a proteção da confiança estaria ligada à massificação e propagação do anonimato nas relações sociais, impulsionadas pelas novas técnicas de publicidade e venda. A informação seria parte dessa relação. 

“Informação e confiança entrelaçam-se”, afirmou o ministro. “O consumidor possui conhecimento escasso acerca dos produtos e serviços oferecidos no mercado de consumo. A informação desempenha, obviamente, função direta no surgimento e na manutenção da confiança por parte do consumidor”, completou Martins. 

Repasse de redução 

No STJ, a empresa sustentava também que não poderia ser responsabilizada, porque reduziu os preços proporcionalmente. Caberia aos distribuidores repassar a diminuição de custos, arcando com a responsabilidade caso não o fizessem. 

O ministro Humberto Martins divergiu da fabricante. Para o relator, a fabricante compõe a cadeia de geração do bem e é considerada também fornecedora do produto. 

Por isso, é solidária pelos danos sofridos pelo consumidor, assim como os demais participantes do ciclo de produção. Ou seja: mesmo que a falha tenha sido dos distribuidores, a fabricante ainda responde solidariamente pelo vício de quantidade do produto colocado à venda. 

A Turma manteve tanto a multa quanto os honorários, que chegaram a R$ 25 mil depois de serem aumentados pelo tribunal mineiro. A sentença havia fixado o valor em R$ 1 mil. 





Fonte: STJ

CNJ DETERMINA QUE CARTÁRIOS CONVERTAM UNIÃO HOMOAFETIVA EM CASAMENTO


O Conselho Nacional de Justiça aprovou, na manhã desta terça-feira (14/5), uma resolução que determina aos cartórios de todo o país que convertam a união estável homoafetiva em casamento civil. A proposta partiu do próprio presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, e foi aprovada por maioria de votos dos conselheiros.
A justificativa do presidente do CNJ foi tornar efetiva a decisão do STF que reconheceu, em 2011, a legalidade da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Barbosa qualificou como contrassenso ter de esperar que o Congresso Federal estabeleça a norma e afirmou também que os cartórios estão descumprindo a decisão do STF. "O conselho está removendo obstáculos administrativos à efetivação de decisão tomada pelo Supremo, que é vinculante”, afirmou.
Apenas a ministra Maria Cristina Peduzzi, representante do Tribunal Superior do Trabalho no Conselho, se opôs à decisão e ficou vencida por 14 votos a um. De acordo com Peduzzi, não há previsão legal sobre o assunto e a decisão do Supremo Tribunal Federal apenas igualou os direitos no que toca à união estável.
O sub-procurador-geral da República Francisco de Assis Vieira Sanseverino, presente na sessão desta manhã, também alertou para o fato de o assunto estar em debate no Parlamento e disse ainda que a decisão da corte suprema tratou apenas da união estável entre pessoas do mesmo sexo.
Os próprios ministros do STF, em ocasiões diversas, externaram opinões em sentido diverso sobre o assunto. Para o ministro Ayres Britto (aposentado), relator das duas ações que discutiram o tema, a decisão do Supremo poderia, sim, estender o direito à figura do casamento civil. Porém, tanto nos votos quanto no acórdão do julgamento, não há detalhamento da decisão nesse sentido.
debate tem chegado aos tribunais em razão de dúvidas acerca da decisão do Supremo sobre união homoafetiva ter ou não efeito vinculante — clique aqui para ler.
Casais que tiveram seu pedido de conversão da união estável em casamento negada pelos cartórios têm procurado à Justiça. Em setembro de 2012, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sulreconheceu a possibilidade de a união estável entre dois homens ser convertida em casamento depois de decisões em sentido contrário em primeira instância.
De acordo com a resolução aprovada nesta terça pelo CNJ, “é vedada às autoridades competentes” a recusa em celebrar casamento civil ou em converter união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em caso de o cartório deixar de cumprir o que dispõe a resolução, caberão providências pelo devido juiz corregedor. A decisão do CNJ passa a valer a partir de sua publicação no Diário de Justiça Eletrônico.
Sem proteção
Advogados ponderam que a decisão do CNJ não é protegida por lei. “É inegável que um casal homossexual é uma entidade familiar. Porém, não pode se tornar casamento porque o Código Civil e a Constituição são específicos ao definir que a união estável e o casamento é a união entre homem e mulher. Da maneira como foi feito, o casamento homossexual não é protegido pela Constituição”, afirma Luiz Eduardo Gomes Guimarães, do escritório Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra. (Clique aqui para ler reportagem sobre a opinião dos advogados)
Clique aqui para ler a minuta da Resolução do CNJ.
Rafael Baliardo é repórter da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 14 de maio de 2013

