quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Projeto de lei de reforma do Código de Defesa do Consumidor


Por Luiz Cláudio Borges


Olá pessoal!
Segue abaixo Projeto de Lei que tramita no Senado, visando a reforma do Código de Defesa do Consumidor. São alterações importantes e merecem a atenção da comunidade jurídica, afinal todos nós somos consumidores!





SENADO FEDERAL

PRESIDÊNCIA

COMISSÃO DE JURISTAS “CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR”

Minuta

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº , DE 2012

Altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), para aperfeiçoar as disposições gerais do Capítulo I do Título I e dispor sobre o comércio eletrônico.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º A Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 1º ......................................................................
Parágrafo único. As normas e os negócios jurídicos devem ser interpretados e integrados da maneira mais favorável ao consumidor. (NR)”
“Art. 5° ..........................................................................
VI – o conhecimento de ofício pelo Poder Judiciário, no âmbito do processo em curso e assegurado o contraditório, e pela Administração Pública de violação a normas de defesa do consumidor;
VII – a interpretação e a integração das normas e negócios jurídicos da maneira mais favorável ao consumidor.
.............................................................................. (NR)”
“Art. 6º ...........................................................................
.........................................................................................
XI - a autodeterminação, a privacidade e a segurança das informações e dados pessoais prestados ou coletados, por qualquer meio, inclusive o eletrônico;
XII - a liberdade de escolha, em especial frente a novas tecnologias e redes de dados, sendo vedada qualquer forma de discriminação e assédio de consumo. (NR)”
“Art. 7º ...........................................................................
§ 1º ..................................................................................
§ 2º Aplica-se ao consumidor a norma mais favorável ao exercício de seus direitos e pretensões. (NR)”
“Seção VII
Do Comércio Eletrônico
Art. 45-A. Esta seção dispõe sobre normas gerais de proteção do consumidor no comércio eletrônico, visando a fortalecer a sua confiança e assegurar tutela efetiva, com a diminuição da assimetria de informações, a preservação da segurança nas transações, a proteção da autodeterminação e da privacidade dos dados pessoais.
Parágrafo único. As normas desta Seção aplicam-se às atividades desenvolvidas pelos fornecedores de produtos ou serviços por meio eletrônico ou similar.
Art. 45-B. Sem prejuízo do disposto nos arts. 31 e 33, o fornecedor de produtos e serviços que utilizar meio eletrônico ou similar deve disponibilizar em local de destaque e de fácil visualização:
I - seu nome empresarial e número de sua inscrição no cadastro geral do Ministério da Fazenda;
II - seu endereço geográfico e eletrônico, bem como as demais informações necessárias para sua localização, contato e recebimento de comunicações e notificações judiciais ou extrajudiciais.
III - preço total do produto ou do serviço, incluindo a discriminação de quaisquer eventuais despesas, tais como a de entrega e seguro;
IV - especificidades e condições da oferta, inclusive as modalidades de pagamento, execução, disponibilidade ou entrega;
V - características essenciais do produto ou do serviço;
VI – prazo de validade da oferta, inclusive do preço;
VII - prazo da execução do serviço ou da entrega ou disponibilização do produto.
Art. 45-C. É obrigação do fornecedor que utilizar o meio eletrônico ou similar:
I - manter disponível serviço adequado, facilitado e eficaz de atendimento, tal como o meio eletrônico ou telefônico, que possibilite ao consumidor enviar e receber comunicações, inclusive notificações, reclamações e demais informações necessárias à efetiva proteção dos seus direitos;
II - confirmar imediatamente o recebimento de comunicações, inclusive a manifestação de arrependimento e cancelamento do contrato, utilizando o mesmo meio empregado pelo consumidor ou outros costumeiros;
III - assegurar ao consumidor os meios técnicos adequados, eficazes e facilmente acessíveis que permitam a identificação e correção de eventuais erros na contratação, antes de finalizá-la, sem prejuízo do posterior exercício do direito de arrependimento;
IV - dispor de meios de segurança adequados e eficazes;
V - informar aos órgãos de defesa do consumidor e ao Ministério Público, sempre que requisitado, o nome e endereço eletrônico e demais dados que possibilitem o contato do provedor de hospedagem, bem como dos seus prestadores de serviços financeiros e de pagamento.
Art. 45-D. Na contratação por meio eletrônico ou similar, o fornecedor deve enviar ao consumidor:
I - confirmação imediata do recebimento da aceitação da oferta, inclusive em meio eletrônico;
II - via do contrato em suporte duradouro, assim entendido qualquer instrumento, inclusive eletrônico, que ofereça as garantias de fidedignidade, inteligibilidade e conservação dos dados contratuais, permitindo ainda a facilidade de sua reprodução.
Art. 45-E. É vedado enviar mensagem eletrônica não solicitada a destinatário que:
I - não possua relação de consumo anterior com o fornecedor e não tenha manifestado consentimento prévio em recebê-la;
II - esteja inscrito em cadastro de bloqueio de oferta; ou
III - tenha manifestado diretamente ao fornecedor a opção de não recebê-la.
§ 1º Se houver prévia relação de consumo entre o remetente e o destinatário, admite-se o envio de mensagem não solicitada, desde que o consumidor tenha tido oportunidade de recusá-la.
§ 2º O fornecedor deve informar ao destinatário, em cada mensagem enviada:
I - o meio adequado, simplificado, seguro e eficaz que lhe permita, a qualquer momento, recusar, sem ônus, o envio de novas mensagens eletrônicas não solicitadas; e
II - o modo como obteve os dados do consumidor.
§ 3º O fornecedor deve cessar imediatamente o envio de ofertas e comunicações eletrônicas ou de dados a consumidor que manifestou a sua recusa em recebê-las.
§ 4º Para os fins desta seção, entende-se por mensagem eletrônica não solicitada a relacionada a oferta ou publicidade de produto ou serviço e enviada por correio eletrônico ou meio similar.
§ 5º É também vedado:
I- remeter mensagem que oculte, dissimule ou não permita de forma imediata e fácil a identificação da pessoa em nome de quem é efetuada a comunicação e a sua natureza publicitária.
II- veicular, hospedar, exibir, licenciar, alienar, utilizar, compartilhar, doar ou de qualquer forma ceder ou transferir dados, informações ou identificadores pessoais, sem expressa autorização e consentimento informado do seu titular, salvo exceções legais.”
.....................................................................................
“Art. 49. O consumidor pode desistir da contratação a distância, no prazo de sete dias a contar da aceitação da oferta ou do recebimento ou disponibilidade do produto ou serviço, o que ocorrer por último.
§ 1º..................................................................
§ 2º Por contratação a distância entende-se aquela efetivada fora do estabelecimento, ou sem a presença física simultânea do consumidor e fornecedor, especialmente em domicílio, por telefone, reembolso postal, por meio eletrônico ou similar.
§ 3º Equipara-se à modalidade de contratação prevista no § 2º deste artigo aquela em que, embora realizada no estabelecimento, o consumidor não teve a prévia oportunidade de conhecer o produto ou serviço, por não se encontrar em exposição ou pela impossibilidade ou dificuldade de acesso a seu conteúdo.
§ 4º Caso o consumidor exerça o direito de arrependimento, os contratos acessórios de crédito são automaticamente rescindidos, sem qualquer custo para o consumidor;
§ 5º Sem prejuízo da iniciativa do consumidor, o fornecedor deve comunicar de modo imediato a manifestação do exercício de arrependimento à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, a fim de que:
I – a transação não seja lançada na fatura do consumidor;
II – seja efetivado o estorno do valor, caso a fatura já tenha sido emitida no momento da comunicação;
III – caso o preço já tenha sido total ou parcialmente pago, seja lançado o crédito do respectivo valor na fatura imediatamente posterior à comunicação.
§ 6º Se o fornecedor de produtos ou serviços descumprir o disposto no § 1º ou no § 5º, o valor pago será devolvido em dobro.
§ 7º O fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados, facilitados e eficazes disponíveis para o exercício do direito de arrependimento do consumidor, que devem contemplar, ao menos, o mesmo modo utilizado para a contratação.
§ 8º O fornecedor deve enviar ao consumidor confirmação individualizada e imediata do recebimento da manifestação de arrependimento.
§ 9º O descumprimento dos deveres do fornecedor previstos neste artigo e nos artigos da Seção VII do Capítulo V do Título I desta lei enseja a aplicação pelo Poder Judiciário de multa civil em valor adequado à gravidade da conduta e suficiente para inibir novas violações, sem prejuízo das sanções penais e administrativas cabíveis e da indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ocasionados aos consumidores. (NR)”
“Art. 56. .........................................................................
.........................................................................................
XIII - suspensão temporária ou proibição de oferta e de comércio eletrônico.
.............................................................................. (NR)”
“Art. 59. ........................................................................
.........................................................................................
“§ 4º Caso o fornecedor por meio eletrônico ou similar descumpra a pena de suspensão ou de proibição de oferta e de comércio eletrônico, sem prejuízo de outras medidas administrativas ou judiciais de prevenção de danos, o Poder Judiciário determinará, a pedido da autoridade administrativa ou do Ministério Público, no limite estritamente necessário para a garantia da efetividade da sanção, que os prestadores de serviços financeiros e de pagamento utilizados pelo fornecedor, de forma alternativa ou conjunta, sob pena de pagamento de multa diária:
I - suspendam os pagamentos e transferências financeiras para o fornecedor de comércio eletrônico;
II - bloqueiem as contas bancárias do fornecedor. (NR)”
“Art. 72-A. Veicular, hospedar, exibir, licenciar, alienar, utilizar, compartilhar, doar ou de qualquer forma ceder ou transferir dados, informações ou identificadores pessoais, sem a expressa autorização de seu titular e consentimento informado, salvo exceções legais.
Pena – Reclusão, de um a quatro anos, e multa.”
“Art. 101. Na ação de responsabilidade contratual e extracontratual do fornecedor de produtos e serviços, inclusive no fornecimento a distância nacional e internacional, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste Título:
I - será competente o foro do domicílio do consumidor, nas demandas em que o consumidor residente no Brasil seja réu e que versem sobre relações de consumo;
II – o consumidor, nas demandas em que seja autor, poderá escolher, além do foro indicado no inciso I, o do domicílio do fornecedor de produtos ou serviços, o do lugar da celebração ou da execução do contrato ou outro conectado ao caso;
III - são nulas as cláusulas de eleição de foro e de arbitragem celebradas pelo consumidor.
Parágrafo único. Aos conflitos decorrentes do fornecimento a distância internacional, aplica-se a lei do domicílio do consumidor, ou a norma estatal escolhida pelas partes, desde que mais favorável ao consumidor, assegurando igualmente o seu acesso à Justiça. (NR)”
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
O projeto de lei objetiva atualizar a Lei nº 8.078, de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), a fim de aperfeiçoar as disposições do capítulo I e dispor sobre o comércio eletrônico.
A crescente complexidade das relações de consumo demanda a previsão de princípios que reforcem a proteção do consumidor frente a novos desafios, principalmente os relacionados com o diálogo com outras fontes normativas, a segurança nas transações, bem como a proteção da autodeterminação e privacidade de seus dados.
É igualmente imprescindível a introdução de uma seção específica sobre a proteção dos consumidores no âmbito do comércio eletrônico, em razão da sua expressiva utilização. Se, à época da promulgação do Código de Defesa do Consumidor, o comércio eletrônico nem sequer existia, atualmente é o meio de fornecimento a distância mais utilizado, alcançando sucessivos recordes de faturamento. Porém, ao mesmo tempo ocorre o aumento exponencial do número de demandas dos consumidores. As normas projetadas atualizam a lei de proteção do consumidor a esta nova realidade, reforçando, a exemplo do que já foi feito na Europa e nos Estados Unidos, os direitos de informação, transparência, lealdade, autodeterminação, cooperação e segurança nas relações de consumo estabelecidas através do comércio eletrônico. Busca-se ainda a proteção do consumidor em relação a mensagens eletrônicas não solicitadas (spams), além de disciplinar o exercício do direito de arrependimento.
A evolução do comércio eletrônico, se, por um lado, traz inúmeros benefícios, por outro amplia a vulnerabilidade do consumidor. Assim, é essencial que se cumpra o comando constitucional do art. 5º, XXXII, e do art. 170, V, da Constituição Federal, e se criem normas que, efetivamente, ampliem a sua proteção no comércio eletrônico, a fim de que a evolução tecnológica alcance os objetivos que todos desejam: o desenvolvimento social e econômico, o aperfeiçoamento das relações de consumo e a prevenção de litígios.
Sala das Sessões,
Senador JOSÉ SARNEY

