sábado, 9 de junho de 2012

DIREITO DE FAMÍLIA E RESPONSABILIDADE CIVIL


Ênio Santarelli Zuliani



Desembargador da 4ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo e Professor de Direito Civil
na UNISEB - COC, de Ribeirão Preto-SP
e do Programa de Educação Continuada
e especialização em Direito GV/Law.



Artigo publicado na Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil nº 45 - Nov/Dez de 2011



RESUMO: Partindo da premissa de ter ocorrido, no casamento, ato ilícito que causou dano ao cônjuge inocente, a ordem jurídica dispõe de meios para compor os efeitos da ilicitude, realizando pela indenização pecuniária do dano emergente (déficit financeiro mensurável por simples cálculo devido a redução do patrimônio) a restauração econômica ou, quando houver dano moral, a compensação em dinheiro que visa contrabalançar os traumas da lesão.



PALAVRAS-CHAVE: Direito de Família. Rompimento de Noivado. Divórcio. União Estável. Obrigação de Indenizar.



SUMÁRIO: 1 Dano em Direito de Família. 2 Rompimento de Noivado. 3 Divórcio e União Estável: Obrigação de Indenizar em Caso de Dissolução dos Vínculos. 4 Responsabilidade pelas Violações dos Deveres de Guarda e Visitas.



1 Dano em Direito de Família



As pessoas se comportam das formas mais variadas, e essa diversificação de condutas cria os rótulos que classificam os seres humanos. Alguns são maus, egoístas e extremamente agressivos, enquanto outros, inclusive parentes próximos, são adeptos da paz e do respeito aos semelhantes. A sociedade não perdoa aos desagregadores e separa os seres imperfeitos dos que são considerados superiores, esses últimos os portadores de um senso ético exemplar, cuja vida é guiada por predicamentos morais insuspeitos. O ser superior que iniciar a leitura deste texto vai se perguntar como é possível cogitar de indenizar dano nas relações familiares, por ser inconcebível que isso ocorra dentro do lar, ponto físico do amor e do ambiente mais próximo da valorização da dignidade humana prevista no art. 1º, III, da Constituição Federal.



Lastimavelmente cabe responder que as ocorrências familiares desastrosas são frequentes, denunciando a depreciação do afeto e da convivência saudável que produz a felicidade, a mais prazerosa vantagem da existência. Os conflitos familiares são agudos e quase sempre inconciliáveis, mostrando que as rupturas modificam, para pior, a vida dos envolvidos. Exatamente em virtude desse efeito devastador é que cabe advertir não serem os juízes capazes de restaurar por completo as fissuras decorrentes do desamor, das hostilidades, das violências, embora possam, pelas sentenças emitidas graças ao instituto da responsabilidade civil, restaurar as avarias, aplicando os antídotos judiciais que prometem cicatrizar as feridas, devolvendo a estima própria que fortalece.



Não há responsabilidade civil quando não existe dano a ser reparado ou compensado. O prejuízo da vítima é a consequência concreta da nocividade da conduta alheia e representa o pressuposto objetivo do dever de indenizar, tanto que o art. 186 do CC estabelece que "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que efetivamente moral, comete ato ilícito". A regra é completada pelo dispositivo que obriga o causador do dano a repará-lo (art. 927, caput, do CC) e, para fins de compreensão do nosso tema, estará quase sempre associada ao abuso de direito previsto no art. 187 do CC: "Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".



Partindo da premissa de ter ocorrido, no casamento, ato ilícito que causou dano ao cônjuge inocente, a ordem jurídica dispõe de meios para compor os efeitos da ilicitude, realizando pela indenização pecuniária do dano emergente (déficit financeiro mensurável por simples cálculo devido a redução do patrimônio) a restauração econômica ou, quando houver dano moral, a compensação em dinheiro que visa contrabalançar os traumas da lesão. A ideia vitoriosa e extremamente benéfica é a de que, sendo impossível recuperar a desonra com dinheiro, ao menos se obrigue o infrator a pagar um valor que permita à vítima empregá-lo no consumo terapêutico das agruras da ilegalidade. É justamente o dano moral o ponto polêmico ou verdadeiro desafio jurídico da responsabilidade civil no direito de família, comportando, por isso, uma abordagem separada.



O dano moral, inicialmente previsto no art. 5º, V e X, da CF/88, se expandiu devido ao bom uso que dele se fez e hoje está capitulado no art. 186 do CC, bem como no art. 6º, VI, da Lei nº 8.078/90 (que, inclusive, introduziu os danos morais coletivos e difusos). Houve uma corrida desenfreada em busca de indenizações, o que é facilmente explicável pela incompreensão jurídica de uma temática reprimida pelo sistema jurídico e pela falsa ilusão do enriquecimento (pedidos milionários), movimentação que não cabe censurar pela utilidade resultante dos cortes das demandas frívolas que alimentam a indústria do dano moral. O filtro judiciário permitiu decotar a matéria e cunhar o princípio de que mero dissabor não se indeniza, base jurídica da certeza de que justifica compensar com dinheiro somente a lesão que provoca séria e grave perturbação (mesmo que anímica) do indivíduo e da pessoa jurídica (Súmula nº 227 do STJ).



Atingiu-se o clímax desse correto pensamento e, salvo raríssimas exceções, não se testemunham absurdos ou heresias na aplicação do instituto. O dano moral, quando concedido, chega apresentado em sentenças fundamentadas com lógica e razão jurídica, como é exigido pelo art. 93, IX, da CF, o que ocorre também nos arbitramentos, sempre lembrado como ponto vulnerável da providência. A indenização não possui o dom de enriquecer a vítima, servindo para contemporizar os malefícios do lesado e, por outro lado, não pode ser de tão alto valor que empobreça o infrator. Busca-se, e quase sempre é obtida, a medida equilibrada para fazer com que o bolso do infrator pese, fator de conscientização dos riscos econômicos de se tripudiar a lei.



O dano moral é apropriado para justas reivindicações das vítimas inocentes dos ilícitos e dos abusos perpetrados nas relações familiares, atendendo ao propósito de compensar lesões a direitos de personalidade, danos estéticos e perda de uma chance, o que não se confunde com a proibição de indenizar dano futuro ou remoto. Pode ocorrer que os pais, pelos maus-tratos impingidos ao filho menor ou adolescente, excedam na violência e provoquem nele mutilação ou algum outro tipo de incapacidade permanente para determinadas atividades físicas e profissionais, fato que interrompe uma carreira promissora que se iniciava e que tinha tudo para deslanchar (atleta profissional, atriz e modelo, musicista, etc.). Em se confirmando que a ilicitude familiar destruiu a chance real de um projeto de vida sustentável e plenamente realizável, é permitido que se indenizem os danos íntimos da frustração de um futuro perdido. Não se cuida de indenizar sonhos impossíveis, mas, sim, de compensar os danos dessa alteração da rota prevista e alcançável sem esforço extraordinário. Evidente que se ficar provado que a pessoa mutilada ou incapacitada conseguiu mudar a sorte, eliminando o previsível insucesso, não terá cabimento a indenização pela perda de uma chance, que é admitida apenas quando o ilícito esvazia a probabilidade verossímil da meta planejada, lançando a vítima em um caminho adverso e pontilhado de desacertos, mágoas, doenças psicossomáticas e um terrível isolamento social.



2 Rompimento de Noivado



O noivado é quase coisa do passado e poucos são os casais que vivem, de fato, essa fase antecedente ao matrimônio, marcada por forte aproximação deles. Os costumes foram se alterando e a etapa do comprometimento oficioso dos futuros cônjuges perdeu a importância e o glamour, até porque os interessados, com maior senso prático, preferem a experiência da coabitação provisória, antes da solenidade nupcial, como teste mais confiável de uma adaptação. Apesar de ser pouco festiva a inserção da aliança na mão direita, o fato é que o noivado continua tendo significado no direito civil, caracterizando um compromisso que vincula determinados interesses (tutela da confiança). Não é incomum que homens e mulheres recorram ao Judiciário com queixas sobre a ruptura abrupta e imotivada do noivado, reabrindo a controvérsia sobre cabimento de indenizações.



Evidente que a discussão cabe exclusivamente em hipóteses particulares, não servindo para as passionais e pueris brigas de namorados instáveis, como Nora Grey, que, em momento de fúria, desabafou não mais querer ouvir falar em namorados pelo restante da vida: "A única serventia que um namorado tinha era partir coração" (Crescendo, de Becca Fitzpatrick). O direito não possui remédio para curar as dores de um caso mal resolvido, ainda que a razão do desenlace surja como leviana aos olhos de terceiros. O que interessa para a ordem jurídica tem a ver com o desfazimento inexplicado do acordo celebrado para concluir a boda matrimonial, por arrependimento serôdio do noivo ou da noiva. Essa situação desestrutura um ato de vontade que saiu da esfera subjetiva e caminhou para a concretização pela habilitação do casamento iniciada ou concluída, com serviços contratados de buffet, vestido de noiva, salão da festa e da igreja. A reviravolta obriga, inclusive, a recolher os convites expedidos e espalhados, o que, sem dúvida alguma, constitui constrangimento extraordinário.



Ninguém pode ser compelido a contrair casamento compulsório. O art. 1.538 do CC admite que possa ser suspensa a solenidade do casamento pela recusa de consentimento, o que autoriza afirmar que cabe arrependimento até o instante decisivo de afirmar o famoso "sim, eu aceito". Nesse caso ou pela ausência do arrependido, haverá de ser justificada a negativa de subscrição do ato, sob pena de constituir abuso de direito (art. 187 do CC), tipificada clara situação de constrangimento social a justificar a indenização pecuniária para abrandar o drama daquele que é abandonado no altar. Isso porque o arrependimento, que se permite, não foi exercido de maneira razoável (com maior antecedência) ou de forma menos traumática para a outra parte interessada, residindo aí a figura do abuso do direito de recusar o consentimento para o ato.



A Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça negou dano moral para a moça de Barretos, que pagou, com exclusividade, todos os gastos para a cerimônia, sendo surpreendida, menos de quinze dias da data do casamento, por um telefonema evasivo eliminando tudo. Houve um debate intenso na sessão de conferência de votos e, ao final, prevaleceu, contra a posição deste que escreve essas linhas, que cabia ao ex-noivo pagar somente metade das despesas adiantadas pela mulher. Entendi que não é lícito o arrependimento na antevéspera, por telefone e sem uma causa (sequer desamor o arrependido foi capaz de mencionar), quando ele, ao assinar a habilitação de casamento e consentir com todos os preparativos, conduziu a mulher a crer na oficialização. Também considerei equivocado, respeitado o entendimento dos meus ilustres colegas, repartir as despesas realizadas pela noiva, devido a constituir inadimplemento culposo do varão, que, com isso, responde pelos danos que a mulher suportou, inclusive porque não são aproveitáveis os produtos dos serviços contratados, sendo impensável cogitar de utilização do vestido de noiva para outro e incerto consórcio. Os presentes que os convivas ofertaram para os noivos serão devolvidos, nos termos do art. 546 do CC.



As posições divergentes revelam que se está longe de uma unanimidade e, evidentemente, somente as circunstâncias do caso concreto definem a existência de dano moral indenizável em prol daquele que suporta todo o peso do arrependimento tardio, sendo importantíssimo que o juiz conheça os detalhes da vida contemporânea da pessoa rejeitada, porque a repercussão é de maior ou de menor intensidade diante da publicidade e da importância social que se concede ao cerimonial frustrado. Uma festa de poucos convidados a ser realizada em uma grande capital terá o resultado adverso pouco comentado, o que repercute no aspecto da honra objetiva, enquanto, em uma cidade do interior, que cultiva a cerimônia como um acontecimento festivo socialmente valorizado, provoca humilhação maior a quem sobra o difícil mister de explicar o inexplicável para os amigos, parentes e conhecidos. Não é razoável considerar que uma confusão desse gênero cause mero dissabor e que obrigue a aceitar a ruptura como evento natural e previsível (risco da relação). Aceitar esse frágil argumento significa ignorar o estado de ânimo afetado da vítima (honra subjetiva), patrimônio moral tutelável.



3 Divórcio e União Estável: Obrigação de Indenizar em Caso de Dissolução dos Vínculos



A partir da EC nº 66/2010, alterando a redação do art. 226, § 6º, da CF (o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio), surgiram manifestações no sentido de ter sido banida a culpa como razão ou fundamento para dissolver casamentos. Esses comentários buscam sensibilizar os operadores jurídicos de ser o debate sobre a culpa um mal inútil, devido a ser possível alcançar, sem identificar culpados e estigmatizá-los, os mesmos resultados a que se chega sacrificando os infratores. Esse discurso charmoso não impressiona os destinatários (cônjuges inocentes), sendo que eles, nem sempre movidos por revanchismo ou outro sentimento vil, procuram, nas entranhas dos ordenamentos, os textos que definem as garantias de seus direitos, diante da falência matrimonial derivada de conduta desonrosa.



O divórcio desburocratizado é uma realidade que chegou em bom momento, preenchendo um vazio produtor de instabilidades sociais. Todos perseguem um relacionamento duradouro e completo em termos de satisfações conjuntas e nem sempre conseguem, o que é bem compreensível diante das dificuldades com os desafios da rotina, a qual enfraquece o mais nobre e vigoroso dos sentimentos. Os divórcios são celebrados quase na mesma proporção em que os casamentos se realizam, o que prova que a dissolução do vínculo não é encarada como problema, mas, sim, solução por abrir, pelo desatar dos laços, oportunidades para novos relacionamentos. Porém, facilitar o divórcio não significa dizer que os abusos e as ilicitudes dos cônjuges estão liberados, como se o mais importante para a família passasse, doravante, a ser o instituto do divórcio vazio ou cheio de vilipêndios.



Todo o cônjuge que se sentir traído ou ofendido por condutas consideradas desonrosas (art. 5º, caput, da Lei nº 6.515/77 e art. 1.573 do CC) poderá exigir que o juiz decrete o divórcio com reconhecimento e declaração da culpa, e não há motivo plausível para que se decomponha esse processo, como está sendo advogado pelos doutrinadores que, adeptos da solução dinâmica para o divórcio, consideram que o cônjuge deverá ajuizar duas ações distintas, sendo uma para obter o divórcio e outra para discutir a culpa como objeto de regulamentação dos alimentos e de direitos que versem o nome. O ideal é concentrar, unificar e economizar procedimentos para celeridade, o que se obtém eliminando ações paralelas que só dificultam a marcha em frente do processo civil e, por isso, considero que o juiz deve admitir que se promova a ação de divórcio, com denúncia de violação dos deveres do casamento, em um só libelo, lembrando que, para o caso de urgência da dissolução, nada obsta que se antecipe a sentença (art. 273 do CPC), de modo a resguardar as faculdades civis dos litigantes. Não é razoável obrigar o cônjuge a protocolizar duas petições, sendo uma para obter o divórcio e outra para alimentos por ser inocente e dependente econômico (art. 1.694 do CC).



A obrigação de indenizar decorre da violação dos deveres do casamento e dos efeitos do ato lesivo. O casamento não exonera ninguém do dever fundamental de não lesar outrem, e não é possível entender que a ofensa física praticada fora do lar produz o dever de indenizar, enquanto a mesma atitude ofensiva cometida no recesso do lar não o faz. Isso é absurdo e convém apenas admitir que talvez exista uma certa dificuldade em provar a ilicitude, como reclama o art. 333, I, do CPC, sabido que a responsabilidade por ofensas físicas ou verbais é de ordem subjetiva. Portanto e que não paire dúvida: a responsabilidade civil estendeu o seu manto protetor para as relações de família e deve atuar prontamente para reparar o dano injusto.



O cônjuge prejudicado deverá ajuizar ação de indenização concomitante com o divórcio ou separação, e adianto minha discordância sobre a afirmação de não existir mais o instituto da separação judicial ou consensual. Essa é outra interpretação que precisa ser analisada com cautela, visto que os cônjuges poderão optar pela separação e não o divórcio, e não cabe ao juiz intervir para determinar o que é melhor para eles, sabido que o art. 1.513 do CC estabelece que ser "defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família". Tenho ouvido de colegas que a separação não produz resultado útil, o que explicaria indeferimento e extinção de tal processo se os postulantes não optassem pelo divórcio, e fico imaginando como é possível decidir contra a vontade dos cônjuges que estão pedindo que se homologue a separação do casamento e não que se dissolva o casamento pelo divórcio. Imagino que, se a moda pega, logo devemos aceitar que o juiz designado para resolver incidentes da habilitação de casamentos aja, de ofício, indeferindo as propostas matrimoniais para mandar todos viverem em união estável, apenas por entender que a informalidade da vida em comum é mais vantajosa.



Retornando ao ponto anterior (necessidade de ser ajuizada ação de reparação civil em ação autônoma e concomitante ao pedido de separação ou divórcio), é essa exigência uma questão de interesse moral do pedido (art. 267, VI, do CPC). Não é possível que o cônjuge que reclama indenização do outro, pela violação dos deveres matrimoniais, continue casado ou coabitando com o infrator, por ser incoerente esse estado de coisas. O direito de indenização decorre da ofensa que motiva o divórcio e a separação litigiosa, sendo uma consequência que se postula em ação autônoma pela diversidade do enfoque jurídico do pedido principal. A competência é do juízo da vara de família, por ser ação decorrente da relação matrimonial, existindo conexidade que justifica o apensamento para, eventualmente, proporcionar decisões conjuntas (art. 106 do CPC).



A experiência judiciária permite afirmar que existem decisões favoráveis sobre indenização de dano moral para mulheres agredidas por maridos violentos, sabido que a ofensa à integridade física, a par de tipificar o crime definido no art. 129 do CP, constitui lesão ao direito de personalidade (ofensa à saúde), acrescentando que, se da ofensa resultar aleijão ou incapacidade, caberá indenização por dano estético e indenização pela incapacidade profissional (arts. 949 e 950 do CC). Ofensas verbais que não se imunizam pela retorsão imediata e racional são, igualmente, humilhantes e vexam os ofendidos, notadamente se forem expelidas em público e acompanhadas de afirmações injuriosas de conotação sexual que afrontem os sentidos da intimidade (art. 5º, V e X, da CF).



Os anais de jurisprudência informam que o segredo da gravidez adulterina revelado após longos anos de fraude da paternidade biológica conspurca o juramento de fidelidade e desonra o traído que, por anos, é mantido no erro, justificando deferir a ele a indenização por dano moral a ser paga pela mulher, sem prejuízo de revogação do reconhecimento de paternidade, caso não seja possível mantê-lo diante da paternidade socioafetiva. Relatei um caso horrível em que se admitiu a indenização por dano moral pelo fato de o marido já de idade avançada, ter abusado sexualmente do próprio neto, quando a Turma Julgadora considerou que a descoberta de uma perversão dessa índole, do homem que dividia a sua cama, causa uma indignação para a mulher capaz de perturbá-la para sempre. Também em outra ocasião subscrevi voto condutor de acórdão que estabeleceu o dever de pagar dano moral para a esposa que foi contaminada por doença sexualmente transmissível (sífilis e clamídia), tendo o varão admitido ter contraído a doença em coito praticado, sem preservativos, com prostituta de rua.