BARBOSA CRIA POLÊMICA AO FAZER PIADA SOBRE ADVOGADOS ACORDAREM TARDE


Uma provocação do ministro Joaquim Barbosa em Plenário, durante sessão do Conselho Nacional de Justiça desta terça-feira (14/5), acabou dando o tom de um debate sobre as prerrogativas dos advogados e o direito deles ao acesso irrestrito aos órgãos do Judiciário. “Mas a maioria dos advogados não acorda lá pelas 11 horas mesmo?”, disse o presidente do CNJ, em tom de galhofa, em discussão sobre o Provimento 2.028 do Tribunal de Justiça de São Paulo — que reservou o período das 9h às 11h para os serviços internos nos órgãos da Justiça paulista, limitando o horário de atendimento aos advogados a partir das 11h. Barbosa estava respondendo ao conselheiro Wellington Cabral Saraiva, que havia afirmado que a resolução faria com que os advogados tivessem “suas manhãs perdidas".
O debate envolvia a discussão de três Pedidos de Providência contra o provimento do TJ-SP que reduz o horário de expediente externo. A discussão iniciou na sessão do dia 30 de abril, mas o julgamento foi suspenso após o pedido de vista do conselheiro Guilherme Calmon. Havia votado, até então, apenas o conselheiro José Roberto Neves Amorim, relator dos três processos, e o conselheiro Jorge Hélio, que havia adiantado seu voto. Amorim votou pelo indeferimento dos Pedidos de Providência em favor do argumento da autonomia administrativa do tribunal, assegurada pela Constituição. Jorge Hélio, contudo, havia manifestado sua contrariedade em relação a esse entendimento.

Hélio foi acompanhado pelo conselheiro Guilherme Calmon, que, ao trazer seu voto-vista sobre os três processos nesta terça, disse que, embora a adoção de medidas administrativas visem a melhoria da organização e a celeridade da prestação jurisdicional, elas não podem criar obstáculos ao acesso de advogados às dependências dos órgãos do Judiciário. “O ingresso dos advogados não pode ser relativizado por atos administrativos”, disse Calmon. “Ainda que se trate de medida que deve se estender apenas por prazo determinado e ainda que tenha o objetivo de amenizar as condições precárias da prestação jurisdicional”.
O conselheiro Neves Amorim e Lucio Munhoz, ao discordar do colega, disseram que depois do expediente interno, o atendimento segue, por duas horas, sendo exclusivo para advogados.  Munhoz disse que a suspensão do atendimento externo observa a ressalva a casos urgentes, quando um juiz de plantão pode atender o advogado. Silvio Rocha, que acompanhou a divergência, disse que não era necessário descontinuar todo o provimento, mas apenas o artigo 2º da norma do TJ paulista, que se refere explicitamente ao atendimento aos advogados, pois apenas esse dispositivo fere a prerrogativa prevista no Estatuto da Advocacia, uma lei federal.
O ministro Joaquim Barbosa discordou. “Meus conselheiros, convenhamos, a Constituição Federal não outorga direito absoluto a nenhuma categoria. É essa norma que fere o dispositivo legal ou são os advogados que gozam de direito absoluto nesse país?” disse. 
Barbosa ainda afirmou que se o CNJ derrubasse a norma, o “tiro sairia pela culatra”, pois os servidores e magistrados ficariam contrariados se os conselheiros os “obrigassem a dedicar a integralidade de seu tempo aos advogados”. 
Para o ministro Joaquim Barbosa, as prerrogativas da classe estão garantidas, uma vez que, além das duas horas exclusivas de atendimento destinadas aos advogados, a maior parte do expediente ainda é reservado ao despacho externo. Para o presidente do CNJ, as duas horas exclusivas reservadas aos advogados  são, dessa forma, a  compensação pela “pequena restrição”.