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº , DE 2012
Altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção do superendividamento.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º A Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 5º......................................................
..................................................................
VI - instituição de mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteção do consumidor pessoa física, visando a garantir o mínimo existencial e a dignidade humana. (NR) ”
“Art. 6º......................................................
..................................................................
XI - a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira, de prevenção e tratamento das situações de superendividamento, preservando o mínimo existencial, por meio da revisão e repactuação da dívida, entre outras medidas. (NR) ”
“Art. 27-A As pretensões dos consumidores não reguladas nesta seção prescrevem em dez anos, se a lei não estabelecer prazo mais favorável ao sujeito vulnerável.
§ 1º O termo inicial da prescrição é a data de conhecimento inequívoco do fato pelo consumidor, e, nos contratos de trato sucessivo, a data da quitação anual de dívidas ou da última prestação mensal contestada.
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§ 2º Prescreve em dez anos a pretensão de direito patrimonial do consumidor de crédito e de poupança, veiculada em ações individuais ou coletivas.”
“CAPÍTULO VI
........................................................................
Seção IV
Da Prevenção do Superendividamento”
“Art. 54-A Esta seção tem a finalidade de prevenir o superendividamento da pessoa física, promover o acesso ao crédito responsável e à educação financeira do consumidor, de forma a evitar a sua exclusão social e o comprometimento de seu mínimo existencial, sempre com base nos princípios da boa-fé, da função social do crédito ao consumidor e do respeito à dignidade da pessoa humana.
“Art. 54-B Além das informações obrigatórias previstas no art. 52 e na legislação aplicável à matéria, no fornecimento de crédito e na venda a prazo, o fornecedor ou o intermediário deverá informar o consumidor, prévia e adequadamente, na oferta e por meio do contrato, sobre:
I – o custo efetivo total e a descrição dos elementos que o compõem;
II – a taxa efetiva mensal de juros, a taxa dos juros de mora e o total de encargos, de qualquer natureza, previstos para o atraso no pagamento;
III – o montante das prestações e o prazo de validade da oferta, que deve ser no mínimo de dois dias;
IV – o nome e o endereço, inclusive o eletrônico, do fornecedor;
V – o direito do consumidor à liquidação antecipada do débito.
§ 1º As informações referidas no art. 52 e no caput deste artigo devem constar em um quadro, de forma resumida, no início do instrumento contratual.
§ 2º O custo efetivo total da operação de crédito ao consumidor, para efeitos deste Código, sem prejuízo do cálculo padronizado pela
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autoridade reguladora do sistema financeiro, consistirá em taxa percentual anual e compreenderá todos os valores cobrados do consumidor.
§ 3º Sem prejuízo do disposto no art. 37, a publicidade de crédito ao consumidor e de vendas a prazo deve indicar, no mínimo, o custo efetivo total, o agente financiador e a soma total a pagar, com e sem financiamento.
§ 4º É vedado, expressa ou implicitamente, na oferta de crédito ao consumidor, publicitária ou não:
I – formular preço para pagamento a prazo idêntico ao pagamento à vista;
II – fazer referência a crédito “sem juros”, “gratuito”, “sem acréscimo”, com “taxa zero” ou expressão de sentido ou entendimento semelhante;
III – indicar que uma operação de crédito poderá ser concluída sem consulta a serviços de proteção ao crédito ou sem avaliação da situação financeira do consumidor;
IV – ocultar, por qualquer forma, os ônus e riscos da contratação do crédito, dificultar sua compreensão ou estimular o endividamento do consumidor, em especial se idoso ou adolescente.
§ 5º O disposto nos incisos I e II do § 4º deste artigo não se aplica ao fornecimento de produtos ou serviços para pagamento do preço no cartão de crédito em parcela única"
“Art. 54-C. Sem prejuízo do disposto no art. 46, no fornecimento de crédito, previamente à contratação, o fornecedor ou o intermediário devem, entre outras condutas:
I – esclarecer, aconselhar e advertir adequadamente o consumidor sobre a natureza e a modalidade do crédito oferecido, assim como sobre as consequências genéricas e específicas do inadimplemento;
II – avaliar de forma responsável e leal as condições do consumidor de pagar a dívida contratada, mediante solicitação da documentação necessária e das informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito, observado o disposto neste Código e na legislação sobre proteção de dados;
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III – informar a identidade do agente financiador e entregar ao consumidor, ao garante e a outros coobrigados uma cópia do contrato de crédito.
§ 1º A prova do cumprimento dos deveres previstos neste Código incumbe ao fornecedor e ao intermediário do crédito.
§ 2º O descumprimento de qualquer dos deveres previstos no caput deste artigo, no art. 52 e no art. 54-B, acarreta a inexigibilidade ou a redução dos juros, encargos, ou qualquer acréscimo ao principal, conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor, sem prejuízo de outras sanções e da indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor.
“Art. 54-D Nos contratos em que o modo de pagamento da dívida envolva autorização prévia do consumidor pessoa física para débito direto em conta bancária oriundo de outorga de crédito ou financiamento, consignação em folha de pagamento ou qualquer forma que implique cessão ou reserva de parte de sua remuneração, a soma das parcelas reservadas para pagamento de dívidas não poderá ser superior a trinta por cento da sua remuneração mensal líquida, para preservar o mínimo existencial.
§ 1º Exclui-se da aplicação do caput o débito em conta bancária de dívidas oriundas do uso de cartão de crédito para pagamento do preço em parcela única.
§ 2º O descumprimento do disposto neste artigo dá causa imediata ao dever de revisão do contrato ou sua renegociação, hipótese em que o juiz poderá adotar, entre outras, as seguintes medidas:
I – dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, de modo a adequá-lo ao disposto no caput deste artigo, sem acréscimo nas obrigações do consumidor;
II – redução dos encargos da dívida e da remuneração do fornecedor;
III – constituição, consolidação ou substituição de garantias.
§ 3º O consumidor poderá, em sete dias, desistir da contratação de crédito consignado de que trata o caput deste artigo, a contar da data da celebração ou do recebimento de cópia do contrato, sem necessidade de indicar o motivo.
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§ 4º Para o exercício do direito a que se refere o § 3º deste artigo, o consumidor deve:
I – remeter, no prazo do § 3º deste artigo, o formulário ao fornecedor ou intermediário do crédito, por carta ou qualquer outro meio de comunicação, inclusive eletrônico, com registro de envio e recebimento;
II – devolver ao fornecedor o valor que lhe foi entregue, acrescido dos eventuais juros incidentes até a data da efetiva devolução, no prazo de sete dias após ter notificado o fornecedor do arrependimento, caso o consumidor tenha sido informado, previamente, sobre a forma de devolução dos valores.
§ 5º O fornecedor facilitará o exercício do direito previsto no § 3º deste artigo, mediante disponibilização de formulário de fácil preenchimento pelo consumidor, em meio físico ou eletrônico, anexo ao contrato e com todos os dados relativos à identificação do fornecedor e do contrato, assim como a forma para a devolução das quantias em caso de arrependimento e endereço eletrônico.
§ 6º O disposto neste artigo não prejudica o direito de liquidação antecipada do débito.
§ 7º Para efeito do disposto neste artigo, o nível de endividamento do consumidor poderá ser aferido, entre outros meios, mediante informações fornecidas por ele, consulta a cadastros de consumo e bancos de dados de proteção ao crédito, observado o disposto neste Código e na legislação sobre proteção de dados.
§ 8º O disposto no § 2º deste artigo não se aplica quando o consumidor houver apresentado informações incorretas e o fornecedor não puder apurá-las por outros meios.”
“Art. 54-E São conexos, coligados ou interdependentes, entre outros, o contrato principal de fornecimento de produtos e serviços e os acessórios de crédito que lhe garantam o financiamento, quando o fornecedor de crédito:
I – recorre aos serviços do fornecedor de produto ou serviço para a conclusão ou a preparação do contrato de crédito;
II – oferece o crédito no local da atividade empresarial do fornecedor do produto ou serviço financiado ou onde o contrato principal foi celebrado; ou
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III – menciona no contrato de crédito especificamente o produto ou serviço financiado, a constituir uma unidade econômica, em especial quando este lhe serve de garantia.
§ 1º O exercício dos direitos de arrependimento previstos neste Código, seja no contrato principal ou no de crédito, implica a resolução de pleno direito do contrato que lhe seja conexo.
§ 2º Nos casos dos incisos I a III do caput, havendo a inexecução de qualquer das obrigações e deveres do fornecedor de produtos ou serviços, o consumidor poderá invocar em juízo, contra o fornecedor do crédito, a exceção de contrato não cumprido.