O emblemático nesse terreno diz respeito ao adultério. A fidelidade é dever do casamento e da união estável, sendo que a inobservância do compromisso gera a crise própria do que seria, para muitos, erro fatal e imperdoável. O adultério, que consiste em manter vida sexual com outro, enquanto coabita pelo casamento, nunca será abonado juridicamente, salvo quando se provar que o adúltero foi encaminhado para o deslize pelo cônjuge que se diz vítima da traição, o que é raro (e não impossível) de se verificar. Contudo e ainda que sobrem razões íntimas que o infrator suscite para justificar seu comportamento, o fato é que, enquanto persistir a vida em comum, não lhe é facultado transgredir o voto de confiança que estrutura a coabitação regular e socialmente produtiva. Assim e embora o adultério constitua a causa eficiente para decretar o fim anormal do casamento, não há uniformidade quanto a constituir tal infração uma fonte objetiva do dever de indenizar.



O adultério possui graduações pelas maneiras como se concretiza, embora o resultado destrutivo para a relação seja sempre agudo. Porém, e isso obriga refletir, nem sempre o adultério é tornado público ou de conhecimento de terceiros e, por vezes, tanto homem e mulher agem com discrição e poupam os cônjuges das adversidades e maledicências. Ainda que constitua quebra do dever de fidelidade, não há ofensa à honra, reputação, imagem do outro e, por isso, não cabe indenização por dano moral (art. 5º, V e X, da CF). Também não é permitido ignorar ser o adultério o fim da linha de um programa continuado de ofensas recíprocas, constituindo o ato derradeiro de uma batalha de vida infeliz, cujo grau de desinteligência e hostilidade foi animado pela mútua intransigência e revanchismo dos cônjuges. Nesse clima de irracionalidade em que a razão permanece obscura na névoa da beligerância recíproca, não soa razoável condenar o adúltero pela sexualidade alternativa que, nesse contexto de tudo errado, constitui, no aspecto dano moral, pecado venial.



Fui voto vencido em acórdão muito comentado e continuo convicto de que, naquela hipótese, o adultério que o marido praticou com a mulher que se imiscuiu na vida do casal como sendo a melhor amiga da esposa traída, justificava a incidência do art. 5º, V e X, da CF. Isso porque não foram somente as sessões de adultério na própria residência do casal que agravaram o quadro, mas, sim, a maneira como os amantes assumiram o caso, pois, de abrupto e sem qualquer comunicação, empreenderam fuga, permanecendo a esposa sem qualquer fonte de subsistência, com o encargo de criar dois filhos, o que foi desastroso, pelo menos em relação a um deles (viciou-se em drogas ilícitas). Sempre que o adultério for praticado de maneira a causar um mal maior do que perturbação do amor e confiança traídos, cabe conceder o dano moral que compense o trauma externo que resulta dessa violação.



O que se escreveu para o divórcio incide para a união estável, que é, como diz o art. 226, § 3º, da CF, entidade familiar. Quem vive em união estável não se matrimonia por pura opção, embora carregue, no espírito, os mesmos ideais da vida em comum, especialmente a obrigação de lealdade que prolonga e dá estabilidade ao convívio, sem o que não resiste aos sólidos fundamentos de projeto familiar (art. 1.723 do CC). Existe um diferencial nos dois organismos (casamento e união estável) digno de meditação quando em pauta a responsabilidade civil, e estou me referindo ao modo de dissolução. É possível especular que os interessados possam ser tomados da falsa impressão gerada pela ausência de papéis assinados para regularizar a junção de corpos, de ser permitido dispensar o companheiro, quando constatada a insuportabilidade da vida em comum, sem os cuidados com os direitos fundamentais do ser humano, o que constitui ilícito civil. Há, pois, evidente abuso de direito em desalojar o parceiro em condições adversas e por meio de ações que provocam vexame, humilhações e constrangimentos, lembrando sempre que o dano moral existe para compor lesões ao direito da personalidade e ofensas contra as graves desumanidades que não se admitem sequer quando o descontrole explode pelas contendas sentimentais.



4 Responsabilidade pelas Violações dos Deveres de Guarda e Visitas



Os adultos resolvem suas pendências, e os filhos menores, quase sempre, são os que sofrem as piores consequências da quebra da affectio maritalis. Isso invariavelmente ocorre ainda que concorram justas razões para o divórcio, sabido que as crianças sempre desejam que os pais continuem unidos, como se a presença deles fortalecesse o próprio abrigo e sua vida, o que é bem compreensível. O fato é que uma vez decidido pelo término da relação, é necessário dar atenção aos filhos menores, na tentativa de amenizar os impactos do vazio que se abre com a divisão de moradias dos pais.



Infelizmente os casais separados não fazem bom uso da guarda compartilhada (art. 1.584 do CC). Existe uma predileção pela unilateralidade da guarda, que, por vocação instintiva, é deferida para a mãe da criança, e logo surgem as desavenças derivadas das infantis intransigências no exercício do direito de visita (art. 1.589 do CC), mormente quando alguém assume o novo amor. As acusações se proliferam, e o juiz tenta, sem sucesso, a conciliação, revelando os processos que chegam ao Tribunal que o clima entre os divorciados e companheiros separados atinge uma escala de irracionalidade e de violência física e verbal totalmente prejudicial ao desenvolvimento psíquico da pobre criaturinha entrincheirada nas proposições radicalizadas dos pais. E fica pior quando é verificado que os avós entram na disputa para agravar a discórdia familiar.



A guarda compartilhada evitaria todo esse imbróglio e constituiria uma passagem inofensiva da transição a ser superada na adaptação dos filhos menores às vidas separadas dos pais, desde que a eles fossem oferecidas condições propícias. Os cônjuges e companheiros ainda não tomaram consciência de que o sistema jurídico foi alterado nesse segmento exatamente para proteger os menores dos desmandos cometidos por mágoas e ressentimentos amorosos, sendo necessário advertir que não se valorizaram os aspectos propedêuticos das sanções impostas pelo descumprimento (§§ 4º e 5º do art. 1.584 do CC). O juiz deve agir com firmeza para impedir que a alienação parental se transforme na síndrome que inferniza a vida das crianças, não só estabelecendo diretrizes e metas para que as visitas se façam sem martírios, como reduzindo prerrogativas tanto do guardador como do visitador. Não se descarta inverter a titularidade da guarda quando se verifica a inaptidão do escolhido, sendo de bom alvitre que se nomeie parente próximo para o mister quando os pais forem ineptos para o bom termo. A criança tem o direito preponderante, e todas as incursões necessárias para que seus interesses fiquem garantidos serão realizadas, ainda que para isso seja preciso afastá-las da convivência dos pais irresponsáveis e levianos.



Os filhos que não recebem as visitas dos pais, apesar de ter sido regulamentado esse direito, são titulares do direito indenizatório? Em se verificando que a ausência do visitador é repetida de forma inconsequente (sem as razões para a falta), essa conduta poderá ganhar status de ilicitude, em se verificando que o menor a ser visitado sofre demasiadamente com o descaso paterno ou materno, como, por exemplo, seguidas decepções angustiadas pela espera inútil, após ansiosa preparação para o encontro. Independente de caracterizar abandono afetivo, o visitador que não avisa dos desencontros ou da impossibilidade de comparecimento, gerando uma expectativa que se transforma em sentimento ruim pela frustração, deverá ser compelido a pagar uma multa (astreinte) para eliminar o mau vezo que depõe contra valores morais do filho repudiado. A aplicação da pena prevista no art. 461, § 5º, do CPC poderá ser imposta de ofício pelo juiz que se preocupa com o exato cumprimento dos acordos que envolvem filhos menores. Caso não se altere o proceder, poderá o filho exigir uma indenização pela humilhação do descumprimento.



É boa a discussão sobre a utilidade da indenização que se manda pagar em caso de recusa ao cumprimento do direito de visita, porque não irá auxiliar o propósito de aproximar pai e filho distanciados. Concorda-se que a solução indenizatória não contribui em nada para abrandar corações duros ou frios e nunca foi estímulo para o desabrochar de sentimentos ocultos ou adormecidos, o que não significa que tenha de ser descartada, pois se as multas não persuadiram o infrator e não existe a menor perspectiva de mudança saudável dos hábitos egocêntricos, a indenização aparece como benefício a uma vítima que não conta com outra opção para remediar o mal sofrido. A compensação financeira, no contexto, representaria um antídoto para a rejeição que atormenta, servindo para que a criança obtenha, com os privilégios financeiros, satisfações materiais que poderão contemporizar a dor experimentada. Não se está, com tal veredicto, condenando o pai pelo desamor, mas, sim, pelos efeitos do procedimento omisso que causa constrangimento, sofrimento, dor e vergonha (dano moral subjetivo).



Certa vez e durante conferência jurídica organizada pela AASP, fui indagado sobre eventual responsabilidade civil do sujeito que exerce a guarda e que coloca obstáculos e dificuldades ao direito de visita. Esclareci que tudo dependeria das provas sobre os episódios e dos resultados adversos dessa política insana. Não se permite que o visitador fique acomodado diante dessas ocorrências, sob pena de perder a legitimidade quanto ao direito de reivindicar direitos pela frustração do convívio, pois quem não reclama e exige respeito está sinalizando que se contentou com a situação, fato que elimina o dano indenizável. Portanto, provado que o visitador não consegue conectar-se com o filho por uma inadimplência incontrolada do titular da guarda, poderá, sim, ser exigida uma indenização pelo sofrimento e angústia que daí derivam. O filho que descobre ter perdido o amor filial pelo comportamento imprudente de quem detinha a guarda, é, igualmente, titular do direito indenizatório, patente o nexo de causalidade (art. 403 do CC) dessa ilicitude com o dano íntimo do tempo perdido ou do sentimento que não mais se resgatará.