Os ministros Wellington Saraiva e Jefferson Kravchychyn chamaram a atenção, contudo,  para a "atipicidade” do caso da Justiça paulista, assolada por uma demanda de trabalho sem paralelo no país. “Vossa excelência sabe o que vai acontecer?”, disse Barbosa ao conselheiro  Kravchychyn. “Funcionários chateados e ressentidos. Essa pretensão [da advocacia] é arbitrária”, disse o presidente do CNJ.
“O senhor nunca advogou”, afirmou Kravchychyn antes de ser interrompido pelo ministro Joaquim Barbosa. "Advoguei, sim, mas jamais fiz pressão sobre juízes. [...] Vamos deixar de lado o corporativismo”, disse o presidente do CNJ. “Por conhecer um pouco o ser humano e sobretudo o ser humano deste país, digo o que vai acontecer”, acrescentou.
O conselheiro Wellington Saraiva insistiu sobre a situação atípica da Justiça paulista, se referindo ao estado como um “quase-país”. Mas Barbosa disse que a suspensão da norma imposta pelo tribunal se desdobraria em um "efeito ricochete", tumultuando a rotina dos órgãos do Judiciário e impedindo que eles aperfeiçoem seus serviços.
Coube então a um advogado que assistia a sessão se manifestar na tribuna. O advogado Marcio Kayatt, do Kayatt, Silvestri, Rossetti e Barbara Sociedade de Advogados, tentou protestar contra a piada do ministro Joaquim Barbosa sobre advogados acordarem tarde, mas também foi interrompido pelo presidente do CNJ.
“Vossa excelência não tem essa prerrogativa, de se referir ao comentário que fiz em tom de brincadeira com os meus colegas conselheiros”, disse Barbosa.
O secretário-geral da OAB Nacional, Cláudio de Souza Neto, presente na sessão, ponderou que a maioria dos advogados de São Paulo são profissionais que tabalham com muita dificuldade. “Para eles, a restrição do período matutino é ainda mais grave. É uma restrição excessivamente onerosa para a advocacia de São Paulo”, observou.
O conselheiro Jefferson Kravchychyn, a exemplo dos demais votos divergentes,  alertou ainda sobre o fato da norma violar uma lei federal. “A discussão é inócua. Meu voto não é corporativista, pois se trata da prerrogativa do cidadão”, disse.
A ministra Maria Cristina Peduzzi também reforçou outro argumento dos votos divergentes, que atentavam para o fato de o Superior Tribunal de Justiça já ter decidido que normas que limitem o acesso de advogados aos órgãos do Poder Judiciário serem ilegais. “O STJ já afirmou que era ilegal a supensão do atendimento aos advogados mesmo que em apenas uma hora. O provimento do TJ-SP ignorou a decisão jurisdicional do STJ. Isso é irrespondível”, disse Peduzzi.
O julgamento foi suspenso com o pedido de vista  do corregedor Nacional  de Justiça, ministro Francisco Falcão, depois que foi sugerida a avaliação de uma "alternativa intermediária", que não contrariasse integralmente o provimento e que não ofenda ainda a lei federal do Estatuto da Advocacia. Votaram, até o momento, pela procedência do pedido, contra a norma do TJ-SP, os conselheiros Jorge Hélio, Guilherme Calmon, Silvio Rocha, Wellington Saraiva, Gilberto Martins, Bruno Dantas e Jefferson Kravchychyn. Votaram pelo indeferimento dos pedidos Joaquim Barbosa, Emmanoel Campello, Ney Freitas, Vasi Werner e Lucio Munhoz.
Rafael Baliardo é repórter da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 14 de maio de 2013

