quinta-feira, 14 de março de 2013

DIA MUNDIAL DO CONSUMIDOR: UMA REFLEXÃO



Por Luiz Cláudio Borges



Amanhã comemoraremos mais uma data importante no calendário mundial, o Dia Mundial do Consumidor, mas será que realmente temos motivo para comemorá-la? Será que houve avanços nos estudos do direito do consumidor? É possível dizer que o consumidor de hoje está mais consciente de seus direitos? Estas e outras indagações darão a tônica deste singelo artigo, mas que tem como proposta levar o leitor, que também é consumidor, à reflexão.


No dia 15/3/1962, o então Presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy deu uma declaração ao Congresso norte-americano dizendo que, consumidores, por definição, somos todos nós. Eles são o maior grupo econômico, e influenciam e são influenciados por quase toda decisão econômica publica ou privada. Apesar disso, ele são o único grupo importante, cujos pontos de vista, muitas vezes não são considerados[1].


Na ocasião, o Presidente ainda proclamou quatro direitos básicos do consumidor: i) direito à segurança; ii) direito à informação; iii) direito à escolha; e iv) direito de ser ouvido. O impacto dessa declaração foi muito positivo e acabou influenciando a elaboração de inúmeras leis protetivas do consumidor.


Em 1973, em Genebra, a Comissão de Direitos Humanos da ONU, em sua 29ª Sessão, reconheceu os direitos fundamentais do consumidor, partindo daqueles elencados pelo Presidente americano. Seguindo o mesmo exemplo, inúmeros países passaram a editar Códigos de Defesa do Consumidor.


No Brasil, não obstante a existência de alguns movimentos em prol dos consumidores, ainda não existia nenhuma legislação específica. Os conflitos envolvendo consumidor e fornecedor (sujeitos, até então desconhecidos do ordenamento) eram resolvidos pela legislação cível, mais precisamente pelo Código Civil de 1916. Com a Constituição de 1988, considerada a Constituição “cidadã”, o direito de defesa do consumidor foi inserido como direito fundamental, previsto no artigo 5º, inciso XXXII[2]. E mais, o direito do consumidor foi elevado como princípio da ordem econômica, artigo 170, V, da Constituição Federal[3].


O Congresso Nacional, por força do artigo 48, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, foi desafiado a elaborar um código de defesa do consumidor. Nasce, com isso, o Código de Defesa do Consumidor, Lei nº. 8.078/1990. O mencionado Código entrou em vigor em 15/3/1991.


Dentre os princípios que norteiam a Política Nacional de Relações de Consumo, artigo 4º, do CDC[4] está a “educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres”, tudo com o objetivo de melhorar o mercado de consumo.


José Geraldo Brito Filomeno assevera que


“A educação e informação de fornecedores e consumidores quanto aos seus direitos e deveres é objeto do inciso IV do art. 4º do Código de Defesa do Consumidor. A educação formal, no caso, deve iniciar desde os primeiros passos da criança nas escolas, até porque, como sempre fazemos questão de assinalar, os direitos do consumidor são uma face dos próprios direitos da cidadania. Não que deve existir, necessariamente, uma disciplina específica para tanto. Basta a preocupação de professores ao embutirem nos conteúdos curriculares de disciplinas como a matemática, por exemplo, a matéria de cálculo de juros e percentuais; em ciências, a preocupação com a qualidade dos alimentos, prazos de validade, a responsabilidade pelo consumo sustentável etc. no que diz respeito à educação informal, devem ser objeto de preocupação não apenas dos órgãos de defesa e proteção ao consumidor, bem como entidades não governamentais, como também dos meios de comunicação de massa (televisão, rádio, jornais, revistas, sites na Internet etc.). Quanto à informação, cremos que devam ser objeto das comunicações de modo geral, feitas pelas entidades governamentais ou não governamentais, tudo com vistas à melhoria do mercado de consumo.”[5]

Segundo Filomeno, o direito à educação sobre os direitos e deveres inerentes à relação de consumo pode ser dividida em educação formal e informal. No primeiro caso, o ensino é reservado à criança e ao adolescente, com a inclusão da disciplina, de forma isolada ou não; no segundo, é reservada aos órgãos de defesa e proteção do consumidor e dos meios de comunicação.


É notória a relevância do trabalho realizado pelos órgãos de defesa e proteção do consumidor (PROCON, Associações (IDEC, BRASILCON etc.) e do próprio DPDC, entretanto, um número muito pequeno de consumidores é alcançado.


No Brasil, em pleno século XXI, era da tecnologia e informação a velocidades inimagináveis, existem pessoas que sequer sabem da existência do Código de Defesa do Consumidor, razão pela qual a inserção do ensino do direito consumidor nos anos iniciais é medida imprescindível para a formação de consumidores conscientes e responsáveis.

Um estudo elaborado pelo professor Jessé Souza, sociólogo brasileiro, denominado de “Ralé brasileira: quem é e como vive”, aponta que cerca de um terço da população brasileira, um total de aproximadamente 60 milhões de brasileiros, não tem acesso a bens de cultura, informação e educação. Ora, é possível afirmar, e o faço por conta e risco meu, que uma parte muito maior sequer sabe dos direitos que tem como consumidor.


Onde está o problema?

Não canso de dizer que o dever de informar e levar a educação dos direitos e deveres aos consumidores e fornecedores é do Estado. Neste quesito o Estado é falho, como também o é nas questões da saúde e até mesmo da educação.

Como mencionado no início, amanhã comemora-se mais um ano de existência do Código de Defesa do Consumidor. Passaram-se mais de 22 anos, muito se fez, mas há muito a se fazer. Entretanto, sem uma educação adequada, pouco provavelmente o consumidor estará preparado para compreender e fazer valer seus direitos.

Rogo, pois, que não só o Estado, mas a iniciativa privada (já que o primeiro não consegue exercer bem suas funções), possam, em conjunto, intensificar a divulgação dos direitos do consumidor e a conscientização para um consumo responsável e, consequentemente sustentável.






[1] AMARAL, Luiz Otávio de Oliveira. Teoria geral do direito do consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 19.


[2] O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.


[3] A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existentes digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]; v- defesa do consumidor.


[4] Código de Defesa do Consumidor


[5] Filomeno, José Geraldo Brito, Manual de direitos do consumidor/José Geraldo Brito Filomeno.- 10ª Ed.- São Paulo: Atlas, 2010, p. 15.