O abandono afetivo continua presente na pauta dos debates, apesar do precedente isolado do colendo STJ, negando indenização pleiteada por um filho que se disse repudiado pelo pai, quando foi explicado que o desamor não é indenizado. Ocorre que há um equívoco na inserção desse fundamento, pois o motivo da pretensão ressarcitória não está calcado na exclusão do afeto, mas, sim, pelo não cumprimento dos deveres paternais previstos no art. 227 da CF. Não basta pagar alimentos para ser pai presente, pois a ordem jurídica exige mais, embora não chegue ao extremo de obrigar que o pai ame o filho. O que se obriga é que se respeite o ser humano que cresce, dedicando a atenção e o cuidado básicos para que o desenvolvimento da personalidade ocorra naturalmente pelo avançar cronológico. Ninguém poderá forçar um pai ou mãe a permanecer em contato vinte e quatro horas ou todos os dias do ano, sabido que as particularidades individuais justificam formas variadas para cumprimento da solidariedade familiar. O que não se admite é o completo isolamento ou a total indiferença, como se o filho não existisse ou que representasse um estranho indigno da atenção moral que se deve dedicar a um desconhecido (ou até aos bichos), porque esse comportamento configura um desprezo a quem, por razões de família, não pode ser ignorado.



Os juízes criaram uma jurisprudência formidável para restaurar os efeitos do abalo de crédito, porque sensíveis ao drama do sujeito que sofre uma inscrição indevida nos órgãos que cadastram devedores inadimplentes. Para essas vítimas da retração da confiança dos lojistas e banqueiros, que não mais fiam crediário para quem figura em listas emitidas pelo Serasa, SPC e outros, os magistrados concedem indenizações de valores variados e não há o que controverter sobre o acerto de tais julgamentos, pois comete ilícito e dano indenizável quem, indevidamente, coloca o sujeito em situação constrangedora. Ocorre que essa mesma justiça que aplica bem os pressupostos da responsabilidade civil para os cadastros indevidos nega a indenização para os filhos rejeitados e que sofrem pela indiferença e abandono dos pais. Inusitado paradoxo.



É difícil sustentar que filhos merecem abandono. Normalmente são eles atingidos em tenra idade, com a inocência purificada, e não há como atribuir a eles algum erro ou culpa. Poderá, em casos de filhos adolescentes, existir alguma rota de colisão que possa justificar um distanciamento e, salvo essas graves e extraordinárias hipóteses, o abandonador não poderá jamais culpar o filho ou quem detém a guarda para justificar a sua falta. Enjeitar o filho contrasta com o dever do pai de subsidiar o crescimento sereno da criança ou do adolescente e, se ficar demonstrado que essa negligente conduta causou um distúrbio psíquico que representou um ponto no somatório de efeitos ruins de um estigma imerecido, cabe indenização que tem como referência os arts. 5º, V e X, 1º, III, e 227, todos da CF c/c o art. 186 do CC.



Não custa lembrar que a indenização por abandono afetivo depende da prova do dano a ser compensado, que tanto poderá consistir no lado subjetivo (sofrimento, angústia, baixa estima, introversão, depressão, etc.) ou no aspecto objetivo (repercussão dos deslizes e desmandos na órbita social do abandonado, como ausência nas festas, solenidades, dias especiais comemorativos, etc.), o que reclama cuidado na confirmação do nexo de causalidade entre o abandono e os prejuízos citados. A Quarta Câmara de Direito Privado negou indenização a uma moça que se dizia (e foi) abandonada pelo pai, porque as provas demonstraram que, apesar da ausência paterna, o desenvolvimento psíquico foi regular e normal, tendo ela se transformado em adulto bem resolvido, obtendo graduação em Direito, com imediata aprovação na OAB e perfeita socialização. A conclusão foi a de que não se provou o dano indenizável.



A indenização por abandono afetivo não é uma resposta tardia para o descaso e a desumanidade familiar, como se fosse uma arma que se detona para arrancar da alma a revolta de uma infância ou adolescência que poderia ser mais feliz. A indenização é eficaz para o caso de confirmação do prejuízo decorrente da ilicitude, pelo não cumprimento dos deveres fundamentais dos pais, servindo para consolar o infeliz, permitindo que o dinheiro proporcione o mínimo que lhe foi negado pelo infortúnio da paternidade irresponsável. O lesado é titular do mesmo direito que a jurisprudência assegura aos destinatários do dano moral, como o sujeito que tem seu nome inscrito nas listas de devedores inadimplentes.



TITLE: Family Law and liability.



ABSTRACT: Assuming that have occurred in marriage, tort which caused damage to the innocent spouse, the law provides means for composing the effects of illegality, making the monetary compensation of actual damages (financial loss measurable by simple calculation due to reduction of assets) or the economic revival, when there is wounded feelings, which seeks compensation in cash in order to minimize the trauma of the injury.



KEYWORDS: Family Law. Disruption of Engagement. Divorce. Stable Union. Obligation to Indemnify.


quarta-feira, 6 de junho de 2012

STF DEFINE CRONOGRAMA DE JULGAMENTO DO MENSALÃO


Em Sessão Administrativa realizada nesta quarta-feira (6), os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) marcaram para o dia 1º de agosto o início do julgamento da Ação Penal (AP) 470, que trata do chamado mensalão. Pelo cronograma aprovado, serão nove sessões, até o dia 14 de agosto, para sustentações orais – do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e dos advogados dos 38 réus. A fase de votação deve começar no dia 15.
A decisão foi unânime, a partir de proposta apresentada pelo ministro Celso de Mello – decano do Tribunal.
As sessões terão cinco horas de duração, com início às 14h. No primeiro dia, o ministro Joaquim Barbosa, relator, fará a leitura de uma síntese do relatório. A seguir, será a vez do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que terá até cinco horas para sua manifestação.
No dia 2 de agosto (quinta-feira), começam as sustentações orais dos 38 réus. Cada advogado terá até uma hora para apresentar a defesa no Plenário do STF. Na sexta-feira, dia 3, não haverá sessão. A partir de segunda-feira (6 de agosto), as sessões serão diárias – de segunda a sexta-feira –, com cinco sustentações orais por dia.
Nessa fase concentrada de sessões diárias, as sessões das duas Turmas do STF serão realizadas nas manhãs de terça-feira. As sessões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), das quais participam três ministros do STF, serão iniciadas às 20h, e não às 19h, como de costume, segundo informou a presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha.
No dia 15 de agosto, deve começar a fase em que serão proferidos os votos dos ministros. Nessa etapa, as sessões serão realizadas três vezes por semana (às segundas, quartas e quintas), a partir das 14h. Segundo o ministro Joaquim Barbosa, não há previsão de quantas sessões serão necessárias para concluir o julgamento.
O relator será o primeiro a votar, no dia 15. Depois dele, vota o revisor da AP 470, ministro Ricardo Lewandowski, e, em seguida, a votação segue por ordem inversa de antiguidade, da ministra Rosa Weber, a mais nova na Corte, até o ministro decano, Celso de Mello, sendo o presidente da Corte, ministro Ayres Britto, o último a votar.
A validade do cronograma aprovado foi condicionada à liberação do processo pelo revisor, ministro Lewandowski. Logo após a sessão administrativa, o ministro confirmou, por meio de sua assessoria, que concluirá seu voto até o final deste mês.
Não participaram da sessão, por motivo de viagem, os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.
VP/EH
Fonte: STF

segunda-feira, 4 de junho de 2012

AÇÕES COLETIVAS COMO INSTRUMENTO DE EFETIVIDADE DAS RELAÇÕES DE CONSUMO, ANALISANDO A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE



Dirceu Pereira Siqueira*

José Luiz Ragazzi**
Sumário
1. Introdução: 2. Legitimação Coletiva: 2.1. Legitimação Coletiva Ativa: 2.2. Legitimação Coletiva Passiva: 3. O direito fundamental à efetividade do processo: Conclusão: Bibliografia.
Considerações Iniciais
Ao tratarmos de tutela coletiva como instrumento de efetividade das relações de consumo, passamos a analisar um tema que vêm ganhando espaço em todas as esferas do mundo jurídico, especialmente no tocante ao direito do consumidor, afinal, este por certo merece realce maior quanto ao tema, afinal, a relação de consumo permeia a vida do cidadão no seu dia-dia, sendo que a descoberta de meios que visem facilitar estas relações são extremamente relevantes ao ordenamento jurídico.
E neste contexto, devemos ressaltar que a massificação que tomou conta do estado moderno vêm ganhando espaço pois, atravessamos cotidianamente disputas que envolvem grupos das mais diversas posições, sendo que a cada momento que assim ocorre temos o envolvimento de lides coletivas, e com isso, enraizado a este fenômeno temos novidades no contexto jurídico que nos leva a uma reflexão diária afim de aferir melhores meios para disposição destas lides, e que merecem destaque face a importância "coletiva" que nos traz.
Assim, nos enfrentaremos o tema no que se refere essencialmente a legitimidade nas ações coletivas frente a relações de consumo, aspecto este que vêm merecendo destaque no cenário nacional do direito coletivo, e com isso, vem ganhando espaço nas divergências doutrinárias, opondo grande parte da doutrina acerca do tema, sendo que em todo momento, temos novos posicionamentos, que retratam posicionamentos dos mais relevantes.
No tocante a "legitimidade", o trabalho visa contrapor posições doutrinárias já existentes, especialmente no tocante a legitimidade passiva, pois esta tem, ao longo do tempo contraposto concepções jurídicas doutrinárias das mais renomadas, ensejando verdadeiros embates doutrinários.

  • Fonte: Migalhas

domingo, 3 de junho de 2012

AS GERAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS

Terceira Geração

OS DIREITOS DOS POVOS OU DA SOLIDARIEDADE

O mundo convive, na proximidade do século XXI, com o paradoxo da crescente internacionalização dos direitos humanos, cada vez mais entronizados no direito interno estatal, e a flagrante escalada de novas formas de imperialismo, de dominação e de violação costumaz desses próprios direitos. Do domínio das armas ao controle econômico, dos boicotes ostensivos aos subornos de todo tipo, da especulação das empresas transnacionais à cumplicidade de oligarquias locais, das regras unilaterais de mercado ao peso das dívidas externas, do mega-protecionismo aos impedimentos de uma tecnologia autóctone – tudo conduz a uma realidade profundamente desigual entre as coletividades organizadas do planeta. E o lado fraco no jogo de interesses desta era pós-industrial, inegavelmente, são os países subdesenvolvidos, de industrialização periférica e economia centrada na exportação de matérias-primas (uns mais, outros menos).