§ 3º O direito previsto no § 2º deste artigo caberá igualmente ao consumidor:
I – contra o portador de cheque pós-datado, emitido para aquisição de produto ou serviço a prazo;
II – contra o administrador ou emitente de cartão de crédito ou similar, salvo na hipótese em que tenha sido a utilizado exclusivamente como meio de pagamento à vista.
§ 4º A invalidade ou a ineficácia do contrato principal implicará, de pleno direito, a do contrato de crédito que lhe seja conexo, nos termos do caput deste artigo, ressalvado ao fornecedor do crédito o direito de obter do fornecedor do produto ou serviço a devolução dos valores pagos, inclusive relativamente a tributos.
§ 5º Nos casos dos incisos I a III do caput, havendo vício do produto ou serviço, a responsabilidade do fornecedor de crédito será subsidiária, no limite do valor do financiamento, sem prejuízo do disposto no § 2º e do direito de regresso.”
“Art. 54-F Sem prejuízo do disposto no art. 39 deste Código e da legislação aplicável à matéria, é vedado ao fornecedor de produtos e serviços que envolvam crédito, entre outras condutas:
I – realizar ou proceder à cobrança ou ao débito em conta de qualquer quantia que houver sido contestada pelo consumidor em compras realizadas com cartão de crédito ou meio similar, enquanto não for adequadamente solucionada a controvérsia, desde que o consumidor haja notificado a administradora do cartão com antecedência de pelo menos três dias da data de vencimento da fatura, vedada a manutenção do valor na fatura seguinte;
II – recusar ou não entregar ao consumidor, ao garante e a outros coobrigados cópia da minuta do contrato principal de consumo ou do de crédito, em papel ou outro suporte duradouro, disponível e acessível e, após a conclusão, cópia do contrato;
III – impedir ou dificultar, em caso de utilização fraudulenta do cartão de crédito ou meio similar, que o consumidor peça e obtenha a anulação ou o imediato bloqueio do pagamento ou ainda a restituição dos valores indevidamente recebidos;
IV– assediar ou pressionar o consumidor, principalmente se idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada, para contratar o fornecimento de produto, serviço ou crédito, em especial à distância, por meio eletrônico ou por telefone, ou se envolver prêmio;
V – condicionar o atendimento de pretensões do consumidor ou o início de tratativas à renúncia ou à desistência relativas a demandas judiciais.
Parágrafo único. Sem prejuízo do dever de informação e esclarecimento do consumidor e de entrega da minuta do contrato, no empréstimo cuja liquidação seja feita mediante consignação em folha de pagamento, a formalização e a entrega do instrumento de contratação ocorrerão após o fornecedor do crédito obter da fonte pagadora a indicação sobre a existência de margem consignável. ”
“Art. 54-G Sem prejuízo do disposto no art. 51 e da legislação aplicável à matéria, são também absolutamente nulas e assim devem ser declaradas de ofício, pela Administração Pública e pelo Poder Judiciário, em qualquer grau de jurisdição, garantido o contraditório, as cláusulas contratuais, entre outras, que:
I – de qualquer forma condicionem ou limitem o acesso aos órgãos do Poder Judiciário;
II – imponham ou tenham como efeito a renúncia à impenhorabilidade do bem de família do consumidor ou do fiador;
III – estabeleçam prazos de carência na prestação ou fornecimento de serviços ou produtos, em caso de impontualidade das prestações mensais, ou impeçam o restabelecimento integral dos direitos do consumidor e seus meios de pagamento, a partir da purgação da mora ou do acordo com os credores, observado o disposto no art. 104-A, § 3º, inciso III;
IV – considerem o simples silêncio do consumidor como aceitação dos valores cobrados, em especial nos contratos bancários, financeiros, securitários, de cartões de crédito ou de crédito em geral, das informações prestadas nos extratos, de modificação de índice ou de alteração contratual;
V– estabeleçam, no contrato de compra e venda de imóvel, a incidência de juros antes da entrega das chaves;
VI – proíbam ou dificultem a revogação, pelo consumidor, da autorização, de consignação ou débito em conta;
VII – prevejam a aplicação de lei estrangeira que limite, total ou parcialmente, a proteção assegurada por este Código ao consumidor domiciliado no Brasil.
Parágrafo único. O disposto no inciso VI deste artigo somente se aplica ao crédito consignado autorizado em lei se houver descumprimento, pelo fornecedor dos direitos previstos neste Código, de requisitos legais previstos para a contratação ou violação do princípio da boa-fé.”
.................................................................................................
“CAPÍTULO V
DA CONCILIAÇÃO NO SUPERENDIVIDAMENTO”
“Art. 104-A A requerimento do consumidor superendividado pessoa física, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, visando à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores, em que o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de cinco anos, preservado o mínimo existencial.
§ 1º Entende-se por superendividamento o comprometimento de mais de trinta por cento da renda líquida mensal do consumidor com o pagamento do conjunto de suas dívidas não profissionais, exigíveis e vincendas, excluído o financiamento para a aquisição de casa para a moradia, e desde que inexistentes bens livres e suficientes para liquidação do total do passivo.
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COMISSÃO DE JURISTAS “CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR”
§ 2º O não comparecimento injustificado de qualquer credor, ou de seu procurador com poderes especiais e plenos para transigir, à audiência de conciliação de que trata o caput deste artigo acarretará a suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos da mora.
§ 3º No caso de conciliação, com qualquer credor, a sentença judicial que homologar o acordo descreverá o plano de pagamento da dívida, tendo eficácia de título executivo e força de coisa julgada.
§ 4º Constará do plano de pagamento:
I – referência quanto à suspensão ou extinção das ações judiciais em curso;
II – data a partir da qual será providenciada exclusão do consumidor de bancos de dados e cadastros de inadimplentes;
III – condicionamento de seus efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento.
§ 5º O pedido do consumidor a que se refere o caput deste artigo não importa em declaração de insolvência civil e poderá ser repetido somente após decorrido o prazo de dois anos, contados da liquidação das obrigações previstas no plano de pagamento homologado, sem prejuízo de eventual repactuação.”
Art. 2º O art. 96 da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), passa a vigorar acrescido do § 3º, com a seguinte redação:
“Art. 96 .........................................................................
.........................................................................................
§ 3º Não constitui crime a negativa de crédito motivada por superendividamento do idoso. (NR)”
Art. 3º Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.
Parágrafo único. A validade dos negócios e demais atos jurídicos de crédito em curso, constituídos antes da entrada em vigor desta lei, obedece ao
disposto no regime anterior, mas os seus efeitos produzidos após a sua vigência aos preceitos dela se subordinam.
JUSTIFICAÇÃO
O projeto de lei ora apresentado objetiva atualizar o Código de Defesa do Consumidor (CDC), incluindo normas principiológicas referentes ao importante tema da concessão de crédito ao consumidor – que é base das economias de consumo nos países industrializados e agora está em ascensão no Brasil – e ao consequente tema da prevenção do superendividamento dos consumidores, problema comum em todas as sociedades de consumo consolidadas e saudáveis. Trata-se de temas novos, oriundos do pujante e consistente crescimento econômico brasileiro e da democratização do acesso ao crédito e aos produtos e serviços em nosso mercado. As normas propostas visam a preparar o mercado e a sociedade brasileira para os próximos anos e reforçam os direitos de informação, de transparência, de lealdade e de cooperação nas relações que envolvem crédito, direta ou indiretamente, para o fornecimento de produtos e serviços a consumidores, assim como impõem um standard atualizado de boa-fé e de função social destes contratos, em virtude da entrada em vigor do Código Civil de 2002.
A proposta atualiza as normas já existentes no CDC quanto aos direitos do consumidor e à prescrição e complementa as já existentes, incluindo nova seção no Capítulo V: da Proteção Contratual. Esta nova seção do CDC tem a finalidade de prevenir o superendividamento da pessoa física, promover o acesso ao crédito responsável e à educação financeira do consumidor, de forma a evitar a sua exclusão social e o comprometimento de seu mínimo existencial. Sempre com base nos princípios da boa-fé, da função social do crédito ao consumidor e do respeito à dignidade da pessoa humana, a proposta regula o direito à informação, a publicidade, a intermediação e a oferta de crédito aos consumidores. Garantem-se a entrega de cópia do contrato e informações obrigatórias que permitam aos consumidores decidir de maneira refletida sobre a necessidade do crédito. A proposta abarca ainda normas para facilitar a negociação com os fornecedores em caso de cobrança de valores contestados, erro ou fraude cometidos em seus cartões de crédito e meios de pagamento. Cria também a figura do assédio de consumo, protegendo de forma especial os consumidores idosos e analfabetos, estabelecendo regras básicas para a publicidade de crédito, ao proibir a referência a crédito “sem juros”, “gratuito” e semelhantes, de forma que a publicidade não oculte os ônus da contratação a crédito.