É PRECISO IDENTIFICAR O CONCEITO DE POVO NA DEMOCRACIA BRASILEIRA

Por Luiz Cláudio Borges
Revista Consultor Jurídico, 18 de abril de 2012
O presente estudo tem por escopo apontar a ideia de povo no regime constitucional democrático, sobretudo no sistema brasileiro. Como marco teórico será utilizado o jurista e filósofo Friedrich Müller, que publicou no Brasil a obra Quem é o Povo?
Considerando que a expressão "povo", assim como o termo "democracia", recebe diversas interpretações, algumas delas equivocadas, se fará necessário a reconstrução da ideia de povo e sua aplicabilidade no regime democrático brasileiro. Não obstante o desafio quase que inatingível proposto por Müller em sua obra Quem é o povo?.
É evidente que o presente trabalho não tem a pretensão de esgotar o assunto, até porque a matéria é extensa. Também, nada de inédito será apresentado, pelo contrário, objetiva-se analisar as ideias insertas na obra do jurista alemão e aplicá-las no conceito que entendemos de "povo"; igualmente, não se trata de uma resenha da referida obra, mesmo porque o estudo não se limita aos conceitos trazidos pelo autor, mas expõe, ainda que timidamente, uma visão deste pesquisador sobre o tema aplicado ao nosso sistema constitucional democrático.
Povo: conceito e aplicação no sistema democrático
No discurso de lançamento da obra Quem é o Povo,[i] do jurista e filósofo alemão Friedrich Müller, ficou claro que a questão fundamental da democracia é o povo, mas que povo é esse? As pessoas que vivem legalmente no país? Os titulares dos direitos de nacionalidade? Os titulares dos direito civis? Os titulares dos direitos eleitorais ativos e passivos? Apenas os adultos? Apenas os membros de determinados grupos étnicos, religiosos ou sociais?
O ensaio de Müller publicado no Brasil faz pontuais observações sobre o direito constitucional brasileiro e nos leva a viajar no tempo a desvendar o conceito de povo.
Há muito a noção de povo é conhecida e utilizada na antiguidade clássica, sobretudo em matéria de teoria política e de direito público. Os gregos foram os grandes responsáveis pela construção do que entendemos hoje como democracia. Inspirados nos ideais de que tudo deveria ser debatido e decidido de forma consensual, os iluministas pensaram a substituição das relações feudais de poder pelo "demo" (povo) + "cratos" (regime), formando a expressão democracia, que significa o governo do povo para o povo.[ii]
Fábio Konder Comparato discorre que "a partir do século XVIII, já não se pode eludir a questão fundamental, ligada à própria essência desse regime político: se o poder supremo em uma democracia, como a própria etimologia nos indica, pertence ao povo, como definir este conceito de modo a torná-lo o mais operacional possível e evitar as usurpações de soberania?"[iii]
Povo não é um conceito descritivo, mas claramente constitucional.[iv] Müller sustenta que "povo não é um conceito simples nem um conceito empírico; povo é um conceito artificial, composto, valorativo; mais ainda, é e sempre foi um conceito de combate".[v]
O povo aparece na teoria jurídica da democracia enquanto bloco. Ele é a pedra fundamental imóvel da teoria da soberania popular e fornece como lugar-comum de retórica a justificativa para qualquer ação do Estado.[vi]
Comparato revela que a primeira utilização consequente do conceito de povo como titular da soberania democrática, nos tempos modernos, aparece com os norte-americanos. Thomas Jefferson atribuía ao povo um papel preeminente na constitucionalização do país, pois ao redigir o projeto de Constituição para a Virgínia (1776), propôs que essa lei suprema, após declarar caduca a realeza britânica, fosse promulgada "pela autoridade do povo".[vii]
Mas que povo é esse? Müller busca analisar o conceito de "povo" partindo da seguinte divisão: "povo" como povo ativo; "povo" como instância global de atribuição de legitimidade; "povo" como ícone; "povo" como destinatário das prestações civilizatórias do Estado.
Entendem-se como povo ativo os titulares de nacionalidade de acordo com as prescrições normativas do texto constitucional. "Por força da prescrição expressa as constituições somente contabilizam como povo ativo os titulares de nacionalidade".[viii] Essa nacionalidade consubstancia-se na totalidade dos eleitores de um Estado.
Müller, no intuito de fortalecer o conceito de povo ativo, faz alusão à situação dos estrangeiros na União Européia: "Tradicionalmente esse dimensionamento para os titulares da nacionalidade é matéria de direito positivo, mas não se compreende por evidência. Estrangeiros, que vivem permanentemente aqui trabalham e pagam seus impostos e contribuições pertencem à população. Eles são efetivamente cidadãos. (faktisch Inlander), são atingidos como cidadãos de direito (rechtliche Inlander) pelas mesmas prescrições ‘democraticamente' legitimadas. A sua exclusão do povo ativo restringe a amplitude e a coerência da justificação democrática. Especialmente deficitário em termos de fundamentação é o princípio da ascendência (ius sanguinis), que representa uma construção de fantasia, não uma conclusão fundamentável pela empiria (sangue). Já que não se pode ter o autogoverno, na prática quase inexeqüível, pretende-se ter ao menos a autocodificação das prescrições vigentes com base na livre competição entre opiniões e interesses, com alternativas manuseáveis e possibilidades eficazes de sancionamento político.[ix]".
O autor é enfático ao afirmar que o conceito de "povo das constituições atuais" não deveria ser qualificado por meio das regulamentações do direito eleitoral e conclui: "O povo ativo não pode sustentar sozinho um sistema tão repleto de pressupostos".[x]
O conceito de "povo" como instância global de atribuição de legitimidade, sustenta Müller, torna-se mais acessível a partir da compreensão da ideia de estrutura de legitimação. O autor frisa que o Executivo e o Judiciário estão fundamentalmente interligados com a noção de Estado de Direito e Democracia.
Neste contexto, o povo elege seus representantes, os quais, por sua vez, são responsáveis pela elaboração de textos de normas, que, em regra, vinculam as ações e interesses do próprio povo, enquanto população.[xi]
O povo é visto de outra maneira, agora como instancia global de atribuição de legitimidade democrática, pois ele justifica o ordenamento jurídico num sentido mais amplo como ordenamento democrático, "à medida que o aceita globalmente, não se revoltando contra o mesmo."[xii] Salienta o autor que o povo como instância global de atribuição de legitimidade só se justifica quando presente ao mesmo tempo a figura do povo ativo, pois, num sistema autoritário, não obstante o povo seja fartamente invocado como instância de atribuição, "depois só tem (des)valor ideológico, não mais função jurídica."[xiii]
Müller conceitua o povo "como ícone" partindo da ideia de um povo intocável, uma imagem abstrata e discursivamente construída como una e indivisível. Não diz respeito a nenhum cidadão ou grupo de pessoas. Pelo contrário, é um povo que "não existe" na vida real. E é exatamente este povo - o povo ícone - a figura invocada pela minoria detentora do poder; historicamente as políticas xenófobas, discriminatórias e violentas são respaldadas por discursos como "em nome do povo".[xiv]
"Em termos bem genéricos, a iconização reside por igual também nicht zuletzt no empenho de unificar em ‘povo' a população diferenciada, quando não cindida pela diferença segundo o gênero, as classes ou camadas sociais, frequentemente também segundo a etnia e a língua, a cultura e a religião. A simples fórmula do ‘poder constituinte do povo' já espelha ilusoriamente o uno"[xv].
Na elaboração do conceito de "povo como destinatário de prestações civilizatórias do Estado", Müller discorre que: "A função do ‘povo' que um Estado invoca, consiste sempre em legitimá-lo. A democracia é dispositivo de normas especialmente exigentes, que diz respeito a todas as pessoas no seu âmbito de ‘demos', de categorias distintas (enquanto povo ativo, povo como instância de atribuição ou ainda povo-destinatário) e graus distintos. A distinção entre direitos de cidadania e direitos humanos não é apenas diferencial; ela é relevante com vistas ao sistema. Não somente as liberdades civis, mas também os direitos humanos enquanto realizados são imprescindíveis para uma democracia legítima. O respeito dessas posições, que não são próprias da cidadania no sentido mais estrito, também apóia o sistema político, e isso, não apenas na sua qualidade de Estado de Direito. Isso se acerca novamente, dessa vez a partir de um outro ângulo, da ideia fundamental não-realizada no sistema de dominação: ‘on man on vote': do ângulo da ideia do ‘povo' como totalidade dos efetivamente atingidos pelo direito vigente e pelos atos decisórios do poder estatal - totalidade entendida aqui como a das pessoas que se encontram no território do respectivo Estado. Segundo essa proposta (ao lado da figura do povo enquanto instância de atribuição), o corpo de textos de uma democracia de conformidade com o Estado de Direito se legitima por duas coisas: em primeiro lugar procurando dotar a possível minoria dos cidadãos ativos, não importa quão mediata ou imediatamente, de competências de decisão e de sancionamento claramente definidas; em segundo lugar e ao lado desse fator de ordem procedimental, a legitimidade ocorre pelo modo mediante o qual todos, o ‘povo inteiro', a população, a totalidade dos atingidos são tratados por tais decisões e seu modo de implementação. Ambas, a decisão (enquanto co-participação do "povo") e a implementação (enquanto efeitos produzidos "sobre o povo") , devem ser questionadas democraticamente. Os dois aspectos são resultados de uma cultura jurídica desenvolvida, assim como o é a correção, nos termos do Estado de Direito, da observância, por parte do Estado, das circunstâncias de fato de inibição da ação estatal bem como de prestações estatais diante das pessoas atingidas. Podemos denominar essa camada funcional do problema "o povo como destinatário de prestações civilizatórias do Estado [zivilisatorisch Staatsleistungen]", como ‘povo-destinatário'"[xvi].
O fato de as pessoas se encontrarem no território de um Estado e ali fixar residência, trabalhar, estabelecer laços pessoais e materiais é suficiente para adquirir, juridicamente, qualidade de ser humano, a dignidade da pessoa humana, a personalidade jurídica. "Estão protegidas pelo direito constitucional e pelo direito infraconstitucional vigente, i.e., gozam da proteção jurídica".[xvii] Portanto, destinatários de prestações civilizatórias do Estado.