A bissegmentação mundial entre países ricos (hemisfério Norte) e países pobres (hemisfério Sul) e o desnível entre eles existente, como se sabe, é um fato histórico relativamente recente. Em todas as sociedades civilizadas do mundo, o nível básico de vida foi praticamente o mesmo, até o Renascimento (séculos XIV-XV). A revolução comercial (mercantilista) acabou cavando diferenças em favor dos países que se dedicaram ao comércio externo e ao colonialismo. Com a Revolução Industrial (séculos XVIII-XIX), as sociedades industriais passaram a Ter, em relação às sociedades que permaneceram agrárias, vantagens cada vez mais aceleradas. E a nova Revolução Industrial, especialmente a sociedade terciária e informacional contemporânea, faz multiplicar essa vantagem, por um fator altíssimo, em benefício dos membros do restrito clube pós-industrializado.

Ao mesmo tempo, ao longo desse processo, sobressai toda uma tradição de lutas políticas e econômicas de cada povo e cada país pelo seu livre desenvolvimento, e que progressivamente passaram a Ter amparo jurídico internacional. Das batalhas anticolonialistas à guerra contra o poderio tecnológico-industrial, da resistência frente ao expancionismo personalista à oposição anti-imperialista – em nenhum desses momentos têm faltado contribuições e sacrifícios, a título pessoal ou coletivo, em prol da liberdade, da paz e da justiça social no plano internacional.

A saga societária para liquidar a opressão – qualquer que fosse sua forma ou pretexto – e pela afirmação soberana dos povos, tomou vulto no século XIX, com o direito de “autodeterminação dos povos” ou “princípio das nacionalidades”. Mais precisamente a partir de 1820, quando uma ordem de movimentos liberais irradiou-se pela Europa. Associados aos ideais de democracia, república ou monarquia constitucional, intensificaram-se os anseios e iniciativas de cunho nacionalista. E, ao contraditar-se o princípio do “legitimismo” – reacionária posição do Congresso de Viena (1815) para conservar o absolutismo -, formulou-se o “princípio das nacionalidades”: todo povo que se considerasse uma mesma nação (identidade ética-cultural) deveria constituir-se em Estado independente, livre do jugo estrangeiro; e, da mesma forma, as diversas parcelas de uma nação deveriam fundir-se num só Estado.

O direito de “autodeterminação dos povos”, pois, se forjou na crença da soberania popular, nascida nos embates ideológicos das revoluções burguesas, que vieram substituir o absolutismo feudal pelo Estado capitalista liberal. Segundo ela, todo poder emana do povo e, portanto, só ao povo cabe decidir sobre seu próprio destino, estribada em rico filão documental: Declaração de Virgínia – 1776 (art. 2º), Declaração francesa de 1789 (art. III), Declaração francesa de 1793 (arts. XXIII a XXVI). Já na época das revoluções socialistas e dos movimentos de libertação nacional, que são marcas registradas do século XX, a idéia de soberania popular ganha uma dimensão incomparavelmente maior e mais concreta, sendo exemplos: as transformações e reformas sócio-econômicas que se efetuam, a socialização de boa parte da economia, o surgimento de uma economia nacional independente – atualmente, a preocupação central da maioria dos países do Sul; indubitáveis tentativas, na ótica do especialista José MONTESERRAT Fº, de construir, por caminhos diversificados, “uma base material ampla, um patrimônio dinâmico e produtivo de toda a nação, capaz de elevar sensivelmente os padrões de existência, cultura, produtividade e participação de todos os setores da população ou, pelo menos, de sua maior parte” (O que é Direito Internacional, SP, Ed. Brasiliense, 1982).

Ao término da II Guerra Mundial, após a derrota dos Estados totalitários nazi-facistas, 51 países reuniram-se em São Francisco (EUA) e firmaram a Carta fundadora das Nações Unidas, em 26 de junho de 1945. Por via dessa Carta, o princípio da “autodeterminação” se estabeleceu em definitivo no Direito Internacional, pois faz parte dos propósitos da ONU “desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direito e de autodeterminação dos povos” (Artigo 1, alínea 2). Reconhecendo o princípio da “autodeterminação”, reafirmado em inúmeros documentos, o Direito Internacional rejeitou toda e qualquer idéia de estagnação de povos ou Estados e a defesa intransigente do “status quo” (situação vigente). Ademais, aceitou a tese de mobilidade histórica e progresso social, franqueando a possibilidade aos povos e países de, legitimamente, aspirar e galgar sempre mais elevados níveis de organização interna e desenvolvimento. Em outras palavras, cotejando tão somente o artigo 55, da Carta da ONU, e o art. XXVIII, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é válido concluir que: a) os direitos econômicos, sociais e culturais são direitos do cidadão e dever do Estado; b) o Estado, absorvendo em si os direitos individuais e coletivos, passa a agente prestador dos direitos humanos, ao tempo em que também ele se torna beneficiário da nova ordem internacional que se preconiza para a realização de tais direitos. Todavia, conquanto seja responsável pela consecução de medidas que materializem os direitos econômicos, sociais e culturais, o Estado tem o direito de autodeterminar-se nos seus assuntos internos, sem qualquer ingerência externa. Ficam no ar as perguntas: todos os Estados dispõem dos recursos necessários para tornar efetivos os direitos de Segunda geração? Quantos Estados têm condições de se autodeterminarem nas relações externas? Onde a nova ordem recomendada?

Talvez seja oportuno descortinar a realidade mundial advinda depois da Última Grande Guerra: a) consolidação da hegemonia norte-americana no campo capitalista; b) constituição do sistema socialista internacional sob a liderança da URSS (cujo sistema-satélite recém-desintegrou-se); c) supressão do colonialismo; d) industrialização das periferias; e) formação e consolidação das corporações transnacionais (ou multinacionais); f) desenvolvimento da revolução científico-tecnológica baseada na contínua automação do processo produtivo.

Junto com a valorização do ideal democrático, ocorreu a divisão do mundo em dois blocos de poder – Estados Unidos (Ocidental capitalista) x União Soviética (Comunismo). Com estes, teve início a “guerra fria”, com a instalação de bases militares norte-americanas na Europa Ocidental, a teoria do “perigo comunista” e a venda de armamentos. Os soviéticos, por sua vez, também construíram sua bomba atômica e cuidaram de assistir a seus aliados. E a humanidade passou a viver não mais sob a ameaça de conflitos convencionais, de genocídios e matanças localizadas, mas sob o signo da destruição total.

Por outro lado, as novas relações internacionais desse pós-guerra apresentou novos autores, com o processo de descolonização da Ásia e da África e as lutas contra o racismo e o “apartheid”, ensejando inclusive a oficialização do movimento dos países não-aliados (não participação em blocos militares), através da célebre Conferência de Bandung (Indonésia), em 1955. Aliás, essa Conferência ratificou o princípio da “autodeterminação, que desde a Carta da ONU (1945) vinha servindo de base legal para a histórica campanha que fez soçobrar quase por completo o colonialismo. Nesse ponto, impõe-se um parêntese: é impossível negar que a breve história política desses povos, vindos de conquistar a independência, demonstra suficientemente que a autodeterminação de cada qual foi, em grande parte, fictícia. Faltavam-lhes, por certo, os meios para satisfazer as mínimas demandas da população, num sério questionamento aos solenes enunciados de direitos.

A par disso, o panorama mundial apresentou, nas duas últimas décadas, uma nova e complexa gama de situações, a influir na realidade e nos anseios do Terceiro Mundo. O risco da solução final, de um descomunal conflito nuclear “sem vencedores”, levou ao câmbio das regras da guerra fria pelas da coexistência pacífica. No bojo desse arranjo de conveniências – dos anos 70 para os 80 -, o conflito, a competição e a cooperação vieram operando no quadro de uma ampla confrontação industrial e tecnológica que, nos seus desdobramentos, mantiveram e ampliaram a repartição do mundo em dois segmentos de países: um desenvolvido (Norte) e outro subdesenvolvido (Sul). E mais,: a rápida modernização do planeta, o domínio da comunicação e da informação, o aumento da produtividade de uns poucos pela informatização (Japão, Estados Unidos e alguns países europeus), a relativa “Pax Americana” diante do colapso da URSS (hoje, CEI), a impraticabilidade de um desarmamento real e a formação de megamercados regionais, são alguns outros fatores a comprovar o agravamento do desnível Norte-Sul na presente década.

Essa rápida análise, por modesta que seja, revela uma nova etapa na evolução e no conceito de direitos Humanos. Assim, a terceira geração de direitos surge na paulatina conscientização, por parte das nações menos desenvolvidas, da necessidade de uma mudança de situação, com condição primordial ao alcance dos meios que permitam a plena vigência dos direitos humanos.

A indissociabilidade dos direitos individuais e coletivos, bem como a consciência de que sua fruição por inteiro é proporcional ao esforço conjugado do Estado, do indivíduo, dos grupos sociais e das diferentes nações, levaram os países pobres a encetar movimentos e reivindicações comuns, inclusive valendo-se de eventuais relações multilaterais, como ocorreu com a proposta de “patrimônio comum da humanidade” quanto aos recursos dos fundos oceânicos, defendida pelo “Grupo dos 77” – número originário do bloco dos países terceiro-mundistas, articulado dentro da ONU, nos anos 70.