segunda-feira, 13 de maio de 2013

ADVOGADO DEVER ABANDONAR PROCESSO CIVIL NA ARBITRAGEM


Selma Ferreira - 09/05/2013 [Spacca]
Nos últimos anos, a arbitragem tornou-se uma das vedetes do Direito, especialmente por conta de sua maior velocidade e especialidade em comparação com o Judiciário e da oportunidade de se colocar disputas complexas nas mãos de especialistas. De 2005 a 2011, o valor global das causas submetidas às principais câmaras arbitrais do país — Câmara Brasil-Canadá; Amcham; Fiesp-Ciesp; FGV-Rio; e Camarb (MG) — saltou de R$ 247 milhões para R$ 3 bilhões no Brasil. 

Os dados fazem parte de levantamento da especialista em arbitragem Selma Ferreria Lemes, professora do GVLaw da Fundação Getúlio Vargas e representante brasileira na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (ICC). Selma é considerada uma das responsáveis pela consolidação do instituto no país. Trabalhou na Comissão Relatora do Anteprojeto da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996) e na elaboração do memorial em defesa da constitucionalidade da norma, declarada válida pelo Supremo Tribunal Federal em 2001, além de colaborar na redação de regulamentos de Câmaras de Arbitragem.
Neste ano, com a instauração de uma comissão de juristas para reformar a Lei de Arbitragem, o instituto voltou à pauta de discussões de especialistas e magistrados. Com 44 artigos, a norma hoje recebe críticas por deixar de regular algumas situações específicas. Para Selma, porém, isso não é defeito, mas virtude. “Tem muita gente que não sabe trabalhar com essa liberdade, porque está acostumado a ser dirigido”, declara. "Temos uma boa lei. Espero que preservem essa liberdade".
Em entrevista à ConJur, a professora elogiou o instituto que, nos últimos 17 anos, conquistou credibilidade, graças também às decisões do Judiciário. "Árbitros podem ser mais rigorosos que o juiz, porque eles sabem que o mérito da sentença não vai ser alterado". Ela faz questão de ressaltar que a Justiça tem respaldado o método alternativo de solução de conflitos. "Alcançamos um alto nível de segurança jurídica na arbitragem por causa do Judiciário. As decisões do STJ são elogiadas pelo acerto e pertinência".
Ela explica haver uma espécie de simbiose entre Justiça Arbitral e Justiça Estatal, comprovada pelo fato de serem raras as anulações de sentença arbitral pelo Judiciário, o que demonstra o acerto das sentenças arbitrais. "Em todas as instâncias judiciais, na sua grande maioria, as decisões estão afinadas com os princípios que norteiam a arbitragem." Na parte operacional da arbitragem, ela diz, as câmaras estão fazendo seu trabalho, modernizando seus regulamentos e capacitando pessoas para atuar nas secretarias.
Para advogados que desejam trabalhar com arbitragem, Selma aconselha: "É temerário atuar na arbitragem sem conhecer as especificidades do instituto. É preciso se desvincular do Processo Civil e saber que não adianta fazer um pedido extremamente genérico”. Mas lembra: “a base de todo direito é o direito civil. Não é a arbitragem. Arbitragem é uma técnica, além de ser uma disciplina jurídica."
Leia a entrevista:
ConJur — Que valores são discutidos em arbitragens hoje, no Brasil?
Selma Ferreira Lemes — Em 2005, eram R$ 247 milhões. Em 2011, a gente estava com R$ 3 bilhões. Um aumento de 1.250%. Isso em cinco câmaras em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Em 2005, havia 21 procedimentos. Passamos para 122 em 2011. Aumento de quase seis vezes. Nas estatísticas da Corte Internacional de Arbitragem, o Brasil é o líder na America Latina em número de arbitragens, e está três vezes à frente do segundo colocado, o México. O total de arbitragens que ingressaram nas câmaras nesses sete anos foi de 532 casos. Em números de arbitragens, as três câmaras de São Paulo representam 82% das arbitragens nacionais.

ConJur — Que áreas despontam?
Selma Ferreira Lemes — Construção civil, sistema financeiro, muitos acordo de acionistas, contratos empreseariais em geral. Agora começa a haver um movimento interessante envolvendo propriedade intelectual na área de licença de uso de marca e franquias.

ConJur — Na CCI, o Brasil totaliza quantas arbitragens?
Selma Ferreira Lemes — Em 2011, foram 81 casos. Em número de utilização de arbitragem, em primeiro lugar estão os Estados Unidos, depois vêm Espanha, França, Alemanha, Itália, Inglaterra e Brasil.

ConJur — Quando nasceu esse método?
Selma Ferreira Lemes — A arbitragem é uma forma informal de solucionar os conflitos, no sentido de extrajudicial. Ela nasceu em um ambiente empresarial e comercial. Primeiro na Idade Média. Depois na Revolução Francesa, se desenvolveu bastante e passou a estar presente nas Constituições da Espanha, Portugal e no Brasil com a constituição de 1824. Na época do surgimento dos códigos, sofreu uma queda. Subiu de novo no século XIX, com a revolução industrial, e hoje com a globalização da economia.

ConJur — E no Brasil?
Selma Ferreira Lemes — Positivação sempre tivemos. As Ordenações do Reino de 1603 falam de arbitragem. O Brasil é fruto de uma arbitragem: o Tratado de Tordesilhas. O grande incentivador da arbitragem foi o barão de Mauá. O Código Comercial foi criação dele, em 1850, e lá tinha arbitragem. Com a proclamação da República, a arbitragem foi muito usada para solucionar as questões de limites entre os estados brasileiros, tendo a participação intensa de Rui Barbosa.

ConJur — Quanto tempo dura um processo arbitral?
Selma Ferreira Lemes — É possível ter uma arbitragem processada de oito meses a um ano e meio. Evidentemente, há procedimentos muito complexas que podem levar mais tempo. Isso ocorre no Brasil como no exterior.

ConJur — Há procedimentos que já duram mais de nove anos.
Selma Ferreira Lemes — Nove anos é bastante. Mas deve ser uma matéria muito complexa. Nos procedimentos da CCI há processos que duraram oito, dez anos, mas são questões extremamente complexas. Chega a morrer árbitro. Mas a regra é um ano em questões complexas, um ano e meio. Mais do que três anos não é comum. Dependerá da matéria tratada.