Observa-se na obra "Quem é o Povo?" que a legitimidade do sistema democrático não está somente na busca de uma conceituação jurídico-política de povo, mas principalmente em levar o povo a sério; povo este considerado como uma realidade viva em um mundo concreto. O autor não se preocupou em dar o significado da palavra povo, mas como ela é utilizada. Portanto, o resultado "não são quatro povos nem quatro conceitos de povo." São apenas gesticulações.[xviii]
"Quem é o povo" no regime constitucional democrático brasileiro
Friedrich Müller defende que a referência ao povo é necessária, isto porque o sistema deve poder representar-se como se funcionasse com base na soberania popular, na autodeterminação do povo, na igualdade de todos e no direito de decidir de acordo com a vontade da maioria.[xix]
Neste contexto, podemos concluir que o conceito de povo é inafastável do conceito de democracia, sobretudo porque é o povo quem legitima o poder.
Bonavides conceitua democracia como "aquela forma de exercício da função governativa em que a vontade soberana do povo decide, direta ou indiretamente, todas as questões de governo, de tal sorte que o povo seja sempre o titular e o objeto, a saber, o sujeito ativo e o sujeito passivo do poder legítimo".[xx]
Na Constituição de 1988, mais especificamente no parágrafo único do artigo 1º, o constituinte fez constar que "todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente [...]".[xxi]
Partindo dos ensinamentos de Müller, podemos dizer que no sistema democrático brasileiro, assim como em qualquer sistema democrático, podemos utilizar os quatro conceitos de povo. [xxii] Não obstante a simplicidade de sua aplicação, as peculiaridades do sistema democrático brasileiro a torna complexa.
Hoje, se limitássemos à classificação de povo como "povo ativo", estaríamos excluindo milhões de brasileiros, pois o voto só é obrigatório para os maiores de 18 e menores de 65 anos; para os maiores de 16 e menores de 18, assim como para os maiores de 65 anos, o voto é facultativo. E mais, os estrangeiros, os condenados e os militares constritos são proibidos de votar. Com isso, o "povo ativo" se limitaria a 2/3 da população brasileira.
Se para existir um "povo como instância global de atribuição de legitimidade", que é aquele que se sujeita ao ordenamento jurídico, parte-se do pressuposto de que deva existir um "povo ativo", que elege seus representantes, os quais são responsáveis pela formação do ordenamento jurídico, como se enquadrariam aqueles que residem no Brasil, se sujeitam às nossas normas, mas são estrangeiros?
Para pensar. E o conceito de povo como "povo-destinatário"? No conjunto da obra é fácil perceber que o povo como destinatário das prestações civilizatórias do Estado deveriam ser todos aqueles, ativos ou não, legitimados ou não, mas, que se encontram no nosso território. Entretanto, nesse conceito não se inclui os excluídos e as minorias.
Na visão de Müller, numa sociedade avançada existe uma "disfuncionalidade setorial" provocada por uma cisão segmentária da ordem social e jurídica. Segundo o autor: "Trata-se aqui da discriminação parcial de parcelas consideráveis da população, vinculada preponderantemente a determinadas áreas; permite-se a essas parcelas da população a presença física no território nacional, embora elas sejam excluídas tendencialmente e difusamente dos sistemas prestacionais [...] econômicos, jurídicos, políticos, médicos e dos sistemas de treinamento e educação, o que significa ‘marginalização' como subintegração".[xxiii]
Se admitirmos que o povo como ícone não participa do processo democrático ou, se participa, acaba sendo subjugado pela maioria, ficando expostos às suas vontades e sem representatividade no Parlamento, estamos afirmando que essa parcela da população estaria fada a sucumbir-se diante da maioria.
Em 1987, Geraldo Ataliba escreveu um pequeno texto - O Judiciário e as minorias - onde demonstra toda sua preocupação com esta parcela do povo (se é que o conceito de povo admite divisão), onde expõem suas ideias e prevê uma atuação mais efetiva do Judiciário, o que denominamos hoje de o papel contramajoritário da jurisdição: "De nada adianta fazer uma constituição, se ela não for obedecida. Não adiante haver lei [1]para tudo, se não for respeitada. Daí a importância do Poder Judiciário. Este merece especial cuidado dos constituintes, pois é a chave de todas as instituições. Elas só funcionam com o virtual ou atual controle do Judiciário, como demonstra o sábio Seabra Fagundes.
Na nossa sociedade tão deformada, involuída e subdesenvolvida, o Judiciário é mais importante do que nos países adiantados (que, aliás, o são porque têm boas instituições judiciais). É que os fracos, os pobres, os destituídos, os desamparados, bem como as minorias (raciais, religiosas, econômicas, políticas e étnicas etc), só têm por arma a defesa do direito. E direito só existe onde haja juízes que obriguem seu cumprimento.
Na democracia, governam as maiorias. Elas fazem as leis, elas escolhem os governantes. Estes são comprometidos com as maiorias que o elegeram e a elas devem agradar. As minorias não têm força. Não fazem leis, nem designam agentes políticos ou administrativos.
Sua única proteção está no judiciário. Este não tem compromisso com a maioria. Não precisa agradá-la, nem cortejá-la. Os membros do judiciário não são eleitos pelo povo. Não são transitórios, não são periódicos. Sua investidura é vitalícia. Os magistrados não representam a maioria, são a expressão da consciência jurídica nacional.
Seu único compromisso é com o direito, com a Constituição e as leis; com os princípios jurídicos encampados pela Constituição e por ela não repelidos (...)".[xxiv]
O povo, na verdade ainda está por ser criado.[xxv] Podemos tomar esta afirmativa como verdade, partindo do pressuposto que não existe um conceito universal aplicável a toda forma de democracia. Hoje assistimos a um total desinteresse de uma boa parcela do povo brasileiro, que não acredita mais nos representantes que eles escolhem e nas instituições, como o Judiciário, o que, de certa afasta, ainda que discretamente, a essência da democracia, que é o governo do povo para o povo.
Considerações finais
Procuramos apontar neste estudo as ideias do jurista e filósofo Friedrich Müller acerca dos conceitos de "povo" elencados na obra Quem é o povo?, publicada no Brasil, pela Editora Revista dos Tribunais.
Não se discutiu neste trabalho o significado da palavra "povo", mas como ela vem sendo utilizada. O autor alemão aponta que povo pode ser visto como: "povo" ativo (somente aqueles que participam efetivamente do processo eleitoral); "povo" como instância global de atribuição de legitimidade (aqueles que se submetem ao ordenamento jurídico sem questioná-lo, dando legitimidade aos representantes e legisladores); "povo" como ícone (aqueles excluídos, que não participam do processo democrático, mas que são tidos como unificados ao conceito de povo); "povo" como destinatário das prestações civilizatórias do Estado (aqueles que recebem do Estado toda assistência).
No Brasil, vimos que o "povo" inserto no parágrafo único do artigo 1º, da Constituição Federal de 1988, ainda que pudéssemos classificá-lo como ativo, instância global, como ícone ou como destinatário das prestações civilizatória, estaríamos sujeitos a inúmeras críticas, haja vista a falibilidade de nosso sistema democrático e das peculiaridades apontadas, sobretudo quando tratamos do "povo ativo".
Neste sentido, concluímos que no regime democrático brasileiro o conceito de "povo" é abrangente, pois engloba todos aqueles que se encontram no território brasileiro; povo esse, ainda que não detentor de direitos eleitorais, seja porque menor de 16 anos, condenado criminalmente (em cumprimento de pena), militar constrito ou estrangeiro, tem direito de participar do processo democrático e lutar pelos seus interesses; povo esse, ainda que excluído e marginalizado (e ou minorias) encontra no Judiciário uma forma de alcançar o equilíbrio provocado pela ausência de representatividade no parlamento; povo esse que, independente da cor, raça, sexo, idade ou crença merece respeito e deve ser ouvido.
Referências
1. ATALIBA, Geraldo. O Judiciário e minorias. Revista de informação legislativa, v.24, nº 96, p. 189-194, out./dez. de 1987. Disponível em: < http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/181799/1/000433557.pdf
3. COMPARATO, Fábio Konder. Variações sobre o conceito de povo no regime democrático. Estud. av. [online]. 1997, vol.11, n.31, pp. 211-222. ISSN 0103-4014
4. CHRISTENSE. Ralph/Müller, Friedrich. Quem é o povo?: a questão fundamental da democracia - tradução Peter Naumann; revisão da tradução Paulo Bonavides. 4ª ed. ver. e atual. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009
Müller, Friedrich. Quem é o povo?: a questão fundamental da democracia - introdução de Ralph Christensen; tradução Peter Naumann; revisão da tradução Paulo Bonavide
[i] Müller, Friedrich. Quem é o povo?: a questão fundamental da democracia - introdução de Ralph Christensen; tradução Peter Naumann; revisão da tradução Paulo Bonavides. 4ª ed. ver. e atual. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
[ii] BAHIA, Alexandre de Melo Franco. A democracia grega? Disponível em: http://joseluizquadrosdemagalhaes.blogspot.com/search/label/Coluna%20do%20professor%20Alexandre%20Bahia. Publicado em 10/11/2011. Acesso em 03/1/2012.
[iii] COMPARATO, Fábio Konder. Variações sobre o conceito de povo no regime democrático. Estud. av. [online]. 1997, vol.11, n.31, pp. 211-222. ISSN 0103-4014
[iv] Ibid. p. 213.
[v] Müller, Friedrich. Quem é o povo?: a questão fundamental da democracia. p. 94.
[vi] CHRISTENSE. Ralph/Müller, Friedrich. Quem é o povo?: a questão fundamental da democracia - tradução Peter Naumann; revisão da tradução Paulo Bonavides. 4ª ed. ver. e atual. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 93-95.
[vii] COMPARATO. Op. Cit. p. 214.
[viii] Müller. Op. Cit. p. 46.
[ix] Ibid. p. 46-47.
[x] Ibid. p. 47.
[xi] Ibid. p. 49.
[xii] Idem.
[xiii] Ibid. p. 51.
[xiv] Ibid. p. 55-56.
[xv] Ibid. p. 59.
[xvi] Ibid. p. 61.
[xvii] Ibid. p. 60.
[xviii] Ibid. p. 37.