Foi com esse espírito que, na Conferência de Argel, em 1976, um grupo de países do Sul proclamou a “Declaração dos Direitos dos Povos”. Nela propuseram a busca de “uma nova ordem política e econômica e internacional, em cujo contexto possa dar-se “o respeito efetivo dos direitos humanos”. E, no mesmo ano, a V Conferência de Cúpula dos Países Não-Aliados, em Sri Lanka (ex-Ceilão), definiu – com validade hodierna: “Só uma reestruturação total das relações econômicas internacionais, mediante o estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional, permitirá aos países subdesenvolvidos alcançar um nível aceitável de desenvolvimento”.

Corroborando com tais assertivas, o “Simpósio de especialistas sobre o tema dos direitos de solidariedade e direitos dos povos”, convocado pela UNESCO, em San Marino (1984), concluiu que os direitos proclamados (através da ONU) são os direitos dos povos à sua existência, à livre disposição dos recursos naturais próprios, o direito ao patrimônio natural comum da humanidade, à autodeterminação, à paz e à segurança, à educação, à informação e à comunicação, a um meio ambiente são ecologicamente equilibrados. O corolário desses direitos todos vem a ser o direito ao desenvolvimento, “de cuja realização se deriva, com efeito, o respeito da maioria dos demais direitos e liberdades dos povos” (art. 38).

O tema do “direito ao desenvolvimento” tem originado debates e levantado muitas expectativas na conjuntura contemporânea. Ele é defendido por Z. HAQUANI como “um conjunto de princípios e regras no fundamento dos quais o homem, enquanto indivíduo ou membro do corpo social (Estado, nação, povo...) poderá obter, na medida do possível, a satisfação das necessidades econômicas, sociais e culturais indispensáveis a sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade”. E, K. M. BOYE afirma, quanto a esse direito, que os seus credores são os indivíduos, os povos e os Estados, enquanto os devedores se resumiriam na totalidade da comunidade internacional. A ONU, em algumas de suas resoluções, já incluiu o direito ao desenvolvimento nos direitos humanos. Por último, renomados estudiosos consideram-no, ao mesmo tempo, como um direito do Estado e um direito da pessoa humana. (Apud Celso D. de Albuquerque MELLO, Curso de Direito Internacional Público – 1º vol., 9ª ed., RJ, Ed. Renovar, 1992).

Para muitos, na sociedade internacional em que vivemos, caracterizada por uma verdadeira “revolução mundial” – composta de uma série de “revoluções contínuas” – criam corpo as exigências de novas medidas e mentalidades quanto à aplicação dos direitos humanos na perspectiva dos interesses coletivos. Dessa forma, a redefinição da ordem internacional, no interesse dos povos do Terceiro Mundo, aponta para os seguintes requisitos:

Reconhecimento do direito a um desenvolvimento livre de ingerências externas, que não implique em qualquer forma de dominação, hegemonia ou atrelamento, com rigoroso respeito à integridade territorial desses países e inviolabilidade de suas fronteiras;

Reconhecimento de plena soberania dos países do Sul sobre os seus próprios recursos naturais e atividades econômicas essenciais, também assegurando-se-lhes, de fato, a completa igualdade nas relações econômicas internacionais;

Criação de mecanismos internacionais para firmar uma redistribuição justa das receitas procedentes do intercâmbio econômico em favor dos países subdesenvolvidos. Isso inclui o direito de controlar as atividades e lucros das multinacionais, uma política democrática de preços das matérias-primas, e, a ampliação da ajuda financeira e técnica aos países atrasados/dependentes;

O predomínio da cooperação e da multipolaridade entre nações, sujeitando-se o exercício da soberania ao princípio da “função social”;

O direito a um meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado, o que questiona os modelos desenvolvimentistas adotados;

O direito à utilização do “patrimônio comum da humanidade”, ou seja, o acesso compartido dos povos aos recursos do alto-mar, dos fundos oceânicos, do espaço exterior e das regiões polares.

Assim, tais direitos dos povos ou de solidariedade podem e devem servir às transformações imprescindíveis na conjuntura mundial, conforme vão se consolidando como instrumento de moralidade política internacional, favorecendo o desenvolvimento de relações justas, equânimes, pacíficas e solidárias.


A PROTEÇÃO INTERNACIONAL

DOS DIREITOS HUMANOS


Os direitos humanos são cada vez menos matéria de jurisdição doméstica dos Estados Unidos, para cada vez mais interessar e obrigar a totalidade da vida internacional. A solidificação e a prática desses direitos, porém, se estribam em três premissas inconfundíveis: a sua entronização e respeito na ordem interna de cada país; a sua incorporação no direito internacional; e, a criação de instrumentos de controle que impunham a sua aplicação.

Na verdade, o problema de fundo dos direitos humanos, hoje em dia, não é tanto o de declará-los ou de encontrar argumentos para justificá-los – que existem, e muitos -, mas sim o de protegê-los. Vale dizer, a sua realização se situa no terreno político, e não filosófico.

O primeiro passo, taxativamente, foi a transposição desses valores basilares para as Cartas Políticas que se tornaram praxe com os movimentos revolucionários do século XVIII, fórmula com que se buscou conferir-lhes o máximo de eficácia. Assim, os direitos individuais (civis e políticos) e os direitos coletivos (econômico, social e cultural) foram, aos poucos, integrando os textos constitucionais ou a legislação positiva da maioria dos Estados. Contudo, a experiência tem demonstrado tanto no passado como no presente, que muito embora afirmadas e garantidas constitucionalmente, as liberdades públicas – assim nominadas a positivação, pelo poder estatal, das duas classes de direitos – não raramente se apresentam divorciadas da realidade do povo. Essa circunstância dicotômica, encontrada em muitos países – ontem ou hoje -, deve ser atribuída a um claro desvirtuamente da própria idéia de Constituição, ardilosamente perpetrada pela classe dirigente, mas que não invalida a contínua necessidade desse instrumento na efetivação dos postulados democráticos. Sobre esse tema (Constituição), sua importância e alguns desdobramentos, veja-se o capítulo Constituição e Cidadania.

Por outro lado, os desequilíbrios sociais impulsionados pela Revolução Industrial e os efeitos múltiplos das duas grandes guerras da primeira metade do século XX, sacudiram a consciência mundial e levaram – Estados , grupos sociais e indivíduos – a valorizar o tema dos direitos e garantias da pessoa humana, na evidência de que ninguém poderia Ter par ou desfrutar das liberdades enquanto perdurassem as estruturas sociais injustas. Portanto, a começar com a Carta das Nações Unidas (1945), a explicitação e a defesa dos direitos humanos ganharam relevo inusitado, cada vez mais merecendo a atenção e mesmo sendo objeto direto de inúmeras declarações e atos jurídicos internacionais (bilaterais ou multilaterais, celebrados por Estados ou Organizações).

Ora, o prévio reconhecimento do ser humano como sujeito de direito das normas internacionais é a condição “sine Qua non” para se discorrer sobre a proteção dos direitos básicos na ordem internacional (da Segunda metade do século) – sem desacreditar o acervo contributivo existente, de maneira especial o gestado no período entre-guerra (1919-1938). Nesse particular, a maior parte dos doutrinadores contemporâneos defende a posição de que são sujeitos de Direito Internacional: os Estados, as organizações externas, o próprio homem; isto é, cada ente que possuir direitos e deveres perante o regramento jurídico internacional. Para Celso de Albuquerque MELLO, comungando da orientação jusnaturalista, existem duas fortes razões para o homem ser considerado pessoal internacional: a) a própria dignidade humana, que leva a ordem jurídica internacional a lhe reconhecer direitos fundamentais e procurar protegê-los (O homem “é um fim em si mesmo” - J. Maritain); b) a própria noção de direito, “obra do homem e para o homem” (Ob. Cit. Pág. 624). De fato, com a democratização do DI, não se pode mais negar a personalidade internacional do indivíduo; o homem é tão pessoa internacional quanto o Estado, apenas a sua capacidade jurídica e de agir é bem mais limitada. Inclusive, é expressivo o fato de já se notar inúmeros autores que pregam um Direito Internacional dos Direitos Humanos como uma especificidade, porque ele é posto em movimento pelo indivíduo, enquanto o DI Geral o é pelo Estado. Assinale-se, outrossim, que a década de 80 foi caracterizada por um rico desenvolvimento dessa área jurídica, tanto na interpretação dos direitos fundamentais como na criação e florecimento de mecanismos mais eficazes para sua proteção.

A par disso, tornou-se necessária a instalação de instâncias ou mecanismos controladores da ação dos Estados, quer para fazê-los respeitar os direitos da população de seu território, quer para impedi-los a honrar os princípios do direito internacional. Esses organismos se classificam em universais e regionais, diferenciando-se de acordo com sua composição, seus objetivos e métodos de trabalhos e, por derradeiro, sua competência.

Nessa altura, a questão que se coloca para o Direito Internacional é que lhe falta o poder coercitivo, por não se vislumbrar mundialmente um órgão de controle direto e fiscalizador, com aptidão de exigibilidade sobre as ações violadoras de um Estado. Os atos dos sistemas (universais/regionais) de proteção existentes têm apenas um caráter moral, de repreensão ao Estado infrator e de alerta à comunidade internacional, intentando fazer cessar a violação. Em outras palavras, o Direito Internacional, contrariamente ao Direito interno, não tem governo nem polícia, e seus tribunais de justiça não têm jurisdição obrigatória, ou seja, eles só julgam e decidem se entre as partes envolvidas houver um acordo nesse sentido, aceitando o julgamento e a executoriedade da sentença que for lavrada.

Ademais, acabam se chocando os mecanismos de controle com o velho conceito limitado de soberania nacional, que tem como colorário o princípio da “não-intervenção” em assuntos de responsabilidade interna de cada Estado. Essa concepção irrestrita de soberania impede as ação efetiva dos organismos estabelecidos na sociedade internacional para a defesa dos direitos gerais da humanidade.