ConJur — Quais as diferenças entre a arbitragem e o processo judicial?
Selma Ferreira Lemes — A informalidade. Uma ponto interessante é a prova. Árbitros podem ser mais rigorosos que o juiz, porque eles sabem que o mérito da sentença não vai ser alterado, daí a importância da prova e o compromisso de analisá-la muito bem. O papel mais importante de um advogado no procedimento arbitral é provar o que está alegando. Ele deve se desvincular do Processo Civil e saber que não adianta fazer um pedido extremamente genérico. Ele tem que ser pontual e objetivo. A instância é praticamente única.

ConJur — Há citação de doutrina em sentença arbitral?
Selma Ferreira Lemes — Sim. Cita-se doutrina nacional e internacional, coloca-se um reforço com uma jurisprudência, tudo se compõe. O ordenamento jurídico como um todo é o direito que você está aplicando, mas o que interessa é a prova. Muitos advogados mencionam que ficam admirados com o desenrolar de uma audiência de arbitragem. Eles apresentam oralmente o caso e trabalham bastante para que a audiência seja muito bem aproveitada para provar o alegado.

ConJur — A jurisprudência arbitral circula entre as pessoas do meio?
Selma Ferreira Lemes — Batalha-se muito para que tenhamos isso na arbitragem, um ementário de decisões arbitrais, como existe na CCI, que publica as decisões. Obviamente não se fala o nome das partes, mas há trechos da sentença. Seria interessante conhecer a parte cientifica das decisões. Questões que ainda demandariam mais tempo para serem discutidas no Judiciário já estão sendo discutidas na arbitragem.

Conjur — Como compartilhar esse conhecimento sem comprometer a confidencialidade tradicional desses julgamentos?
Selma Ferreira Lemes — Quase todos os regulamentos das câmaras preveem a publicação de ementas. A Bovespa já tinha até no antigo. A Câmara de Arbitragem da FGV diz respeito ao comércio de energia elétrica e há uma convenção na Aneel que fala que as decisões têm que ser publicadas. O grande problema é que as ementas são tão resumidas que você não tem conhecimento de nada, e não é esse o objetivo.

ConJur — Dependeria de autorização expressa das partes?
Selma Ferreira Lemes — Há autorização no regulamento das câmaras, mas elas não publicam porque não querem se indispor com as partes. Elas pedem, mas muito raramente as partes concordam.

ConJur — Como mudar essa realidade?
Selma Ferreira Lemes — É um pouco papel dos advogados, porque interessa a toda a sociedade a divulgação de trechos ou do contexto em que as arbitragens foram julgadas, mas ainda não existe esse trânsito de sentenças.

ConJur — Há casos em que o sigilo já foi quebrado?
Selma Ferreira Lemes — A arbitragem se presta a resolver questões de direito patrimonial disponível. Um árbitro nunca vai poder opinar sobre nada na área penal ou tributária, porque não é competência dele. O sigilo existe porque as partes assim fixaram e o regulamento trata. Mas essa questão está sendo revista, até em âmbito internacional. Há dois precedentes famosos, um da Austrália e outro da Suécia, em que disseram que o sigilo deveria ser flexibilizado. A lei não fala em sigilo. O sigilo da lei é só para o árbitro: artigo 13, parágrafo sexto da Lei de Arbitragem: o árbitro deve ser discreto.

ConJur — Só os regulamentos estabelecem a confidencialidade?
Selma Ferreira Lemes — Os regulamentos estabelecem, e passa a ser uma obrigação contratual preservar o sigilo, mas isso é mitigado quando há pessoas de Direito Público envolvido, como sociedades de economia mista e empresas públicas.

ConJur — O sigilo do procedimento arbitral pode ser ameaçado diante de uma requisição do Fisco para ter acesso às sentenças arbitrais?
Selma Ferreira Lemes — Há de ser observada a lei. O árbitro tem o dever de sigilo. Se o fisco deseja saber algo deve perquirir junto ao contribuinte. Essa questão precisa ser avaliada pelo judiciário. A câmara [arbitral] tem o dever de honrar o que ela se comprometeu. Se o fisco quiser, pode efetuar fiscalização na empresa, tal como previsto em lei. Se quiser avaliar a contabilidade da câmara também pode, pois é uma pessoa jurídica e observa as disposições legais.

ConJur — É mais vantajoso para o advogado atuar na arbitragem ou na Justiça?
Selma Ferreira Lemes —  Argumenta-se que no processo judicial a ação é ganha por meio das regras processuais. Na arbitragem, não é assim. É a prova que rege a sentença. É um mercado de trabalho excelente para os advogados, que recebem os seus honorários com maior rapidez e oferecem um melhor serviço para o cliente. Isso tudo porque a gente tem uma boa lei. Espero que não as alterações preservem seus princípios.