[xix] MÜLLER, Friedrich. Democracia e exclusão social em face da globalização. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_72/artigos/Friedrich_rev72.htm. acesso em: 21/2/2012.
[xx] BONAVIDES, Paulo. A Constituição aberta. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. p. 13
[xxi] Constituição Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em 21/12/2012.
[xxii] Para definir um sistema democrático, pode-se começar verificando empiricamente os modos lingüísticos de utilização da palavra "povo" nos textos das normas do direito vigente, sobretudo nas constituições. Dessa análise, resultam vários modos de utilização. O primeiro deles é, também, o único que, até agora, foi usado na bibliografia da Ciência do Direito como conceito jurídico de "povo": os titulares dos direitos eleitorais. Denomino esse modo de utilização "povo ativo". Isso basta para o Poder Legislativo, na medida em que se compreende, graças à idéia de representação, que "o povo" é, indiretamente, a fonte da legislação. Mas isso não funciona no caso das atividades dos Poderes Executivo e Judiciário, que, afinal de contas, também devem ser "demo"craticamente justificadas. O povo ativo decide diretamente ou elege os seus representantes, os quais co-atuam, em princípio, nas deliberações sobre textos de normas legais que, por sua vez, devem ser implementadas pelo governo e controladas pelo Judiciário.
Na medida em que isso é feito corretamente em termos do Estado de Direito, aparece, no entanto, uma contradição no discurso da democracia: por um lado, faz sentido dizer que os governantes, os funcionários públicos e os juízes estariam democraticamente vinculados; mas não faz sentido dizer que, aqui, o povo ativo ainda estaria atuando "por intermédio" de seus representantes. Onde funcionários públicos e juízes não são eleitos pelo povo, a concretização de leis não basta para torná-los representantes deste mesmo povo. O ciclo da legitimação foi rompido, ainda que de forma democrática; mas ele foi rompido. Os vínculos são cortados de forma não-democrática quando a decisão executiva ou judicial for ilegal; aqui, o povo invocado pelo titular do respectivo cargo ("em nome do povo, profiro a seguinte sentença...") produz somente o efeito de um ícone, de um mero passepartout[xxii] ideológico.
No caso já mencionado, ou seja, na decisão defensável em termos do Estado de Direito, o papel do povo apresenta-se diferentemente: como instância de uma atribuição global de legitimidade. Tal papel transcende, na sua abrangência, o povo ativo; abrange todos os que pertencem à nação.
Além disso, as decisões dos órgãos que instituem, concretizam e controlam as normas afetam a todos aqueles aos quais dizem respeito: o "povo" enquanto população efetiva. Uma democracia legitima-se a partir do modo pelo qual ela trata as pessoas que vivem no seu território - não importa se elas são ou não cidadãs, ou titulares de direitos eleitorais. Isso se aproxima, finalmente, da idéia central de democracia: autocodificação, no direito positivo, ou seja, elaboração das leis por todos os afetados pelo código normativo. O princípio "one man, one vote" (pensado em outra acepção) também pode ser compreendido não com vistas a uma camada social específica, mas com vistas à qualidade humana de cada pessoa afetada, independentemente da cidadania. Desse povo-destinatário, ao qual se destinam todos os bens e serviços providos pelo Estado Democrático de Direito, fazem parte todas as pessoas, independentemente, também, de idade, estado mental e status em termos de direitos civis. MÜLLER, Friedrich. Democracia e exclusão social em face da globalização. Op. Cit.
[xxiii] Müller, Friedrich. Quem é o povo?: a questão fundamental da democracia. p. 72.
[xxiv] ATALIBA, Geraldo. O Judiciário e minorias. Revista de informação legislativa, v.24, nº 96, p. 189-194, out./dez. de 1987. Disponível em: < http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/181799/1/000433557.pdf
[xxv] Müller, Friedrich. Quem é o povo?: a questão fundamental da democracia p. 98.

A democracia em Ingeborg Maus

Luiz Cláudio Borges

Publicado na Revista Constitucional do Ambito Jurídico (01/5/2012)
 
Resumo: Conceituar o termo democracia desafia os estudiosos, sobretudo pelos desdobramentos e pela constante tensão existente com o constitucionalismo. Para muitos, democracia representa "o governo do povo para o povo". Na visão de Ingeborg Maus a democracia é fundada na soberania popular (soberania + vontade popular), que dá ao "povo", representado pelo legislativo, um status de soberania. O presente estudo tem por escopo apresentar a visão e o pensamento da jurista alemã, para tanto faremos um breve estudo de como o termo democracia foi e vem sendo empregado pelos pensadores clássicos e contemporâneos.
Palavras-chaves: democracia - constitucionalismo - soberania popular
Abstract: Conceptualize the term democracy challenges scholars, especially by the developments and the constant tension with constitutionalism. For many, democracy is "government of the people for the people." In view of Ingeborg Maus democracy is founded on popular sovereignty (sovereign will of the people +), which gives the "people", represented by the legislature, a status of sovereignty. The scope of this study is to present the vision and thought of the German jurist, for that will make a brief study of how the term democracy was and is being used by the classical and contemporary thinkers.