A dificuldade de punir os Estados transgressores, enquanto compreendidos os sistemas de proteção internacional como expressão exclusiva das conveniências estatais, tem levado não poucos experts” a denunciar uma diferença de tratamento nessa matéria motivada por uma compreensão bipartida dos direitos humanos. Assim, os direitos individuais (civis e políticos), institucionalizados há mais de trezentos anos, encontram-se amparados, dentre outros meios, pela faculdade que têm os particulares e os Estados de apresentarem denúncias de violação a órgãos internacionais (comissões ou tribunais especializados); das investigações pertinentes pode-se chegar à cessação coativa da ilegalidade e mesmo, à reparação dos danos causados. Os direitos coletivos (econômicos, sociais e culturais), entretanto, quiçá porque elaborados mais recentemente, gozam de menor arrimo, que consiste o mais das vezes numa espécie de controle político do cumprimento das obrigações assumidas pelos Estados; os organismos se cingem a fazer “recomendações” de caráter geral, pois boa parte das convenções não exigem que os países implementem de imediato tais direitos. O procedimento díspar dispensado a tais categorias de direitos, lamentavelmente para a população terceiro-mundista, foi reforçado pela própria Assembléia Geral da ONU, em 1966, quando aprovou dois Pactos Internacionais distintos: um sobre “Direitos Econômicos, Sociais e Culturais” e outro sobre “Direitos Civis e Políticos” – fórmula na época considerada mais propícia à vinculação dos Estados, sem indicar com isso uma ordem de precedência entre ambos os tratados.

Ao contrário do que pensam alguns, os direitos de segunda geração e os de terceira, não podem ser vistos como normas secundárias ou inferiores, esvaziadas de anteparos legais e abandonadas aos casuísmos dos governantes. E aos Estados se inviabilizou, nas últimas décadas, a possibilidade de esquivarem-se do compromisso/dever de defenderem e de proporcionarem o alcance dos direitos e garantias essenciais com a surrada cantilena de que os grandes instrumentos nesse campo encerram “efeitos unicamente morais”. Essas assertivas de há muito deixaram de ser polêmicas, dado o cunho imperativo que a ordem jurídica internacional decidiu conferir a tais direitos, percebidos no conjunto de suas três gerações. Senão vejamos:

Os sistemas de proteção dos direitos capitais, logrando superar a ortodoxa distinção entre os tratados (como instrumentos vinculantes) e as declarações (não obrigatórias), sujeitaram ao Estado aos dispositivos destas últimas. Em vista disso, a Carta das Nações Unidas (1945) contém postulados obrigatórios para os países, uma vez que os direitos do homem é uma das finalidades da ONU; o seu desrespeito ensejaria uma incongruência na própria sociedade internacional, já que os Estados-Membros poderiam violar um dos objetivos da referida organização. Por seu turno, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) – que inicialmente carecia de obrigatoriedade -, teve o seu conteúdo posteriormente incorporado ao direito consuetudinário através da prática dos Estados e dos organismos (universais ou regionais). A obrigatoriedade da Declaração Universal foi, afinal, reconhecida pela Ata Final da Conferência Internacional sobre Direitos Humanos, celebrada em Teerã (1968), ao aclamar que “a Declaração (de 1948) enuncia uma concepção, comum a todos os povos, dos direitos iguais e inalienáveis da todos os membros da família humana e a declara obrigatória para a comunidade internacional”. Além disso, a Declaração Universal tem sido aplicada reiteradamente pela Assembléia Geral em resoluções que condenam violações de direitos e tem exercido uma grande influência na legislação e nas constituições dos países, e inclusive utilizada por tribunais nacionais. Fechando esse ponto, tome-se a abalizada orientação do Juiz da Corte Internacional de Justiça, E. Jiménez de ARECHAGA, centrado em decisões daquele organismo, no sentido de que a norma que passou “a ser parte do corpus do Direito Internacional geral” (pela via consuetudiária) ... é tida como obrigatória ao Estado “automaticamente e independente de qualquer manifestação de consentimento, tanto expresso como emplícito, que este último tenha prestado” (Apud. Daniel O’DONNELL. In: “Proteccion Internacional de los Derechos Humanos”.

Por outro lado, não há qualquer fundamento válido para os Estados desconsiderarem a estreita interligação e interdependência de todos os direitos humanos. Pelo contrário, nas últimas décadas intensificaram-se as decisões e as recomendações sobre a executabilidade global dos direitos, precipuamente os de primeira e Segunda geração (individuais e coletivos). O veredicto irrecorrível nessa questão foi dado pela Conferência de Teerã (1968), quando a ONU, comemorando o 20º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamou: “Sendo indivisíveis os direitos do homem e as liberdades fundamentais, o gozo completo dos direitos civis e políticos é impossível sem o gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais. Os progressos duráveis através da aplicação doas direitos do homem supõem uma política nacional e internacional racional e eficaz de desenvolvimento econômico e social”.

Apesar – e por causa – das dificuldades criadas pelo conceito de soberania absoluta do Estado no plano das relações internacionais, principalmente no tocante às prerrogativas fundamentais do ser humano, é alentador observar a multiplicidade dos mecanismos de proteção existentes a respeito, seja a nível geral ou regional. A partir da Carta das Nações Unidas (1945), podem ser destacados os seguintes documentos com tal destinação:

I. Tratados firmados sob os auspícios da ONU

(Declarações, Convenções, Pactos, Cartas)


1. Tratados Gerais:

* Declaração Universal dos Direitos do Homem – aprovada pela Assembléia Geral, reunida em Paris, no dia 10 de dezembro de 1948, (por 48 votos a favor e 8 abstenções)

* Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – aprovado pela Assembléia Geral, em 16 de dezembro de 1966 (105 votos a favor e nenhuma contra). Entrou em vigor no dia 30 de janeiro de 1976;

* Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos – também aprovado em 16 de dezembro de 1966. Entrou em vigor no dia 23 de março de 1976;

* Protocolo Facultativo relativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos – os dados são os números são os mesmos do Pacto já mencionado.


2. Tratados Específicos:

proteção da Mulher – Convenção sobre os Direitos da Mulher (1952 e 1963), Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (1967), Declaração sobre a Proteção de Mulheres e Crianças nas Emergências e nos Conflitos Armados (1974), Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (1979);

Contra a escravidão e a discriminação – Convenção de Genebra sobre a Abolição da Escravatura (1953, 1956), Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravidão, o Tráfico de Escravas e práticas análogas (1956), Convenção da OIT pela eliminação da Discriminação (1951, 1960 e 1965), Convênio da UNESCO relativo à luta contra a Discriminação na Área Educacional (1960), Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial(1963), Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial (1965), Declaração da UNESCO sobre a Raça e os Preconceitos Raciais (1978), Declaração sobre a Eliminação de todas as formas de Intolerância e Discriminação fundada na Religião ou nas Convicções (1981);

Direito à vida, à integridade física e ao tratamento humano – Convenção sobre a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio (1948), Convenção de Genebra – de 1949 (“Art. 3 Comum”: garantias a toda pessoa que não participa ativamente da guerra), Declaração sobre a Proteção de todas as pessoas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas e Degradantes (1975), Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis ou Degradantes (1984), Protocolo visando abolir a pena de morte (1990);

Proteção aos Trabalhadores – Convenção da Organização da Organização Internacional do Trabalho (OIT), dentre as quais: nº 87 – sobre a liberdade sindical e a proteção do direito à sindicalização (1948), nº 98 – sobre o direito de sindicalização e de negociação coletiva (1949), nº 105 – sobre a abolição do trabalho escravo (1957), nº 110 – sobre as condições de emprego e de trabalhadores nas plantações (1958), nº 141 – sobre as organizações de trabalhadores rurais (1975), nº 151 – sobre as relações de trabalho na administração pública (1976);

Direito ao Desenvolvimento – Declaração sobre a concessão de Independência aos Países e povos Coloniais (1960), Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos Estados (1974), Declaração Universal sobre a Erradicação da Fome e da Desnutrição (1974), Declaração sobre o uso do Progresso Científico e Tecnológico no Interesse da Paz e no Benefício da Humanidade (1976), Convenção sobre o Direito do Mar, de 1982 (oficializando o princípio do “patrimônio comum da humanidade”);

Outros assuntos – Convenções de Genebra sobre o Direito Humanitário (1949) e Protocolos Adicionais I e II (1977), Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados (1959), Convenção sobre a Imprescritibilidade de Crimes de Guerra e Crimes Lesa Humanidade (1968), Declaração dos Direitos dos Deficientes Mentais (1971), Declaração sobre os princípios fundamentais de Justiça para as Vítimas de Delitos e de Abusos de Poder (1985), Projeto de Declaração Universal dos Direitos Indígenas (1988), Convenção sobre os Direitos da Criança (1989).


II. Tratados firmados no Sistema Interamericano


* Cartada Organização dos Estados Americanos (OEA) – aprovada pela Nona Conferência Interamericana, reunida em Bogotá (Colômbia), no dia 30 de abril de 1948. Entrou em vigor em 13/12/1951 e foi reformada pelo Protocolo de Buenos Aires (1967);

* Declaração Americana sobre os Direitos e Deveres do Homem – aprovada pela Conferência de Bogotá, em 02 de maio de 1948 (antecedendo, portanto, a Declaração Universal da ONU;

* Carta Interamericana de Garantias Sociais – também assinada em Bogotá (1948), dispondo sobre direitos do trabalhador;

* Convenções Interamericanas sobre Concessão de Direitos Civis e de Direitos Públicos à Mulher – ambas em 1948;

* Convenção sobre Asilo Diplomático e Convenção sobre Asilo Territorial – ambas aprovadas na Décima Conferência Interamericana, realizada em Caracas (Venezuela), em 1954;

* Convenção Americana sobre Direitos Humanos, reunida em San José (Costa Rica), de 7 a 22 de novembro de 1969;

* Protocolo Adicional da Convenção Americana sobre Direitos Humanos na área de Direitos Humanos na área de Direitos Econômicos, Socais e Culturais – concluído em 1988, na cidade de San Salvador (República de El Salvador);

* Protocolo visando abolir a Pena de Morte – concluída em 1990.