ConJur — O Senado instaurou uma comissão para reavaliar a Lei de Arbitragem. Com 44 artigos, a norma é considerada enxuta. Isso não dá margem a muitas interpretações divergentes?
Selma Ferreira Lemes — Alterar a lei para prever especificidades não é adequado. Matérias setoriais devem estar nas leis respectivas e não lei de arbitragem. Há comentários como: “A lei não falou disso, não regula aquilo”. Não falou porque não é para ter regra de processo. Processo na lei de arbitragem não existe. O que existem são princípios. É possível escolher o procedimento e observar três princípios: igualdade de tratamento, direito de defesa e que o árbitro seja independente e imparcial. Tem muita gente que não sabe trabalhar com essa liberdade, porque está acostumado a ser dirigido. Na arbitragem, há muitas opções: você escolhe o número de árbitros (sempre ímpar), forma que a arbitragem seguirá (institucional ou ad hoc), a lei aplicável e autorizar o árbitro a resolver a contenda por equidade. O juiz só poderá fazê-lo se estiver autorizado por lei.

ConJur — Como é isso?
Selma Ferreira Lemes — A arbitragem por equidade é permitir que o árbitro julgue de acordo com o seu real saber e de acordo com o seu critério de justo, fundamentando a decisão com “bom senso jurídico”. Essa expressão é de Serpa Lopes. Muitas vezes, em contratos de longa duração, é muito melhor aplicar a equidade do que aplicar a regra no Direito posto. Em um contrato de 15 anos, as partes querem sua permanência, elas só querem que se ponha um equilíbrio. São contratos de fornecimentos eminentemente privados que dependem de variáveis econômicas. Construção civil,joint venture, contratos de franquia, por exemplo.

ConJur — É possível desistir da arbitragem uma vez aceita a cláusula arbitral?
Selma Ferreira Lemes — Não pode. Esse é o ponto fundamental da alteração da lei, é o efeito vinculante da cláusula. Se colocou, é obrigado a honrar.

ConJur — O favor arbitral é usado quando há dúvidas sobre a obrigação de a demanda ser julgada em arbitragem. Como funciona o conceito?
Selma Ferreira Lemes — O favor arbitral diz que, na dúvida, a decisão deve ser pró arbitragem. Será dada uma interpretação favorável à arbitragem se houver indícios de que a parte optou por ela. É um princípio universal.

ConJur — A cláusula arbitral, então, é um contrato à parte?
Selma Ferreira Lemes — Exato. A cláusula compromissória é um contrato dentro de um contrato. Tem que ser honrada, cumprida, mesmo que ela não esteja bem redigida e mesmo que não tenha todos os requisitos.

ConJur — Após 12 anos da validação da Lei de Arbitragem pelo Supremo, ainda há discussões nas cortes superiores sobre a validade das cláusulas arbitrais?
Selma Ferreira Lemes — Há um leading case no STJ sobre arbitragem em Direito do Consumidor — o Recurso Especial 1.169.841, do Rio de Janeiro. Entendeu-se que é preciso dar tratamento privilegiado ao consumidor.

Conjur — Por quê?
Selma Ferreira Lemes — No Projeto da Lei de Arbitragem, havia a seguinte redação, o artigo 4º,II da Lei, baseada no Direito comparado: nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só tem eficácia se o aderente desejar. E por expresso. A redação final alargou o conceito.

ConJur — Qual a implicação disso?
Selma Ferreira Lemes — Em uma análise inicial, é possível dizer que a Lei de Arbitragem revogou o artigo 51, parágrafo 6º, do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe sobre cláusula abusiva "a que determina a utilização compulsória da arbitragem". Eu, por exemplo, em determinado contexto, também assim entendi.

ConJur — E agora?
Selma Ferreira Lemes — O julgado do STJ determinou que tudo é para ser interpretado harmoniosamente. Isso significa que, em um contrato de adesão com pessoas que têm total discernimento do que estão fazendo, que conhecem aquela cláusula, ela é valida. E em determinadas situações se faz a interpretação a favor do consumidor, ou seja, a iniciativa da arbitragem deve ser dele e isso se justifica porque é o lado mais fraco.

ConJur — Qual o limite de intervenção do Judiciário nos julgamentos arbitrais?
Selma Ferreira Lemes — Quando desvios ocorrem, eles são reformulados posteriormente pelo Judiciário. Não é a regra, são exceções. Pode-se dizer que alcançamos um alto nível de segurança jurídica na arbitragem por causa do Judiciário. As decisões do STJ são elogiadas pelo acerto e pertinência. Hoje a arbitragem é matéria sumulada pelo STJ.