Keywords: democracy - constitutionalism - popular sovereignty
Sumário: 1.- Introdução 2.- Democracia 3.- A democracia na visão de Ingeborg 4.- Conclusão
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo analisar o pensamento da socióloga e jurista Ingeborg Maus sobre a democracia. Entretanto, será necessário reunir as ideias e conceitos de diversos pensadores clássicos e contemporâneos, como Rousseau, Hobbes, Lock, Friedrich Muller, Habermas, Menelick, Chantal Mouffe e outros.
O tema democracia é atual e desafia os estudiosos, sobretudo pela constante tensão existente com o constitucionalismo. Na concepção de Menelick quanto mais democrático é um regime político, tanto mais a vontade popular impera e, portanto, tanto menos limites constitucionais são impostos a essa vontade e as suas decisões. Por outro lado, quanto mais limites constitucionais houver tanto mais estreita é a possibilidade de se dar livre curso a tal vontade; tanto menos campo é deixado à deliberação dos representantes da vontade popular eleitos para o exercício cotidiano da tomada de decisões[1].
Considerando que o objetivo é estudar o pensamento de Maus, o referencial teórico é o livro "O Judiciário como superego da sociedade", publicado pela Editora Lumen Juris, o qual reúne diversos artigos da autora. O esforço a que me propus não é fácil, pois pouco, ou quase nada foi escrito sobre o pensamento da jurista e socióloga alemã. Como Ingeborg Maus vê a democracia? Como seus pensamentos podem influenciar ou já estão influenciando no processo democrático brasileiro? Estas serão algumas das perguntas que tentarei responder neste artigo.
O trabalho está sendo dividido em dois tópicos: o primeiro tratará do conceito e ideia de democracia na visão de alguns pensadores; e o segundo, abordará a democracia na visão da Ingeborg Maus. Não temos a menor pretensão de esgotar o assunto, até porque entendemos que, assim como os direitos humanos estão sendo construídos, a democracia também, portanto, o que se fará aqui é apenas o início de uma proposta para aguçar futuros debates.
2. DEMOCRACIA
O termo democracia, de origem grega, fora utilizado para designar uma forma de governo em que o conjunto de cidadãos tem a titularidade do poder político. Isto é uma forma em que a administração da coisa pública é responsabilidade do povo e está sob o seu controle.[2]
É importante salientar que os gregos foram os grandes responsáveis pela construção do que entendemos hoje como democracia. Inspirados nos ideais de que tudo deveria ser debatido e decidido de forma consensual, os iluministas pensaram a substituição das relações feudais de poder pelo "demo" (povo) + "cratos" (regime), formando a expressão democracia, que significa o governo do povo para o povo.[3]
BONAVIDES conceitua democracia como "aquela forma de exercício da função governativa em que a vontade soberana do povo decide, direta ou indiretamente, todas as questões de governo, de tal sorte que o povo seja sempre o titular e o objeto, a saber, o sujeito ativo e o sujeito passivo do poder legítimo".[4]
Para Müller, o termo democracia é uma expressão bastante indeterminada, isto é, utilizada de vários modos, freqüentemente opostos. [5] O vocábulo oferece os significados de "governo" e "povo"; mas se isso resulta em algo como "governo do povo", é, justamente, a questão". [6] Müller vai além ao questionar quem é esse povo. O tema é instigante, entretanto, em razão do esforço aqui proposto, será relegado para um outro momento.
Chantal Mouffe quando trata do tema "Pensando a democracia com, e contra, Carl Schmitt", texto traduzido por Menelick, mostra sua preocupação com o termo:
"No momento em que é anunciada a vitória definitiva da democracia liberal, incongruentemente, é necessário que salientemos que sabemos cada vez menos do que se trata a distância é tão grande entre o "sujeito do enunciado" e o "sujeito da enunciação" que se torna cada vez mais difícil termos uma ideia clara do que seja a democracia liberal. O significante "democracia" funciona agora como horizonte imaginário no qual se inscrevem reivindicações extremamente díspares, e o consenso para o qual aparentemente aponto pode muito bem ser uma ilusão".[7]
Hoje, quando pensamos a democracia, nossos esforços se concentram num governo representativo, em um Estado constitucional, de garantias das liberdades individuais, o que tem pouca semelhança com a cidade-república dos gregos - a polis - que teve seu apogeu entre os séculos VI e IV a.C., onde os cidadãos se reuniam em assembléia para discutir e deliberar sobre as leis e organização da vida coletiva (democracia direta).[8]
Para Locke a criação de sociedades civis dá início a diversas formas de governo. Se há a nomeação de pessoas de tempos em tempos para a elaboração das leis, nos deparamos com uma democracia.[9]
Rousseau, ainda que indiretamente, parte da ideia de "vontade geral" imaginando um Estado onde não houvesse intermediários ou representantes, mas, o próprio povo ditasse as normas aos órgãos executivos.[10] Isto é impossível nos dias de hoje, pois a democracia é de "massa", em territórios bem mais extensos que as "polis", logo, representativa.[11]
Hobbes compartilhava a ideia de uma democracia deliberativa. Em sua obra Do Cidadão aborda o tema nos seguintes termos:
"Onde a monarquia mais se distingue da aristocracia e da democracia é no fato de que nestas duas últimas têm de estar marcados lugares e datas para a a deliberação e consulta dos negócios, isto é, para assegurar seu exercício efetivo em todos os lugares e datas. Pois tanto o povo quanto os nobres, não constituindo pessoas naturais, necessariamente precisam reunir-se". (Hobbes, 1992, p. 147)
Sobre o pensamento de Hobbes segue a contribuição de LEIVAS:
"A Democracia é, portanto, uma espécie de governo em que o soberano-representante é o próprio povo reunido em assembléia (uma assembléia de todos). As deliberações públicas do povo são inseridas no que mais tarde ficou conhecido como democracia representativa. Enfim, a teoria da democracia de Hobbes contém elementos deliberativos e representativos que nos permitem chamá-la de democracia representativa deliberativa."[12]
O professor Alexandre Bahia, em artigo recém publicado, faz referência à democracia representativa nos seguintes termos:
"No entanto, a despeito de ser "representativa", a soberania popular permanece com o povo. Todas as Constituições atuais consagram essa ideia iluminista que, de alguma forma, mantém, implicitamente, o ideal forjado já em fins da Idade Média do direito do "povo" se rebelar contra governos que violassem as normas (sagradas, imutáveis e "naturais") do bem comum. Esse é um dado importante: por todo o globo as democracias representativas enfrentam problemas de legitimidade: os canais de comunicação entre a "periferia" (povo) e o "centro" (parlamento), em geral, não têm funcionado como deveriam".[13]
No debate sobre democracia deliberativa as contribuições de Habermas são oportunas. Ele pode não ter sido o primeiro a escrever sobre deliberação, entretanto é um dos defensores da teoria deliberativa da democracia.[14]
Habermas demonstra certa atenção com os pressupostos, os arranjos institucionais e os mecanismos de controle político, isto porque pensa em uma democracia em termos institucionais, procedimental e deliberativa. Constrói uma teoria da democracia a partir de duas tradições teórico-polícitas: i) concepção de autonomia pública da teoria política republicana (vontade geral, soberania popular); ii) concepção de autonomia privada da teoria política liberal (interesses particulares, liberdades individuais).[15]
O pensamento habermasiano é sofisticado e demanda um estudo profundo de todos os institutos e teorias propostos pelo autor, o que foge do alcance do presente trabalho, portanto, limitaremos apenas à concepção procedimental da democracia, até porque Habermas é procedimentalista.[16]
Para LUBENOW:
"A concepção procedimental de democracia é uma concepção formal e assenta nas exigências normativas da ampliação da participação dos indivíduos nos processos de deliberação e decisão e no fomento de uma cultura política democrática. Por ser assim, esta concepção está centrada nos procedimentos formais que indicam "quem" participa, e "como" fazê-lo (ou está legitimado a participar ou fazê-lo), mas não diz nada sobre "o que" deve ser decidido. Ou seja, as regras do jogo democrático (eleições regulares, princípio da maioria, sufrágio universal, alternância de poder) não fornecem nenhuma orientação nem podem garantir o "conteúdo" das deliberações e decisões".
Habermas não descarta os modelos de democracia existentes (liberal e republicano), mas propõe um alternativo, o procedimental, que se utiliza da deliberação para a tomada de decisão. É nesse caminho, via procedimento e deliberação, que constitui o cerne do processo democrático. Para Habermas procedimentos democráticos proporcionam resultados racionais na medida em que a formação da opinião e da vontade institucionalizada é sensível aos resultados de sua formação informal da opinião que resulta das esferas públicas autônomas e que se formam ao seu redor.[17]