III. Tratados firmados no Sistema Europeu e Africano


* Convenção Européia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais – aprovada pelo Conselho da Europa, no dia 4 de novembro de 1950, tendo entrado em vigor em 1953;

* Carta Social Européia – assinada em 1961, no âmbito do Conselho da Europa tratando dos “direitos coletivos”. Entrou em vigor em 1965;

* Protocolos Adicionais à Convenção Européia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais – aprovados pelo Conselho da Europa, dentre os quais: o de 1983, abolindo a Pena de Morte em tempo de paz; o de 1984 (Estraburgo), que amplia os direitos civis e políticos;

* Ata Final de Helsinque – aprovada pela Conferência sobre a segurança e a cooperação na Europa, em agosto de 1975, na cidade de Helsinque (Finlândia),. Assinada por 33 países europeus (lados Ocidental e Oriental), mais os Estados Unidos e o Canadá, a Ata possui uma sessão dedicada aos direitos humanos (nº VI);

* Carta Africana de Direitos do Homem e dos Povos – adotada pela Organização da Unidade Africana (OUA), em 1981, na cidade de Nairobi (Quênia). Ela enfatiza o “direito ao desenvolvimento” e os “valores africanos”.

Naturalmente, atuando como forças sócio-políticas e culturais a influir em matérias de tamanha magnitude, aparecem vários documentos não-governamentais e mesmo governamentais alternativos, de que são exemplos: a) Declaração Universal dos Povos – aprovada em Argel, no ano de 1976; b) Declaração de Princípios para a Defesa das Nações Indígenas e Povos do Hemisfério Ocidental – aprovada em 1977, na Conferência Internacional das Organizações Não-Governamentais; c) Declaração de Alma Ata – formulada pela Conferência Internacional (não-governamental) sobre Cuidados Primários de Saúde, reunida em Ala-Ata, em 1978; d) Textos conclusivos das diversas conferências do “Movimento dos Países Não-Aliados” – Belgrado (1961), Cairo (1964), Lusaka (1970), Argel (1973), Colombo (1976), Havana (1979), Nova Delhi (1983), Harare (1986); e) Sentenças do “Tribunal Permanente dos Povos”.

Com base em muitos desses instrumentos arrolados, criaram-se órgãos jurisdicionais em vários níveis, ou seja, tribunais especializados com o objetivo de tutelar internacionalmente os direitos humanos, importa registrar, sinteticamente, alguns deles:

Na área de abrangência da ONU – a “Comissão de Direitos Humanos”, criada pelo Conselho Econômico e Social (ECOSOC), em 1946; e, o “Comitê dos Direitos Humanos”, proposto pelo Pacto dos Direitos Civis e Políticos, de 1966. Também podem ser citados, enquanto promotores dos direitos e garantias elementares, os seguintes organismos especializados da ONU: UNESCO (sobre educação, ciência e cultura), OIT (sobre o trabalho), FAO (sobre alimentação e agricultura) e OMS (sobre saúde);

No âmbito do Sistema-Interamericano – a “Comissão Interamericana de Direitos Humanos”, estabelecida pela Carta da OEA (1948),com sede em Washington; e, a "Corte Interamericana de Direitos Humanos”, decorrente da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1967), sediada em San José (na Costa Rica);

Na Europa Ocidental – a Comissão Européia de Direitos do Homem” e a “Corte Européia de Direitos Humanos”, ambos criados através da Convenção Européia para a Proteção dos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais (1950).

Verifica-se, pois, que o tempo das meras proclamações já foi superado e que, ao lado da relação dos direitos e das garantias, a ordem jurídica internacional está, progressivamente, provendo os direitos humanos através de instâncias formais, e mesmo informais, de controle.

Mesmo assim, é forçoso reconhecer que, apesar das atenuações, o Direito Internacional continua sendo predominantemente interestatal. Mais grave, o DI se fundamenta no Estado soberano, e boa parte dos países ainda não baniu a arbitrariedade que se esconde no conceito absoluto de soberania, cuja tendência é levar aos Estados a determinarem unilateral e discricionariamente o alcance de suas obrigações e de seus direitos. eis, simplistamente, o foco maior dos obstáculos à plena eficácia das normas de direitos humanos.

A questão, ao meu ver, não reside tanto na dificuldade de se impor sanções em caso de inobservância daquelas regras, já que na ordem interna (ou seja, em cada país) as punições existem, e nem por isso desaparece o desrespeito aos direitos. indo mais longe, há quem ensine que a ordem jurídica não subsiste apenas por causa da sanção, e que, a longo prazo, a vigência da ordem jurídica será proporcional ao grau de aceitação e aceitabilidade da mesma. Nessa linha, o internacionalista Celso de Albuquerque MELLO, com a lucidez que lhe é peculiar, expõe que nas relações externas “é extremamente difícil se organizar uma sanção coercitiva. É suficiente lembrarmos o poderio das grandes potências. É de se perguntar, nesse sentido, o que adiantaria organizar um exército internacional” (Ob. Cit., pág. 79).

Logicamente, quanto mais se produzirem e se fortalecerem as instituições e mecanismos voltados à defesa de tais direitos, tanto mais se progredirá no escopo de conter a proeminência do Estado na vida Internacional, e, inclusive, de se ver as normas jurídicas aplicadas independentemente de sua incorporação ao direito positivo dos países. Daí, pois, a luta sem trégua para a efetivação do conteúdo de tantos e tão nobres textos, ou, na expressão de Ruben HERNÁNDEZ e Gerardo TREJOS, a necessidade de se buscar “garantir as garantias” (Apud René Ariel DOTTI, Os Direitos Humanos: História e Aventura”. In: Cadernos de Justiça e Paz – nº 6, Curitiba, CJP?PR, 1984). Essa luta diz respeito a toda a humanidade, e nela repousa o futuro desta. E a garantia, de que os direitos de todos e todos os direitos sejam reconhecidos e acatados, tem como ponto de partida a consciência e o interesse de cada um pelos seus próprios direitos, para daí projetar-se, numa longa espiral de participação individual e ações grupais, ao plano internacional, onde se expressa em movimentos interestatais ou não-governamentais e nas pressões da opinião pública.

No mundo de hoje, os Direitos Humanos representam, mais do que nunca, o horizonte dos povos. O trabalho em seu favor não fica mais fácil quando já se consegue identificar o “inimigo”, mas seguramente isso ajuda bastante. De outra parte, se os omissos prejudicam a caminhada, a ela pouco acrescentam os que só fazem lamentar os percalços quanto a prática dos postulados essenciais. A nível individual, os três primeiros mandamentos dos que desejam a paz e a justiça são: descruzar os braços, jamais perder a esperança e nunca caminhar sozinho. Mas somente se poderá avançar com consistência se predominarem relações pacíficas, justas e solidárias na sociedade internacional – não só da parte dos indivíduos, mas também dos grupos sociais, das organizações e dos Estados.

Para os povos do Terceiro Mundo, a luta está muito além do reconhecimento formal dos direitos e da necessária revisão do Direito Internacional, consagrador por excelência dos interesses das grandes potências. A luta se trava na fronteira da solidariedade, contra a opressão, a exploração econômica e a miséria. A ordem é não esmorecer e a meta é a instauração de uma nova ordem internacional, onde os direitos humanos não sejam só um símbolo, mas a prática benfazeja da felicidade para todas as pessoas e todos os povos.

Wagner D'Angelis

 

 

sábado, 2 de junho de 2012

LIMITES DA AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA EM FACE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR É TEMA DE REPERCUSSÃO GERAL

A autonomia universitária das instituições privadas que prestam serviços educacionais encontra limites no Código de Defesa do Consumidor (CDC)? A questão teve a repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) e a decisão dos ministros no processo escolhido como paradigma – o Recurso Extraordinário (RE) 641005 – deverá ser aplicada a todas as ações judiciais semelhantes que estiverem em tramitação em todas as instâncias do Poder Judiciário.
O relator do RE é o ministro Luiz Fux. Segundo ele, “o tema constitucional versado nestes autos é relevante do ponto de vista econômico, político, social e jurídico, pois alcança uma quantidade significativa de instituições universitárias de direito privado e discentes de todo o país, podendo ensejar relevante impacto na prestação do serviço de educação”.
O processo em questão envolve uma instituição privada de ensino superior e a Associação de Proteção e Assistência ao Cidadão (Aspac), de Pernambuco, e nele discute-se se o pagamento de mensalidade pode ser efetuado de forma proporcional à quantidade de disciplinas cursadas pelos alunos. Para o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJ-PE), o contrato de prestação de serviços educacionais está sujeito ao Código de Defesa do Consumidor e, por isso, deve haver equivalência entre o serviço prestado e a contraprestação paga.
O acórdão do TJ-PE, contra o qual a instituição de ensino recorreu ao STF, afirma que “não pode prevalecer cláusula contratual abusiva que garanta a desproporcionalidade entre o valor cobrado e o serviço oferecido, com o consequente enriquecimento ilícito, em patente afronta ao Código de Defesa do Consumidor”. Para o TJ-PE, o regime pedagógico adotado pela universidade não pode se sobrepor à lei, mas sim adequar-se aos preceitos por ela estabelecidos.
No STF, a instituição privada de ensino argumenta que a decisão do TJ-PE viola os artigos 5º, inciso LV (que assegura aos litigantes o contraditório e a ampla defesa), 207, caput (que trata da autonomia universitária), e 209 (que dispõe que o ensino é livre à iniciativa privada) da Constituição Federal. Sustenta que os cursos que oferece seguem projeto pedagógico no qual as disciplinas curriculares são distribuídas em séries anuais ou semestrais, sendo inviável o fracionamento de disciplinas e, por inferência, a decomposição da mensalidade.
VP/AD
Processos relacionados
RE 641005

Fonte: STF

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...