A proposta reforça o vínculo de solidariedade entre os fornecedores de crédito e seus intermediários, no cumprimento dos deveres de informação e cooperação, bem como de coligação entre o contrato principal de fornecimento de produtos e serviços e o contrato, dependente, de crédito ao consumidor. Esclarece também sobre a nulidade absoluta de algumas cláusulas contratuais. Garante a preservação de parte da remuneração do consumidor que represente o “mínimo existencial”, em especial se o pagamento do crédito envolver autorização prévia do consumidor pessoa física para débito direto em conta-corrente, consignação em folha de pagamento, ou qualquer modo que implique reserva de parte da remuneração. Por fim, institui a possibilidade de o consumidor arrepender-se do crédito consignado, sob determinadas condições, como novo instrumento para evitar o seu superendividamento.
Na parte processual do CDC, cria Capítulo V: da Conciliação no Superendividamento, prevendo a conciliação com todos os credores do consumidor superendividado. Inspiram a presente proposição legislativa as normas já existentes em outros sistemas jurídicos e as pioneiras dos Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul, Paraná, Pernambuco e São Paulo, da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e da Fundação Procon de São Paulo, nas quais o procedimento de conciliação se dá em audiências globais entre consumidores e fornecedores, o que facilita a elaboração de plano de pagamento para a quitação das dívidas, com preservação do mínimo existencial, permitindo a reinclusão do consumidor no mercado e o avanço da cultura do adimplemento das dívidas. Em estudo premiado pelo Prêmio Innovare, o índice de êxito dos acordos, em algumas cidades, atinge a relevante marca de noventa e um, vírgula seis por cento, a demonstrar sua alta relevância para credores e consumidores na nova sociedade brasileira.
Em resumo, a proposta cria patamares de boa-fé e de conduta responsável dos fornecedores e intermediários na concessão de crédito ao consumidor e seu pagamento. Além desses aspectos fundamentais de prevenção e tratamento das situações de superendividamento, a proposta fornece ao aplicador da lei importantes princípios e instrumentos para realizar, de forma eficiente, o imperativo constitucional de promoção da defesa do consumidor.
Pelo exposto, contamos com o apoio dos nobres Pares para aprovação do projeto.
Sala das Sessões,
Senador JOSÉ SARNEY
Minuta
PROJETO DE LEI DO SENADO N° , DE 2012
Altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), para aperfeiçoar a disciplina das ações coletivas.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1° A Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 81. ...............................................................................
§ 1° A ação coletiva, que caberá para a proteção de interesses ou direitos de qualquer natureza, indicados nos incisos deste parágrafo, será exercida quando se tratar de:
............................................................................................
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos aqueles decorrentes de origem comum, de fato ou de direito, que recomendem tratamento conjunto pela utilidade coletiva da tutela.
§ 2° A tutela dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos presume-se de relevância social e jurídica.
§ 3° As ações coletivas terão prioridade de processamento e julgamento, excetuadas a ação popular e as de alimentos.
§ 4° A constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou ato normativo poderá ser arguida incidentalmente, como questão prejudicial, pela via do controle difuso.
§ 5° As pretensões de direito material prescrevem, se for o caso, no prazo estabelecido por este Código ou pela lei, observado aquele que for mais favorável a seu titular. (NR)”
“Art. 81-A. É absolutamente competente para a causa o foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer o dano ou o ilícito, aplicando-se as regras da prevenção.
§ 1° Será competente o foro:
I – da capital do Estado, se o dano ou o ilícito atingir o seu território;
II – do Distrito Federal, se o dano ou o ilícito atingir o seu território, concorrentemente com os foros das capitais atingidas.
§ 2° Nos casos de competência da Justiça estadual, quando a extensão do dano atingir diversas comarcas, a competência será da entrância mais elevada.
§ 3° A extensão do dano ou do ilícito a ser considerada na fixação da competência será a indicada na inicial.
§ 4° A competência territorial do órgão prolator ou o domicílio dos interessados não restringirão a coisa julgada de âmbito nacional ou regional.
§ 5° Havendo, no foro competente, juízos especializados em razão da matéria e juízos especializados em ações coletivas, aqueles prevalecerão sobre estes.
§ 6º As regras de prevenção não se aplicam a outros legitimados quando os entes públicos já tiverem iniciado inquérito ou investigação a respeito dos fatos objeto da ação.”
“Art. 82. Para os fins do art. 81, § 1°, são legitimados concorrentemente:
..............................................................................................
V - a Defensoria Pública.
...............................................................................................
.................................................................................... (NR)”
...............................................................................................
“Art. 87................................................................................
§ 1º........................................................................................
§ 2° Em caso de procedência da demanda coletiva, os honorários advocatícios devidos às associações, quando o trabalho profissional tiver sido complexo:
I – serão fixados em porcentagem não inferior a vinte por cento, calculada sobre o valor da condenação;
II – serão arbitrados pelo juiz, na impossibilidade de aplicação do disposto no inciso I, observados os critérios de proporcionalidade e razoabilidade.
§ 3º Na hipótese de relevante interesse público, direta ou indiretamente satisfeito pela demanda movida pela associação, o juiz,
sem prejuízo da verba da sucumbência, poderá fixar compensação financeira, suportada pelo réu, observados os critérios de proporcionalidade e razoabilidade. (NR)”
...............................................................................................
“CAPÍTULO I–A
DO PROCEDIMENTO DA AÇÃO COLETIVA"
Seção I
Disposições Gerais
“Art. 90-A. A ação coletiva, na fase de conhecimento, seguirá o rito ordinário estabelecido no Código de Processo Civil, obedecidas as modificações previstas neste Código.
§ 1° O juiz poderá:
I - dilatar os prazos processuais;
II - alterar a ordem da produção dos meios de prova, até o momento da prolação da sentença, adequando-os às especificidades do conflito, de modo a conferir maior efetividade à tutela do bem jurídico coletivo, sem prejuízo do contraditório e do direito de defesa.
§ 2° Se a ação for proposta por ente público, a inicial deverá ser instruída com comprovante de consulta ao Cadastro Nacional de Processos Coletivos sobre ação coletiva que verse sobre o mesmo bem jurídico, cabendo ao juiz realizar a consulta, quando se tratar de associação.
§ 3° O interessado poderá solicitar e o Ministério Público requisitar, de qualquer pessoa, física ou jurídica, indicando a finalidade, as certidões e informações que julgar necessárias, a serem fornecidas no prazo de quinze dias, para instruir a inicial.
§ 4° Caso seja inestimável ou de difícil mensuração, o valor da causa será indicado pelo autor, segundo critério de razoabilidade, com a fixação em definitivo pelo juiz na sentença.
§ 5° A citação válida nas ações coletivas interrompe o prazo de decadência ou prescrição das pretensões individuais e coletivas, direta ou indiretamente relacionadas com a controvérsia, retroagindo a interrupção desde a distribuição até o final do processo coletivo, ainda que haja extinção do processo sem resolução do mérito. ”
Seção II
Da Conciliação
“Art. 90-B. O juiz, apreciado eventual requerimento de medida de urgência, designará audiência de conciliação, no prazo máximo de quinze dias, à qual comparecerão as partes ou seus
SENADO FEDERAL
PRESIDÊNCIA
COMISSÃO DE JURISTAS “CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR”
procuradores, habilitados a transigir, aplicando-se, no que couber, o disposto no Código de Processo Civil.
§ 1° A audiência de conciliação será conduzida por mediador ou conciliador judicial, onde houver, nos termos da legislação em vigor.
§ 2° O não comparecimento injustificado do réu ou de seu procurador, com plenos poderes para transigir, é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento do valor da causa ou da vantagem econômica objetivada, revertida em favor dos Fundos, nacional, distrital ou estaduais, de Direitos Difusos.
§ 3° O não comparecimento injustificado do autor acarretará a assunção da causa pelo Ministério Público, salvo recusa fundamentada.
§ 4° Caso o membro do Ministério Público recuse a assunção da causa, o juiz, não aceitando os fundamentos da recusa, adiará a audiência de conciliação e informará o órgão superior competente da instituição para que, querendo, designe outro integrante.