Muito se debateu e ainda se debate sobre a democracia, mas, conforme Müller e Mouffe, o termo e suas inúmeras facetas não são de fácil entendimento, razão pela qual o objetivo deste primeiro ponto limitou-se a apontar o pensamento de alguns doutrinadores. Essa construção foi necessária até mesmo para compreender melhor o pensamento de Ingeborg Maus.
3. A DEMOCRACIA NA VISÃO DE INGEBORG
Partindo das construções anteriores é possível alcançar a essência do pensamento de Ingeborg Maus, entretanto, é importante salientar que seus escritos são endereçados ao direito alemão, mas também se aplica e aproveita a nossa concepção de democracia.
Maus não procura conceituar o termo democracia ou inseri-lo no debate, mas estuda seus efeitos no processo democrático, sobretudo na soberania e no poder estatal.[18] Parte-se do princípio de que a democratização da soberania provoca a separação das funções de soberania e poder estatal, as quais no absolutismo eram indivisíveis.
Segundo a autora, a soberania é idêntica à função do legislativo. Utilizando os pensamentos de Bodin, afirma que o monarca absoluto não é soberano por deter o assim chamado monopólio do poder, mas em sua qualidade de fonte de todo o Direito. Sustenta que a ação do poder estatal deve ser controlada e dirigida pela base social, isto porque a atividade legislativa incumbe exclusivamente ao "povo", ou seja, aqueles que não são funcionários, em oposição aos titulares de funções públicas dos aparelhos estatais (soberania popular). [19]
Com isso, constrói-se o entendimento de que o legislativo não é um "poder", mas uma soberania[20], o que justifica sua importância no sistema de separação de poderes.
Maus[21] enfatiza que a "soberania não é senão o exercício da vontade comum na atividade legislativa, ela só pode ser representada por si mesma". É una, indivisível, inalienável e imprescritível. Pertence à nação; pertence ao povo. Tal soberania não está separada da noção de vontade popular, onde supõe-se a existência de um sujeito coletivo de decisão.[22]
Fazendo menção ao artigo 20, §2º da Lei Fundamental,[23] o qual preceitua que "[t]odo poder estatal emana do povo",[24] Maus rechaça a ideia de que a distinção fundamental entre soberania e poder estatal ou poder tenha se perdido de todo. Revela que o povo recebe a chancela de que nada pode detê-lo e que isso só ocorre num Estado de Direito, cujo esquema de separação dos poderes repousa na estrita separação de funções entre soberania e poder estatal, afastando qualquer interpretação equivocada de que isso inviabilizaria a democracia, pelo contrário, torna-se condição absoluta de sua garantia.[25]
Nesse contexto, escreve a autora
"o "Estado constitucional" é confrontado, hoje, à democracia soberana, para contestar-lhe o caráter constitucional. Na visão da autora, o conceito de constitucionalismo, que, até então, designava o tipo específico de Constituição do século XIX, também é empregado de modo um tanto quanto traiçoeiro na teoria constitucional atual, como termo geral para a existência da codificação constitucional moderna, expressando-se assim a suplantação do tipo contrário de Estado de Direito democrático. Contudo, não é mais o princípio monárquico que deve ser constitucionalizado - como ainda acontecia nas constituições do século XIX - mas a soberania democrática".[26]
Partindo dessas concepções, podemos dizer que da junção entre a soberania e vontade popular nasce a soberania popular, que "é reduzida a um ato único do poder constituinte do povo, o qual se esgota nesse significado mais simbólico e constitui uma Constituição, ao qual se atribui progressivamente "soberania"."[27]
4. CONCLUSÃO
Tentou-se construir neste artigo o pensamento de Ingeborg Maus acerca da democracia, mas averigou-se logo no início que a autora não procura conceituar o termo democracia, apenas discorre de forma bem detalhada sobre a soberania popular, termo presente em todos os textos do livro "O judiciário como superego da sociedade".
Não obstante a própria dificuldade na conceituação da expressão soberania popular, Maus esclarece que a "soberania não é senão o exercício da vontade comum na atividade legislativa, ela só pode ser representada por si mesma". E mais, é una, indivisível, inalienável e imprescritível; pertence à nação; pertence ao povo. Tal soberania não está separada da noção de vontade popular, onde supõe-se a existência de um sujeito coletivo de decisão.
Conclui-se, portanto, que a democracia, assim como a soberania popular coexistem em sim mesma, esta não inviabiliza aquela, pelo contrário é pressuposto, é condição sem a qual não se pode garantir a primeira. Isto na visão da autora.
BIBLIOGRAFIA
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BONAVIDES, Paulo. A Constituição aberta. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. p. 13
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LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil: ensaio sobre a origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil/John Locke; introdução de J.W. Gough; tradução de Magda Lopes e Marisa Loboda Costa. Petrópolis, RJ:Vozes,1994. p. 160.
LUBENOW, Jorge Adriano. Esfera pública e democracia deliberativa em Habermas: modelo teórico e discursos críticos. Kriterion [online]. 2010, vol.51, n.121, pp. 227-258. ISSN 0100-512X. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2010000100012&lang=pt. Acessado em 11/1/2012.
MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade. Coleção Conexões Jurídicas. Direção de Luiz Moreira. Tradução de Geraldo de Carvalho e Gercélia Batista de Oliveira Mendes. Rio de Janeiro. Editora Lumem Juris, 2010.
MOUFFE, Chantal. Pensando a democracia com, e contra Carl Schmitt. Em "Revue Française de Science Politique, vol. 42, nº. 1, Fevereiro - 1992. Tradução de Menelick de Carvalho Neto.
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VILANI, Cristina. Democracia antiga e democracia moderna. In Cadernos de História> PUC MINAS. V. 4. Nº. 5. Out./1999. P. 37-42.
Notas:
[1] CARVALHO NETTO, Menelick. Racionalização do Ordenamento Jurídico e Democracia. In: Revista Brasileira de Estudos Políticos. n. 88. dez./2003.
[2] VILANI, Cristina. Democracia antiga e democracia moderna. In Cadernos de História> PUC MINAS. V. 4. Nº. 5. Out./1999. P. 37-42.
[3] BAHIA, Alexandre de Melo Franco. A democracia grega?. Disponível em: http://joseluizquadrosdemagalhaes.blogspot.com/search/label/Coluna%20do%20professor%20Alexandre%20Bahia. Publicado em 10/11/2011. Acesso em 03/1/2012.
[4] BONAVIDES, Paulo. A Constituição aberta. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. p. 13
[5] MÜLLER, Friedrich. Democracia e exclusão social em face da globalização; Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_72/artigos/Friedrich_rev72.htm.%20Acesso%20em%2003/1/2012.
[6] Ibid.
[7] MOUFFE, Chantal. Pensando a democracia com, e contra Carl Schmitt. Em "Revue Française de Science Politique, vol. 42, nº. 1, Fevereiro - 1992. Tradução de Menelick de Carvalho Neto.
[8] VILANI, Cristina. Op. Cit.
[9] Locke, John. Segundo tratado sobre o governo civil: ensaio sobre a origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil/JohnLocke; introdução de J.W. Gough; tradução de Magda Lopes e Marisa Loboda Costa.-Petrópolis, RJ:Vozes,1994. p. 160.
[10] BAHIA, A. F. M. Op. Cit.
[11] Ibid.
[12] LEIVAS, Cláudio R. C.. Paixão, democracia e deliberação em Hobbes e Walzer. Trans/Form/Ação [online]. 2009, vol.32, n.2, pp. 63-74. ISSN 0101-3173. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31732009000200003&lang=pt. Acessado em 30/12/2011.
[13] BAHIA, A. M. F. Op. Cit.
[14] LUBENOW, Jorge Adriano. Esfera pública e democracia deliberativa em Habermas: modelo teórico e discursos críticos. Kriterion [online]. 2010, vol.51, n.121, pp. 227-258. ISSN 0100-512X. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2010000100012&lang=pt. Acessado em 11/1/2012.
[15] Ibid.
[16] Ibid.
[17] Ibid.
[18] MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade: Do Estado de Direito ao Estado Constitucional da Crítica da Obstrução Jurídica da Democracia. Coleção Conexões Jurídicas. Direção de Luiz Moreira. Tradução de Geraldo de Carvalho e Gercélia Batista de Oliveira Mendes. Rio de Janeiro. Editora Lumem Juris, 2010. Pg. 133-151.
[19] Ibid. p. 138.
[20] Ibid. p. 139.
[21] Citando Rousseau.
[22] MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade: Sentido e Significado da Soberania Popular na Sociedade Moderna. Coleção Conexões Jurídicas. Direção de Luiz Moreira. Tradução de Geraldo de Carvalho e Gercélia Batista de Oliveira Mendes. Rio de Janeiro. Editora Lumem Juris, 2010. Pg. 153-171. p. 153.
[23] Lei alemã
[24] O referido dispositivo guarda certa semelhança com a Constituição Brasileira de 1988: "Preâmbulo: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. [...]. art. 1º, Parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição." Grifo nosso.
[25] MAUS, Op. Cit. p. 139.
[26] Ibid. p. 143.
[27] Ibid. p. 153.