ConJur — Qualquer caso pode ser submetido à arbitragem?
Selma Ferreira Lemes — Com o tempo, percebemos que a arbitragem não serve para tudo. Primeiro: é só para direito patrimonial disponível. Segundo: não é para pequenas causas.

ConJur — É possível definir um piso?
Selma Ferreira Lemes — Não é uma coisa fechada, mas tenho como parâmetro R$ 800 mil. Um contrato com valor menor não deve ir para a arbitragem.

ConJur — A senhora trabalhou na recente reformulação do regulamento da câmara arbitral da Bovespa. O que mudou?
Selma Ferreira Lemes — É um regulamento aberto e o único regulamento brasileiro que tem a figura do árbitro de apoio. É também chamado de árbitro de emergência em algumas câmaras internacionais. É aquele árbitro que está lá só para analisar uma medida de urgência, uma medida cautelar prévia da arbitragem. Agora, esse árbitro que ditou a medida cautelar não pode ser árbitro no procedimento principal, porque se entende que ele já fez um prejulgamento e já vem com uma ideia pré-construída.

ConJur — Os regulamentos preveem que cada lado da demanda escolha um árbitro, e os árbitros escolham um terceiro. Como funciona quando existe mais de um demandado no mesmo polo?
Selma Ferreira Lemes — O regulamento da Bovespa tem o princípio de uma arbitragem multiparte. O tribunal arbitral é composto de três pessoas, normalmente. O lado que é um só nomeia um árbitro. Do lado que tem três partes, por exemplo, elas têm que se compor para poder indicar um único árbitro. Se não houver acordo, há regulamentos que dizem que o presidente da Câmara de Arbitragem nomeia um árbitro em nome daquelas do mesmo pólo. Isso é uma inovação que está sendo trazida pela jurisprudência internacional. Ambas as formas são corretas.

ConJur — Qual é o caso que originou essa tendência internacional?
Selma Ferreira Lemes — É o conhecido caso Siemens x Dutco, julgado no começo dos anos 1990, na França, e se propagou pelo mundo. A jurisprudência diz: se um lado tem dificuldade de encontrar um arbitro só, nenhuma das partes, nem a demandante, nem a demandada, indica árbitros. Todos os árbitros serão indicados pelo presidente da corte da câmara de arbitragem. Isso fez com que muitos regulamentos adotassem essa postura, mas reitero, ambas podem ser aplicadas pelos regulamentos das câmaras.

ConJur — A senhora atua muito como árbitra presidente. Como é o seu trabalho?
Selma Ferreira Lemes — O papel do árbitro presidente é de gerenciar adequadamente o processo com os demais co-árbitros, fazer com que as etapas sejam eficientemente cumpridas, dar tranquilidade ao advogado. Explicar, esclarecer e motivas as Ordens Processuais, explicar como transcorrerá a arbitragem, os trabalhos da audiência e para que tudo corra com normalidade e previsibilidade. Preservar o contraditório e tratar as partes com igualdade, bem como, juntamente com os co-árbitros, decidir e emitir sentença final com coerência, fundada nas provas produzidas.

ConJur — Quais as principais diferenças entre o julgamento arbitral e o judicial?
Selma Ferreira Lemes — Na arbitragem, é possível ficar quatro ou cinco dias em uma audiência para um só caso. O juiz não tem condição de fazer isso. [Na arbitragem] o advogado tem que preparar a audiência. Ele geralmente traz um Power Point, um filme. Às vezes o árbitro vai fazer vistoria no local. Há Tribunal Arbitral constituído com engenheiro, administrador, economista.
ConJur — Como os peritos são convocados? São as partes que escolhem?
Selma Ferreira Lemes — Franqueia-se às partes a apresentação de um parecer técnico. Na audiência pode ser ouvida uma testemunha técnica, que presta depoimento, que transmite ao Tribunal Arbitral seus conhecimentos especializados e depois apresenta um relatório. O outro lado também procede dessa maneira. As divergências restantes serão dirimidas por um perito nomeado pelas partes em comum ou designado pelo Tribunal Arbitral.

ConJur — Existe uma regulamentação para esses consultores atuarem?
Selma Ferreira Lemes — Sim. A pessoa deve ser especializada, atuar na área e não pode ter vínculo de trabalho constante com a parte que o indicou. Assim como o árbitro tem que ser independente e imparcial, o perito também tem que ser. A maioria das perícias em arbitragem é contábil, de engenharia e em outras áreas especializadas. Os profissionais estão no mercado e existem associações de classe que podem sugerir nomes.

ConJur — Órgãos estatais têm usado a arbitragem?
Selma Ferreira Lemes — Sim. Na área de comercio de energia elétrica é obrigatória. Na área de concessões de obras e serviços públicos, nas parcerias público-privadas há com freqüência a inserção nos contratos de cláusula compromissórias, especialmente quando há banco de fomento internacional financiando, tal como o Banco Mundial.