§ 5° As partes poderão transigir sobre o modo, prazo e lugar de cumprimento da obrigação relativa a direitos difusos ou coletivos, desde que haja concordância do Ministério Público, devendo a transação ser homologada por sentença, que constituirá título executivo judicial.
§ 6° No caso de interesses ou direitos individuais homogêneos, as partes poderão transacionar, após a oitiva do Ministério Público, ressalvada aos membros do grupo, categoria ou classe a faculdade de não concordar com a transação, podendo nesse caso propor ação individual.
§ 7° O juiz ou o relator poderá tentar a conciliação em qualquer tempo e grau de jurisdição.”
Seção III
Da Tramitação do Processo
Subseção I
Da Resposta do Réu e da Audiência Ordinatória
“Art. 90-C. O juiz fixará o prazo para a resposta nas ações coletivas, que não poderá ser inferior a vinte ou superior a sessenta dias, atendendo à complexidade da causa ou ao número de litigantes, contados a partir da data da realização da audiência de conciliação ou da última sessão do procedimento conciliatório.
Parágrafo único. Ao prazo previsto no caput não se aplicam outros benefícios para responder estabelecidos no Código de Processo Civil ou em leis especiais.”
“Art. 90-D. Não obtida a conciliação e apresentada a defesa pelo réu, o juiz designará audiência ordinatória, tomando fundamentadamente as seguinte decisões, assegurado o contraditório:
I - decidirá se o processo tem condições de prosseguir na forma coletiva;
II - poderá cindir os pedidos em ações coletivas distintas, voltadas respectivamente à tutela separada dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, desde que preservado o acesso à Justiça dos sujeitos vulneráveis, assegurada a proteção efetiva ao interesse social e facilitada a condução do processo;
III - decidirá a respeito do litisconsórcio e da assistência;
IV - poderá encaminhar o caso, com a concordância das partes, para avaliação neutra de terceiro, designado pelo juiz, de confiança delas;
V - fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas;
VI - esclarecerá as partes sobre a distribuição do ônus da prova e sobre a possibilidade de sua inversão, em favor do sujeito vulnerável, podendo, desde logo ou no julgamento da causa, invertê-lo, sem prejuízo do disposto no art. 6º, VIII, atribuindo-o à parte que, em razão de deter conhecimentos técnicos ou científicos ou informações específicas sobre os fatos da causa, tiver maior facilidade em sua demonstração;
VII - poderá determinar de oficio a produção de provas.
§ 1° A avaliação neutra de terceiro, obtida no prazo fixado pelo juiz, será entregue pelo avaliador diretamente às partes, extra-autos, confidencialmente, não podendo chegar ao conhecimento do juiz.
§ 2° A avaliação neutra de terceiro não é vinculante para as partes e tem a finalidade exclusiva de orientá-las na composição amigável do conflito.
§ 3º Aplica-se aos processos individuais o disposto no inciso VI deste artigo.”
Subseção II
Do Julgamento Antecipado da Lide
“Art. 90-E. A lide será julgada imediatamente, se não houver necessidade de audiência de instrução e julgamento ou de perícia, de acordo com a natureza do pedido e as provas documentais apresentadas pelas partes ou requisitadas pelo juiz, observado o contraditório, simultâneo ou sucessivo.”
Subseção III
Da Prova Pericial
“Art. 90-F. O juiz nomeará perito, preferencialmente entre servidores públicos especializados na matéria, se for necessária a realização de prova técnica, requerida pelo legitimado ou determinada de oficio.
§ 1° Competirá ao Poder Público, de preferência com recursos dos Fundos, nacional, estaduais, municipais ou do Distrito Federal de Direitos Difusos, após a devida requisição judicial, adiantar a remuneração do perito devida pela associação autora, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública, podendo o perito optar por receber os honorários integralmente ao final.
§ 2° Ao final da demanda, o vencido, excluídos o Ministério Público, a Defensoria Pública e as associações, restituirá ao Poder Público a importância adiantada a título de antecipação de honorários periciais, que o juiz determinará em decisão mandamental.”
Subseção IV
Da Sentença e do Recurso
“Art. 90-G. Na ação reparatória referente a interesses e direitos difusos e coletivos, a condenação, independentemente de pedido do autor, consistirá:
I - na prestação de obrigações destinadas à reconstituição específica do bem e à mitigação dos danos;
II – em medidas para minimizar a lesão ou evitar que se repita; e
III - na indenização pelos danos, patrimoniais e morais.”
“Art. 90-H. O recurso interposto na ação coletiva será recebido no efeito meramente devolutivo, salvo quando da decisão puder resultar lesão grave e de difícil reparação, hipótese em que o juiz, a requerimento do interessado, ponderando os interesses ou bens jurídicos coletivos em questão, inclusive o periculum in mora reverso, poderá atribuir-lhe o efeito suspensivo.”
Subseção V
Do Cumprimento da Sentença
“Art. 90-I. O juiz poderá nomear pessoa qualificada, física ou jurídica, que atuará por sub-rogação, para fiscalizar e implementar atos de liquidação e cumprimento da sentença coletiva, atendendo às diretrizes por ele estabelecidas.”
Subseção VI
Da Audiência Pública e do “Amicus Curiae”
SENADO FEDERAL
PRESIDÊNCIA
COMISSÃO DE JURISTAS “CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR”
“Art. 90-J. O juiz ou tribunal, em qualquer instância, poderá submeter a questão objeto da ação coletiva a audiências públicas, ouvindo especialistas e membros da sociedade, de modo a garantir a adequada cognição judicial, em qualquer tempo e grau de jurisdição.
Parágrafo único. O juiz ou tribunal poderá admitir a intervenção, escrita ou oral, de amicus curiae.”
.....................................................................................................
“Art. 95-A. Na sentença condenatória à reparação pelos danos individualmente sofridos, sempre que possível, o juiz fixará o valor da indenização individual devida a cada membro do grupo ou um valor mínimo para a reparação do dano.
§ 1° Quando os valores dos danos individuais sofridos pelos membros do grupo forem uniformes, prevalentemente uniformes ou puderem ser reduzidos a uma fórmula matemática, a sentença coletiva indicará esses valores, ou a fórmula de cálculo da indenização individual.
§ 2° Quando a determinação do valor dos danos individuais sofridos pelos membros do grupo depender de informações em poder do réu, este deverá prestá-las, no prazo fixado pelo juiz, sob pena de multa diária e outras medidas indutivas, coercitivas e sub-rogatórias.
§ 3° Aplica-se aos interesses ou direitos individuais homogêneos o disposto no art. 90-G.”
“Art. 102...............................................................................
...............................................................................................
§ 3º Proposta a ação prevista no caput, a Advocacia Pública poderá abster-se de contestar o pedido ou poderá atuar como litisconsorte do autor, desde que compatível com o interesse público. (NR)”.
.......................................................................................................
“Art. 104-A. O processamento e o julgamento da ação coletiva terão prioridade em relação às ações individuais, inclusive no recurso repetitivo.
§ 1º A critério do tribunal, poderão ser suspensas as demandas individuais de caráter exclusivamente patrimonial, pelo prazo máximo de dois anos.
§ 2º Durante o período de suspensão, poderá o juiz perante o qual foi ajuizada a demanda individual conceder medidas de urgência ou assegurar o mínimo existencial.
§ 3º No processamento e julgamento de ações coletivas, o descumprimento de prazo judicial deverá ser justificado pelo julgador.”
“CAPÍTULO V
DO CADASTRO NACIONAL DE PROCESSOS COLETIVOS E DO CADASTRO NACIONAL DE INQUÉRITOS CIVIS E COMPROMISSOS DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA”
“Art. 104-B. O Conselho Nacional de Justiça organizará e manterá o Cadastro Nacional de Processos Coletivos, com a finalidade de permitir que os órgãos do Poder Judiciário e os interessados tenham amplo acesso às informações relevantes relacionadas com a existência e o estado das ações coletivas.
§ 1º O Conselho Nacional do Ministério Público organizará e manterá o Cadastro Nacional de Inquéritos Civis e de Compromissos de Ajustamento de Conduta, com a finalidade de permitir que os órgãos do Poder Judiciário, os colegitimados e os interessados tenham amplo acesso às informações nele constantes.
§ 2º Qualquer órgão legitimado que tenha tomado compromisso de ajustamento de conduta remeterá, no prazo de dez dias, cópia, preferencialmente por meio eletrônico, ao Cadastro Nacional de Inquéritos Civis e de Compromissos de Ajustamento de Conduta.”
Art. 2° O § 5° do art. 5° e o art. 16 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, passam a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 5º .............................................................................
...........................................................................................
§ 5° Independentemente da justiça competente, admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos e as Defensorias Públicas da União, do Distrito Federal e dos Estados para a defesa dos interesses e direitos de que cuida esta Lei (NR)”.
........................................................................................
“Art. 16 A sentença fará coisa julgada erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de novas provas. (NR)"
Art. 3° Revogam-se:
I - o art. 93 da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor);