DIA MUNDIAL DO CONSUMIDOR: UMA REFLEXÃO



Por Luiz Cláudio Borges

 

            Amanhã comemoraremos mais uma data importante no calendário mundial, o Dia Mundial do Consumidor, mas será que realmente temos motivo para comemorá-la? Será que houve avanços nos estudos do direito do consumidor? É possível dizer que o consumidor de hoje está mais consciente de seus direitos? Estas e outras indagações darão a tônica deste singelo artigo, mas que tem como proposta levar o leitor, que também é consumidor, à reflexão.


            No dia 15/3/1962, o então Presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy deu uma declaração ao Congresso norte-americano dizendo que, consumidores, por definição, somos todos nós. Eles são o maior grupo econômico, e influenciam e são influenciados por quase toda decisão econômica publica ou privada. Apesar disso, ele são o único grupo importante, cujos pontos de vista, muitas vezes não são considerados[1].


            Na ocasião, o Presidente ainda proclamou quatro direitos básicos do consumidor: i) direito à segurança; ii) direito à informação; iii) direito à escolha; e iv) direito de ser ouvido. O impacto dessa declaração foi muito positivo e acabou influenciando a elaboração de inúmeras leis protetivas do consumidor.


            Em 1973, em Genebra, a Comissão de Direitos Humanos da ONU, em sua 29ª Sessão, reconheceu os direitos fundamentais do consumidor, partindo daqueles elencados pelo Presidente americano. Seguindo o mesmo exemplo, inúmeros países passaram a editar Códigos de Defesa do Consumidor.


            No Brasil, não obstante a existência de alguns movimentos em prol dos consumidores, ainda não existia nenhuma legislação específica. Os conflitos envolvendo consumidor e fornecedor (sujeitos, até então desconhecidos do ordenamento) eram resolvidos pela legislação cível, mais precisamente pelo Código Civil de 1916. Com a Constituição de 1988, considerada a Constituição “cidadã”, o direito de defesa do consumidor foi inserido como direito fundamental, previsto no artigo 5º, inciso XXXII[2]. E mais, o direito do consumidor foi elevado como princípio da ordem econômica, artigo 170, V, da Constituição Federal[3].


            O Congresso Nacional, por força do artigo 48, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, foi desafiado a elaborar um código de defesa do consumidor. Nasce, com isso, o Código de Defesa do Consumidor, Lei nº. 8.078/1990. O mencionado Código entrou em vigor em 15/3/1991.


            Dentre os princípios que norteiam a Política Nacional de Relações de Consumo, artigo 4º, do CDC[4] está a “educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres”, tudo com o objetivo de melhorar o mercado de consumo.


            José Geraldo Brito Filomeno assevera que


“A educação e informação de fornecedores e consumidores quanto aos seus direitos e deveres é objeto do inciso IV do art. 4º do Código de Defesa do Consumidor. A educação formal, no caso, deve iniciar desde os primeiros passos da criança nas escolas, até porque, como sempre fazemos questão de assinalar, os direitos do consumidor são uma face dos próprios direitos da cidadania. Não que deve existir, necessariamente, uma disciplina específica para tanto. Basta a preocupação de professores ao embutirem nos conteúdos curriculares de disciplinas como a matemática, por exemplo, a matéria de cálculo de juros e percentuais; em ciências, a preocupação com a qualidade dos alimentos, prazos de validade, a responsabilidade pelo consumo sustentável etc. no que diz respeito à educação informal, devem ser objeto de preocupação não apenas dos órgãos de defesa e proteção ao consumidor, bem como entidades não governamentais, como também dos meios de comunicação de massa (televisão, rádio, jornais, revistas, sites na Internet etc.). Quanto à informação, cremos que devam ser objeto das comunicações de modo geral, feitas pelas entidades governamentais ou não governamentais, tudo com vistas à melhoria do mercado de consumo.”[5] 

                  Segundo Filomeno, o direito à educação sobre os direitos e deveres inerentes à relação de consumo pode ser dividida em educação formal e informal. No primeiro caso, o ensino é reservado à criança e ao adolescente, com a inclusão da disciplina, de forma isolada ou não; no segundo, é reservada aos órgãos de defesa e proteção do consumidor e dos meios de comunicação.


            É notória a relevância do trabalho realizado pelos órgãos de defesa e proteção do consumidor (PROCON, Associações (IDEC, BRASILCON etc.) e do próprio DPDC, entretanto, um número muito pequeno de consumidores é alcançado.


            No Brasil, em pleno século XXI, era da tecnologia e informação a velocidades inimagináveis, existem pessoas que sequer sabem da existência do Código de Defesa do Consumidor, razão pela qual a inserção do ensino do direito consumidor nos anos iniciais é medida imprescindível para a formação de consumidores conscientes e responsáveis.

            Um estudo elaborado pelo professor Jessé Souza, sociólogo brasileiro, denominado de “Ralé brasileira: quem é e como vive”, aponta que cerca de um terço da população brasileira, um total de aproximadamente 60 milhões de brasileiros, não tem acesso a bens de cultura, informação e educação. Ora, é possível afirmar, e o faço por conta e risco meu, que uma parte muito maior sequer sabe dos direitos que tem como consumidor.


           Onde está o problema?

           Não canso de dizer que o dever de informar e levar a educação dos direitos e deveres aos consumidores e fornecedores é do Estado. Neste quesito o Estado é falho, como também o é nas questões da saúde e até mesmo da educação.

           Como mencionado no início, amanhã comemora-se mais um ano de existência do Código de Defesa do Consumidor. Passaram-se mais de 22 anos, muito se fez, mas há muito a se fazer. Entretanto, sem uma educação adequada, pouco provavelmente o consumidor estará preparado para compreender e fazer valer seus direitos.

 
            Rogo, pois, que não só o Estado, mas a iniciativa privada (já que o primeiro não consegue exercer bem suas funções), possam, em conjunto, intensificar a divulgação dos direitos do consumidor e a conscientização para um consumo responsável e, consequentemente sustentável.






[1] AMARAL, Luiz Otávio de Oliveira. Teoria geral do direito do consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 19.


[2] O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.


[3] A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existentes digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]; v- defesa do consumidor.


[4] Código de Defesa do Consumidor


[5] Filomeno, José Geraldo Brito, Manual de direitos do consumidor/José Geraldo Brito Filomeno.- 10ª Ed.- São Paulo: Atlas, 2010, p. 15.