ConJur — Com o novo pacote do governo federal voltado para a infraestrutura, espera-se algum reflexo na área arbitral?
Selma Ferreira Lemes — Sim. A lei da PPP e as das agências reguladoras, todas dispõem sobre arbitragem. A construção de obras de envergadura sob o regime de uma parceria público privada envolve tantos partícipes que é impossível pensar em resolver conflitos surgidos senão for por meio de Dispute Boards e arbitragem. A lei da PPP estabelece que o árbitro indicado deve falar português, e se sabe que há um contingente de árbitros internacionais estudando português.

ConJur — A CCI é foro para todos?
Selma Ferreira Lemes — Na CCI tem um grande contingente de arbitragens domésticas brasileiras e internacionais. Se justifica pois é uma Câmara quase centenária e com ampla experiência. Pode-se também operacionalizar a arbitragem por meio ad hoc e regulamento Uncitral,e nas diversas câmaras brasileiras. O contrato de construção da hidrelétrica de Santo Antonio tem cláusula de arbitragem CCI. Na Bahia, a Arena da Bahia tem uma cláusula de arbitragem muito bem feita. Aqui em São Paulo os contratos de concessões públicas também têm cláusula de arbitragem.

ConJur — O que esperar do Tribunal Arbitral que a OAB de São Paulo está colocando em funcionamento?
Selma Ferreira Lemes — A reformulação é muito positiva. O título “Tribunal” Arbitral" está disforme, e parece será reformulado com a denominação talvez de Centro ou Comissão. Conta com pessoas que conhecem a arbitragem, e isso é muito importante.

ConJur — Como a senhora vê a formação acadêmica especializada nessa área?
Selma Ferreira Lemes — Até o surgimento da lei de arbitragem não havia formação especializada em arbitragem. Isso no contexto brasileiro como um todo. Coordenamos com Pedro Batista Martins no GVLaw da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas um curso de arbitragem para formação especializada desde 2004. Já formamos cerca de 450 pessoas. Dizemos aos alunos que têm a função de serem multiplicadores. Vão auxiliar as pessoas a trabalharem com arbitragem e divulgar o instituto adequadamente. Hoje estamos vendo um retorno fabuloso. Mas eu lembro aos alunos: “Não esqueçam o direito material.” Porque a base de todo o direito é o direito civil. Não é a arbitragem. Arbitragem é uma técnica, além de ser uma disciplina jurídica.
Alessandro Cristo é editor da revista Consultor Jurídico
Elton Bezerra é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 12 de maio de 2013

sexta-feira, 10 de maio de 2013

OS TROLLS E A LIVRE DIFUSÃO DE IDEIAS




Para quem não sabe, pela gíria da Internet, um troll é uma pessoa que provoca a discórdia e fúria de outras pessoas com determinadas condutas, tais como emitir opiniões polêmicas, fazer baixarias e xingamentos, ou mesmo repetindo suas falácias em listas de discussões, fóruns, chats, redes sociais e outros.


Os trolls se escoram no suposto anonimato da Internet para saciar sua sede de atenção, no burburinho disseminado pelas suas declarações ensandecidas, embora muitas vezes possa até mesmo ser uma pessoa do seu convívio ou de sua rede de contatos.


O fato é que o legislador preferiu ser tolerante com o troll, em prol da liberdade de informação e o direito de crítica, afinal a emissão de opinião desfavorável é um direito de qualquer cidadão, previsto em lei, com a ressalva de uma comprovada intenção de injuriar ou difamar – mas esta “prova de intenção” é difícil de obter.



Além disso, os trolls possuem respaldo legal, pois ao mesmo passo que o Código Penal tipifica como crime as ofensas à dignidade da pessoa, oportuniza a retratação em Juízo de forma a livrar da pena o troll “arrependido” ou covarde, como lhe é peculiar.




De qualquer forma, a jurisprudência convencionou abstrair paulatinamente estes crimes da esfera criminal, para liquidar os danos de forma mais consistente por intermédio de ações cíveis de indenização, apurando-se os excessos do direito de crítica em cada caso concreto.



Assim, os trolls podem se livrar de uma punição na esfera criminal, mas a exposição à reparação de danos é real e as condenações tendem a ser elevadas.



Por fim, a regra de ouro de combate aos Trolls para quem não deseja envolvimento com estas criaturas é: “Não alimente os trolls”. Isto significa que não se deve fomentar os comentários destas pessoas carentes, sob pena de saciar a vontade doentia destes seres e disseminar a discórdia na rede.

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...