II - o art. 2º-A da Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997.
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
O projeto de lei ora apresentado constitui instrumento para o aperfeiçoamento do acesso do consumidor à justiça.
A proposta cuida de desjudicializar os conflitos entre consumidor e fornecedor, reforçando a utilização de outras vias e, no plano do processo, implementando os meios consensuais de solução de controvérsias.
Além disso, ao valorizar a ação coletiva, previne a multiplicidade de demandas individuais que assoberbam o Poder Judiciário e inviabilizam a adequada prestação jurisdicional.
Algumas das soluções apresentadas visam a superar dificuldades e dúvidas que se estabeleceram no manejo do processo coletivo, tudo em homenagem à segurança jurídica de consumidores e fornecedores.
Sala das Sessões,
Senador JOSÉ SARNEY


Endereço: http://www.senado.gov.br/senado/codconsumidor/pdf/Anteprojetos_finais_14_mar.pdf

Acórdãos deveriam ter linearidade argumentativa

 

 
O sistema jurídico brasileiro, encontra-se há algum tempo profundamente imerso no movimento de convergência entre a civil law e common law,[1] com a utilização cada vez mais corrente de decisões jurisprudenciais como fonte de aplicação do Direito.
Este movimento de transição foi fortalecido pela EC45/2004 que permitiu os julgamentos dos Recursos Extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal em repercussão geral (regulamentado pelos artigos 543A e B, CPC) e das técnicas de julgamento repetitivos absorvidas por reformas legais na legislação processual.[2]
Estas modificações vêm promovendo paulatinamente um novo olhar sobre o modo de aplicação do Direito e impõem a necessidade de que tematizemos o modo como os tribunais vêm promovendo seus julgamentos.
O “velho” modo de julgamento promovido pelos ministros (e desembargadores) que, de modo unipessoal, com suas assessorias, e sem diálogo e contraditório pleno entre eles e com os advogados, proferem seus votos partindo de premissas próprias e construindo fundamentações completamente díspares, não atende a este novo momento que o Brasil passa a vivenciar.[3]
Os acórdãos, na atualidade, deveriam possuir uma linearidade argumentativa para que realmente pudessem ser percebidos como verdadeiros padrões decisórios que gerariam estabilidade decisória, segurança jurídica, proteção da confiança e previsibilidade. De sua leitura deveríamos extrair um quadro de análise panorâmica da temática, a permitir que em casos futuros pudéssemos extrair uma “radiografia argumentativa” daquele momento decisório.
Extrair-se-ia, inclusive, se um dado argumento foi levado em consideração, pois caso contrário seria possível a superação do entendimento (overruling). Ou mesmo se verificar se o caso atual em julgamento é idêntico ao padrão ou se é diverso, comportando julgamento autônomo mediante a distinção (distinguishing).
No entanto, ao se acompanhar o modo como os tribunais brasileiros trabalham e proferem seus acórdãos percebemos que se compreende parcamente as bases de construção e aplicação destes padrões decisórias (precedentes), criando um quadro nebuloso de utilização da jurisprudência. Flutuações constantes de entendimento, criação subjetiva e individual de novas “perspectivas”, quebra da integridade (Dworkin) do Direito, são apenas alguns dos “vícios”.
Repetimos: aos tribunais deve ser atribuído um novo modo de trabalho e uma nova visão de seus papéis e forma de julgamento. Se o sistema jurídico entrou em transição (e convergência), o trabalho dos tribunais também dever ser modificado, por exemplo, a) com a criação de centros de assessoria técnico-jurídica (unificação das assessorias) a subsidiar a todos os julgadores de uma Câmara pressupostos jurídicos idênticos para suas decisões; b) respeito pleno do contraditório como garantia de influência, de modo a levar em consideração todos os argumentos suscitados para a formação de um padrão decisório, pelos juízes e pelas partes, entre outras medidas.
Ademais, não se pode olvidar um dos principais equívocos na análise da tendência de utilização dos precedentes no Brasil, qual seja, a credulidade exegeta (antes os Códigos, agora os julgados modelares) que o padrão formado (em repercussão geral ou em recurso repetitivo) representa o fechamento da discussão jurídica, quando se sabe que, no sistema do case law, o precedente é um principium argumentativo. A partir dele, de modo discursivo e profundo, verificar-se-á, inclusive com análise dos fatos, se o precedente deverá ou não ser repetido (aplicado).
Aqui, o “precedente” do STF e STJ é visto quase como um fechamento argumentativo que deveria ser aplicado de modo mecânico para as causas repetitivas. E estes importantes tribunais e seus ministros produzem comumente rupturas com seus próprios entendimentos; ferindo de morte um dos princípios do modelo precedencialista: a estabilidade.
É comum a utilização de enunciados de “súmulas” sem se analisar os julgados que a deram base; quando tal procedimento seria essencial para se vislumbrar se os casos que os embasaram (os enunciados) são idênticos ao atualmente em julgamento.
Ocorre que, no Brasil, a principal utilização desta chamada padronização decisória se presta ao dimensionamento da chamada litigiosidade repetitiva; demandas propostas por inúmeros cidadãos com pretensões isomórficas.
Sabe-se que após a CRFB/88 as litigiosidades se tornaram mais complexas e em número maior. E que a partir deste momento o processo constitucionalizado passou a ser utilizado como garantia não só para a fruição de direitos (prioritariamente) privados, mas, para o auferimento de direitos fundamentais, pelo déficit de cumprimento dos papéis dos outros “Poderes” (Executivo/ Legislativo), entre outros fatores.
Dentro deste contexto, a litigiosidade repetitiva passou a aumentar as taxas de congestionamento do Poder Judiciário brasileiro e as propostas de técnicas processuais padronizadoras, e do uso de “precedentes” como fonte, ganhou muitíssima força.
No entanto, como se vem advertindo há algum tempo, necessitamos tematizar o uso destas técnicas, especialmente quando se vislumbra que no atual CPC projetado, cujo relatório foi apresentado (pelos ilustres deputados Sérgio Barradas Carneiro, Fábio Trad e Paulo Teixeira em 19 de setembro de 2012) na Câmara dos Deputados, se aposta com muita veemência na utilização destes padrões decisórios para dimensionar os litígios repetitivos, inclusive viabilizando a criação de “precedentes” pelos tribunais de segundo grau.
O Projeto na Câmara foi deveras aprimorado nesta parte. Mas a contribuição legislativa somente representa uma parte da questão. É na aplicação adequada dos precedentes (e não mecânica) que conseguiremos resultados eficientes e legítimos.
Dentro desta constatação, devemos criticar a proposta ufanista do uso dos precedentes. Não buscando uma crítica pobre e fundamentalista ao seu uso. Mas procurando tematizar e produzir uma teoria científica democrática e abrangente do uso dos precedentes no Brasil.
Conclama-se, assim, todos os pensadores e aplicadores brasileiros a esta tarefa essencial de promoção da melhoria e da adequação normativa do uso do Direito Jurisprudencial entre nós.

[1] Cf. Theodoro Júnior, Humberto; Nunes, Dierle; Bahia, Alexandre. Breves considerações da politização do judiciário e do panorama de aplicação no direito brasileiro – Análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização decisória. Revista de Processo, vol. 189, p. 3, São Paulo: Ed. RT, nov. 2010.
[2] Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Litigiosidade em massa e repercussão geral no recurso extraordinário. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 177. 2009.
[3] Acerca das premissas essenciais para o uso dos precedente, veja-se: “Nesse aspecto, o processualismo constitucional democráticopor nós defendido tenta discutir a aplicação de uma igualdade efetiva e valoriza, de modo policêntrico e comparticipativo, uma renovada defesa de convergência entre o civil law e common law, ao buscar uma aplicação legítima e eficiente (efetiva) do Direito para todas as litigiosidades (sem se aplicar padrões decisórios que pauperizam a análise e a reconstrução interpretativa do direito), e defendendo o delineamento de uma teoria dos precedentes para o Brasil que suplante a utilização mecânica dos julgados isolados e súmulas em nosso país. Nesses termos, seria essencial para a aplicação de precedentes seguir algumas premissas essenciais:
1º – Esgotamento prévio da temática antes de sua utilização como um padrão decisório (precedente): ao se proceder à análise de aplicação dos precedentes no common law se percebe ser muito difícil a formação de um precedente (padrão decisório a ser repetido) a partir de um único julgado, salvo se em sua análise for procedido um esgotamento discursivo de todos os aspectos relevantes suscitados pelos interessados. Nestes termos, mostra-se estranha a formação de um “precedente” a partir de um julgamento superficial de um (ou poucos) recursos (especiais e/ou extraordinários) pinçados pelos Tribunais (de Justiça/regionais ou Superiores). Ou seja, precedente (padrão decisório) dificilmente se forma a partir de um único julgado.
2º – Integridade da reconstrução da história institucional de aplicação da tese ou instituto pelo tribunal:ao formar o precedente o Tribunal Superior deverá levar em consideração todo o histórico de aplicação da tese, sendo inviável que o magistrado decida desconsiderando o passado de decisões acerca da temática. E mesmo que seja uma hipótese de superação do precedente (overruling)[3] o magistrado deverá indicar a reconstrução e as razões (fundamentação idônea)[3] para a quebra do posicionamento acerca da temática.[3]
3º – Estabilidade decisória dentro do Tribunal (stare decisis[3] horizontal): o Tribunal é vinculado às suas próprias decisões: como o precedente deve se formar com uma discussão próxima da exaustão, o padrão passa a ser vinculante para os Ministros do Tribunal que o formou. É impensável naquelas tradições que a qualquer momento um ministro tente promover um entendimento particular (subjetivo) acerca de uma temática, salvo quando se tratar de um caso diferente (distinguishing) ou de superação (overruling). Mas nestas hipóteses sua fundamentação deve ser idônea ao convencimento da situação de aplicação.
4º – Aplicação discursiva do padrão (precedente) pelos tribunais inferiores (stare decisis vertical): as decisões dos tribunais superiores são consideradas obrigatórias para os tribunais inferiores (“comparação de casos”):[3] o precedente não pode ser aplicado de modo mecânico pelos Tribunais e juízes (como v.g. as súmulas são aplicadas entre nós). Na tradição do common law, para suscitar um precedente como fundamento, o juiz deve mostrar que o caso, inclusive, em alguns casos, no plano fático, é idêntico ao precedente do Tribunal Superior, ou seja, não há uma repetição mecânica, mas uma demonstração discursiva da identidade dos casos.
5º – Estabelecimento de fixação e separação das ratione decidendi dos obter dicta da decisão: a ratio decidendi
[3] (elemento vinculante) justifica e pode servir de padrão para a solução do caso futuro; já o obter dictum constituem-se pelos discursos não autoritativos que se manifestam nos pronunciamentos judiciais “de sorte que apenas as considerações que representam indispensavelmente o nexo estrito de causalidade jurídica entre o fato e a decisão integram a ratio decidendi, onde qualquer outro aspecto relevante, qualquer outra observação, qualquer outra advertência que não tem aquela relação de causalidade é obiter: um obiter dictum ou, nas palavras de Vaughan, um gratis dictum.”[3]6º – Delineamento de técnicas processuais idôneas de distinção (distinguishing) e superação (overruling) do padrão decisório: A ideia de se padronizar entendimentos não se presta tão só ao fim de promover um modo eficiente e rápido de julgar casos, para se gerar uma profusão numérica de julgamentos. Nestes termos, a cada precedente formado (padrão decisório) devem ser criados modos idôneos de se demonstrar que o caso em que se aplicaria um precedente é diferente daquele padrão, mesmo que aparentemente seja semelhante, e de proceder à superação de seu conteúdo pela inexorável mudança social – como ordinariamente ocorre em países de common law.” NUNES, Dierle. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva.A litigância de interesse público e as tendências “não compreendidas” de padronização decisória. Revista de Processo, vol. 189, p. 38, São Paulo: Ed. RT, set. 2011.
Dierle Nunes é advogado, professor adjunto na UFMG, FDSM e PUCMinas e sócio do escritório Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia.
Revista Consultor Jurídico, 24 de outubro de 2012

Diálogos publicitários e neopentecostalismo jurídico

Senso Incomum

 