"A DEMOCRACIA ANTE O ABISMO" - BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS


     

Português: Boaventura de Sousa Santos, sociólo...
Português: Boaventura de Sousa Santos, sociólogo português. (Photo credit: Wikipedia)
”Se o Estado do Bem-Estar Social se desmantelar, Portugal ficará politicamente democrático, mas socialmente fascista.”
No contexto de crise em Portugal, o combate contra o fascismo social de que se fala neste texto exige um novo entendimento entre as forças democráticas. A situação não é a mesma que justificou as frentes antifascistas na Europa dos anos 1930, que permitiram alianças no seio de um vasto espectro político, incluindo comunistas e democratas cristãos, mas tem com esta algumas semelhanças perturbadoras.
Esperar sem esperança é a pior maldição que pode cair sobre um povo. A esperança não se inventa, constrói-se com alternativas à situação presente, a partir de diagnósticos que habilitem os agentes sociais e políticos a ser convincentes no seu inconformismo e realistas nas alternativas que propõem.
Se o desmantelamento do Estado do Bem-Estar Social e certas privatizações (a da água) ocorrerem, estaremos a entrar numa sociedade politicamente democrática, mas socialmente fascista, na medida em que as classes sociais mais vulneráveis verão as suas expectativas de vida dependerem da benevolência e, portanto, do direito de veto de grupos sociais minoritários, mas poderosos.
O fascismo que emerge não é político, é social e coexiste com uma democracia de baixíssima intensidade. A direita que está no poder não é homogênea, mas nela domina a facção para quem a democracia, longe de ser um valor inestimável, é um custo econômico e o fascismo social é um estado normal.
A construção de alternativas assenta em duas distinções: entre a direita da democracia-como-custo e a direita da democracia-como-valor; e entre esta última e as esquerdas (no espectro político atual, não há uma esquerda para quem a democracia seja um custo). As alternativas democráticas hão de surgir desta última distinção.
Os democratas portugueses, de esquerda e de direita, terão de ter presente tanto o que os une como o que os divide. O que os une é a ideia de que a democracia não se sustenta sem as condições que a tornem credível ante a maioria da população. Tal credibilidade assenta na representatividade efetiva de quem representa, no desempenho de quem governa, no mínimo de ética política e de equidade para que o cidadão não o seja apenas quando vota, mas, também, quando trabalha, quando adoece, quando vai à escola, quando se diverte e cultiva, quando envelhece.
Esse menor denominador comum é hoje mais importante do que nunca, mas, ao contrário do que pode parecer, as divergências que a partir dele existem são igualmente mais importantes do que nunca. São elas que vão dominar a vida política nas próximas décadas.
Primeiro, para a esquerda, a democracia representativa de raiz liberal é hoje incapaz de garantir, por si, as condições da sua sustentabilidade. O poder econômico e financeiro está de tal modo concentrado e globalizado, que o seu músculo consegue sequestrar com facilidade os representantes e os governantes (por que há dinheiro para resgatar bancos e não há dinheiro para resgatar famílias?). Daí a necessidade de complementar a democracia representativa com a democracia participativa (orçamentos participativos, conselhos de cidadãos).
Segundo, crescimento só é desenvolvimento quando for ecologicamente sustentável e quando contribuir para democratizar as relações sociais em todos os domínios da vida coletiva (na empresa, na rua, na escola, no campo, na família, no acesso ao direito). Democracia é todo o processo de transformação de relações de poder desigual em relações da autoridade partilhada. O socialismo é a democracia sem fim.
Terceiro, só o Estado do Bem-Estar Social forte torna possível a sociedade do bem-estar forte (pais reformados com pensões cortadas deixam de poder ajudar os filhos desempregados, tal como filhos desempregados deixam de poder ajudar os pais idosos ou doentes). A filantropia e a caridade são politicamente reacionárias quando, em vez de complementar os direitos sociais, se substituem a eles.
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BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, sociólogo português, é diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (Portugal)
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
fonte: Folha

GEORGE GALLOWAY – sobre Chávez, na Universidade de Oxford


Publicado em 05/03/2013
GG, ativista e parlamentar britânico, debate em Oxford (29/10/2012), os direitos dos homossexuais e a eleição presidencial de 07/10/2012 na Venezuela

quarta-feira, 13 de março de 2013

NOVE PASSOS PARA FORMALIZAR SUA EMPRESA


Nove passos para formalizar sua empresa


1 - Situação Fiscal
Pesquisar a situação fiscal (recolhimento de impostos, taxas e contribuições) junto à Secretaria da Fazenda do Estado ou Município. Para isso, leve sua carteira de identidade e CPF; e dos sócios, quando houver. Esta etapa é importante, pois se houver alguma pendência vinculada ao seu nome ou aos de seus sócios, as demais etapas do processo não poderão se realizar.


2 - Consulta Prévia para emissão do Alvará de Funcionamento
Verificar, na Prefeitura de sua cidade, se existem pendências ou restrições que impeçam a constituição da empresa no endereço indicado.


3 - Nome Empresarial
Solicitar pesquisa do Nome Empresarial para verificar se o nome escolhido para sua empresa está liberado para inscrição.

Você sabia?
Que não pode haver 2 empresas com o mesmo nome no mesmo ramo de atividade no mesmo estado?


4 - Natureza jurídica e Ato Constitutivo
Definir a natureza jurídica mais adequada ao seu negócio. Se você possuir sócios, sua empresa será constituída sob uma das formas da sociedade comercial. A mais comum é a Sociedade limitada. Caso não haja sócios, você será registrado como empresário individual. A decisão da natureza jurídica tem diversas consequências, especialmente quanto a sua responsabilidade pessoal pelas obrigações da empresa.

Elaborar o Ato Constitutivo: documento onde são definidos como a empresa vai operar e a atividade econômica que será explorada.

As escolhas mais comuns para o Ato Constitutivo são:
• Contrato Social para Sociedade Limitada;
• Requerimento de Empresário para Empresário Individual.


5 - Registro da Empresa
Assim como no nascimento, casamento e óbito, a criação de uma pessoa jurídica também deve ser registrada. A Junta Comercial é a responsável pelo registro público de atividades ligadas a sociedades empresariais. A Junta Comercial auxilia, também, a organizar e manter atualizado o cadastro de empresas em funcionamento no País.

Registrar a empresa e receber o NIRE (Número de Identificação do Registro de Empresa), que é uma etiqueta ou um carimbo, feito pela Junta Comercial, contendo um número que é fixado no ato constitutivo (Contrato Social ou Requerimento de Empresário).


6 - Emissão do CNPJ
Com o NIRE em mãos, chega a hora de registrar a empresa como contribuinte, ou seja, de obter o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica - CNPJ.

O registro do CNPJ é feito exclusivamente pela internet, no endereço da Receita Federal do Brasil (www.receita.fazenda.gov.br), por meio de programa específico, de acordo com as orientações nos próprios formulários.

Os documentos necessários, informados no site, são enviados por Sedex ou pessoalmente para a Secretaria da Receita Federal, e a resposta é dada também pela internet. Em alguns locais este procedimento é realizado nas Juntas Comerciais.

Ao fazer o cadastro no CNPJ, é preciso registrar a atividade que a empresa irá exercer, conforme descrito no ato constitutivo. Essa classificação será utilizada não apenas na tributação, mas também na fiscalização das atividades da empresa.

OPÇÃO PELO SIMPLES NACIONAL
A Lei Complementar n° 123, de 14/12/2006, instituiu o novo regime de tributação para microempresas e empresas de pequeno porte, denominado Simples Nacional. O pedido de opção de novas empresas pelo Simples Nacional deve ser feito exclusivamente pela internet, por meio do Portal do Simples Nacional, no endereço:

http://www8.receita.fazenda.gov.br/simplesnacional

Vantagens para sua empresa: simplificação tributária com recolhimento de 8 impostos e contribuições em Guia Única de Reconhecimento.
Leia as instruções contidas no portal acima mencionado, menu “Sobre o Simples Nacional.”


7 - Inscrição Estadual
Já o cadastro no sistema tributário estadual deve ser feito junto à Secretaria Estadual da Fazenda. Em geral, ele não pode ser feito pela internet, mas isso varia de Estado para Estado. Atualmente a maioria dos Estados possui convênio com a Receita Federal, o que permite obter a Inscrição Estadual junto com o CNPJ, por meio de um único cadastro.


8 - Alvará de Funcionamento
Com o CNPJ cadastrado, é preciso ir à prefeitura ou administração regional para requerer o alvará de funcionamento de sua empresa. O alvará é uma licença que permite o estabelecimento e o funcionamento de instituições comerciais, industriais, agrícolas e prestadoras de serviços, bem como de sociedades e associações de qualquer natureza, vinculadas a pessoas físicas ou jurídicas.


9 - Impressão de Documentos Fiscais
Agora resta apenas preparar o aparato fiscal para que seu empreendimento entre em ação. Será necessário solicitar a Autorização para Impressão de Documentos Fiscais - AIDF junto à Secretaria da Fazenda do Estado ou Município. Em alguns locais, este procedimento é feito pela internet.
Uma vez que o aparato fiscal esteja pronto e registrado, sua empresa pode começar a operar legalmente.

Agora, basta tocar o seu negócio adiante! Bons negócios!


Fonte:
http://cafeempreendedor.blogspot.com/2009/03/nove-passos-para-formalizar-sua-empresa.html

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