A origemHá alguns anos venho construindo uma caricatura para criticar o fenômeno da estandardização do Direito. Não lembro em que ano falei pela primeira vez, em uma conferência no Hotel Gloria (nos tempos do ID, de James Tubenchlak), do neopentecostalismo jurídico. E era apenas o início. Ainda não existia o fenômeno da simplificação. A “michelteloização” ainda estava por vir. Os livros “tipo fast food” ainda eram raros.
A relação do neopentecostalismo com o DireitoNeopentecostalismo quer dizer ausência de intermediação. Falo do “religare”, origem da religião. Portanto, no neopentecostalismo, não há “religação” (não vou explicar aqui a questão exsurgente de Pentecoste; há farto material à disposição em literatura especializada). É como no populismo político. O líder se liga diretamente às massas. O que isso tem a ver com o que se tem praticado no Direito? Tudo. O Direito é alográfico, como bem diz Eros Grau. Ele necessita de uma mediação de significado. Caso contrário, o pipoqueiro poderia ser jurista (embora o jurista possa ser pipoqueiro, se entendem a ironia).
A teoria é aquilo que faz a intermediação. Na verdade, é a sua condição de possibilidade. Não é uma terceira coisa entre o “intelecto” e a “coisa”. É pela teoria que se faz, digamos assim, a transcendência do ôntico ao ontológico (para utilizar uma linguagem hermenêutica). Portanto, o Direito não é autográfico (que é o contrário de alográfico). Ele não possui um sentido em si e tampouco um sentido que dispense a teoria e a teorização advinda da história e da tradição. Portanto, não se pode “ungir” um discurso jurídico à la pentecostalismo. Não dá para falar “em nome de o Senhor...”.
Isto quer dizer que, quando falamos em princípios, não pode o jurista sair por aí inventando qualquer sentido. Ele não está ungido para isso! Não recebeu “a graça”! Quando se fala em hermenêutica, não pode pegar conceitos do século XIX e sair repetindo, como se não existisse a intermediação alográfica da ciência jurídica, com seus rigores filosóficos (que, ainda bem, continuam a existir).
Recebi uma propaganda por e-mail, pelo qual uma empresa (“tipo editora”) oferece uma conferência grátis sobre Proteção Constitucional no ECA. Diz a peça: “A empresa tal tem observado o baixo aproveitamento dos candidatos nos concursos quando o assunto é ECA. Preocupado com isso, oferece uma conferência...”. E depois, vende cursinho. O assunto “ECA” é realmente muito “complexo”. Dando de barbada: se fosse complexo mesmo, em uma conferencia resolve? Vejo na internet os vários tipos de aulas ministradas. “Gosto” quando falam sobre Aristóteles. Há uma aula televisiva em que o professor se “auto-pergunta”: “É aí, Professor, o que Aristóteles pensa...”. E assim por diante.
Vamos mais a fundo, para mostrar a invasão “neopentecostal” no Direito, isto é, a morte da alografia. Como todos sabem, o CNJ editou a Resolução 75 sobre a introdução de matérias “humanistas” nos concursos. De imediato, foram editados livros tratando de explicar aos milhares de concursandos o que é “humanidades...”. Para termos uma ideia, em um dos livros — que já comentei na ConJur em duas colunas (O triste fim da ciência jurídica em terrae brasilis e A hermenêutica e o cadáver plantado no jardim) — consta que “A moral é o conjunto de princípios gerais de conduta através de atos resultantes da livre vontade humana, disciplinando os deveres do homem perante Deus, perante si próprio e perante a sociedade”.
O que dizer disso? Não há secularização nesse conceito? Fico pensando em autores como Klaus Günther, Robert Alexy ou Ronald Dworkin (sem falar nos autores brasileiros), que se dedicam há tantos anos para deslindar esse nó resultante da relação “Direito-moral”... Eis aí o neopentecostalismo. Não há intermediação. Tudo se realiza pela “palavra” do “escritor”... “Em nome de o Senhor...”. Ou seja, o Direito se torna autográfico, como uma pintura abstrata de um quadro. Quando se lê esse tipo de material, percebe-se a “dispensabilidade” da Teoria do Direito. Mais: Percebe-se a dispensabilidade da qualquer intermediação científica. A “coisa” (no caso, a relação Direito e moral) é o que é! Bingo! “Em nome de o Senhor...”.
Pois no mesmo livro leio: “Existe uma implicação do preceito moral sobre a validade jurídica. O Direito imoral é destituído de sentido, muito embora exista concretamente, tornando-se obrigação juridicamente inválida. (...) uma norma jurídica que estabeleça a pena de morte para o doador de sangue é possível, porém será totalmente destituída de sentido, da mesma forma que o Direito imoral pode existir, gerando uma contradição de teor”. Pergunta absolutamente necessária: De onde os doutores teriam tirado essa tese, ideia ou opinião?
Ainda: “O Direito possui, como “causa formal” (“modos pelos quais o Direito se exterioriza”) o que está definido pelo artigo 4o. da LINDB: lei, os costumes e os princípios gerais de direito, “podendo ser considerados, ainda, a doutrina, a jurisprudência e os brocardos jurídicos”. Isto é: o Direito está resumido na “Lei de Introdução”. Princípios constitucionais... nem falar.
O mesmo “best seller” faz constar que “Os princípios jurídicos é que possibilitaram a divisão do Direito em ramos e em disciplinas jurídicas”.
Poderia trazer à colação dezenas de obras desse quilate. Uso apenas esta, sobre a qual já me pronunciei alhures. Mostro esses aspectos para falar sobre essa perda do elemento teórico que conforma todo discurso. E faço isso por amor ao Direito. Embora isso possa parecer antipático.
A alografia do Direito se perdeu no meio de uma algaravia conceitual, fruto de uma eliminação da intermediação significativa. É uma espécie de “populismo semântico”. Pronto. Eis aí o produto: Uma redefinição dos conteúdos jurídicos das diversas disciplinas. “Reiventaram” o conceito de princípio, de lacuna, de hermenêutica, de moral, etc.
Na verdade, transformaram o discurso em algo facilitado para as massas. Para que estas tenham prosperidade. Algo como uma “pedagogia da prosperidade”, na linha da “teologia da prosperidade” das igrejas neopentecostais (não preciso, aqui, explicar o funcionamento das igrejas neopentecostais como a Universal, a Mundial, a Internacional — estas duas dissidentes da primeira...).
Não há mais fundamentosDia destes, vi na internet um esquete do grupo humorista “Porta dos Fundos”, que faz interessantíssima crítica (na verdade, genial!) à nossa “pós-modernidade”, onde nada tem fundamento, nada tem DNA, tudo (se) pode...
No esquete, há dois participantes: O publicitário “totalmente cool” e o bispo de uma igreja neopentecostal que necessita de uma campanha para rearranjar a sua igreja que está perdendo fiéis. Reproduzo, de forma aproximada, os diálogos:
Diz o Publicitário: “Eu dei uma olhada no livrinho... bacana. Como é o nome? Ah Bíblia. O título não é bom; como título, não vende. Pensei em trocar o nome, tipo 50 tons de Bíblia, Ah, quem mexeu na Bíblia... De qualquer forma, é um bom material. Tem passagens que me fizeram rir muito. Mas é muito longo...”
O Bispo intervém: “Mas é a história da humanidade.
Mas o publicitário continua: “Mas lá por Mateus tem uma barriga. Isso aqui eu cortaria tudo”, mostrando várias páginas do texto. “Jeremias... E quem é Salmos? Noé...Argh... Eu tiraria o personagem do rapaz!”
Perplexo, o bispo pergunta: “Que rapaz?
E responde o publicitário: “O principal, que diz que é o principal”. Ah, responde o bispo, “Jesus”.
Acrescenta o publicitário: “Não entendi a função dele. Ele não tem carisma...”, emendando: “Ele é filho de quem mesmo? É tudo rocambolesco, meio mexicano.”
O bispo interrompe novamente: “Na verdade, ele é o personagem principal, o fio condutor...”. E o publicitário ataca: “Ele precisa morrer? E a cruz... Vamos substituir por pneus.” “Mas a história tem dois mil anos”, diz o bispo. “Tá bem. Você quer manter o personagem, OK. Mas, por que Cristo... é esse o nome, não, por que ele tem que ser homem?” “Mas é que...”, gagueja o bispo...
O bispo é interrompido pelo publicitário, que berra: “Quem disse que era um homem? Por que não uma mulher disfarçada de homem, lutando contra o preconceito.
E o bispo: “Mas eu não gostaria de mexer nisso...”.
E o publicitário: “A Cleo Pires no papel de Cristo. Isso dá um filme, bispo Carmelo!”. E, chamando a assessoria, diz: “Manda a bíblia para o Duduxa. Mas não mande nesse papel... Manda em papel couchê... Onde se viu um livro com esse tipo de papel fininho?”. E o bispo vai embora, com a cara amarrada.
Bom, o resto aqui não importa. O que importa é a analogia. É assim que funciona “a coisa” hoje. Sem fundamento. Sem raízes. Sem saber. Sem sabedoria. Sem DNA. Tudo é grau zero. Tudo pode ser “feito” a partir de agora.
Imaginando “diálogos publicitários”Imagino o mundo desse publicitário do esquete e o comparo com o mundo da estandardização do Direito. O mundo da cultura simplificada. Dos clichês jurídicos. Do Malatesta. Da “verdade real”. Do “princípio da ponderação”. Das fórmulas para passar em concursos. Dos livrinhos feitos para “resolver” os problemas do Direito. Da expressiva maioria dos livros utilizados nas Faculdades de Direito. Fast food jurídico: eis a solução. Tudo “tipo pentecostal”, em que não há religação com nada. Apenas a “unção” direta. Em nome “de o Senhor”...
Imagino o professor — desses que escrevem sobre Direito Constitucional em palavras cruzadas (à venda nas rodoviárias e farmácias), Direito X e Y simplificados, descomplicados, etc. e estes que escrevem, do modo como explicitei acima, sobre as demandas da Resolução 75-CNJ — dialogando com seu editor:
Esse autor que o CNJ indicou... como é o nome dele mesmo... Karson, Kelson, ah, sim. Isso... Kelsen. Tem um livro muito complicado. O nome já começa mal. Teoria Pura do Direito. Deveríamos trocar o nome para ‘Pura Teoria do Direito’... Entendeu? ‘Pura teoria’. Afinal, não se diz que esse Kelsen era um positivista? Logo, tudo vira teoria. Pura teoria. Cool. Mas o livro é muito grande. Vamos resumir tudo em não mais do que 80 páginas. Por que mais de 500? E esse negócio de estática e dinâmica jurídica? Tira fora a parte da estática. Direito é vida. Anda prá frente. Tem uma parte que é hilária, que temos de ressaltar: é quando ele dá diferença entre um bando de ladrões e a sociedade... Compreendeu? Isso prá discutir a corrupção é massa. Agora, com o mensalão, Kelsen neles... Outra coisa engraçada é o capítulo 8º. Ri muito. Diz ali que o que os juízes fazem é política jurídica. Grande coisa. Esse Kelsen. Escreveu tudo isso para chegar a essa obviedade.
E o editor: “Tem certeza que vende?” O professor responde: “Xá comigo. Esse Kelsen é sinistro. Dá até para fazer um rap.
Imaginemos outra cena, com outros (neo)professores, em negociação para fazer um novo livro:
Lendo por aí, diz-se que para fazer um livro sobre concursos que tragam na pauta a humanização do Direito de que trata a Resolução 75-CNJ, deve-se colocar Dworkin e Alexy. Dworkin... cá entre nós, que nome engraçado este, não? Do-working; um sujeito trabalhador, indeed."
E o outro professor: "Trabalhosos são os livros dele… difíceis demais de ler. O cara cita mil exemplos e agora deu para falar de ouriços… o que será que esse bicho tem haver com o Direito?"
Ao que o primeiro professor responde: "Ouriço, chouriço, o que me importa? O importante é criar um jeito de conquistar o mercado com esses caras. Por isso vamos fazer um guia de leitura… algo que facilite as coisas, entende? Interessante seria juntar os dois, esse Dworkin e o tal do Alexy. Ambos falam em ponderação. Só que um diz dimensão de peso e o outro ponderação mesmo. Dimensão de peso, ponderação… tudo tem haver com balança, logo deve ser a mesma coisa".
O seu sábio interlocutor — o segundo (neo)professor —, então lhe diz: "Acho que um bom começo seria insistir no jargão — regra é no tudo ou nada e princípios é na ponderação — assim qualquer um entende".
O primeiro professor, entusiasmado, acrescenta: "Brilhante!!! Essa frase tem que constar da quarta-capa do livro. Será um verdadeiro chamariz para as vendas!"
Em outro canto da cidade. Local: Mesa da editora. Café fumegante. O editor comenta com um (neo)professor: "Tem um autor que faz sucesso na Teoria do Direito… esse que inventou o termo pós-positivismo, Müller… Sim, Müller... Friedrich. Você deveria escrever sobre ele.
Sobre quem? Müller?” — pergunta o (neo)professor.
Isso, Müller”, responde o editor. O professor, com certo ar de desprezo, responde ao empresário: "Müller… isso é nome de jogador de futebol… e de pastor evangélico." O editor, estupefato, redargui: “Não! É um teórico do Direito, escreveu sobre a diferença entre texto e norma.”
Resposta do (neo)docente: “Ah, esse negócio de diferença entre texto e norma é algo muito simples. O texto é a letra da lei e a norma é a interpretação que se dá a ela. No fundo, qualquer coisa que o intérprete disser sobre o direito, será uma norma… Qual é novidade nisso?
Mais uma cena, desta vez envolvendo as demandas do Exame da OAB, que começou a cobrar questões relativas à filosofia e teoria do Direito. Como seria a cena?
Vamos a ela. Um jovem professor aborda um “catedrático” de cursinhos. Parênteses necessário: Dia desses, vi um destes jovens professores divulgando sua obra pelo Face: Código Penal para Concursos… fantástico, já não é mais o Direito Penal… é o Código Penal que é para concursos! Dizia a notícia que o diploma legislativo estava atualizado segundo a doutrina, a jurisprudência e... às questões de concurso, é claro. Na verdade, o adjetivo usado foi "superatualizado". Interessante o que a língua pode fazer conosco, pois não? Será que o adjetivo "atualizado" comporta superlativo? O que seria um Código Penal superatualizado? Mais atualizado do que o atualizado…? Interessante... Talvez pudéssemos lançar um novo aparelho para conquistar o mercado jurídico: “o atualizatômetro”.
É possível prever os congestionamentos que a intensidade das compras provocariam na internet. Sim, claro, porque, para acompanhar a tecnologia, o atualizatômetro seria um aplicativo disponível tanto para o sistema IOS quanto para a plataforma Android. Bastaria ao utente aproximar o seu aparelho celular do livro desejado que o mecanismo acionaria um de seus critérios catalogadores. Três seriam os patamares de medida: Proto-atualizado; atualizado; e o superatualizado… apenas os livros superatualizados seriam sucesso de vendas.
Mas, contava eu que o jovem professor aborda um professor mais velho, um "catedrático" dos cursinhos, e, de forma desesperada, começa a expor desordenadamente: "Professor, professor… como faremos? A OAB, professor… A OAB incluiu essas disciplinas propedêuticas nos Exames de Ordem… Oh, céus!".
Com a tranquilidade de quem navega em águas calmas, o "catedrático" se volta para o moço e diz: "Meu rapaz, não há o que temer, temos o total domínio do fato… Ademais, todos esses anos de técnicas para memorização, quadros mentais, etc., foram muito úteis para nós. Temos um know howem simplificações."
Todavia, nem toda a sabedoria que emanava do experiente docente pôde trazer paz para o coração do novato. Ainda em nervos incontrolados, o jovem professor disse: "Meu senhor, com todo o respeito, dizem que vão cobrar, inclusive, conteúdos sobre a tal de hermenêutica jurídica." Com claras marcas de horror na face, o jovem, extremamente alarmado, continuou: "Imagine se nós tivermos que estudar aquele alemão chamado alguma coisa tipo Gadâmer ou Gadamér."
Com total despreocupação, o velho professor disse: "Mas esse Gadamér — o acento é na última sílaba, meu filho — é muito simples… Preste atenção no que vou te contar. Para esse filósofo, o grande problema da hermenêutica é a questão do método. Em especial, a questão do método nas ciências do espírito. O que ele pretende é propor um novo método para tais ciências. Diante disso, ele afirma que todo compreender pressupõe uma pré-compreensão do compreendido.”
O “catedrático” tomou mais um gole de café e, sobranceiro, continuou o “ensinamento”: “O que isso quer dizer? Quer dizer que, quando vamos interpretar um texto como a Constituição, por exemplo, e, mais especificamente, perguntar se a Constituição permite a realização do aborto para fins terapêuticos, as respostas que serão dadas a este problema coincidirão com a pré-compreensão que tem aquele que interpreta. Ou seja, variando o interprete, varia a interpretação, porque a interpretação é fruto da pré-compreensão. É algo subjetivo, entende? Cada um tem a sua pré-compreensão. No fundo, não era necessário esse alemão... como se chamava, mesmo? Ah, Gadamér...[1] escrever um livro tão grande para dizer uma coisa tão simplória.”
O “catedrático” valorizou a cena... Lentamente, tomou outro generoso gole de café, pegou a chave de seu Mercedes e “fechou” a discussão (com chave de ouro): “Bastava ele dizer: No terreno da interpretação, tudo é relativo porque cada um possui a sua pré-compreensão do objeto interpretado. Pronto! Viu só menino, não há o que temer… como eu te disse, temos o total domínio do fato. Não sei por que tem gente que complica essas coisas. Vamos. Vá lá e prepare a primeira aula sobre hermenêutica. E arrase.”
Depois de ouvir os “lampejos de sabedoria” do "catedrático", o jovem professor sentiu aquela sensação de paz que cabe a poucos. Percebeu que tudo era muito simples. A explanação "medalhão" do ancião “entrou pela sua alma como um jorro súbito de sol”. E lá se foi para preparar a sua arrasadora aula magna sobre o tema.
Se acham que estou exagerando, leiam de novo as citações que lancei acima, constantes em obra sobre a Resolução 75. Ou releiam as colunas nas quais tratei disso (vejam o hiperlink acima).
Numa palavra finalTércio Sampaio Ferraz Jr ensina a diferença entre dogmática e zetética. Não é difícil. Serve para que entendamos o mínimo dos mínimos sobre o papel da reflexão jurídica. Enfim, serve para mostrar que não se faz Direito sem reflexão teórica (podemos chamar a isso de alografia jurídica). O exemplo que Tércio nos ajuda: Sócrates estava sentado na frente de sua casa e passa um sujeito correndo atrás de outro. O filósofo pergunta: “O que está acontecendo?” ao que o perseguidor responde: “Ele é um ladrão e eu devo prendê-lo”. Essa é a dogmática. Já a zetética exigiria perguntas, como: “O que é um ladrão, “o que é furtar”, há elementos que comprovem o fato”?
Pois a dogmática tem sido vista e feita desse modo. E nas últimas décadas foi se estandardizando. E virou nisso que está aí. Pentecostalizaram (sem ofensa aos pentecostais) a dogmática e o Direito. A resposta vem pronta. Direta. Do senso comum. Do realismo (filosófico) e de sua vulgada. Isso é assim porque é. Por que ler Dworkin se é possível ler um pequeno resumo em uma sebenta? Por que fazer perguntas, se podemos ter as respostas antes que estas sejam feitas?
Como venho dizendo, não é necessário que se elabore obras herméticas sobre o Direito e que sirvam para concursos públicos. Entretanto, mesmo que o livro queira apenas tratar de “noções gerais”, ainda assim estas não devem ser simplificadoras do fenômeno jurídico (e social). Portanto, não parece adequado que se busque conceitos liquefeitos, resultantes de “grau zero” ou “descobertos” do âmbito da cultura “jurídico-popular”, isto é, do entremeio da terceira divisão do Direito.
No fundo, neopenteconstalismo jurídico quer dizer: “Pedagogia da prosperidade.” Sim, é isso que a cultura fast food tem vendido. A possibilidade de se “aprender” Direito sem “estudar o Direito”. Fácil. De forma direta. Sem intermediações.
Aleluia!

[1] Na cena, o acento utilizado pelo “catedrático” foi na última sílaba, “puxando” o “r”, como se Gadamer fosse francês...
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 24 de janeiro de 2013

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...